Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
218/11.0TCGMR.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CULPA IN VIGILANDO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ) / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, 390/398.
- Antunes Varela, Das Obrigacões em Geral, I Vol., 1986, 477/478.
- José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil” Anotado, vol 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163.
- Raimundo Queiroz, A responsabilidade Civil dos Menores, dos Pais e das Escolas, Quid Júris 2012, 318/320.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 358.º, 364.º, 393.º, 483.º, 487.º, N.º1, 488.º, N.º2, 491.º, 562.º, 564.º, N.º2, 566.º, N.ºS2 E 3.
CÓDIGO DA ESTRADA (CESTRADA), COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DL 44/2005, DE 23 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 2.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 607.º, 674.º, N.ºS 1 E 3, 682.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 6 DE MAIO DE 2004, 7 DE ABRIL DE 2005, 18 DE MAIO DE 2011, DE 23 DE FEVEREIRO DE 2012 E DE 15 DE NOVEMBRO DE 2012, IN WWW.DGSI.PT.
-DE 2 DE NOVEMBRO DE 2004, 8 DE NOVEMBRO DE 2007, 3 DE FEVEREIRO DE 2009 E DE 11 DE SETEMBRO DE 2012, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. O artigo 491.º do CCivil estabelece uma presunção de culpa das pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico, a vigiar outras e apurando-se que um incapaz sujeito a tal obrigação sofreu danos, cabe à pessoa obrigada à vigilância o ónus de demonstrar que não houve omissão daquele dever ou que, mesmo que cumprido, os danos se teriam igualmente verificado.

II. A obrigação de indemnizar que recai sobre estas pessoas alicerça-se em facto próprio dessas mesmas pessoas, porquanto a lei presume que elas omitiram aquela vigilância que era adequada na situação concreta (culpa in vigilando).

III. O dever de vigilância deve ser interpretado casuisticamente, tendo ainda em conta as concepções dominantes e os costumes, não se podendo ser demasiado severo a tal respeito, tanto mais que as pessoas com dever de vigilância têm, em regra, outras ocupações, não podendo considerar-se culpado a tal título quem, de acordo com tais concepções ou costumes, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe.

IV. Esta abertura sofre limitações quando estamos perante uma educadora de infância, a cargo da qual se encontram menores, porquanto a sua actividade profissional está precisamente centrada na guarda e educação dos mesmos.

V. Aquela margem permissiva de liberdade do outro esbarra com a especial característica da pessoa jurídica a ela eventualmente sujeita, quando se trata de um menor, inimputável e por isso sujeito e objecto de uma maior atenção e cuidado.

VI. Se à data do acidente o menor tinha seis anos de idade, sendo por isso incapaz de entender e/ou de querer, face ao preceituado no normativo inserto no artigo 488º, nº2 do CCivil, não podia responder pois pelos seus actos, mesmo que se chegasse à conclusão que o mesmo, aquando da envolvência que deu origem ao sinistro, tinha perfeita noção do perigo em que se estava a colocar, isto é, que sair da sala de aula para o recreio poderia implicar o seu atropelamento pela carrinha do colégio o que veio a acontecer.

VII. Os quadros mentais de uma criança de seis anos, por muito precoce que possa ser, não podem ser equiparáveis aos de um pré adolescente, adolescente ou adulto, e mesmo que o menor em causa tivesse, quiçá, uma idade mental superior à real, de qualquer modo seria sempre indiferente face à rigidez da lei que o ilibaria por completo de responsabilidade.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

I A e M, por si e em representação do filho menor de ambos J intentaram contra Y COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e CASA DO POVO DE X (chamada a intervir na réplica), acção declarativa com processo ordinário pedindo a condenação das Rés no pagamento das seguintes quantias acrescidas de juros após a citação:

- Ao menor, de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais no valor global de € 49745,03, acrescido da liquidação posterior pelo dano futuro.

- Aos Autores de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no montante de € 11366,30.

A fundamentar estes pedidos alegam em síntese, que:

Cerca das 17h15 do dia 10 de Março de 2009 ocorreu um atropelamento dentro das instalações da Ré Casa do Povo, onde o filho dos Autores frequentava o jardim de infância, o qual ocorreu porque a porta da sala estava aberta e a educadora não foi capaz de evitar a saída da criança, consequência do que foi a mesma atropelada pela carrinha daquela Ré.

Em consequência do atropelamento o filho dos Autores sofreu lesões que lhe causaram dores e a necessidade de ser sujeito a intervenções e tratamentos médicos;

Sofreu períodos de incapacidade e ficou com uma IPP de 20%, sendo que por via de tal vê o seu futuro comprometido em termos de opções profissionais;

O menor ficou com a roupa que envergava inutilizada;

Os Autores trabalham e a Autora teve de ficar em casa a cuidar do menor, o que lhe provocou perdas salariais, no montante de € 1399,30 e ambos perderam a alegria de viver e continuam a sofre com o sucedido.

A Ré Casa do Povo transferiu o risco inerente ao veículo interveniente no atropelamento para a R. seguradora através a apólice n.º …..

As Rés apresentaram a sua contestação, tendo a Ré Casa do Povo alegado que foi o comportamento da criança que deu causa ao atropelamento e que todos os cuidados exigidos foram tomados, quer pela educadora e vigilante, quer pelo motorista; por sua vez a Ré seguradora, aceitando ter assumido o risco pela circulação do veículo da Ré Casa do Povo e bem assim ter feito um seguro de responsabilidade escolar, nega que o atropelamento seja um acidente de viação sustentando que a culpa do sucedido é imputável à omissão do dever de vigilância da educadora

A final foi produzida sentença a condenar a Ré Y Companhia de Seguros, S.A. a pagar aos Autores a quantia de € 49745,03 pelos danos sofridos por J; pelos danos sofridos por A e M, a quantia conjunta de € 11366,30, quantias essas acrescidas dos respectivos juros, às taxas legais em vigor, a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento, tendo absolvido as Rés do demais peticionado.

Inconformada a Ré Y Companhia de Seguros, S.A., interpôs recurso de Apelação o qual veio a ser julgada parcialmente procedente, com a alteração da sentença recorrida e a condenação das Rés Y Companhia de Seguros, S.A e Casa do Povo de X a pagar aos Autores a quantia de € 49745,03 pelos danos sofridos por J; pelos danos sofridos por A e M, a quantia conjunta de € 11.366,30, quantias essas acrescidas dos respectivos juros, às taxas legais em vigor, a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento sendo a Ré seguradora responsável até ao limite do respectivo capital seguro e absolvendo os Réus do demais peticionado.

Deste Aresto, inconformada, interpôs recurso de Revista a Ré Casa do Povo de X, apresentando as seguintes conclusões:

- Tendo os autores, A e mulher M, por si e em representação de um filho menor, demandado a Companhia de Seguros Y e a ora recorrente, Casa do Povo de X, pedindo o pagamento de uma indemnização, fundada quanto à seguradora, no facto de esta cobrir os danos resultantes de um acidente de viação causado pelo veículo propriedade da recorrente. e, quanto à Casa do Povo, no facto de alegadamente esta ter violado as regras da culpa in vigilando, porque o acidente de viação ocorreu mercê de culpa de uma educadora infantil, veio em 1ª a instância, reconhecendo-se a culpa na produção do sinistro do condutor do veículo da recorrente, a ser condenada a seguradora a indemnizar os danos, e, reconhecendo-se inexistir culpa in vigilando, a ser absolvida a recorrente do pedido contra ela formulado.

- Inconformada, a seguradora interpôs recurso, visando a condenação da ré Casa do Povo por violação das regras da culpa in vigilando, por sustentar que o atropelamento do menor se deveu ao facto de deficiente acompanhamento do mesmo por uma educadora de infância, e visando, por outro lado, a desresponsabilização em sede de acidente de viação do condutor do veiculo propriedade da recorrente, vindo agora o acórdão sob censura recorrido a julgar o recurso procedente, com a consequente condenação da recorrente (embora conjuntamente com a seguradora, mas esta apenas até ao limite do capital de um seguro escolar que também cobria o sinistro).

- Independentemente das razões de discordância em relação ao decidido, e porque essa questão chegou a ser suscitada em 1ª instância, importa começar por assentar em que, não obstante o acidente ter ocorrido dentro das instalações da ré Casa do Povo, recinto privado e acessível à própria Casa do Povo e a quem com ela queira privar, deve ser considerado como acidente de viação, disciplinado pelas regras do Código da Estrada, pois, nos termos do artigo 2º n.º2 do Código da Estrada, este é aplicável também a vias do domínio privado quando abertas ao trânsito público (cfr. no mesmo sentido, e mesmo em relação ao artigo 1º n.º1 do anterior Código da Estrada).

- O acórdão recorrido, decidindo o recurso na matéria de facto (que pretendia a eliminação do facto 24, por contradição entre a resposta dada ao correspondente quesito (12º) e o facto constante no artigo 61) que, porém, não são contraditórios nem conclusivos, optou por, em vez disso, eliminar os factos 14 e 55, por entender que daí constam descrições de natureza conclusiva que deviam extrair-se antes dos factos que constam dos pontos 17 a 23.

- No entanto, para além de se não justificar essa correcção à matéria de facto, outro facto, pelo menos, foi mantido, ao arrepio do bom senso (no facto 22 ficou provado que “caso a porta da sala de actividades se encontrasse fechada, seria evitado que o menor saísse para o exterior daquela”), pois o facto de uma porta se encontrar fechada não significa que a mesma não possa ser aberta para por ela se transitar, e o menor podia abri-la, querendo, pelo que só por si a porta fechada não garantia que ninguém por ela passasse.

- Para além disso, com particular evidência em relação ao modo como a acção foi decidida pelo acórdão recorrido, este deveria, considerando o disposto nos artigos 5º nº2 al b) e 674º nº1 al. c) Código de Processo Civil, ter considerado ainda provada, a seguinte matéria, em resultado da discussão, e conforme se consignou, aliás, na decisão da 1ª instância: “O alpendre onde ocorreu o acidente é lugar de carga e descarga das crianças nas horas de as entregar e levantar 700h às 9.00h e 17.00h às 19.00h” e “A educadora, aquando do acidente, estava na porta, tinha acabado de determinar às crianças que parassem com a brincadeira referida no facto 13, estava a atender uma mãe, não se apercebeu da chegada do WW e quando percepcionou a corrida do J para a porta, ainda o tentou travar, mas sem êxito”, factos que, mercê do provimento do recurso de revista, devem agora ser aditados aos provados,

- Sem prescindir, erradamente se decidiu também, em termos de direito, quer quanto à responsabilidade pela produção do acidente quer quanto à fixação do valor das parcelas indemnizatórias.

- Na verdade, o acórdão recorrido admitiu expressamente que “é inquestionável que este (o menor) contribuiu para ° desfecho acidental ocorrido,” pelo que, não obstante o mesmo, por ter apenas 6 anos de idade, ser inimputável, tal inimputabilidade não pode ter como consequência que, como o acórdão recorrido fez, se atribua a responsabilidade integral pelo ressarcimento dos danos, à Casa do Povo de X, antes devendo graduar-se a comparticipação no ressarcimento dos danos, com base nas culpas recíprocas, nessa hipótese que só academicamente se admite, em 10% para o comportamento da educadora de infância e 90% para o próprio menor.

- No entanto, e sem prescindir, tendo-se provado, como se provou que o menor “estava a brincar com outro colega da mesma idade” (facto 13) que havia iniciado uma brincadeira com esse colega “arremessando reciprocamente objectos”, designadamente peças de “legos”, tendo a educadora prontamente proíbido a brincadeira de arremesso. “ordenando às crianças que nela não prosseguissem” (facto (66), não obstante o que o menor, “sem que nada permitisse prevê-lo, correu em direcção à porta de saída da sala de aula, tendo ali educadora tentado alcança-lo, o que não conseguiu”, (factos 66 e 67), é evidente que não era exigível à educadora outro comportamento,  nenhum juízo de censura lhe podendo ser feito.

- Mas, por outro lado, provando-se como provou que “o condutor do veículo …-…-WW sabia que ao conduzi-lo dentro da Creche e Jardim de Infância, junto à porta de entrada e saída dos menino das salas de actividades, se poderia deparar de modo repentino com um menor saindo do seu interior” (facto 23), conduzindo o veículo a velocidade que lhe não permitiu “parar no espaço livre e visível à sua frente de modo a evitar um atropelamento” (facto 24) o que não conseguiu evitar porque “não se apercebeu da aproximação do menor a tempo” (facto (9), vindo “o menor no momento em que transpôs a porta de saída da Creche a embater na parte frontal do WW” (facto 68), sendo que “a roda direita da frente da carrinha calcou parcialmente o pé do menor” (facto 71), importa concluir, com a decisão da 1ª instância, que o condutor “omitiu um acto que lhe era objectivamente exigível: tripular o veículo por forma a evitar que o perigo criado pela circulação do mesmo não se concretizasse em lesão efectiva. como veio a suceder”.

- Por último, a indemnização arbitrada, no que respeita aos danos patrimoniais sofridos pelo menor (35.000,00€) afigura-se, em qualquer caso, manifestamente exagerada, designadamente por não considerar, ao fazer apelo a uma retribuição média, e não à retribuição mínima, o beneficio concedido da antecipação em cerca de 20 anos dos valores a atribuir, pelo que deve ser reduzida equitativamente.

Contra alegou a Ré Y, SA, concluindo da seguinte forma, pelo indeferimento do recurso:

- O que a Recorrente pretende com o presente recurso é afinal de contas a alteração da matéria de facto. Sob a capa de recurso de revista (direito) nada mais pretende que recorrer da matéria de facto

- Face aos factos provados a única conclusão possível é a de que existe culpa exclusiva da educadora de Infância por grave e manifesta falta de vigilância

- Bastava que a senhora educadora de infância tivesse fechado a porta da sala de actividades e o acidente não teria ocorrido.

- Nas circunstâncias do caso é certo e seguro que um bom pai de família, consciente dos seus deveres, teria pelo menos fechado tal porta.

- A Recorrente ao procurar a todo o custo transformar o caso dos presentes autos num pretenso típico acidente de viação. fá-lo unicamente com o intuito de tentar beneficiar do regime jurídico mais favorável deste.

- Em boa verdade, tratou-se manifestamente de um acidente escolar e assim deve ser tratado.

- As indemnizações arbitradas pelas doutas instâncias são, aliás, exageradas.

- Certo que o Autor recuperará todo o seu crédito sobre o Réu Colégio, que deverá responder acima do capital do seguro escolar convencionado com a ora Recorrida .

II As instâncias deram como assentes os seguintes factos:

1. A R. casa do Povo é a proprietária do estabelecimento de ensino sito em …., destinado a creche e jardim de infância e

2. Os autores A e esposa M, realizaram em Setembro de 2006, um contrato pelo qual a R. Casa do Povo, na sua creche e jardim de infância assegurava a guarda, educação e ocupação e vigilância do menor J.

3. J é filho de A e esposa M e nasceu a 01/06/2001.

4. No dia 10 de Março de 2006 ocorreu um acidente em que foram intervenientes o menor J e o veículo automóvel de matrícula …-…-WW, propriedade da Casa do Povo de X.

5. Por contrato de seguro titulado pela apólice n° …, a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação provocados pelo veículo …-…-WW encontrava-se transferida para a segunda Ré Y Companhia de Seguros SA., até ao montante de pelo menos 1.200.000,00€ por acidente para danos corporais e de 6000.000,00€, por acidente, para danos não corporais.

6. A Casa do Povo de X é a proprietária do estabelecimento de ensino sito na …, destinado a creche e jardim-de-infância e que assegura a guarda, educação, ocupação e vigilância de alunos em idade pré-escolar.

7. A Casa do Povo de X assegurava a guarda, educação, ocupação e vigilância do menor J, filho dos Autores.

8. A R. Casa do Povo primeira tinha celebrado com a Companhia de Seguros Y contrato de seguro de responsabilidade civil por acidente escolar, titulado pela apólice n° ….

9. Este contrato de seguro de acidentes pessoais (cujas condições particulares e especiais estão juntas aos autos a fls. 60 e aqui se dão por integralmente reproduzidas) apresentava as seguintes condições e capitais seguros, por pessoa segura que é o mesmo que dizer, por aluno:

Despesas de tratamento € 1.995, 19

Invalidez permanente      € 9.975, 96

Morte       € 1.995, 19

Responsabilidade Civil    € 1.995, 19

10. No dia 10/03/2009 foi efectuada participação do acidente pela Casa do Povo do X à seguradora Y, para efeito de accionamento dos contratos de seguro referidos nos pontos 5 e 8.

11. O acidente ocorreu dentro do espaço escolar do estabelecimento de ensino referido em 6. Factos Provados

12. No dia 10 de Março de 2009, pelas 17,15 horas, o menor J, estava em actividades escolares na sala que habitualmente ocupa com os demais colegas e alunos da mesma idade, isto é, a sala destinada aos meninos com 6 anos de idade.

13. O J« estava a brincar com outro colega da mesma idade.

14.   Como a porta da sala de actividades se encontrava aberta, o J dirigiram-se para o exterior da sala e seguiu para o recreio.

15.   A educadora que estava na sala encontrava-se a conversar com a mãe de outra criança.

16.   O espaço de recreio, dentro do estabelecimento da R. Casa do Povo começa logo à saída da sala de actividades e prolonga-se por mais alguns metros.

17.   Existe um alpendre no recreio à saída da sala de actividades.

18.   Nesse alpendre é habitual parar um veículo ligeiro de passageiros com a finalidade de recolher os alunos quando estes têm que ser transportados para fora do estabelecimento, quer seja em viagem de estudo, quer seja para os transportar para as suas residências.

19. No preciso momento em que o J, saiu da sala de actividades, ia a passar no alpendre o veiculo acima identificado, com a matrícula …-…-WW, conduzido por S, funcionário da primeira R. Casa do Povo.

20.   O J, foi atropelado pelo veículo …-…-WW.

21.   A R. Casa do Povo tinha conhecimento de que naquela área circulava a viatura  …-…-WW.

22.   Caso a porta da sala de actividades se encontrasse fechada, seria evitado que o menor saísse correndo para o exterior daquela.

23. O condutor do veículo  …-…-WW sabia que ao conduzi-lo dentro do estabelecimento de Creche e Jardim de Infância, junto á porta de entrada e saída dos meninos das salas de actividades, se poderia deparar de modo repentino com um menor saindo do seu interior.

24. Porém imprimia ao veículo velocidade que não lhe permitia parar no espaço livre e visível á sua frente de modo a evitar um atropelamento.

25. O menor J era um menino saudável, bem-disposto, feliz e sorridente.

26. Do acidente resultaram para o J, lesões que se consubstanciaram na fractura-luxação do astrágalo do pé esquerdo.

27. Consequência do que a criança apresenta deformidade na face interna do calcanhar, dor à pressão no calcâneo, limitação dolorosa do tarso, mais evidente na flexão plantar.

28.   A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 8.9.2009.

29.   O período de défice funcional temporário total foi de 62 dias.

30.   O período de défice funcional temporário parcial foi de 121.

31.   O quantum doloris é de 5 em 7.

32.   O défice funcional permanente da integridade físico-psiquica é de 9 pontos, sendo de admitir a existência d e dano futuro.

33.   O dano estético é de 3 em 7.

34.   As sequelas implicam repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer que se manifestam nas limitações ao jogar futebol, correr, tomar banho, caminhar a pé, participar em brincadeiras com os amigos, não ser capaz de fazer caminhadas e outras.

35.   O J teve que fazer tratamentos médicos e sofreu intervenções cirúrgicas.

36.   No dia do acidente (10/03/2009), foi assistido no Hospital de ….

37.   Nesse mesmo dia foi operado e foi-lhe feita redução incruenta e fixação de fractura com fios de Kirshner e faciectomia do pé.

38.   Em 12/03/2009, teve alta hospitalar e foi acompanhado em consulta externa.

39.   Em 14/4/2009, sofreu intervenção cirúrgica para que lhe fossem retirados os fios de Kirshner.

40.   Teve que estar de cama no seu domicílio de 12/03/2009, até 30/04/2009.

41.   Manteve-se em consulta externa até 08.09.2009.

42.   O J teve inquietação, angustia e sofreu susto.

43.   Sofreu dores, quer quando foi atropelado, quer posteriormente, antes e depois das intervenções cirúrgicas e dos tratamentos médicos.

44.   Sofre ainda dores quando pega em pequenos objectos ou pretende deslocar se.

45.   Não pode correr como os outros meninos da sua escola, como tanto gostava.

46.   Não consegue jogar á bola, como até então o fazia com muito prazer.

47. E não consegue acompanhar os outros meninos, seus colegas nas horas do recreio das actividades escolares.

48.   O menino J tem diminuição da capacidade de locomoção e claudica.

49.   O menor pode vir a necessitar de se submeter a novas intervenções cirúrgicas.

50.   Podendo vir a agravar-se as suas sequelas em medida que não pode, ainda, ser computada.

51.   A criança sofre de tristeza.

52.   Do acidente resultou que o J, ficou com o vestuário que usava então (calças, camisola e roupa interior) destruído e perdeu o calçado (sapatilhas).

53.   Ambos os pais do menor A e a M, trabalham.

54.   E tiveram que optar por um deles ficar em casa com o filho, pois este não se movimentava, nem conseguia alimentar-se ou fazer a sua higiene sozinho.

55.   A opção recaiu sobre a mãe, atendendo à maior ligação afectiva e disponibilidade profissional.

56.   A mãe, M, é trabalhadora da sociedade B, SA, auferindo mensalmente a quantia de € 795,000.

57. Ambos os pais têm acompanhado o menor seu filho para todas as consultas médicas, tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas, o que lhes causa sofrimento.

58. Os autores tinham um filho saudável, com alegria de viver e isso dava-lhes gosto e fazia-os sentirem-se orgulhosos na sua função de pais, que acompanhavam o desenvolvimento e crescimento do filho.

59. Com a ocorrência do acidente os AA. perderam a alegria de viver.

60.   E desconhecem quanto tempo ainda vai durar o seu sofrimento.

61.   No momento do acidente, o veículo de transporte escolar seguia em marcha lenta.

62.   A Casa do Povo de X é uma associação sem fins lucrativos que desempenha funções de pendor social, sendo uma das valências a Creche e Jardim Infância Casa do Povo de X.

63. Esta valência encontra-se equipada com todos os requisitos necessários ao bom desenvolvimento e educação dos seus utentes, tendo afectos um total de 21 funcionários, entre educadores de infância, auxiliares educativas, empregadas de limpeza, e motoristas, a acautelar a educação e ocupação de, pelo menos, 100 alunos.

64. O pessoal educativo em cada sala de aula é composto por uma educadora e uma auxiliar educativa.

65. Pela confiança que os progenitores depositam na Casa do Povo de X, procederam à inscrição de uma outra filha

66. O menor J, conjuntamente com outro colega da mesma idade, iniciaram uma brincadeira arremessando reciprocamente objectos, designadamente “Lego”, tendo a educadora prontamente proibido a brincadeira de arremesso, ordenando às crianças que nela não prosseguissem.

67. O menor J, sem que nada permitisse prevê-lo, correu em direcção à porta de saída da sala de aula, tendo a educadora tentado alcançá-lo, o que não conseguiu.

68. O menor, no momento em que transpôs a porta de saída da creche, veio a embater na parte frontal do WW.

69. O condutor do mesmo não se apercebeu da aproximação do menor a tempo de evitar o acidente.

70. No dia 10 de Março de 2009, pelas 17.15 horas, o veículo em causa, marca Volkswagen, modelo Transporter, propriedade da R. Casa do Povo, dirigia se para o local, no interior da Creche, onde habitualmente fica guardado.

71.   A roda direita da frente da carrinha calcou parcialmente o pé do menor.

72.   A mãe do menor esteve de licença de parto.

Factos não provados.

Não se provou que:

73. O colega da criança saiu a correr da sala de actividades onde se encontravam e o J saiu a correr atrás dele.

74. Do acidente resultaram para o J, lesões que se consubstanciaram em traumatismos, escoriações e contusões várias no corpo.

75.   O J pretende tirar um curso superior, sendo sua aspiração ser professor de educação física

76.   O que se tomou impossível.

77.   Se viesse a exercer tal actividade profissional, poderia auferir um salário médio de € 750,00.

78.   A criança tivesse ficado desgostosa e depressiva em relação à vida futura.

79.   O valor do vestuário fosse de € 140,00.

80.   Desde a data do acidente (10/03/2009) e até 30/04/2011, de modo ininterrupto, a M, teve que deixar de trabalhar para tomar conta do seu filho J.

81.   Pelo que naquele período deixou de receber a título de salários a quantia de € 1.333,30.

82.   A M também teve perdas salariais, em termos de proporcionais que não recebeu, respeitantes a Ferias, Subsidio de férias e Subsidio de Natal, no montante de € 33,00.

83.   A inscrição da irmã do J tivesse sido feita depois de ocorrido o acidente.

84.   O J aproveitou o facto de tanto a educadora como a auxiliar educativa não o conseguirem alcançar, para sair da sala a correr.

85. A porta de saída para o recreio encontrava-se aberta por, àquela hora, os progenitores se deslocarem àquele local para ir buscar os seus descendentes

86. A porta da sala de aula, por motivos de segurança escolar e de imposição do Ministério da tutela, deverá manter-se aberta durante as aulas, e a direcção pedagógica poderá entrar a qualquer momento, para manter permanente percepção do interesse e postura dos alunos.

87. A Casa do Povo de X, quando interpelada pelo facto de a progenitora do menor se encontrar em casa sem receber o seu vencimento mensal, pagou-lhe tais quantias.

88. A Creche e Jardim de Infância da Casa do Povo de X é um estabelecimento de ensino de direito privado, no qual não existe qualquer trânsito de veículos e muito menos aberto ao trânsito público.

89. Quando o condutor se preparava para estacionar, ao passar junto da sala das crianças de 5 anos saiu desta, totalmente desamparado, o infeliz menor J.

90. Atenta a súbita conduta do menor foi totalmente impossível ao condutor da carrinha evitar o sinistro.

91. A licença de parto da A. tivesse sido até ao dia 25 de Março de 2009.

1.Da matéria de facto

Insurge-se a Recorrente contra ao julgamento efectuado pelo segundo grau no que tange à apreciação da matéria de facto, que pretendia a eliminação do facto 24, por contradição entre a resposta dada ao correspondente quesito (12º) e o facto constante no artigo 61, ao decidir que os mesmos não eram contraditórios nem conclusivos, optou por, em vez disso, eliminar os factos 14 e 55, entendendo que daí constam descrições de natureza conclusiva que deviam extrair-se antes dos factos que constam dos pontos 17 a 23, não se justificando na tese da Recorrente essa correcção à matéria de facto sendo certo que outro facto, pelo menos, foi mantido, ao arrepio do bom senso (no facto 22 ficou provado que “caso a porta da sala de actividades se encontrasse fechada, seria evitado que o menor saísse para o exterior daquela”), pois o facto de uma porta se encontrar fechada não significa que a mesma não possa ser aberta para por ela se transitar, e o menor podia abri-la, querendo, pelo que só por si a porta fechada não garantia que ninguém por ela passasse.

E, continuando na sua senda argumentativa contra a materialidade provada e não provada, adianta ainda a Recorrente que para além disso, com particular evidência em relação ao modo como a acção foi decidida pelo acórdão recorrido, este deveria, considerando o disposto nos artigos 5º nº2 alínea b) e 674º nº1 alínea c) do NCPCivil, ter considerado ainda provada, a seguinte matéria, em resultado da discussão, e conforme se consignou, aliás, na decisão da 1ª instância: “O alpendre onde ocorreu o acidente é lugar de carga e descarga das crianças nas horas de as entregar e levantar 700h às 9.00h e 17.00h às 19.00h” e “A educadora, aquando do acidente, estava na porta, tinha acabado de determinar às crianças que parassem com a brincadeira referida no facto 13, estava a atender uma mãe, não se apercebeu da chegada do HM e quando percepcionou a corrida do José para a porta, ainda o tentou travar, mas sem êxito”, factos que agora deverão ser aditados aos provados.

Vejamos então.

O Supremo Tribunal é um Tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, nº1 do artigo 674º do NCPCivil, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este Tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº3 do artigo 674º do CPCivil, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, cfr José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163 e inter alia os Ac STJ de 6 de Maio de 2004 (Relator Araújo de Barros), 7 de Abril de 2005 (Relator Salvador da Costa), 18 de Maio de 2011 (Relator Pereira Rodrigues), de 23 de Fevereiro de 2012 (Távora Victor) e de 15 de Novembro de 2012 da ora Relatora, in www.dgsi.pt.

A Revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos situações excepcionais, ou seja quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 682º, nº3 do NCPCivil.

Decorre do disposto no artigo 607º do NCPCivil que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, vinculada pois, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas, cedendo o mesmo naquelas situações vulgarmente denominadas de «prova taxada», designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, cfr artigos 358º, 364º e 393º do CCivil.

Enquanto o princípio da prova livre permite ao julgador a plena liberdade de apreciação das provas, segundo o princípio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela Lei que lhes designam o valor e a força probatória e os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto, circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram, ou não, no caso concreto violados.

Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só poderá fazê-lo – no rigor dos princípios - por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para este Órgão Jurisdicional.

Por outras palavras e em termos práticos, dir-se-á que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça, pois o que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido.

Decorre do disposto no artigo 682º do NCPCivil no que tange aos termos em que julga este Supremo Tribunal de Justiça, o seguinte:

«1. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo no caso excepcional previsto no nº3 do artigo 674º.

3. O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.».

As objecções formuladas pela Recorrente no que tange à materialidade assente, transcendem os poderes deste Supremo Tribunal quanto à possibilidade da sua (re)apreciação: de facto não existe qualquer fundamento para que se faça apelo às normas supra apontadas que permitem a censura dos meios de prova, porquanto estamos no âmbito da prova livre já que qualquer dos factos impugnados não estava sujeito a prova taxada.

As conclusões, neste ponto concreto, estão condenadas ao insucesso.

2.Da imputação subjectiva.

Insurge-se ainda a Recorrente contra o Aresto impugnado uma vez que entende que erradamente se decidiu também, em termos de direito, quer quanto à responsabilidade pela produção do acidente quer quanto à fixação do valor das parcelas indemnizatórias pois ali se admitiu expressamente que “é inquestionável que este (o menor) contribuiu para ° desfecho acidental ocorrido,” pelo que, não obstante o mesmo, por ter apenas 6 anos de idade, ser inimputável, tal inimputabilidade não pode ter como consequência que se atribua a responsabilidade integral pelo ressarcimento dos danos, à Casa do Povo de X, antes devendo graduar-se a comparticipação no ressarcimento dos danos, com base nas culpas recíprocas, nessa hipótese que só academicamente se admite, em 10% para o comportamento da educadora de infância e 90% para o próprio menor.

Lê-se no Acórdão recorrido, a propósito desta precisa questão da imputação da culpa pela produção do resultado, além do mais o seguinte:

«(…) No caso dos autos, a existir uma actuação culposa, estaremos em face da culpa na modalidade de negligência, pois está excluída liminarmente uma conduta dolosa.

Ainda segundo Antunes Varela, no âmbito da negligência cabem, em primeiro lugar, os casos « ... em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e s6 por isso não toma as providências necessárias para o evitar» (negligência consciente), assim como se compreendem os casos « ... em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida» (negligência inconsciente)- ob cit pp 463.

A negligência consiste, por conseguinte, na omissão de um dever de cuidado, dever que teria, na prática, se tivesse sido observado, obstado à produção do evento.

Cumpre, portanto averiguar se a educadora de infância omitiu algum dever de cuidado que, no caso, uma vez observado, teria evitado o sinistro.

A resposta é afirmativa.

De efeito, apurou-se que:

12. No dia 10 de Março de 2009, pelas 17,15 horas, o menor J, estava em actividades escolares na sala que habitualmente ocupa com os demais colegas e alunos da mesma idade, isto é, a sala destinada aos meninos com 6 anos de idade.

13.   O J estava a brincar com outro colega da mesma idade.

14.   Como a porta da sala de actividades se encontrava aberta, o J dirigiram-se para o exterior da sala e seguiu para o recreio.

15.   A educadora que estava na sala encontrava-se a conversar com a mãe de outra criança.

16.   O espaço de recreio, dentro do estabelecimento da R. Casa do Povo começa logo à saída da sala de actividades e prolonga-se por mais alguns metros.

17.   Existe um alpendre no recreio à saída da sala de actividades.

18.   Nesse alpendre é habitual parar um veículo ligeiro de passageiros com a finalidade de recolher os alunos quando estes têm que ser transportados para fora do estabelecimento, quer seja em viagem de estudo, quer seja para os transportar para as suas residências.

19. No preciso momento em que o J, saiu da sala de actividades, ia a passar no alpendre o veiculo acima identificado, com a matrícula …-…-WW, conduzido por S, funcionário da primeira R. Casa do Povo.

20. O J, foi atropelado pelo veículo …-…-WW.

21.   A R. Casa do Povo tinha conhecimento de que naquela área circulava a viatura  …-…-WW.

22.   Caso a porta da sala de actividades se encontrasse fechada, seria evitado que o menor saísse correndo para o exterior daquela.

23. O condutor do veículo  …-…-WW sabia que ao conduzi-lo dentro do estabelecimento de Creche e Jardim de Infância, junto á porta de entrada e saída dos meninos das salas de actividades, se poderia deparar de modo repentino com um menor saindo do seu interior.

66. O menor J, conjuntamente com outro colega da mesma idade, iniciaram uma brincadeira arremessando reciprocamente objectos, designadamente ''Lego'', tendo a educadora prontamente proibido a brincadeira de arremesso, ordenando às crianças que nela não prosseguissem.

67. O menor J, sem que nada permitisse prevê-lo, correu em direcção à porta de saída da sala de aula, tendo a educadora tentado alcançá-lo, o que não conseguiu.

68. O menor, no momento em que transpôs a porta de saída da creche, veio a embater na parte frontal do WW.

69. O condutor do mesmo não se apercebeu da aproximação do menor a tempo de evitar o acidente.

70. No dia 10 de Março de 2009, pelas 17.15 horas, o veículo em causa, marca Volkswagen, modelo Transporter, propriedade da R. Casa do Povo, dirigia-se para o local, no interior da Creche, onde habitualmente fica guardado.

71. A roda direita da frente da carrinha calcou parcialmente o pé do menor.

Ao contrário da decisão recorrida, não retiramos da matéria de facto apurada e supra descrita a existência de elementos constitutivos da culpa do condutor do veículo interveniente. De facto, não encontramos provada a violação de qualquer norma especifica do C. da Estrada nem que o dito condutor tenha agido com inconsideração, negligência ou falta de destreza pois apesar de se ter apurado que O condutor do veículo  …-…-WW sabia que ao conduzi-lo dentro do estabelecimento de Creche e Jardim de Infância, junto á porta de entrada e saída dos meninos das salas de actividades, se poderia deparar de modo repentino com um menor saindo do seu interior também se provou que o condutor do mesmo não se apercebeu da aproximação do menor a tempo de evitar o acidente. E factualidade provada não temos para concluir que tal aconteceu por conduzir distraído ou por qualquer outra razão imputável ao condutor do veículo.

Já no que diz respeito ao menor é inquestionável que este, sem que nada permitisse prevê-lo, correu em direcção à porta de saída da sala de aula, tendo a educadora tentado alcança-lo, o que não conseguiu, o menor, no momento em que transpôs a porta de saída da creche,veio a embater na parte frontal do WW contribuiu para o desfecho acidental ocorrido. Mas poder-se-á falar em culpa do menor?

A culpa lato sensu exprime um juízo de reprovação pessoal da acção ou da omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo, e é susceptível de assumir as vertentes de dolo ou de negligência.

A culpa stricto sensu ou mera negligência traduz-se, grosso modo, na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, por seu turno, as vertentes de consciente ou inconsciente. No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação; no segundo, o agente, embora o pudesse e devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não o previu.

Ora, à data do acidente, o menor tinha seis anos, pelo que se presume falta de imputabilidade no mesmo (art. 488.°, n.º 2 do C. Civil), além de que não parece poder afirmar-se que o menor era capaz de discernir ou entender o perigo em que se colocou e querer o facto danoso que veio a suceder.

Para uma criança de seis anos, em que na normal idade da vida esta se confunde com a brincadeira despreocupada, sem consciência das exigências impostas pelo viver em sociedade, brincar como brincou neste dia não representa mais do que o preenchimento da sua vida lúdica. O seu comportamento não se enquadra sequer no conteúdo da negligência inconsciente. A imprevidência (tal como é concebida pelos adultos) faz, normalmente, parte do quadro mental de qualquer criança (da idade da dos autos) não sendo exigível que ela possa ou deva prever as consequências de um dado acto usando de uma diligência que ela não tem e muito menos que paute a sua conduta por normas estradais que de todo lhe passam despercebidas.

A movimentar-nos no domínio da culpa esta só poderia ser in vigilando nos termos do art. 491.°, no qual se estabelece uma presunção de culpa in vigilando das pessoas que por lei forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural, como acontece com os pais em relação aos

E cremos ser essa a situação dos autos, uma vez que resultou provado que A Casa do Povo de X assegurava a guarda, educação, ocupação e vigilância do menor J, filho dos Autores.

Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, ln U Código Civil Anotado ", Vol. r., pags. 492 a 493 :

“Quando haja qualquer lesão cometida pelo incapaz, a lei presume, portanto, que ela proveio de culpa in vigilando. ( ... ) A prova de que não há culpa, ou melhor, o afastamento da responsabilidade pode obter-se por dois modos: ou provando-se que se cumpriu o dever de vigilância, ou mostrando-se que o dano se teria produzido, mesmo que se cumprisse esse dever. Só portanto, em face de cada caso Se pode definir a posição do obrigado à vigilância.

( ... ) As pessoas atingidas pela obrigação de indemnizar não respondem pelo facto de outrem, mas por facto próprio, visto a lei presumir que houve falta ( omissão ) da vigilância adequada ( culpa in vigilando) “. (…)».

Antes de analisarmos o trecho que chamamos à colação, para daí podermos extrair a sem razão da Recorrente, façamos apelo ao primeiro argumento recursivo desta, no que tange à subsunção do sinistro em tela como sendo uma acidente de viação, por força do disposto no artigo 2º n.º2 do Código da Estrada, este é aplicável também a vias do domínio privado quando abertas ao trânsito público (cfr. no mesmo sentido, e mesmo em relação ao artigo 1º n.º1 do anterior Código da Estrada).

Resulta do normativo inserto no artigo 2º do CEstrada, com as alterações introduzidas pelo DL 44/2005, de 23 de Fevereiro, aplicável ao caso sub judice, tendo em atenção a data da ocorrência:

«Âmbito de aplicação

1 - O disposto no presente Código é aplicável ao trânsito nas vias do domínio público do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.

2 - O disposto no presente diploma é também aplicável nas vias do domínio privado, quando abertas ao trânsito público, em tudo o que não estiver especialmente regulado por acordo celebrado entre as entidades referidas no número anterior e os respectivos proprietários.».

Daqui decorre, com mediana clareza, que as vias do domínio privado a que se refere o nº2, são só aquelas que estiverem abertas ao trânsito normal e não, circuitos particulares existentes nos espaços abertos de habitações particulares e/ou públicas, por onde possam transitar veículos a elas afectos ou que a elas digam respeito, vg, para aí efectuarem cargas e descargas pontuais e/ou recolher ou fazer desembarcar alunos, como no caso dos autos (cfr ponto 18. da matéria de facto).

Assim sendo, nunca poderia o sinistro dos autos ser configurado como acidente de viação, como bem decidiram as instâncias.

O princípio geral que rege a matéria da responsabilidade civil vem consignado no artigo 483° do Código Civil, segundo o qual «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no artigo 487º, nº1, do mesmo diploma legal.

Constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente e não de um facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, cfr Antunes Varela, Das Obrigacões em Geral, I Vol., 1986, 477/478.

O artigo 491º do CCivil estabelece uma presunção de culpa das pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico, a vigiar outras e apurando-se que um incapaz sujeito a tal obrigação sofreu danos, cabe à pessoa obrigada à vigilância o ónus de demonstrar que não houve omissão daquele dever ou que, mesmo que cumprido, os danos se teriam igualmente verificado.

A obrigação de indemnizar que recai sobre estas pessoas alicerça-se em facto próprio dessas mesmas pessoas, porquanto a lei presume que elas omitiram aquela vigilância que era adequada na situação concreta (culpa in vigilando), cfr inter alia os Ac STJ de 2 de Novembro de 2004 (Relator Azevedo Ramos), 8 de Novembro de 2007 (Relator Alberto Sobrinho), 3 de Fevereiro de 2009 (Relator Hélder Roque) e de 11 de Setembro de 2012 (Relator Fernandes do Vale), in www.dgsi.pt.

  

No que tange à responsabilidade da Recorrente, parece ser a mesma inquestionável em face do preceituado no artigo 491º do CCivil, já que apurado ficou que o menor J se encontrava à guarda daquela na creche e jardim de infância (factos 1. e 2.), por via de um negócio jurídico celebrado entre seus pais e a Recorrente, impendendo assim sobre a mesma a obrigação de garantir a sua guarda e segurança, o que manifestamente foi omitido.

Não só se apurou, no que se refere à omissão do dever de vigilância, que a porta da sala de aula se encontrava aberta, propiciando assim que o(s) aluno(s) pudesse(m) sair, o que veio a acontecer pois o J abandonou o local e seguiu para o recreio, mas também que na altura da ocorrência a educadora se encontrava na sala de aula a conversar com a mãe de uma outra criança (factos 14. e 15.), o que originou não ter dado conta daquele abandono da sala pelo menor.

E se o dever de vigilância deve ser interpretado face às circunstâncias de cada caso, tendo ainda em conta as concepções dominantes e os costumes, não se podendo ser demasiado severo a tal respeito, tanto mais que as pessoas com dever de vigilância têm, em regra, outras ocupações, não podendo considerar-se culpado a tal título quem, de acordo com tais concepções ou costumes, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe. Contudo esta abertura sofre limitações quando estamos perante uma educadora de infância, a cargo da qual se encontram menores, porquanto a sua actividade profissional se encontra precisamente centrada na guarda e educação dos mesmos.

Aquela margem permissiva de liberdade do outro esbarra com a especial característica da pessoa jurídica a ela eventualmente sujeita, que no caso se trata de um menor, inimputável e por isso sujeito e objecto de uma maior atenção e cuidado.

Se não.

O J à data do acidente tinha seis anos de idade, sendo por isso incapaz de entender e/ou de querer, face ao preceituado no normativo inserto no artigo 488º, nº2 do CCivil, não respondendo pois pelos seus actos, mesmo que se chegasse à conclusão que o mesmo, aquando da envolvência que deu origem ao sinistro, tinha perfeita noção do perigo em que se estava a colocar, isto é, que sair da sala de aula para o recreio poderia implicar o seu atropelamento pela carrinha do colégio o que veio a acontecer.

É por demais evidente que os quadros mentais de uma criança de seis anos, por muito precoce que possa ser, não podem ser equiparáveis aos de um pré adolescente, adolescente ou adulto, e não se pôs sequer em questão nos autos que o J tivesse, quiçá, uma idade mental superior à real, que de qualquer modo seria sempre indiferente face à rigidez da lei que o iliba por completo de responsabilidade, cfr Raimundo Queiroz, A responsabilidade Civil dos Menores, dos Pais e das Escolas, Quid Júris 2012, 318/320.

A culpa, como decidiu o segundo grau, impende sobre a Recorrente, na medida em que a guarda do menor estava a seu cargo e não foram tomados os cuidados necessários e suficientes para que o acidente fosse evitado, como referimos supra e decorre da factualidade apurada, nem tão pouco se provou que os danos teriam igualmente ocorrido ainda que tivesse sido cumprido o dever de vigilância por parte da educadora funcionária da Recorrente.

 

Assim sendo, a repartição de culpas sugerida pela Recorrente, carece de base legal e está condenada ao insucesso.

3. Do montante indemnizatório.

Insurge-se a Recorrente contra a indemnização arbitrada, no que respeita aos danos patrimoniais sofridos pelo menor (35.000,00€) que se lhe afigura, em qualquer caso, manifestamente exagerada, designadamente por não considerar, ao fazer apelo a uma retribuição média, e não à retribuição mínima, o beneficio concedido da antecipação em cerca de 20 anos dos valores a atribuir, pelo que deve ser reduzida equitativamente.

As instâncias, para a fixação do montante indemnizatório tiveram em atenção a seguinte materialidade

«25.  O menor J era um menino saudável, bem-disposto, feliz e sorridente.

26.   Do acidente resultaram para o J, lesões que se consubstanciaram na fractura-luxação do astrágalo do pé esquerdo.

27. Consequência do que a criança apresenta deformidade na face interna do calcanhar, dor à pressão no calcâneo, limitação dolorosa do tarso, mais evidente na flexão plantar.

28.   A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 8.9.2009.

29.   O período de défice funcional temporário total foi de 62 dias.

30.   O período de défice funcional temporário parcial foi de 121.

31.   O quantum doforis é de 5 em 7.

32.   O défice funcional permanente da integridade flsico-psiquica é de 9 pontos, sendo de admitir a existência d e dano futuro.

33.   O dano estético é de 3 em 7.

34.   As sequelas implicam repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer que se manifestam nas limitações ao jogar futebol, correr, tomar banho, caminhar a pé, participar em brincadeiras com os amigos, não ser capaz de fazer caminhadas e outras.

35.   O J teve que fazer tratamentos médicos e sofreu intervenções cirúrgicas.

36.   No dia do acidente (10/03/2009), foi assistido no Hospital de ….

37.   Nesse mesmo dia foi operado e foi-lhe feita redução incruenta e fixação de fractura com fios de Kirshner e faciectomia do pé.

38.   Em 12/03/2009, teve alta hospitalar e foi acompanhado em consulta externa.

39.   Em 14/4/2009, sofreu intervenção cirúrgica para que lhe fossem retirados os fios de Kirshner.

40.   Teve que estar de cama no seu domicílio de 12/03/2009, até 30/04/2009.

41.   Manteve-se em consulta externa até 08.09.2009.

42.   O J teve inquietação, angustia e sofreu susto.

43.   Sofreu dores, quer quando foi atropelado, quer posteriormente, antes e depois das intervenções cirúrgicas e dos tratamentos médicos.

44.   Sofre ainda dores quando pega em pequenos objectos ou pretende deslocar se.

45.   Não pode correr como os outros meninos da sua escola, como tanto gostava.

46.   Não consegue jogar á bola, como até então o fazia com muito prazer.

47. E não consegue acompanhar os outros meninos, seus colegas nas horas do recreio das actividades escolares.

48.   O menino J tem diminuição da capacidade de locomoção e claudica.

49.   O menor pode vir a necessitar de se submeter a novas intervenções cirúrgicas.

50.   Podendo vir a agravar-se as suas sequelas em medida que não pode, ainda, ser computada.

51.   A criança sofre de tristeza.

52.   Do acidente resultou que o J, ficou com o vestuário que usava então (calças, camisola e roupa interior) destruído e perdeu o calçado (sapatilhas).

53.   Ambos os pais do menor A e a M, trabalham.

54.   E tiveram que optar por um deles ficar em casa com o filho, pois este não se movimentava, nem conseguia alimentar-se ou fazer a sua higiene sozinho.

55.   A opção recaiu sobre a mãe, atendendo à maior ligação afectiva e disponibilidade profissional.

56.   A mãe, M, é trabalhadora da sociedade B, SA, auferindo mensalmente a quantia de € 795,000.

57. Ambos os pais têm acompanhado o menor seu filho para todas as consultas médicas, tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas, o que lhes causa sofrimento.

58. Os autores tinham um filho saudável, com alegria de viver e isso dava-lhes gosto e fazia-os sentirem-se orgulhosos na sua função de pais, que acompanhavam o desenvolvimento e crescimento do filho.».

A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, nos termos do artigo 562º, do CCivil, entendendo-se como “dano” a perda, “in natura”, que o lesado sofreu em consequência da ocorrência de certo facto na esfera de interesses - materiais, espirituais ou morais - que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar, cfr Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, 390/398.

A indemnização pecuniária deve efectuar-se através da avaliação concreta do dano de cálculo, realizando-se através da «teoria da diferença», isto é, confrontando-se a situação em que o património do lesado foi posto por via da conduta lesiva (situação real) e aquela em que o mesmo se poderia encontrar se tal evento nunca tivesse ocorrido (situação hipotética), referindo-se os dois valores ao momento, este o actual, em que se apura a sobredita diferença, artigo 566º, nº2 do CCivil, ibidem Almeida Costa, lc.

Por outro lado, a Lei manda atender aos danos futuros, desde que estes sejam previsíveis, artigo 564º, nº2 do CCivil, sendo certo que «se não puder averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados», artigo 566º, nº3, do CCivil.

      

Não nos parece exagerada a qualquer título, maxime, utilizando os critérios de equidade que bem foram ponderados no Acórdão recorrido, a indemnização que foi fixada, tendo a mesma seguido de perto a jurisprudência recente deste Supremo Tribunal, onde se pondera o quantum indemnizatório em casos idênticos tendo por base um salário médio e não um salário mínimo, tendo em atenção a incapacidade permanente parcial do menor e o dano biológico que daí lhe adveio, o qual irá condicionar toda a sua vida futura, cfr inter alia e a propósito desta especifica problemática, o Ac STJ de 11 de Setembro de 2012 (Relator Fernandes do Vale), supra citado.

Improcedem, pois, as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Aresto sob censura

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 16 de Junho de 2015

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida)

(Júlio Manuel Vieira Gomes)