Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2242/14.2TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
CONFISSÃO
DESPEDIMENTO DE FACTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- JOANA NUNES VICENTE, «Noção de Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade», Código do Trabalho – A Revisão de 2009, Coimbra Editora, 2011, 62.
- JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2011, Coimbra Editora, 79, 80.
- MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 131-133.
- MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, 2016, 51.
- VAZ SERRA, «Provas – Direito Probatório Material», Boletim do Ministério da Justiça, 1961, n.º 110, 183.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 352.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º 3, 466.º, 608.º, N.º 2, 663.º, N.º 2, 674.º, N.º 3, 679.º, 682.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 11.º, 12.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 9 DE JULHO DE 2014, PROCESSO N.º 2934/10.5TTLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1 – Na relação existente entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, provada a existência de duas ou mais das circunstâncias caracterizadoras dessa relação previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, presume-se a existência de contrato de trabalho;

2 – A presunção prevista no número anterior não impede o beneficiário da atividade prestada de demonstrar que, apesar da ocorrência daquelas circunstâncias, a relação em causa não é uma relação de trabalho subordinado.

3 – Não afasta a presunção referida no número 1 o facto de o pagamento do valor do serviço prestado pelo trabalhador ser calculado com base no número de horas prestadas e de nunca ter recebido quaisquer valores a título de subsídio de férias ou de Natal.

4 − O despedimento de facto terá de extrair-se de atitudes do empregador que revelem, inequivocamente, ao trabalhador, enquanto declaratário normal, a vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho.

5 – A confissão implica o reconhecimento pela parte da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (artigo 352.º do Código Civil) não tendo a natureza deste meio de prova as considerações jurídicas formuladas pela parte sobre o direito a aplicar na resolução do litígio.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA instaurou a presente ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a BB, peticionando a condenação desta a reconhecer a existência de um vínculo laboral entre as partes, a ilicitude do despedimento de que foi alvo e a pagar-lhe os créditos em dívida, acrescidos de juros e de uma indemnização por danos morais.

A Ré contestou impugnando a factualidade vertida na petição inicial e salientando que entre as partes nunca foi celebrado um contrato de trabalho, mas antes um contrato de prestação de serviço docente, que a Autora, aliás, assinou e cujas condições compreendeu e arguindo ainda a prescrição dos créditos laborais peticionados.

Respondeu a Autora à exceção deduzida pela Ré, concluindo pela sua improcedência e pela procedência da ação.

A ação prosseguiu os seus termos e veio a ser decidida por sentença de 22 de abril de 20106, que a julgou totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Inconformada com esta decisão, dela apelou a Autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso por acórdão de 8 de fevereiro de 2017, que integrou o seguinte dispositivo:

«Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente e, em conformidade, alterando a sentença recorrida, decidem:

a) Alterar a matéria de facto que constava do ponto 21º dos factos tidos por provados na sentença recorrida, nos termos supra referidos e que aqui se dão por reproduzidos;

b) Aditar aos factos tidos por provados na sentença recorrida, a matéria que consta dos pontos 55º e 56º anteriormente mencionados e que aqui se dá por reproduzida;

c) Reconhecer que, entre a Autora AA e a Ré BB existiu um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 1 de outubro de 2010;

d) Declarar a incompetência do tribunal do trabalho em razão da matéria para a apreciação do peticionado pela Autora/apelante na alínea d) dos pedidos formulados na sua petição inicial;

e) Absolver a Ré BB do mais que vem peticionado pela Autora AA.

Custas em ambas as instâncias a cargo da Autora e da Ré, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se essa proporção em 4/5 a cargo daquela e em 1/5 a cargo desta, isto sem prejuízo de apoio judiciário de que a Autora beneficie nos presentes autos.»

Inconformadas com este acórdão, dele recorreram, de revista para este Supremo Tribunal, a Ré e a Autora, esta na parte em que ali se decidiu que a mesma não fora objeto de qualquer despedimento e pela improcedência dos pedidos que derivavam daquela forma de cessação da relação em causa.

As alegações apresentadas integram as seguintes conclusões:

Recurso de revista da Ré

«A) O presente recurso tem por objeto o Acórdão proferido pela Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela A., concretamente no segmento em que em que reconhece que entre a A. e a R. existiu um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 1 de outubro de 2010 - alínea c) da parte decisória.

B) Segundo o entendimento do Tribunal a quo, resultou da matéria de facto que a A. beneficia da presunção legal de existência de um contrato de trabalho, ao abrigo do art. 12.º do Código do Trabalho.

C) A Ré, ora Recorrente, não poderá conformar-se com tal decisão, uma vez que o acórdão do douto Tribunal da Relação de Lisboa não tomou em consideração a força probatória da confissão da Autora relativamente a factos determinantes que não permitem ao Tribunal a quo concluir e decidir no sentido em que o fez, devendo, por isso, manter-se a decisão tomada em l.ª instância quanto a essa matéria.

D) Entende a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao decidir como decidiu, uma vez que a relação contratual existente entre as partes jamais poderia ser considerada como sendo um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviços.

E) Importa, antes de mais, traçar os principais elementos distintivos entre uma e outra figura jurídica, sendo que, tem sido considerado que os dois elementos essenciais que distinguem o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços são o seu objeto (prestação de uma atividade ou obtenção do resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação e autonomia).

F) A este respeito, seguindo as palavras utilizadas na sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, «o contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. Diversamente, no contrato de prestação de serviços, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efetiva por si, com autonomia, sem subordinação à direção da outra parte».

6) Contudo, nem sempre será possível distinguir estas duas figuras através do critério atrás enunciado, pelo que, tratando-se de um negócio consensual, «é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade revelada pelas partes, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a atividade - ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa - e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da atividade no âmbito daquela relação jurídica».

H) E, nesse sentido, é forçoso concluir que a Autora tinha perfeita consciência da natureza do vínculo contratual que a ligava à Ré e a que título iria lecionar ao seu serviço, o que, aliás resulta evidente das declarações por ela prestadas em julgamento.

I) Perante tais declarações outra conclusão não seria possível senão aquela a que chegou o tribunal de 1.ª instância, ou seja, de que estávamos perante um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, pois "em sede de declarações de parte da A. foi possível confirmar que a A. (...) conhecia bem as condições em que estava a ser contratada e que as aceitou, mormente, a forma de tributação e de pagamento".

J) Note-se que pese embora o Tribunal da Relação faça uma incursão pela prova produzida em audiência de discussão e julgamento, ignorou completamente a existência de confissão por parte da Autora ao aceitar as condições de prestação de serviços junto da Ré.

K) É certo que não resta qualquer dúvida de que as declarações proferidas pela Autora em sede de julgamento equivalem a confissão no que à sua vontade contratual diz respeito, e nessa medida, dispõe o n.ºs 3 do art. 466.º do CPC, que "o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão", devendo essa confissão considerar-se irretratável e com força probatória plena.

L) Ora, dispõe o n.º 3 do art. 674.º do CPC que "o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".

M) Com efeito, é nosso entendimento, ter existido ofensa de uma disposição expressa de lei que fixa a força de determinado meio de prova, concretamente, da que consta do art. 466.º/3 do CPC, não podendo o douto Tribunal da Relação de Lisboa, por essa razão, ter desconsiderado a referida confissão do facto que revela a real vontade da Autora na celebração do contrato de prestação de serviços com a Ré, pois que, no caso em apreço, a real vontade das partes na celebração do contrato é que deverá determinar a sua qualificação jurídica, uma vez que estamos na presença de uma situação de difícil análise.

N) Aliás, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça decide uma questão em tudo semelhante àquela que aqui se discute, em acórdão datado de 13-07-2004, no âmbito do Proc. n.º 437/03, entendendo que «não é de qualificar como contrato de trabalho, mas sim como contrato de prestação de serviços, a relação jurídica estabelecida entre um professor e uma Escola Profissional de Música, se aquele estava coletado nas finanças como profissional liberal, se estava inscrito na segurança social como trabalhador independente, se dava quitação das importâncias recebidas através do chamado "recibo verde", se não tinha que justificar as faltas, se não gozava férias nem recebia subsídio de férias nem de Natal, se a retribuição lhe era paga em função do número de aulas letivas efetivamente dadas, se simultaneamente prestava idêntico serviço a outra entidade, se havia contratos escritos que as partes haviam denominado de "contratos de prestação de serviços", se o número de aulas semanais era reduzido (entre 6 e 10) e podia ser alterado pela Escola em função do número de alunos inscritos e se, contrariamente ao alegado por ele, não ficou provado que estivesse sujeito a um horário de trabalho unilateralmente fixado pela Escola».

O) Bem como no acórdão proferido em 28/06/2006, no âmbito do Proc. 065900, acrescentando-se, aqui, serem irrelevantes determinados indícios de laboralidade para a determinação da existência de subordinação jurídica, uma vez que está em causa o exercício de atividade docente:

«1. Não configura um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviço, aquele que tem por objeto a docência de aulas de educação física, durante dez meses no ano (de setembro a junho), mediante a celebração de contratos denominados de prestação de serviços, se não estiver direta ou indiciariamente provado que a atividade do autor era exercida de modo subordinado.

2. A prestação da atividade em local indicado pelo réu, a vinculação a horário de trabalho e o pagamento de uma retribuição em função do tempo constituem indícios no sentido da subordinação jurídica.

3. Todavia, estando em causa a atividade docente, o valor desses indícios é praticamente nulo e não permitem, só por si, concluir no sentido da subordinação.

4. Mas, se dúvidas houvesse, elas ficariam anuladas face à restante matéria de facto provada, nomeadamente o ter sido dado como provado: a) que era o autor quem planeava, programava, orientava e avaliava o trabalho das respetivas classes e que só periodicamente (trimestral ou semestralmente) reunia com o coordenador geral, a fim de ser informado dos objetivos que o réu pretendia atingir na próxima temporada e a fim de se analisarem os resultados atingidos pelos praticantes; b) que o autor nunca recebeu férias, subsídio deferias e de Natal; c) que o autor estava coletado nas finanças e emitia "recibos verdes"».

P) É forçoso concluir que, não tivesse o Tribunal da Relação de Lisboa ignorado a confissão de um facto determinante em resultado das declarações prestadas pela Autora em sede de audiência de discussão e julgamento, outro entendimento não seria possível, senão concluir pela inexistência de uma relação contratual laboral.

Q) Acresce que, mesmo considerando a prova produzida em audiência de discussão e julgamento tal como fixada pelo Tribunal da Relação, não é certo dizer-se que estamos perante um contrato de trabalho, porquanto a existência de planificação e controlo de aulas não equivale a dizer-se que estamos perante subordinação jurídica.

R) Aliás, facilmente se depreende da leitura da matéria de facto dada como provada que a Autora sempre manteve uma determinada autonomia ao nível e gestão e organização de aulas, tendo deixado, sem quaisquer consequências, de exercer cargos de direção - vide ponto 29 - da matéria dada como provada.

5) Por outro lado, sempre foi remunerada em função das horas que prestava (vide ponto 20.), nunca tendo recebido quaisquer valores a título de férias subsídio de férias, ou de Natal (vide ponto 48.).

T) De resto, o facto da sua desvinculação, decidida pela própria, ter ocorrido sem qualquer aviso prévio à Ré, apenas comunicando aos pais dos alunos - e não à Ré diga-se - que já não dava aulas junto desta [vide pontos 42. e 43.), são comportamentos que revelam, por si só, a sua autonomia e que não podem deixar de ser, também eles, apreciados em conjunto com a matéria de facto dada como provada.

U) Face ao exposto, deverá a decisão proferida em acórdão pela Relação de Lisboa ser revogada, concretamente na parte respeitante à sua alínea c), em que se reconhece que entre a Autora e a Ré existiu um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 1 de outubro de 2010,

V) Em respeito aos princípios que subjazem à apreciação da prova e à convicção do julgador.

Assim se fazendo inteira JUSTIÇA!»

A autora não respondeu ao recurso interposto pela Ré. 

Recurso da Autora

«I - O presente recurso tem por objeto o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa - Secção Social, que julgou parcialmente improcedente o recurso de Apelação interposto pela A., no segmento que decidiu absolver a Ré "do mais que vem peticionado pela Autora", plasmado na alínea e) da decisão posta em crise, com fundamento na circunstância da A., ora Recorrente, não ter provado, ónus que lhe cabia, ter sido despedida por parte da Ré, ora Recorrida.

II - Ainda segundo o entendimento do Tribunal a quo, não tendo a A. logrado demonstrar factos que pudessem levar a concluir ter sido despedida pela Ré "de modo algum se pode concluir estar-se perante o despedimento ilícito da mesma por parte desta, razão pela qual não pode reconhecer os direitos que, a esse título, reclama através da presente ação - alíneas b), c), e), n) do pedido deduzido na petição inicial - soçobrando a mesma nessa parte".

 II - Entende a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao decidir como decidiu, neste segmento da alínea e) da decisão recorrida, por não ter aplicado aos factos dados como provados na 1.ª instância e aditados na 2.ª instância (em sede de Apelação) - mais concretamente aos factos transcritos nas Alegações, nos números 6 e 7 supra que aqui, por motivos de economia processual, se dão por integralmente reproduzidos - o disposto nos artigos 217.°, n.° 1 e 236.°, n.° 1, ambos do CC.

IV - Com efeito, aplicando o Tribunal a quo o disposto nos referidos dispositivos legais aos factos dados como provados, do comportamento concludente da Ré - ao não convocar a A. (excluindo-a voluntariamente, conforme email junto aos autos) para a reunião de professores do BB agendada e realizada no dia 21 de setembro de 2013, destinada a preparação do novo ano letivo 2013/2014 - não poderia o Acórdão recorrido deixar de deduzir e retirar, de forma inequívoca e segura, a vontade da Ré de fazer cessar o contrato de trabalho da A. para o futuro.

V - Considerando que foi dado como provado que a A. sempre foi uma profissional zelosa, assídua e competente; sempre participou e interveio nas reuniões de professores do BB; o e-mail era o meio usual utilizado pela Ré para convocar as ditas reuniões; a A. estava vinculada a ministrar as horas letivas que lhe eram atribuídas através de horários organizados pela Ré no início de cada ano letivo; a A. estava sujeita ao cumprimento de regras implementadas pela Ré nas suas instalações, entre as quais, a de comparência a reuniões de professores e de departamento para que fosse convocada.

VI - Ao não convocar a A., a Ré quis, perentoriamente, não contar mais com a sua prestação de trabalho, prescindindo e dispensando os seus serviços, não contando mais com ela no novo ano letivo em preparação, nem para o flituro. Após a interrupção do ano letivo das férias grandes, a Ré de forma tácita, expressou a sua vontade de não contar mais com a prestação de trabalho da A./Recorrente. Comunicou-lhe, assim, de forma indireta mas categórica, a sua vontade de pôr termo a relação contratual laboral que as unia, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 217.°, n.° 1 e 236.°, n.° 1, ambos do CC.

 VII - A cessação do contrato e vínculo que unia A./Recorrente e a Ré/Recorrida, por força da conduta e manifestação unilateral e tácita da vontade desta última, consubstancia assim uma verdadeira situação de despedimento (de facto) por iniciativa da empregadora que, por não precedido do competente procedimento disciplinar ou de qualquer outro formalismo/procedimento previsto no CT para fazer cessar o contrato de trabalho por iniciativa do empregador, deve ser considerado e declarado ilícito.

VIII - Por outro lado, a declaração (expressa ou tácita) do despedimento tem um destinatário: o trabalhador. É, por isso, uma declaração negocial recipienda (ou receptícia), na terminologia da doutrina, sujeita à disciplina do art.° 224.° n.° l do Código Civil, onde se dispõe que "A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida”.

IX - Por outras palavras, a declaração de vontade do empregador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, só é eficaz depois de ter sido recebida pelo destinatário, isto é, o trabalhador. Significa isto, então, que até esse momento não se pode falar de cessação do contrato de trabalho, mantendo este a plenitude dos seus efeitos relativamente a ambas as partes.

X - Considerando que a declaração tácita de despedimento da Ré - nos termos e para os efeitos do n.° 1 do art. 217.° e n.° 1 do art. 236.° do CC - através da qual esta manifestou a sua vontade de não querer mais contar com os serviços da A., fazendo cessar o seu contrato de trabalho, só ocorreu em finais de setembro de 2013, altura em que a A. tomou conhecimento de que tinha decorrido a dita reunião e foi confrontada com a cópia do email/convocatória que a Ré tinha enviado para todos os professores do BB, menos para ela, a cessação do contrato e do vínculo laboral só se operou nessa data, nunca antes, por se tratar de uma declaração receptícia (cfr. art.º 224.° 1 do CC).

XI - Como vem sendo entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, para que exista um despedimento - ainda que ilícito, como no caso em apreço, porque não precedido de nenhum dos procedimentos previstos no CT - basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro [cfr., Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 2.ª Edição revista e atualizada, Principia, 2002, pp. 74; e, na jurisprudência publicada e mais recente do STJ, os acórdãos de 05.4.2006, proc.º 05S3822, Vasques Dinis; de 14.03.2007, prc.° 06S2844, Mário Pereira; de 12.09.2009, proc.° 08S3617, Sousa Grandão; de 16.01.2008, proc.° 07S535, Mário Pereira; de 27.02.2008, proa0 07S4479, Pinto Hespanhol; de 23.04.2008, proc.° 07S4101, Bravo Serra; de 16.06.2008, proc.° 08S1249, Bravo Serra; de 3.06.2009, proc.º 08S3696, Sousa Grandão; de 17.06.2009, proc.º 08S3717, Sousa Grandão; e, 21.10.2009, proc.º 272/09.5YFLSB, Vasques Dinis, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/istil.

XII - Sufragando esse entendimento, entende a A., ora Recorrente, que a declaração expressa de despedimento por parte da empregadora não constitui requisito indispensável da figura do despedimento, não sendo este incompatível com a manifestação tácita da vontade de por termo ao contrato. Imprescindível é, sim, que, de forma inequívoca, se possa concluir do comportamento do empregador que foi essa a sua vontade, conforme ocorreu nos presentes autos.

XIII - Conforme é igualmente entendimento pacífico, tratando-se de declaração tácita, para que possa ser deduzida de atos que com toda a probabilidade a revelam (2.ª parte do n.° 1 do art.° 217.° do CC), deve ser dotada de sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, o qual deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.° 1 do art.° 236.° do CC, e como tal ser entendida pelo trabalhador.

XIV - O despedimento da A. operou-se, assim, em finais de setembro de 2013, altura em que a A./Recorrente tomou conhecimento e foi confrontada, nas descritas circunstâncias, com o seu despedimento. Até então, a A./Recorrente era trabalhadora da Ré/Recorrida, com contrato de trabalho plenamente em vigor.

XV - O art.° 340.° do CT prevê as várias formas de cessação do contrato de trabalho, depois concretizando, no que respeita à cessação por iniciativa do empregador, o despedimento por facto imputável ao trabalhador (art.° 351.°), o despedimento coletivo (art.° 359.°), o despedimento por extinção do posto de trabalho (art.° 367.°) e o despedimento por inadaptação (art.° 373.°). No caso dos autos, a Ré, para fazer cessar o contrato de trabalho da A., não observou, nem promoveu nenhum desses procedimentos.

XVI - Sendo os referidos procedimentos ou, melhor dizendo, o seu cumprimento, pressuposto da licitude do despedimento, é forçoso concluir-se pela ilicitude do despedimento (de facto) da A. promovido pela Ré.

XVII - Assim, mesmo por hipótese que não se concebe, a admitir-se que a A. tenha faltado ao serviço a partir de finais de junho de 2013, a partir do concerto do final do ano letivo de 2012/2013, a verdade é que NUNCA a Ré/Recorrida despontou ou promoveu, contra a A./Recorrente, qualquer procedimento disciplinar ou procedimento previsto no CT, apto a produzir a cessação do contrato de trabalho por iniciativa da empregadora e consequente extinção do vínculo contratual laboral. O contrato de trabalho da A. manteve-se, em consequência, plenamente em vigor até finais de setembro de 2013, data do seu despedimento de facto pela Ré.

XVIII - Pelo exposto e com o Douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso de Revista, devendo a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa- Secção Social ser revogada, concretamente na parte respeitante à sua alínea e), e substituída por outra que condene a Ré, ora Recorrida, nos pedidos deduzidos pela A. nas alíneas b), c), e) e n) da petição inicial, bem como no pedido de indemnização por danos não patrimoniais por esta peticionado na alínea o) do mesmo articulado, assim se fazendo INTEIRA JUSTIÇA!»

A Ré respondeu ao recurso da Autora integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A. Vem a Autora impugnar a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa na parte em que "não pode concluir pela verificação do invocado despedimento ilícito, com as consequências daí decorrentes», bem como na parte em que se confirmou encontrarem-se «prescritos os créditos laborais por esta [Autora/Apelante] reclamados na presente ação, com a consequência legal daí decorrente».

B. Importa, desde logo, referir, a título de consideração prévia, que a ora Recorrida não aceita e tão-pouco se conforma com a decisão do douto Tribunal da Relação de Lisboa no que respeita à alínea c) do segmento decisório constante do Acórdão proferido, segundo o qual se reconhece que, entre a A. (Recorrente) e a R.(Recorrida) existiu um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 1 de outubro de 2010. De facto,

C. Considera a ora Recorrida que, apesar de existirem elementos indiciadores da existência   da    relação   laboral,    a    confissão    levada   a   cabo    pela    Autora/Recorrente em declarações de parte e o comportamento da própria aquando a cessação do vínculo junto da Ré/Recorrida fazem cair por terra qualquer indício de laboralidade,

D. Para além de outra matéria de facto dada como provada, a saber: (i) A. e Ré nunca celebraram qualquer contrato de trabalho por escrito (Doc.7) - (ponto 15 da matéria de facto provada); (ii) Na última semana de junho de 2013 a Autora não realizou os ensaios que estavam  agendados para  a festa do final do  ano que se denomina BB de Lisboa em festa …, (vide doc. 5) - (ponto 36 da matéria de facto provada); (iii) igualmente não compareceu no concerto de final do ano letivo de 2012-2013 da orquestra de percussão que ela própria tinha agendado para o último fim de semana de junho (vide doc.4) - (ponto 37 da matéria de facto provada); (iv) Foi encontrado um professor de piano para substituir a A. - (ponto 39 da matéria de facto provada); (v) A A. esteve envolvida na preparação do evento descrito em 36 tendo agendado os horários das aulas extra de preparação dos seus alunos para os concertos agendados para o mês de junho - (ponto 40 da matéria de facto provada); (vi) A A. não comunicou à Diretora pedagógica a ausência ao evento descrito em 36ty, tendo esta tido conhecimento dessa ausência através dos pais dos alunos - (ponto 41 da matéria de facto provada); (vil) A partir de meados do mês de junho de 2013, a A. nunca mais compareceu nas instalações da Ré nem a contactou por qualquer forma, - (ponto 42 da matéria de facto provada); (viii) A A. transmitiu aos pais de alguns dos seus alunos que "já não se  encontrava a dar aulas no BB" - (ponto 43 da matéria de facto provada);

E. Pretende a Autora/Recorrente, nesta sede, ver declarado o despedimento ilícito, condenando a Ré/Recorrida dos pedidos que reclama a esse título,

F. Alegando que terá ocorrido um despedimento tácito pelo simples facto de a Autora/Recorrente não ter recebido o e-mail a convocá-la para uma reunião em setembro!

G. Pretende a Autora/Recorrente ver declarado o seu despedimento ilícito por não ter sido convocada por uma reunião, quando, meses antes, a própria já tinha expressado de forma inequívoca aos pais dos seus alunos que "já não se encontrava a dar aulas no BB",

H. Comunicado à diretora pedagógica que não ia comparecer à festa de final de ano agendada, e

I. Ausentando-se dos dias agendados para os ensaios dos seus alunos, sem dar qualquer justificação ou comunicação!

J. Perante aquela matéria de facto provada, resulta, inequivocamente, que a Autora/Recorrente, por iniciativa própria e em meados ou, pelo menos, no final de junho de 2013 fez efetivamente cessar qualquer que fosse a relação que mantinha com a Ré/Recorrida desde outubro de 2010,

K. Não se podendo inferir, da restante matéria de facto provada ter aquela sido despedida por esta, sequer tacitamente, em 21 de setembro de 2013 como a mesma alega!

L. Assim, ainda que se considerasse existir uma relação contratual laboral entre as partes, o que não se concede, certo é que, mesmo que à Recorrente se lhe colocasse a hipótese de aquela situação com que se deparava poder significar a vontade da Recorrida de colocar fim às relações contratuais consigo estabelecidas, deveria a Recorrente ter procurado o seu "empregador" ou um representante deste a fim de esclarecer a situação, como o faria o "declaratório normal" a que se refere o artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil - neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do proc. n.º 1059/10.8TTMTS.P1, em 29/10/2012.

M. E como, de resto, se conclui no Acórdão recorrido, "desconhece-se o facto que esteve na base da produção do mesmo e consequentemente não se pode apreciar a sua licitude e nexo de causalidade entre o facto e o dano".

N. Sem nunca conceder pela existência de um contrato de trabalho, que a própria Autora, ora Recorrente, em declarações de parte, sempre reconheceu como prestação de serviços,

O. Considera a ora Recorrida que nesta parte, andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, pelo que, deverá manter-se a referida decisão, concretamente, no segmento decisório ora impugnado pela Recorrente - alínea e) - negando-se provimento ao presente Recurso.»

Neste Tribunal o Exm.º Magistrado do Ministério Público proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, integrando a seguinte síntese conclusiva:

«Considerando que se demonstraram os índices acabados de referir e analisados os mesmos no contexto da relação em que a atividade foi prestada, nomeadamente, o facto de a autora haver prestado a sua atividade em regime de exclusividade para a ré, o ter desempenhado funções de coordenação pedagógica, no estabelecimento de ensino daquela e gozar 22 dias de férias em cada ano – características que revelam subordinação jurídica – concluímos que a autora beneficia da presunção contida no art. 12.º do CT – presunção que não foi ilidida pela ré como lhe competia – de que vigorou entre as partes um contrato de trabalho.

(…)

Não fluindo, pois, dos factos assentes, que a ré tenha despedido a autora, sendo que o ónus de prova de factos que pudessem demonstrar o despedimento recaía sobre a trabalhadora – art. 342.º, n.º 1 do CC -, arredada fica a possibilidade de ter existido um despedimento ilícito com as inerentes consequências legais».

Notificado este parecer às partes, não motivou qualquer tomada de posição.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa, na revista interposta pela Ré saber: a) - se «a decisão recorrida violou o valor probatório das declarações prestadas pela Autora no depoimento de parte e se tais declarações implicam confissão de factos incompatíveis com a existência de uma relação de trabalho subordinado entre as partes»; b) - se, mesmo atendendo à matéria de facto dada como provada pelo tribunal da Relação, não é possível afirmar a existência de um contrato de trabalho entre as partes.

Por sua vez, no recurso interposto pela Autora está em causa saber: a) - Se os factos dados como provados permitem afirmar que a autora foi objeto de despedimento por parte da Ré; b) - No caso de resposta afirmativa à questão anterior, as consequências jurídicas do invocado despedimento, à luz dos pedidos formulados pela Autora.


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1º- A Ré, comummente conhecida como “BB de Lisboa”, é uma escola privada de ensino artístico que iniciou a sua atividade, com a sua atual estrutura, valências e direção, em setembro de 2009, os seus alunos distribuem-se pelas suas cinco escolas: Escola …, Escola …, Escola …, Escola … e Jardim …/Jardim … BB de Lisboa;

2º- A Ré é uma associação privada, sem fins lucrativos, que prossegue fins de caráter cultural, pedagógico, educativo, desportivo e recreativo;

3º- A Autora é professora de … e de …;

4º- A Autora foi admitida ao serviço da Ré, em outubro de 2010, mediante contacto do seu Diretor, CC;

5º- A Autora foi contratada pelo Diretor da Ré para integrar a sua Escola MMM, como professora ...;

6º- Em outubro de 2010, a Autora começou a lecionar 6 horas semanais, sob o regime de “recibos verdes” (modelo n.º 337 da INCM), conforme resulta das cópias dos recibos de outubro e novembro de 2010, auferindo € 17,00 por hora de trabalho;

7º- No ano letivo 2011/2012, o número de horas letivas ministradas pela Autora nas disciplinas de Jardim Musical, Orquestra de Percussão e Piano, aumentou mas aquela continuou a auferir um vencimento mensal calculado em base horária, à razão de € 17,00 por hora de trabalho;

8º- À data, a Autora lecionava, em exclusividade, aos alunos da Ré,

9º - No letivo 2012/2013, a Autora foi convidada e aceitou assumir, complementarmente ao exercício das suas funções, a coordenação pedagógica;

10º- Por força dessas funções a Autora permanecia nas instalações da Ré muitas horas para além das horas letivas;

11º- A Autora desenvolvia as suas tarefas e funções nas instalações da Ré utilizando os recursos fornecidos pela Ré e que eram propriedade desta;

12º- A Autora gozava anualmente 22 dias úteis de férias, durante as interrupções letivas, designadamente no Natal, na Páscoa e no final do ano letivo;

13º- A Autora reportava toda a sua atividade diretamente ao Diretor da Ré, CC;

14º- A Autora participava e intervinha nas reuniões de professores do BB, quer nas reuniões pedagógicas, quer nas de avaliação;

15º- Autora e Ré nunca celebraram qualquer contrato de trabalho por escrito;

16º- Durante todo o ano letivo de 2011/2012 a Autora, para além das aulas de …, passou também a lecionar aulas de … e …;

17º- No ano letivo 2012/2013 (e durante todo o referido ano letivo), a Autora, além das referidas valências/aulas, assumiu, a convite do Diretor CC, a coordenação pedagógica, cumulativamente com parte das funções e tarefas de secretariado e de administração escolar, como a disciplina de Música para …;

18º - Recebendo como acréscimo pelo referido cargo de direção (Coordenação Pedagógica) – e como contrapartida da acumulação das novas funções – o valor correspondente a 5 horas/semana;

19º - Em 30/12/2012, a Autora apenas recebeu o valor correspondente a 50% do vencimento do mês de dezembro de 2012;

20º - Ao longo do período em que manteve a relação contratual com a Ré a Autora auferiu montantes de valor variáveis;

21º - A Autora estava vinculada a ministrar as horas letivas que lhe eram atribuídas através de horários organizados pela Ré no início de cada ano letivo, depois de auscultadas as disponibilidades dos professores e dos alunos, bem como tendo em consideração as disponibilidades em termos de salas de aula existentes.[1]

22º - A Ré mantém um conjunto de mecanismos para recompensar os professores cujos alunos obtenham resultados satisfatórios, designadamente, um acréscimo de 10,00 € por cada aluno que se inscreva nos exames internacionais ABRSM, exames da Rockschool, bem como no estágio de orquestra e de música de câmara;

23º- Bem como participação nos lucros das masterclasses organizadas pelos professores;

24º- A Ré incentiva os professores a apresentar propostas de recitais/concertos a solo ou inseridos num grupo de música de câmara;

25º- Durante as interrupções escolares da Páscoa, do mês de junho e do Natal, a Ré passou a não pagar à Autora as duas semanas de cada uma das referidas interrupções escolares;

26º- O Diretor CC, através de um email remetido aos professores, que a Autora também recebeu, avisou que o BB de Lisboa iria passar a fazer os mencionados cortes de 50% durante as interrupções letivas;

27º- Em resposta ao referido email/comunicação do Diretor do BB de Lisboa, a Autora respondeu informando-o que não concordava com esses cortes;

28º- A partir do mês de dezembro de 2012, inclusive, nos referidos períodos de interrupção escolar, a Autora passou a auferir e receber da Ré somente metade (50%) do vencimento a que tinha direito;

29º- Em inícios de 2013, a Autora deixou, por sua vontade e mediante prévia comunicação à Ré, de exercer o cargo de direção (Coordenadora Pedagógica) que vinha acumulando com as aulas de …, Música …, … e de … que ministrava no BB, deixando consequentemente de auferir o correspondente acréscimo salarial;

30º- Além dos referidos cortes, a partir de janeiro de 2011, a Ré passou a reter, mensalmente, 5% do vencimento da Autora, para efeito de descontos para a Segurança Social;

31º- A partir de janeiro de 2011, inclusive, do valor constante no recibo verde de cada mês emitido pela Autora, a Ré apenas pagava 95% desse montante, retendo os restantes 5%, alegando tratar-se de um imperativo legal;

32º- Durante uma reunião (do final do ano letivo de 2011/2012) que teve lugar em julho de 2012, o Diretor da Ré, CC, comunicou aos professores do BB de Lisboa, presentes na reunião, a alteração/redução do valor hora (valor de referência para o pagamento do vencimento) de € 17,00 para € 15,00;

33º- No início do ano letivo 2012/2013 (em outubro de 2012), a Ré, em vez dos € 15,00/hora, passou a pagar à Autora € 14,00/hora;

34º- Situação que perdurou até setembro de 2013;

35º- Depois da interrupção escolar das férias de verão, em 21 de setembro de 2013, nas instalações da Ré, teve lugar a reunião dos professores do BB de Lisboa, como habitualmente, para a preparação das aulas e do ano letivo que se iria iniciar no dia 1 de outubro de 2013;

36º- Na última semana de junho de 2013 a Autora não realizou os ensaios que estavam agendados para a festa do final do ano que se denomina BB de Lisboa em …;

37º- Igualmente não compareceu no concerto de final do ano letivo de 2012-2013 da orquestra de percussão que ela própria tinha agendado para o último fim de semana de junho;

38º- Situação que foi comunicada aos encarregados de educação pela Diretora Pedagógica da Ré DD;

39º- Foi encontrado um professor de piano para substituir a Autora;

40º- A Autora esteve envolvida na preparação do evento descrito em 36º), tendo agendado os horários das aulas extra de preparação dos seus alunos para os concertos agendados para o mês de junho;

41º- A Autora não comunicou à Diretora pedagógica a ausência ao evento descrito em 36º), tendo esta tido conhecimento dessa ausência através dos pais dos alunos;

42º- A partir de meados do mês de junho de 2013, a Autora nunca mais compareceu nas instalações da Ré nem a contactou por qualquer forma;

43º- A Autora transmitiu aos pais de alguns dos seus alunos que “já não se encontrava a dar aulas no BB”;

44º- Durante a relação contratual mantida entre a Autora e a Ré, aquela auferiu as seguintes retribuições:

- no ano da sua admissão/contratação, entre 01/10/2010 e 31/12/2010, a Autora auferiu a retribuição média mensal (média ponderada) de € 299,20;

- no ano de 2011, a Autora auferiu a retribuição média mensal (média ponderada) de € 480,65;

- no ano de 2012, a Autora auferiu a retribuição média mensal (média ponderada) de € 1.668,87;

- no ano de 2013, a Autora auferiu a retribuição média mensal (média ponderada) de € 2.122,40;

45º- A Ré não pagou à Autora o valor correspondente ao mês de junho de 2013, no montante de € 2.122,40;

46º- A Ré não pagou à Autora o valor correspondente ao mês de julho de 2013, no valor de € 2.122,40;

47º- A Ré também não pagou à Autora a retribuição correspondente ao mês de setembro de 2013, no valor de € 1.485,68;

48º- A Ré nunca pagou à Autora quaisquer valores a título de férias, subsídio de férias ou de Natal;

49º- A Autora sempre foi uma profissional zelosa, assídua e competente, sendo uma pessoa afável, de bom trato e com bom relacionamento pessoal e profissional;

50º- Era e sempre foi uma pessoa de prestígio, conhecida e respeitada pelas suas qualidades profissionais, humanas, éticas e morais, quer no meio laboral, junto dos colegas, seus educandos/alunos e respetivos pais, mas também na comunidade onde vive;

51º- Mergulhada num estado de constante angústia e elevado grau de ansiedade, teve necessidade de acompanhamento e tratamento médico especializado para superar e ultrapassar o trauma causado;

52º- Nesse período, a Autora sentiu grandes dificuldades em dormir, isolou-se da família e dos seus amigos;

53º- Sentiu-se psicologicamente e animicamente afetada e diminuída;

54º- A Autora teve, face aos problemas de saúde daí resultantes, de recorrer a apoio médico e ser medicada.

55º - A Autora, assim como os demais professores, estava sujeita ao cumprimento de regras implementadas pela Ré nas suas instalações, entre elas a de preenchimento do livro de sumários, a de reposição de aulas em caso de falta do professor e a de comparência a reuniões de professores e de departamento para que fosse convocada.[2]

56º - A Autora, à semelhança dos restantes professores, estava sujeita a controlo de assiduidade por parte da Ré.[3]


III

1 - Nas conclusões A) a P) da revista que interpôs insurge-se a ré contra a decisão recorrida, referindo que a mesma não valorou corretamente as declarações da autora prestadas em depoimento de parte, que em seu entender implicam confissão sobre a existência entre as partes de uma relação de prestação de serviço, pelo que o Tribunal da Relação teria violado o valor probatório dessa confissão, contrariando o disposto no n.º 3 do artigo 466.º do Código de Processo Civil.

Da análise das declarações prestadas pela Autora em depoimento de parte decorre o seguinte, de acordo aliás com as alegações apresentadas pela Ré:

«18. Ora no caso dos autos ficou claro através do depoimento de parte da própria A., que esta tinha perfeita consciência da natureza do vínculo contratual que a ligava à R., e a que título iniciou a lecionar na Associação.

19. Vide a propósito, as declarações por ela prestadas em audiência de discussão e julgamento, e que adiante se transcrevem:

(00:05:33-00:07:07)

Mm.ª JUIZ

Diga-me uma coisa, nessa altura, portanto, a Senhora trabalhava (entre aspas) exclusivamente para o BB ou também dava aulas noutros locais?

AUTORA

Eu quando entrei no BB [de Lisboa] estava no BB de ..., e saí do BB de ... para entrar no BB de Lisboa.

Mm.ª JUIZ

E nessa altura, quando veio de ... para Lisboa, como é que era feita a tributação dos seus rendimentos? Passava recibos verdes?

AUTORA

Eu tinha contrato de trabalho em ....

Mm.ª Juiz

Em ...... Mas aqui em Lisboa?

AUTORA

Recibos verdes.

Mm.ª JUIZ

Portanto diz que ganhava à hora...

AUTORA 17 €.

Mm.ª JUIZ

E quantas horas semanais é que teve nesse primeiro ano e quantas é que passou a ter no segundo?

AUTORA

Eu não me recordo quantas horas semanais tinha no primeiro ano. Eram de facto muito poucas, mas durante os três anos que estive no BB foi sempre aumentando. No segundo ano cheguei a ter 21,5 h, cheguei uma altura a ter 22h, e no terceiro anoja chegava às 40h.

Mm.ª JUIZ

Então e por que é que fez essa opção de trocar uma situação de contrato de trabalho, por uma situação em que passava recibos verdes? Por que optou por sair de ... e vir para Lisboa?

AUTORA

Porque as condições de trabalho não eram boas, era longe do local onde eu residia, e profissionalmente era algo que não me trazia grande motivação. Portanto quando eu fui trabalhar para o BB de Lisboa achei que fosse uma mudança mais positiva. Daí ter trocado de ... para Lisboa.

18. Tais declarações levaram o Tribunal de 1.ª instância a concluir que "em sede de declarações de parte da A. foi possível confirmar que a A. (...) conhecia bem as condições em que estava a ser contratado e que as aceitou, mormente, a forma de tributação e de pagamento. Também resultou que os horários eram fixados por acordo entre as disponibilidades de professores e alunos e salas do BB que estivessem vagas" - cfr. Sentença proferida pelo tribunal de l5 instância no âmbito do presente processo.

19. Concluindo pela existência de uma prestação de serviços e não de um contrato de trabalho.

20. Por sua vez, note-se, pese embora o Tribunal a Relação faça uma incursão pela prova produzida em audiência de discussão e julgamento,

21. Ignorou completamente a existência de confissão por parte da A. a aceitar as condições de prestação de serviços junto da R..

Senão vejamos,

22. De acordo com o supra exposto, não resta qualquer dúvida de que as declarações proferidas pela A. em sede de audiência de discussão e julgamento equivalem a confissão no que à sua vontade contratual diz respeito.

23. Nessa medida, dispõe o n.º 3 do art. 466.º do CPC, que "o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão" - sublinhado nosso.

24. Com efeito, não se discutindo nos presentes autos matéria sobre a qual não possa recair confissão das partes - o que sucede no caso das ações que tenham por objeto direitos indisponíveis -, se no decurso das suas declarações, a parte confessar algum facto, essa confissão será irretratável e terá força probatória plena.

25. Aqui chegados, importa atentar para a norma estabelecida no n.º 3 do art. 674.º do CPC, que dispõe o seguinte: "o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".

26. Com efeito, é nosso entendimento, ter existido ofensa de uma disposição expressa de lei que fixa a força de determinado meio de prova, concretamente, da que consta do n.º 3 do art. 466.º do CPC.

27. Motivo pelo qual, não poderia o douto Tribunal da Relação de Lisboa ter desconsiderado a referida confissão do facto que revela a real vontade da A. na celebração do contrato de prestação de serviços com a R.»

Decorre dos factos dados como provados nos pontos  n.ºs 6 e 7 que «em outubro de 2010, a Autora começou a lecionar 6 horas semanais, sob o regime de “recibos verdes” (modelo n.º 337 da INCM), conforme resulta das cópias dos recibos de outubro e novembro de 2010, auferindo € 17,00 por hora de trabalho» e que «no ano letivo 2011/2012, o número de horas letivas ministradas pela Autora nas disciplinas de …, …, aumentou mas aquela continuou a auferir um vencimento mensal calculado em base horária, à razão de € 17,00 por hora de trabalho».

A ré assenta o seu recurso, essencialmente, na alegação de que a autora não pode beneficiar da presunção legal de existência de um contrato de trabalho, ao abrigo do art.º 12º do Código do Trabalho, porque o acórdão recorrido «não tomou em consideração a força probatória da confissão da autora relativamente a factos determinantes, devendo por isso manter-se a decisão da 1.ª instância».

A aferição da eventual violação, pelo Tribunal recorrido, da força probatória da confissão da autora, nos termos do art.º 466.º do CPC só relevaria no caso de existir um eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 674º, n.º 3, do mesmo diploma, alegação que incumbia à recorrente fazer.

Em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, é sabido que os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito restritos, na medida em que, em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça apenas está cometida a reapreciação de questões de direito (art.º 682º, n.º 1, do CPC).

No entanto, esta restrição não é absoluta pois como decorre da remissão que o nº 2 do art.º 682º faz para o art.º 674º, n.º 3, do CPC, o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para sindicar o desrespeito da lei no que concerne à violação de norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

No caso, a ré invoca que a Relação «não tomou em consideração a força probatória da confissão da autora relativamente a factos determinantes», tendo por isso violado o disposto no art.º 466.º, do Código de Processo Civil.

Sucede, no entanto, que a ré não indica, como se impunha, quais são os “factos determinantes” que entende deveriam ter sido dado como provados ou como não provados, por força da confissão da autora, extraída em sede de julgamento, omissão que inviabiliza o exercício, por este Supremo Tribunal, dos poderes que lhe são atribuídos pelo citado art.º 674º, n.º 3.

Com efeito, analisando as alegações e conclusões do recurso da ré constata-se que ao invés de indicar expressamente os factos que entende terem sido mal julgados, a ré insurge-se contra a subsunção jurídica que é feita pela Relação quando esta concluiu no sentido de a autora estar em condições de beneficiar da presunção a que alude o art.º 12.º, do Código do trabalho.

Assim fazendo, parece a ré olvidar que a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art.º 352.º, do Código Civil), e não o reconhecimento do direito a aplicar, pois neste âmbito o juiz não está sujeito às alegações das partes (art.º 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

A Ré confunde, deste modo, o valor probatório da confissão como meio de prova sobre factos, que incide sobre os tempos de prestação e a sua evolução, e, sobre a forma de pagamento que formalmente titulava a relação entre as partes - “recibos verdes”-, com a qualificação jurídica levada a cabo pelo Tribunal sobre a restante matéria de facto dada como provada, da qual se fez decorrer a existência de uma relação de trabalho subordinado entre as partes.

As declarações da Autora em sede de depoimento de parte sobre os tempos de prestação de serviço, a titulação e a forma de pagamento, mesmo as razões que a levaram a aceitar prestar serviço para a Ré e o conhecimento das condições em que o fazia, referem-se a factos concretos e não à qualificação jurídica desses factos, que, no caso, veio a assentar no contexto mais vasto da caracterização da relação que ligava as partes.

Tais declarações em nada colidem com a qualificação da relação como uma relação de trabalho subordinado, nem são incompatíveis com esse tipo de prestação de trabalho.

Na verdade, os factos concretos derivados dessas declarações foram valorados no contexto de outros meios de prova que suportaram a prova desses pontos da matéria de facto, conforme decorre da fundamentação da decisão de facto da sentença proferida pela 1.ª instância.

A valoração da matéria de facto dada como provada levada a cabo na decisão recorrida, no contexto da qual se deu como preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho decorrente do artigo 12.º do Código de Trabalho, não implica deste modo qualquer violação do valor probatório das declarações prestadas pela autora em sede de depoimento de parte.

2 – Nas alíneas Q) a T) das alegações apresentadas refere a recorrente que «mesmo considerando a prova produzida em audiência de discussão e julgamento tal como fixada pelo Tribunal da Relação, não é certo dizer-se que estamos perante um contrato de trabalho, porquanto a existência de planificação e controlo de aulas não equivale a dizer-se que estamos perante subordinação jurídica» e que «facilmente se depreende da leitura da matéria de facto dada como provada que a Autora sempre manteve uma determinada autonomia ao nível e gestão e organização de aulas, tendo deixado, sem quaisquer consequências, de exercer cargos de direção - vide ponto 29 - da matéria dada como provada».

Realça que a autora «sempre foi remunerada em função das horas que prestava (vide ponto 20.), nunca tendo recebido quaisquer valores a título de férias subsídio de férias, ou de Natal (vide ponto 48.)» e que «de resto, o facto da sua desvinculação, decidida pela própria, ter ocorrido sem qualquer aviso prévio à ré, apenas comunicando aos pais dos alunos - e não à ré diga-se - que já não dava aulas junto desta [vide pontos 42. e 43.), são comportamentos que revelam, por si só, a sua autonomia e que não podem deixar de ser, também eles, apreciados em conjunto com a matéria de facto dada como provada».

Tal como acima se referiu, o Tribunal deu como provados factos integrativos da presunção de contrato de trabalho decorrente do artigo 12.º do Código do Trabalho e com base nessa presunção declarou a existência de uma relação de trabalho subordinado entre a autora e a ré.

2.1 – Conforme decorre desse dispositivo, desde que se demonstre a existência de «alguns» dos índices discriminados nas várias alíneas do seu número 1, «na relação entre a pessoa que presta alguma atividade e a outra ou outras que dela beneficiam», «presume-se a existência de contrato de trabalho».

Tradicionalmente, nos termos do regime geral da distribuição do ónus da prova, à luz do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbia ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, tal como eles resultam definidos do artigo 11.º do Código do Trabalho.

É nesse cenário que se insere o recurso aos indícios acima referidos, como forma de demonstração da existência de uma relação de trabalho subordinado.

A técnica da presunção da existência de contrato de trabalho, consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, embora seja inspirada no modelo indiciário tradicional, altera radicalmente o cenário da prova dos elementos integrativos do contrato de trabalho.

Na verdade, ao contrário do modelo indiciário, que apelava a uma ponderação global dos elementos caracterizadores da concreta relação estabelecida entre partes, destacando nos mesmos aqueles que apontam para a subordinação jurídica, a sopesar com os que apontam no sentido da autonomia, de forma a encontrar o sentido global caracterizador da relação, a demonstração da existência de contrato de trabalho vai ficar agora dependente, e apenas, da demonstração de «alguns» dos índices consagrados nas alíneas do n.º 1 do artigo 12.º

O dispositivo em causa é do seguinte teor:


«Artigo 12.º

Presunção de contrato de trabalho


1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;

c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

2 – (…).

3 – (…).

4 – (…).»

No âmbito da alínea a) do n.º 1 deste dispositivo, surge como elemento indiciário o facto de a atividade prestada ser «realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado».

O local de prestação da atividade, pertença ele ao beneficiário da atividade prestada, ou seja da sua responsabilidade (por ele determinado), funciona, assim, como um dos factos indiciadores da existência de uma situação de trabalho subordinado, nos termos da lei de contrato de trabalho.

Neste caso é a relação entre o local de exercício da atividade e o respetivo beneficiário que é relevado pelo legislador como elemento caracterizador das relações de trabalho subordinado.

No âmbito da alínea b) é assumido como elemento indiciador o facto de «os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados perten[cerem] ao beneficiário da atividade».

Trata-se de um elemento que se prende intimamente com o da alínea a), tendo aqui o legislador assumido como elemento referenciador da relação de trabalho subordinado a titularidade pelo destinatário da atividade, ou, no mínimo, a sua responsabilidade pelos «equipamentos e instrumentos de trabalho».

Está em causa uma multiplicidade de elementos que são necessários à concreta prestação da atividade e que cabem nas categorias de equipamentos ou instrumentos de trabalho, com destaque para as máquinas e outros dispositivos que permitem concretizar e efetivar a atividade prestada.

O elemento caracterizador do facto descrito nesta alínea, como índice de uma situação de trabalho subordinado, encontra-se na disponibilização pelo destinatário da atividade prestada de bens necessários à sua concretização que se enquadrem nos conceitos de equipamentos e instrumentos de trabalho.

Não é excludente do preenchimento desta alínea a circunstância de o destinatário da atividade não ser proprietário em sentido técnico-jurídico dos bens em causa, contentando-se a lei com o facto de o mesmo, por um título legítimo, ter a disponibilidade desses bens e de os facultar ao prestador da atividade de que é destinatário.

Nos termos da alínea c), daquele dispositivo, é caracterizado como indiciador de trabalho subordinado o facto de o prestador de atividade «observar horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma».

É a sujeição da prestação da atividade pelo beneficiário a «horas de início e termo» que é assumido pela lei como elemento relevante na caracterização do trabalho subordinado nesta alínea.

Na abordagem deste elemento importa que se destaque que está apenas em causa a sujeição da prestação da atividade a um tempo concreto, definido pelas horas de início e termo, relevando o tempo da prestação da atividade, ou seja, a sua duração, imposto pelo destinatário da atividade.

Na alínea d), por sua vez, coloca-se o acento na forma de pagamento ao prestador exigindo-se que «seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma».

A quantia paga há de ser assumida como contrapartida da atividade prosseguida, deve ser prestada periodicamente, e deve ser «certa».

A norma faz apelo ao conceito de «quantia certa», o que pressupõe um quantitativo pré-determinado, líquido, com uma dimensão tendencialmente fixa.

Este critério associa-se e cruza-se com o da periodicidade, igualmente exigido na norma, exprimindo, em conjunto, uma dimensão de estabilidade e continuidade nas tarefas executadas e na sua remuneração, o que evidencia uma relação de subordinação jurídica.

Finalmente na alínea e) consagra-se como elemento indiciador o facto de «o prestador de atividade desempenh[ar] funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa».

Nesta alínea é assumida como elemento indiciador a integração na estrutura do beneficiário da atividade, ao nível do desempenho de funções de direção ou chefia. Não é a mera integração na estrutura do beneficiário que releva, mas é uma integração qualificada, ao nível do desempenho de funções de direção.

2.2 - Ao contrário do que se passava com o Código do Trabalho de 2003, a lei não exige agora a verificação de todos estes factos para que a presunção funcione, limitando-se a exigir a ocorrência de alguns deles.

Esta referência tem sido entendida como exigindo, pelo menos, a verificação de duas destas circunstâncias, única forma de se poder falar em «algumas» delas.

Trata-se de factos caracterizadores da relação entre o prestador e o seu beneficiário, dos quais a lei faz decorrer um efeito jurídico específico – existência de contrato de trabalho, ou seja, de uma relação de trabalho subordinado entre as partes envolvidas naquela prestação de atividade.

Tais factos não operam em abstrato, mas apenas como elementos de caracterização da relação «entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam».

O efeito jurídico associado pela lei não decorre apenas da verificação destes factos índice, isoladamente considerados, mas da ocorrência destes elementos, no contexto mais vasto da relação de prestação de atividade em causa.

Tratando-se de uma presunção legal, tal como refere VAZ SERRA, «se tal inferência é feita pela própria lei (presunção legal), constitui um elemento desta, e o juiz não tem senão que a aplicar, uma vez verificada a existência da base da presunção, isto é, do facto conhecido; de sorte que a presunção legal não é propriamente um meio de prova, mas a atribuição legal de certa relevância a um facto»[4].

Segundo JOANA NUNES VICENTE, «na ótica da carga probatória, a presunção não produz, por isso, uma total alteração dos princípios relativos à distribuição da prova, uma vez que a parte beneficiada com a presunção não fica desonerada de realizar qualquer prova. O que há é uma modificação do thema da prova e, consequentemente um aligeirar desse ónus» e prossegue aquela autora, afirmando ainda que «num primeiro plano, o trabalhador terá de provar aquilo a que chamámos facto base ou base da presunção para daí poder inferir a existência do facto presumido que, no nosso caso, consiste mais precisamente num facto presumido complexo ou num conjunto de factos presumidos: os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, a saber, a atividade, a retribuição e a subordinação jurídica»[5].

Por outro lado, conforme refere JOÃO LEAL AMADO, «tratando-se de uma presunção juris tantum (art. 350.º do CCivil), nada impede o beneficiário da atividade de ilidir esta presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho. Mas, claro, o onus probandi passou a ser seu (…), pelo que, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado» e conclui, afirmando que «de certa forma, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação»[6].  

Cumpre, pois, indagar se a Ré ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado, ou como refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, torna-se necessário indagar se «o empregador prov[ou] a autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato de trabalho»[7].

3 - No caso dos autos, o tribunal qualificou a relação entre as partes como um contrato de trabalho, de acordo com o disposto no mencionado artigo 12.º do Código do Trabalho, com base na seguinte fundamentação:

«Ora, tendo presente o que acabámos de mencionar e revertendo ao caso em apreço, verificamos que, em face da matéria de facto que resultou demonstrada, sobretudo a contida nos pontos 4º, 5º, 6º (parte final), 11º e 21º não há dúvida que a Autora/apelante beneficia da presunção legal de existência de um contrato de trabalho entre si e a Ré/apelada ao abrigo do mencionado art. 12º do Código do Trabalho, já que se demonstrou desempenhar a sua atividade de docente de música em estabelecimento de ensino pertencente à Ré e integrada nessa estrutura organizativa, utilizando para esse efeito recursos pertencentes a esta e por ela fornecidos e estava vinculada a observar o cumprimento de horas de início e termo da prestação daquela atividade de acordo com horários organizados pela Ré mediante o percebimento de uma determinada retribuição que lhe era paga à hora.

Beneficiando a Autora/apelante de uma tal presunção legal a seu favor, circunstância que a dispensava da demonstração dos factos que a ela conduzissem (cfr. art. 350º n.º 1 do Código Civil), competiria à Ré/apelada o ónus de elisão de uma tal presunção mediante prova em contrário (cfr. o n.º 2 deste preceito legal), sendo que, no caso em apreço, isso de modo algum se verificou, bem pelo contrário.

Na verdade e para além daqueles factos, também resultou provado que a Autora/apelante dava aulas em regime de exclusividade aos alunos da Ré, foi convidada e aceitou desempenhar funções de coordenação pedagógica no estabelecimento de ensino desta, gozava anualmente 22 dias úteis de férias durante as interrupções letivas, estava sujeita, como os demais professores, ao cumprimento de regras implementadas pela Ré nesse estabelecimento de ensino e estava sujeita ao controlo de assiduidade por parte desta (v. pontos 8º, 9º, 12º, 55º e 56º dos factos provados), circunstâncias de facto que reforçam, sem dúvida, que entre ambas as partes existia um contrato de trabalho por tempo indeterminado ou sem termo e não um mero contrato de prestação de serviços, contrariamente ao que se concluiu na sentença recorrida.»

Os factos invocados pela Ré, na parte em que se prendem com o exercício de atividade letiva, não são incompatíveis com a existência de uma relação de trabalho subordinado entre as partes e materializam componentes que são inerentes à própria atividade docente desempenhada.

Importa não olvidar que se trata de uma relação atípica onde coexistem elementos característicos de uma relação de trabalho subordinado, nomeadamente, aqueles em que assenta a presunção da existência de um contrato de trabalho, nos termos do artigo 12.º do Código do Trabalho, com outros que ocorrem habitualmente em relações de prestação de serviço, como o pagamento em função das horas prestadas, ou a titulação do pagamento, antes da declaração da existência da presunção de contrato de trabalho, a coberto de “recibos verdes”.

Apesar da associação desses elementos com esse tipo de relação de trabalho autónomo, a sua presença não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho subordinado.

A Ré não provou deste modo factos que ilidam a presunção de contrato de trabalho em que se fundamenta a decisão recorrida, improcedendo a revista interposta.


IV

Insurge-se a Autora contra a decisão recorrida, na parte em que considerou que aquela não foi objeto de despedimento por parte da Ré e em que se julgaram improcedentes os pedidos formulados pela Autora que tinham o despedimento como fundamento.

Refere que «o Tribunal a quo andou mal ao decidir como decidiu, neste segmento da alínea e) da decisão recorrida, por não ter aplicado aos factos dados como provados na 1.ª instância e aditados na 2.ª instância (em sede de Apelação) - mais concretamente aos factos transcritos nas Alegações, nos números 6 e 7 supra que aqui, por motivos de economia processual, se dão por integralmente reproduzidos - o disposto nos artigos 217.°, n.° 1 e 236.°, n.° 1, ambos do CC».

Realça que «aplicando o Tribunal a quo o disposto nos referidos dispositivos legais aos factos dados como provados, do comportamento concludente da Ré - ao não convocar a A. (excluindo-a voluntariamente, conforme email junto aos autos) para a reunião de professores do BB agendada e realizada no dia 21 de setembro de 2013, destinada a preparação do novo ano letivo 2013/2014 - não poderia o Acórdão recorrido deixar de deduzir e retirar, de forma inequívoca e segura, a vontade da Ré de fazer cessar o contrato de trabalho da A. para o futuro» e que «ao não convocar a A., a Ré quis, perentoriamente, não contar mais com a sua prestação de trabalho, prescindindo e dispensando os seus serviços, não contando mais com ela no novo ano letivo em preparação, nem para o futuro. Após a interrupção do ano letivo das férias grandes, a Ré de forma tácita, expressou a sua vontade de não contar mais com a prestação de trabalho da A./Recorrente. Comunicou-lhe, assim, de forma indireta mas categórica, a sua vontade de pôr termo a relação contratual laboral que as unia, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 217.°, n.° 1 e 236.°, n.° 1, ambos do CC.»

A decisão recorrida fundamentou-se no seguinte:

«Extraída esta conclusão, alega e conclui a Autora/apelante ter sido alvo de despedimento ilícito por parte da Ré/apelada, com as consequências legais daí decorrentes.

Sucede, porém, que, competindo àquela o ónus de prova de factos donde se pudesse concluir pela ocorrência do seu despedimento por parte da Ré (art. 342º n.º 1 do Código Civil), certo é que a matéria de facto provada não permite chegar a essa conclusão. Com efeito, apenas se demonstrou [que] a partir de meados do mês de junho de 2013 a Autora nunca mais compareceu nas instalações da Ré nem a contactou de qualquer forma, na última semana de junho de 2013 a Autora não realizou os ensaios que estavam agendados para a festa do final do ano, nem compareceu ao concerto do final do ano letivo de 2012/2013 da orquestra de percussão que, ela própria, tinha agendado para o último fim de semana de junho e transmitiu, ela própria, aos pais de alguns alunos que já não se encontrava a dar aulas no BB, circunstâncias que levaram a que fosse encontrado um professor de piano para substituir a Autora (v. pontos 36º, 37º, 39º, 42º e 43º dos factos provados).

Ora, não tendo a Autora/apelante demonstrado factos que pudessem levar a concluir ter sido despedida por parte da Ré/apelada, de modo algum se pode concluir estar-se perante o despedimento ilícito da mesma por parte desta, razão pela qual se lhe não pode reconhecer os direitos que, a esse título, reclama através da presente ação – alíneas b), c), e), n) do pedido deduzido na petição inicial – soçobrando a mesma nessa parte.»

Tem a nossa adesão estas considerações.

Na verdade, para que se possa falar de despedimento de facto, tem de ser dados como provados factos dos quais decorre de forma inequívoca uma manifestação de vontade do empregador no sentido de pôr termo ao contrato de trabalho, devendo tal declaração ser apreensível e evidente a partir desses factos, para um declaratário normal, colocado na posição do trabalhador.

Sobre esta forma de cessação da relação de trabalho referiu-se no acórdão desta Secção proferido no processo n.º 2934/10.5TTLSB.L1.S1, de 9 de julho de 2014[8], o seguinte: 

 

«Como se exarou no aresto desta Secção de 07 de abril de 2011, proferido no Proc. 1180/07.0, disponível em www.dgsi.pt, o despedimento de facto terá de extrair-se de atitudes do empregador que revelem, inequivocamente, ao trabalhador, enquanto declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho.

(…)

Não se desconhece como no aresto desta Secção de 21 de outubro de 2009, proferido no Proc. 272/09.5YFLSB, se consignou que «a normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante, pelo que, perante uma eventual dúvida, suscitada pelos termos em que a empregadora se dirigiu à trabalhadora, não estava esta dispensada do cuidado de obter mais elementos a fim de se esclarecer sobre a vontade real daquela.»

In casu, seria razoável exigir do A./Recorrido um especial dever de diligência no sentido de obrigar a R./Recorrente a declarar, expressis verbis, o despedimento?

Pela sua inteira pertinência, transcrevem-se do acórdão recorrido os seguintes apontamentos doutrinários:

«A propósito deste artigo (.), escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª Ed., pag.208 “São múltiplos os meios admitidos para a declaração negocial. Qualquer processo de expressão direta ou indireta da vontade é, em tese geral, relevante. Pode ser a palavra, pode ser um escrito, pode ser um simples gesto ou sinal. Tudo é admitido como forma de manifestação do consentimento.

 (…)

Ao definir a declaração tácita, o artigo substituiu a palavra necessariamente que se continha no artigo 648º do Código de 1867. É que se não devem pôr sempre de parte, como formas possíveis de manifestação tácita da vontade, os casos suscetíveis de duas interpretações. O que deve é verificar-se aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões, como se exprimia Manuel de Andrade no domínio do Código de 1867. Prevalece aqui, pois, um critério prático social, e não rigorosamente lógico formal.”

E segundo Manuel A. Domingues de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pags. 131-133, trata-se de condutas declarativas (factos concludentes) que, não aparecendo como visando diretamente, de modo frontal, a exteriorização da vontade que se considera declarada por essa forma, permitem, desde que revestidas de um grau de inequivocidade aferido por um critério prático - inspirado nos usos da vida e naquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões -, que um destinatário de tais comportamentos declarativos, dotado de normal capacidade de entendimento e medianamente diligente, deles infira, que o declarante, em via imediata, oblíqua e lateral, quis também exteriorizar a sua vontade em determinado sentido não direta e frontalmente expresso.»

No caso dos autos, o facto do qual a recorrente entende deduzir-se a intenção de despedimento por parte do empregador materializa-se na não convocatória da autora para a reunião preparatória do novo ano letivo.

Contudo, tal ausência de convocatória insere-se num conjunto de atos da autora que podem dar sentido a essa mesma ausência de convocatória.

Na verdade, tal como decorre da matéria de facto dada como provada, «na última semana de junho de 2013 a Autora não realizou os ensaios que estavam agendados para a festa do final do ano que se denomina BB de Lisboa em festa - …» e «igualmente não compareceu no concerto de final do ano letivo de 2012-2013 da orquestra de percussão que ela própria tinha agendado para o último fim de semana de junho», «situação que foi comunicada aos encarregados de educação pela Diretora Pedagógica da Ré DD».

Por outro lado, «a Autora esteve envolvida na preparação do evento descrito em 36º), tendo agendado os horários das aulas extra de preparação dos seus alunos para os concertos agendados para o mês de junho» e «não comunicou à Diretora pedagógica a ausência ao evento descrito em 36º), tendo esta tido conhecimento dessa ausência através dos pais dos alunos» e além disso, «a partir de meados do mês de junho de 2013, a Autora nunca mais compareceu nas instalações da Ré nem a contactou por qualquer forma», tendo transmitido «aos pais de alguns dos seus alunos que “já não se encontrava a dar aulas no BB”».

Ora, neste contexto, a não convocação da Autora para a reunião preparatória do novo ano letivo não poderá ser interpretada como uma manifestação de vontade inequívoca de pôr termo à relação contratual existente por iniciativa da Ré.

2 – Nas conclusões XVII e XVIII refere a recorrente que «o contrato de trabalho da A. manteve-se, em consequência, plenamente em vigor até finais de setembro de 2013, data do seu despedimento de facto pela Ré» e que «deve ser concedido provimento ao presente recurso de Revista, devendo a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa- Secção Social ser revogada, concretamente na parte respeitante à sua alínea e), e substituída por outra que condene a Ré, ora Recorrida, nos pedidos deduzidos pela A. nas alíneas b), c), e) e n) da petição inicial, bem como no pedido de indemnização por danos não patrimoniais por esta peticionado na alínea o) do mesmo articulado».

Na alínea e) do dispositivo do acórdão recorrido resulta que o Tribunal da Relação deliberou «Absolver a Ré BB do mais que vem peticionado pela Autora AA», referindo-se aos pedidos formulados pela Autora decorrentes da declaração de ilicitude do despedimento, concretamente, à condenação da Ré no pagamento da indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho, em substituição da reintegração, bem ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação e que se vencerem até ao transito em julgado da sentença, e ao pagamento de indemnização por danos não patrimoniais.

Na decisão recorrida julgaram-se improcedentes os pedidos formulados pela Autora, com a seguinte fundamentação:

«Ora, não tendo a Autora/apelante demonstrado factos que pudessem levar a concluir ter sido despedida por parte da Ré/apelada, de modo algum se pode concluir estar-se perante o despedimento ilícito da mesma por parte desta, razão pela qual se lhe não pode reconhecer os direitos que, a esse título, reclama através da presente ação – alíneas b), c), e), n) do pedido deduzido na petição inicial – soçobrando a mesma nessa parte.

Pede também a Autora a condenação da Ré no pagamento do montante de 20.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais que, de acordo com o que se alega na sua petição inicial, decorreriam do invocado despedimento ilícito. Só que, constituindo pressupostos da obrigação de indemnizar, a existência de um facto voluntário assumido pelo agente, a ilicitude desse facto, o nexo de imputação do facto ao agente, a existência de um dano e a verificação de um nexo de causalidade entre o facto praticado e o dano (art. 483º n.º 1 do Código Civil), ainda que da matéria de facto provada que consta dos pontos 50º a 54º se pudesse concluir pela verificação de dano sofrido pela Autora/apelante e eventualmente merecedor de tutela pelo direito, desconhece-se o facto que esteve na base da produção do mesmo e consequentemente não se pode apreciar a sua licitude e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Soçobra, pois, também nesta parte a pretensão da Autora/apelante.»

Tendo-se decidido que a Autora não foi objeto de despedimento ilícito, todos os pedidos que decorrem desse facto têm de ser considerados prejudicados, pelo que não se conhece dessa parte do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2 e 679.º do mesmo código.


V

Em face do exposto, acorda-se em negar as revistas e em confirmar a decisão recorrida.

Autora e Ré suportarão, respetivamente, as custas das revistas que interpuseram.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 7 de setembro de 2017

António Leones Dantas (Relator)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto

___________________
[1] Redação resultante da decisão recorrida. A versão original era do seguinte teor: «21º- A Autora apenas estava vinculada a ministrar as horas letivas correspondentes e os seus horários eram fixados de acordo com a disponibilidade do professor, dos alunos e da disponibilidade de salas existentes nas instalações da Ré; redação alterada nos termos referidos infra».
[2] Aditado pela decisão recorrida.
[3] Aditado pela decisão recorrida.
[4] “Provas – Direito Probatório Material”, Boletim do Ministério da Justiça, 1961, n.º 110, p. 183.
[5] “Noção de Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade”, Código do Trabalho – A Revisão de 2009, Coimbra Editora, 2011, p. 62.
[6] Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2011, Coimbra Editora, pp. 79, 80.
[7] Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, 2016, p. 51.
[8] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.