Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
852/13.4TBSTS.P1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLAUSULAS CONTRATUAIS
INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
LEI APLICÁVEL
Data do Acordão: 05/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
Doutrina:
- José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, vol. V, 140.
- Yvonne Lambert-Faivre, Droit des Assurances, Dalloz, Paris, 9.ª ed., 1995, 14.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 493.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 154.º, 615.º, N.º1, AL. B).
DECRETO-LEI N.º 446/85, DE 25-10: - ARTIGOS 1.º A 3.º, 5.º, 8.º, AL. A).
ESTATUTO DO INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL, APROVADO PELO D.L. N.º 302/82, DE 30-7, ATRAVÉS DA NORMA N.º 23/95-R, DR III SÉRIE, N.º 269, DE 21-11-1995: - ARTIGOS 4º, A) E B), 5.º, N.º2, AL. C), 6.º.
LEI DO CONTRATO DE SEGURO: - ARTIGO 23.º.
LEI N.º 73/99, DE 21-9: - ARTIGOS 25.º, 1, E 37.º, 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 8-03-2001, PUBLICADO NA COLETÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ, ANO IX, TOMO I, 154 E SS..
Sumário :
As cláusulas contratuais inseridas em contrato de seguro obrigatório, mesmo que correspondam às cláusulas uniformizadas por aprovação pelo ISP, estão sujeitas ao regime legal das Cláusulas Contratuais Gerais.
Decisão Texto Integral: Revista nº 852/13.4TBSTS.P1.S1.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. intentou a presente ação com processo ordinário, em 4-03-2013, no Tribunal Judicial de Santo Tirso, contra BB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €89.081,85 e juros vincendos após a citação.

Para tanto alegou, em resumo, que, por força de contrato de seguro, que tinha celebrado com o réu, pagou indemnização por morte de CC aos herdeiros deste;

Tendo sido fixada essa indemnização em ação contra ela intentada e em que o ora réu interveio como parte acessória por à mesma ter sido chamado;

Porém, atento o disposto no artigo 21º das condições gerais da apólice, tem direito de regresso contra o réu pelo montante pago de € 89.081,85.

O réu contestou, concluindo pela improcedência da ação, alegando que a negligência no manuseamento da arma, de cujo disparo resultou a morte, é exclusivamente imputável à vítima; e que nunca lhe foi entregue cópia do contrato de seguro, que é um contrato de adesão, nenhum clausulado lhe foi lido ou explicado e que a autora o convenceu a subscrever esse contrato por dizer que a seguradora assumiria todos e quaisquer danos provocados pela arma de fogo, a menos que fossem dolosamente provocados pelo réu. 

A autora veio replicar, alegando que o réu conhecia perfeitamente o contrato que celebrou com a autora, coberturas, exclusões e restantes cláusulas contratuais aplicáveis ao mesmo; mais alega que o réu, não apresentou esta versão do sinistro na ação a que foi chamado.

O processo foi saneado, sendo decidido que o réu, por ter tido a mencionada intervenção na ação intentada contra a autora, na presente só pode suscitar questões diversas das já decididas na outra ação, pelo que foi determinado o prosseguimento dos presentes autos apenas para apreciação de tais matérias. Foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

Teve lugar a audiência final e foi proferida sentença em cuja parte dispositiva se encontra escrito:

 “Termos em que se decide:

- Julgar a acção improcedente e consequentemente absolver o Réu BB do pedido nesta acção intentada pela Autora, AA - Companhia de Seguros S.A.”

A autora apelou, tendo a Relação do Porto, julgando a apelação procedente, condenado o réu no pedido.

Desta vez foi o réu que, inconformado, veio interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas.

Daquelas resulta que a recorrente, para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões:

A) O acórdão recorrido é nulo por não conter a fundamentação legal para a decisão de afastar o regime das Cláusulas Contratuais Gerais ( CCG ), num caso de seguro obrigatório cujas cláusulas coincidem com as condições gerais da apólice  aprovadas como uniformes pelo Instituto de Seguros de Portugal ?

B) O regime jurídico das CCG é aplicável às cláusulas que integrem as “Condições Gerais da Apólice”, mesmo que quando reproduzam as Apólices Uniformes de Seguro?

 

A recorrida não contra alegou.

Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.

Como é sabido – arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.

Já acima vimos as concretas questões que o aqui recorrente levantou como objeto deste recurso.

Mas antes de mais, há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por apurada e que é a seguinte:

1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao ramo segurador.

2. No exercício de tal atividade, celebrou com o réu, BB, um contrato de seguro do Ramo Responsabilidade Civil/Uso e Porte de Armas, titulado pela apólice nº. …701, emitida em 4.9.2007, que constitui o documento junto a fls. 10.

3. Tal contrato encontrava-se sujeito às condições particulares e gerais da apólice que constituem os documentos juntos a fls. 11 a 17, cujo teor se dá por reproduzido.

4. No dia 7 de Outubro de 2008, o réu foi á caça para uma reserva no Alqueva, juntamente com os amigos, DD, EE, FF, GG, HH e CC.

5. No dia 8 de Outubro de 2008, no final da caça, cada um dos referidos caçadores, com exceção do Réu BB, procedeu à guarda das suas armas, guardando-as na mala dos veículos para regressarem à Trofa.

6. No final do dia de caça a arma de BB, que tinha duas munições no seu interior, foi inserida no respetivo saco e colocada no veículo do EE pelo CC.

7. A arma do réu, BB e a arma do CC foram por este colocadas no veículo do EE que as transportou até à Trofa.

8. Ao chegar á Trofa, dirigiram-se a um terreno pertencente ao GG, onde tinham deixado ficar os veículos, no sentido de procederem á recolha e transferência dos bens, pessoas e armas, das viaturas em que tinham viajado para a caça, para aquelas em que iam regressar a suas casas.

9. Chegados aí, o CC encontrava-se no passeio a separar o material que o EE retirava do seu veículo, com a matrícula …-…-QB, e que os restantes colegas retiravam do veículo …-…-DD.

10. Mas como a rampa estava ocupada com os objetos dos caçadores, o CC decidiu afastar tudo o que impedia a entrada daquele.

11. Acabando por bater com a arma que transportava naquele momento, pertencente ao réu, BB, no chão.

12. Provocando o disparo da mesma.

13. Que o atingiu no tórax, causando-lhe a morte.

14. A arma do réu foi transportada no veículo do EE desde o Alqueva até á Trofa com duas munições (cartuchos) no seu interior.

15. Os herdeiros do falecido CC, vieram a exigir judicialmente da Autora, ao abrigo do referido contrato de seguro celebrado com o Réu, a respetiva indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com a morte daquele.

16. Tendo a ação corrido seus termos no processo nº 3221/10.4TBSTS do 3º Juízo do Tribunal de Santo Tirso, no qual a aqui Autora foi condenada por sentença proferida em 6 de Janeiro de 2012.

17. Em tal ação o réu foi chamado e admitido a intervir como parte acessória.

18. A sentença foi objeto de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que por Acórdão proferido em 14 de Novembro de 2012, condenou a Autora a pagar aos herdeiros do falecido, CC, a quantia global de €86.000,00, acrescida dos respetivos juros de mora.

19. A Autora, dando cumprimento ao referido Acórdão, já pagou o valor da condenação, no montante de € 89.081,85.

20. Consta do artigo 21 ° das condições gerais da referida apólice nº. …701, que “á seguradora, uma vez liquidada a indemnização, assiste o direito de regresso contra o segurado, quando acidente decorra de:

a) Qualquer infração ás leis e/ou regulamentos aplicáveis ao uso e porte de armas ou á sua detenção;

b) Incumprimento das indicações das autoridades competentes relativas á detenção, guarda, transporte e uso das mesmas. (…).”

21. A Autora remeteu ao Réu, pelo correio, as condições particulares e gerais da apólice nº. …701, em data não apurada mas sempre posterior à data da receção da proposta de seguro remetida pelo Réu e consequente aceitação e emissão da respetiva apólice.

22. Nem antes nem aquando da subscrição do contrato de seguro em causa, a Autora deu conhecimento ao Réu do teor das condições gerais e especiais a que o mesmo ficava adstrito, nomeadamente do teor do referido artigo 21º das condições gerais.

23. A Autora nunca leu e/ou explicou ao Réu o teor das referidas condições particulares e gerais da apólice, nomeadamente o teor do referido artigo 21º das condições gerais.

Vejamos agora cada uma das concretas questões acima elencadas como objeto deste recurso.

A) Nesta primeira questão defende o recorrente que o acórdão recorrido é nulo por não conter a fundamentação jurídica para a decisão que tomou no sentido de que às cláusulas contratuais do contrato de seguro aqui em apreço se não aplica o regime legal das Cláusulas Contratuais Gerais, por aquelas cláusulas contratuais corresponderem às Condições Gerais aprovadas como uniformes pelo Instituto de Seguros de Portugal (ISP).

Segundo o recorrente aquela nulidade está prevista na al. b) do nº 1 do art. 615º do Cód. de Proc. Civil.

Estipula este preceito que a sentença é nula sempre que não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justifiquem a decisão.

Trata-se aqui de uma especificação do dever geral de fundamentação das decisões judiciais que está previsto no art. 154º.

Porém, tal como é pacificamente aceite a nulidade só se verifica quando se verifique uma falta absoluta de fundamentação.

Assim, já ensinava José Alberto dos Reis, in Cód. de Proc. Civil, vol. V, pág. 140: “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade .“

Desta forma, a referida nulidade exige uma ausência total de fundamentação de facto ou de direito.

Ora o acórdão recorrido fundamenta de forma bastante aquela decisão de afastar o regime das CCG do contrato aqui em apreço por a cláusula daquele aqui em causa corresponder às cláusulas aprovadas como uniformes pelo Instituto de Seguros de Portugal.

Sobre aquela questão o acórdão recorrido disse o seguinte:

“Começou esta transcrição e todo o raciocínio constante da Sentença por assentar no pressuposto da absoluta liberdade contratual que, a nosso ver se divide em duas: liberdade de não contratar, pura e simplesmente, ou de contratar, mas com uma cláusula diferente ou sem essa cláusula.

Na verdade, se o princípio do liberalismo jurídico continua, teoricamente, em vigor (liberdade de contratar e liberdade do conteúdo do contrato) ele sofreu múltiplas limitações com as obrigações de segurar (obrigação de contratar), cuja imposição jurídica é geralmente justificada por uma necessidade social[1].

Como sabemos, para o caçador existe a obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiro, sendo aplicável aos danos causados no exercício da caça o disposto no n.º 2 do artigo 493º do CC – artigos 25º, 1, e 37º, 1, da Lei n.º 73/99, de 21-9.

Estamos, pois, perante um seguro obrigatório, cujas condições gerais da apólice foram aprovadas, como uniformes, logo obrigatórias, pelo Instituto de Seguros de Portugal, nos termos da al. c) do n.º 2 do artigo 5º, e ao abrigo do artigo 6º do seu estatuto aprovado pelo DL 302/82, de 30-7, através da Norma n.º 23/95-R, DR III série, n.º 269, de 21-11-1995.

Ora, dessa apólice uniforme já constava no seu artigo 21º o seguinte:

À seguradora, uma vez liquidada a indemnização, assiste o direito de regresso contra o segurado, quando o acidente decorra de; a) qualquer infração às leis e ou regulamentos de caça; b) atos ou omissões dolosas do segurado, ou de pessoas por quem este esteja civilmente responsável; c) rixas, desordens, embriaguez ou uso de estupefacientes fora de prescrição médica.”

Estamos assim, perante cláusulas gerais que não resultaram da iniciativa da seguradora, como parte contratante, mas do ISP, entidade reguladora e que supervisiona a atividade seguradora – artigo 4º, a) e b), do DL 302/82 citado, como tais obrigatórias – ver artigo 5º, 2, c) citado.

Tal significa que, apesar de na fase negocial (na formação do contrato) não ter sido informado o R. do conteúdo e significado da cláusula em apreço, não era possível aos contraentes (ora A. e ora R.) eliminá-la do contrato de seguro ou dar-lhe uma diferente redação.

Isto é, não era juridicamente admissível, ainda que o R. a não quisesse aceitar, celebrar o contrato em causa, com a sua exclusão. Só uma atitude era possível nesse caso de não aceitação – não contratar o seguro e sujeitar-se a todas as sanções de estar a exercer uma atividade, ainda que lúdica, sem ser titular de seguro imposto por lei.

Se bem que a seguradora não tenha cumprido uma das obrigações que a lei lhe impunha (obrigação de informação), pelo exposto não é juridicamente possível eliminar essa cláusula do contrato, negando-lhe o direito que pretende exercer nesta ação.

A única sanção que lhe seria aplicável seria a do artigo 23º da Lei do Contrato de Seguro se a entendêssemos aplicável ao caso por existir, à data da celebração do contrato e ocorrência do sinistro como uma norma interpretativa e aplicável a situações de lacuna da lei, mas que não está em apreciação neste recurso.

Perante esta extensa fundamentação, não podemos dizer que se verifique aquela denunciada omissão de fundamentação legal.

O recorrente parece discordar da mesma fundamentação, ou seja, parece querer dizer que a legislação apontada pelo acórdão recorrido não chega para concluir no sentido adotado – afastamento da aplicação do regime das CCG à cláusula contratual em causa, por corresponder à apólice uniforme aprovada pelo ISP.

Mas essa discordância corresponde a um erro de julgamento, mas nunca a uma deficiência formal como a nulidade apontada.

E esse erro de julgamento foi levantado autonomamente pelo recorrente e será apreciado sob a al. B) das questões objeto deste recurso.

Soçobra, desta forma este fundamento da revista.

B) Resta apreciar a pretensão do recorrente no sentido de ser o regime jurídico das CCG aplicável à cláusula contratual aqui em apreço, apesar de a mesma corresponder à apólice uniforme aprovada pelo ISP.

Aqui já há mais a ponderar.

O acórdão recorrido concluiu que estamos aqui em face de um seguro obrigatório e que a cláusula 21 do contrato de seguro em causa corresponde às condições gerais da apólice aprovadas como uniformes pelo ISP, nos termos da al. c) do nº 2 do art. 5º e do art. 6º do estatuto daquele organismo público, aprovado pelo Decreto-Lei nº 302/82 de 30/07, através da Norma nº 23/95, DR III série, nº 269, de 21-11-1995.

Este entendimento foi aceite expressamente pelo recorrente.

Assim, temos apenas de averiguar se a cláusula em causa por corresponder àquela apólice uniforme, está ou não subtraída ao regime das CCG.

O acórdão recorrido entendeu que não se aplica este regime.

O recorrente discorda.

A nós parece-nos que o recorrente tem razão.

Com efeito, a circunstância de a cláusula em causa corresponder às condições aprovadas pelo referido Instituto não a subtrai à aplicação do Regime das CCG.

As regras gerais deste regime, nomeadamente, as constantes dos artigos 1º a 3º do Decreto-Lei nº 446/85 de 25/10 que, respetivamente  define o âmbito de aplicação daquele regime,  delimita a forma, a extensão e a autoria das cláusulas abrangidas pelo mesmo regime e as exceções à sua aplicação, não permitem fazer excluir as cláusulas uniformizadas pela aprovação do ISP da submissão ao regime das CCG.

É que estas cláusulas contratuais estão incluídas no disposto no art. 1º, daquele diploma legal e nenhuma exclusão das mesmas consta daquelas disposições, nomeadamente, do seu art. 3º que prevê diversas exclusões.

Por outro lado, há um argumento muito importante que resulta da história da redação do mencionado art. 3º.

Este preceito do referido Decreto-Lei nº 446/85, na sua redação primitiva previa no seu nº 1, al. c) o seguinte:

O presente diploma não se aplica:

(…)

c) A cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas com competência para limitar a autonomia privada.

Porém, pelo Decreto-Lei nº 220/95 de 31/08, a referida alínea foi suprimida, o que deixou as cláusulas contratuais correspondentes a cláusulas aprovadas por instituição pública, sujeitas ao referido regime das CCG, por haver sido eliminado o preceito que afastava a referida aplicação.

E nem se diga como parece entender o acórdão referido, existir a inutilidade da observância da obrigatoriedade de informação prevista no art. 5º do referido Decreto-Lei nº 446/85, por se tratar de seguro obrigatório e o segurado não poder afastar a referida cláusula sob pena de entrar em violação do preceito que exige o seguro, caçando sem ser titular de seguro correspetivo.

Com efeito, o dever de comunicação ou de informação cuja violação foi aqui apurada – ambas as instâncias concluíram nesse sentido e tal não foi aqui impugnado – permitiria ao segurado, se informado do conteúdo  gravoso para a sua posição contratual da cláusula em causa, decidir pela não celebração do contrato e não exercer a atividade venatória, respeitando desta forma a lei.

Foi aquele o entendimento que foi adotado pelo acórdão deste STJ proferido em 20-01-2010, no proc. nº 2963/07.6TVLSB.L1.S1, constante da base de dados do ITIJ.

Neste acórdão consta a doutrina que comunga da mesma opinião.

Também foi esse o entendimento do acórdão também deste STJ proferido em 8-03-2001, publicado na Coletânea de Jurisprudência do STJ, ano IX, tomo I, págs. 154 e segs.

Desta forma, aplicando-se ao caso as regras legais das CCG, fica a recorrida obrigada ao cumprimento das obrigações estipuladas no referido Decreto-Lei nº 446/85, nomeadamente, as previstas no seu art. 5º

E como consta extensa e cuidadosamente da douta sentença de 1ª instância – e expressamente aceite pelo acórdão recorrido - , a recorrida não cumpriu essas obrigações, violando esse preceito e, por isso, a cláusula que fundamentava o pedido aqui formulado tem de ser excluída do respetivo contrato, nos termos do art. 8º, al. a) do mesmo decreto-lei, falecendo, deste modo, o fundamento para o pedido deduzido.

Procede, desta forma, este fundamento do recurso e essa procedência faz soçobrar o decidido pelo acórdão recorrido para ficar a valer a douta decisão da 1ª instância

Pelo exposto, concede-se a revista pedida e, por isso, se revoga o acórdão recorrido para ficar a valer a sentença de 1ª instância que absolveu o réu do pedido.

Custas nas instâncias e na revista a cargo da autora recorrente.

*

 Nos termos do art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil, sumaria-se o acórdão da seguinte forma:

Contrato de Seguro. Cláusulas Contratuais. Instituto de Seguros de Portugal. Cláusulas Contratuais Gerais.

 As cláusulas contratuais inseridas em contrato de seguro obrigatório, mesmo que correspondam às cláusulas uniformizadas por aprovação pelo Instituto de Seguros de Portugal, estão sujeitas ao regime legal das Cláusulas Contratuais Gerais.

2016-05-10

João Camilo (Relator)

Fonseca Ramos

Fernandes do Vale

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[1] YVONNE LAMBERT-FAIVRE, Droit des Assurances, Dalloz, Paris, 9ª ed., 1995, p. 14.