Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A1992
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ20090325019926
Data do Acordão: 03/25/2009
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Referência de Publicação: DR Iª SÉRIE, 86,05-05-2009,P. 2530-2538.
CJASTJ, ANO XVII,TOMO I/2009,P.13
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA AMPLIADA
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário :
No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Pleno da Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:


1 – Banco ... SA propôs contra BB e mulher CC acção ordinária, distribuída à 3ª Vara Cível de Lisboa, pedindo a condenação dos RR a pagar-lhe a quantia de €16.553, 20, acrescida de juros moratórios à taxa de 23,3% correspondente ao montante alegadamente por aqueles devido, por força do empréstimo concedido ao 1º R em proveito comum do casal.
Contestou apenas a 2ª R, impugnando o montante do invocado débito, bem como o alegado proveito comum.
Efectuado o julgamento, foi proferida decisão na qual, julgando-se a acção parcialmente procedente, se condenou o 1º R a pagar ao A. a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente às prestações não pagas do capital mutuado, acrescidas dos juros de mora à taxa de 19,3% desde 10/03/2003, absolvendo-o do demais e à 2ª R da totalidade do pedido contra ela formulado.
O A interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa pedindo a revogação da sentença, por forma ao R. ser condenado na totalidade do pedido, citando a propósito um acórdão da Relação de Lisboa de 23/01/2007, proc. n.º 8208/06 da 7ª secção no sentido da norma do art.º 781º do C. Civil se aplicar igualmente no tocante ao vencimento imediato, às prestações de juros remuneratórios.
Por acórdão da Relação de Lisboa que consta de fls. 206 a 208, o recurso foi julgado improcedente, nele assim se fundamentando a decisão proferida:
A questão a decidir resume-se (…) à apreciação da parte da decisão recorrida, na qual se considerou não ser devido o valor referente aos juros remuneratórios, incluído nas prestações posteriores à data em que se venceu o capital mutuado.
No apontado sentido se tem vindo (…) a pronunciar a mais recente jurisprudência.
“O art.º 781º do C. Civil segundo o qual se a obrigação puder ser liquidada em prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas, tem toda a razão de ser pela perda de confiança que se instala no credor, relativamente ao cumprimento, pela falta de realização de uma das prestações.
Tal preceito não conduz ao vencimento antecipado de prestações de juros, pois o que passa a ser imediatamente exigível, com a falta do pagamento de uma das prestações, pela perda do benefício do prazo, são todas as fracções da dívida única parcelada (o capital) não podendo os suplementos de juros, incluídas nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado,serem exigidos como juros remuneratórios por não poderem ser calculados em proporção de um tempo decorrido por não corresponderem a um tempo efectivamente gasto (ac. deste Tribunal de 19/04/2005 em WWWdjsi .pt)”
Os juros remuneratórios que exprimem o rendimento financeiro do capital mutuado não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado, mas apenas nas prestações vencidas.
As dívidas do capital e dos juros são distintas, embora com forte conexão, valendo o princípio da autonomia (ac. deste STJ de 12/09/2006)
Perfilhando–se a orientação acima expressa, entende-se que pese embora o estipulado implicar a falta de pagamento de uma das parcelas devidas, o imediato vencimento das restantes, naquelas tão somente se poderá abranger o montante referente ao capital mutuado”
De novo inconformado, o mutuante interpôs recurso de revista para este tribunal e, no respectivo requerimento, por o decidido estar no domínio da mesma legislação, em oposição com o acórdão deste Supremo de 22 de Fevereiro de 2005 proferido no recurso 3747/04/-1ª secção e com o decidido também pela Relação de Lisboa em acórdão de 17 de Janeiro de 2008 proferido no proc.º n.º 9.932/07–2ª secção, requereu igualmente que fosse proferido acórdão de uniformização de jurisprudência, nos termos e ao abrigo do disposto no nº 4 do art.º 678º do Código Proc. Civil.
Depois, admitido o recurso, produziu alegações em que conclui nos termos seguintes:
1. É errado o “entendimento” perfilhado no acórdão recorrido no sentido de que o vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos pela falta de pagamento de uma delas nos termos do disposto no artigo 781º do Código Civil apenas abrange a divida de capital e não também o juros remuneratórios ou outras quantias que estavam já incluídas em cada prestação e de que, de qualquer modo, o A. apenas tem direito a peticionar e receber o montante do capital “vincendo” acrescido de juros moratórios mas não já o montante correspondente a todas as prestações não pagas, por nele se incluírem os juros remuneratórios acordados.

2. Na verdade, e salvo o devido respeito, é desde logo errado e infundado o “entendimento” de que o vencimento antecipado das prestações de um contrato de mútuo oneroso por via do artigo 781º do Código Civil, apenas importa o vencimento das fracções da divida de capital e não dos respectivos juros remuneratórios, porquanto o referido preceito legal não faz, nem permite fazer, qualquer distinção entre o vencimento de fracções de capital ou o vencimento de fracções de juros, ou aliás do que quer que seja, bem como não diz ou sequer indicia, por exemplo, que apenas se aplica aos mútuos gratuitos (em que não há juros), e não aos mútuos onerosos (em que há juros), ou vice-versa.

3. Mas antes fala, pura e simplesmente, o referido preceito legal em “obrigação”, “prestações” e no “vencimento” de todas as prestações mediante a falta de realização de uma delas, e aplica-se, para além do mais, a todos os tipos de mútuo, excepto se for afastada pelas partes, já que se trata de norma supletiva, pelo que não se vê, nem há, pois, qualquer fundamento para se entender que o disposto no artigo 781º do Código Civil distingue entre fracções de capital ou fracções de juros, e menos ainda, que apenas se aplica a fracções de capital ou apenas a fracções de juros. Aliás, muito pelo contrário até.

4. Com efeito, qual é a “obrigação” do mutuário para com o mutuante num mútuo oneroso? Será apenas a restituição da quantia ou da coisa mutuada? NÃO, obviamente que não. Isso é a obrigação do mutuário num mútuo gratuito.

5. Num mútuo oneroso a “obrigação” do mutuário para com o mutuante é precisamente a restituição da quantia ou da coisa mutuada, mais a retribuição do empréstimo que as partes acordaram, ou seja, habitualmente, os juros (que tanto podem ser constituídos por dinheiro como por qualquer outra coisa fungível), mas não só, pois que a retribuição pode incluir, para além dos juros, outras facetas como os prémios, sendo que não é sequer obrigatória a correspondência entre a coisa mutuada e os juros. Ou seja, a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é, desde logo, aliás, a restituição da quantia ou da coisa mutuada e a respectiva retribuição acordada, precisamente pela cedência do dinheiro ou da coisa posta à disposição do mutuário, enquanto que, a obrigação do mutuário num mútuo gratuito é, apenas, a restituição da quantia ou da coisa mutuada cedida ou posta à disposição do mutuário.

6. Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que, senão “ab initio” (como o recorrente entende que é), pelo menos em caso de incumprimento de uma delas, se vencem na totalidade.

7. Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre “capital” e “juros”, ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! - (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo)

8. Aliás, ao fazer-se tal distinção está-se, errada, indevida e artificialmente, a equiparar as consequências do incumprimento de um mútuo oneroso com as de um mútuo gratuito, porquanto, se o incumprimento, pelo mutuário, de um mútuo gratuito, dá, por lei (cfr. n.º 2 do artigo 1145º do Código Civil), lugar a mora e ao pagamento de juros moratórios ao mutuante a incidir sobre a quantia ou a coisa mutuada, o “entendimento” de que o incumprimento, pelo mutuário, de um mútuo oneroso, obriga a distinguir entre “capital” e “juros”, ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração acordada do mútuo (remuneração que, assim, deixa de existir), e que os juros moratórios apenas irão incidir sobre a restituição da quantia mutuada, está-se, errada, infundada e artificialmente a transformar as consequências do incumprimento do mútuo gratuito às consequências do incumprimento do mútuo oneroso, o que por si só, vai claramente contra a natureza jurídica e objectivo de uns e de outros, que são manifestamente distintos. Não pode ser!!!

9. Mais…. de acordo com aquele “entendimento” bastará ao mutuário incumprir um contrato de mútuo como o dos autos, para que esse mesmo mútuo se transforme, de facto e automaticamente, num mútuo gratuito, passando o mutuário a ter apenas de pagar então os juros moratórios sobre o capital em divida, e isto enquanto quiser, ou seja, enquanto durar a mora.

10. E pior! Ao perfilhar-se aquele “entendimento”, está-se a incentivar e premiar o incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário, que, assim, e por causa do seu próprio incumprimento, deixa de ter de pagar a remuneração do mútuo em que as partes acordaram, para passar a ter apenas de restituir a quantia ou coisa mutuada (o que é um perfeito contra- senso jurídico), e tudo isto meramente por via do incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário. (O que além de ser um gritante contra-senso jurídico, é uma perfeita e inconcebível aberração jurídica). É, de facto, e salvo o devido respeito, um perfeito absurdo!!!

11. Assim, e de acordo com o “entendimento” perfilhado no acórdão recorrido, qualquer mutuário de um contrato de mútuo oneroso pode, em qualquer momento, não só, unilateralmente, desvincular-se da sua obrigação (restituição da quantia ou coisa mutuada + remuneração) para com o mutuante, como pode, simultaneamente, “transformar” o mútuo oneroso que celebrou num mútuo gratuito, e tudo isto por via apenas do seu próprio incumprimento!!!

12. É incentivar e premiar o incumprimento dos contratos de mútuo por parte dos mutuários, já que lhe é muito menos oneroso deixar pura e simplesmente de cumprir o contrato do que cumpri-lo e honrar o seu compromisso. E é incentivar e premiar o incumprimento favorecendo quem incumpre, não só relativamente à outra parte no contrato (o mutuante) que cumpriu já com a sua obrigação, como, também, relativamente àqueles outros que estando na mesma posição que ele (ou seja, os outros mutuários de mútuos onerosos) cumprem e honram as suas obrigações. Não pode ser!!!

13. E como é que fica o mutuante credor que já cumpriu com a sua obrigação? Fica à mercê do mutuário incumpridor, que há muito dispôs já da quantia mutuada e viu cumprida a obrigação do mutuante, e dos Tribunais que no fim de um longo processo judicial no qual o mutuário incumpridor continua sem cumprir, vêm decidir que este afinal, por via do seu próprio incumprimento, transformou o mútuo oneroso em mútuo gratuito pelo que apenas tem de devolver o capital em divida e os respectivos juros moratórios? Repete-se…Não pode ser!!! É claramente uma situação de flagrante negação da mais elementar justiça, já para não falar de uma intolerável subversão da Lei do Direito. É um “entendimento” manifestamente antijurídico.

14. Mas mais, ainda…... A aplicar-se o referido “entendimento” perfilhado no acórdão recorrido, deixariam então de fazer sequer sentido, e de existir, os próprios mútuos onerosos, porquanto se qualquer pessoa que celebre um contrato de mútuo oneroso como o dos autos para financiar a aquisição do que quer que seja, apenas tem de restituir a quantia mutuada (mas já não a remuneração do mútuo acordada) em caso de incumprimento por ele do contrato de mútuo, é por demais evidente que, assim que um contrato de mútuo oneroso é celebrado e a quantia mutuada é posta pelo mutuante à disposição do mutuário (o que, tal como no caso dos autos, sempre sucede), que a utiliza no que bem entender, basta ao mutuário incumprir desde logo (e quanto antes melhor) o contrato de mútuo (o que, nesse caso até será impelido a fazer) para que o mesmo passe a ser gratuito, deixando, por isso, de fazer sequer sentido que existam contratos de mútuo onerosos. Não é, nem pode ser, manifestamente, isso que a Lei prevê ou sequer permite.

15. Muito pelo contrário até, a Lei não só prevê e regula expressamente (distinguindo-os) a gratuitidade ou onerosidade do mútuo (cfr. artigo 1145º do Código Civil), como expressamente prevê no artigo 1147º do referido Código Civil que “No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro.”

16. Ora, se a própria lei expressamente prevê que, no mútuo oneroso, o mutuário terá de pagar os juros por inteiro, caso queira antecipar o cumprimento (e está-se a falar de cumprir o contrato por inteiro e antecipadamente), é manifestamente errado e despropositado, pretender ou permitir que no caso de o mutuário incumprir o contrato não tem já que pagar os mesmos juros por inteiro. É, uma vez mais, um evidente contra-senso jurídico sem qualquer fundamento, pelo que sai, portanto, ainda mais reforçada a ideia de que o referido “entendimento” para além de errado e juridicamente absurdo, é um verdadeiro incentivo e um prémio ao incumprimento favorecendo quem incumpre e desfavorecendo quem cumpre, o que, por si só, é intolerável. É, pois, manifestamente errado aquele “entendimento” relativo ao artigo 781º do Código Civil, bem como as consequências que o mesmo produz, devendo este Supremo Tribunal de Justiça declará-lo.

17. Mas tudo aquilo que até agora se referiu e concluiu no sentido de que é errado e manifestamente injusto e até antijurídico aquele “entendimento”, fundamenta-se apenas nas regras do mútuo oneroso civil e, como tal, tratado no Código Civil, porquanto se se tiver em consideração que o que nos autos está em causa é um mútuo oneroso comercial ou, mais precisamente, bancário, e se se atentar naquilo que foi expressamente acordado pelas partes no contrato de mútuo dos autos e que, aliás, está dado como provado nos autos, então é ainda mais errado (se é que tal é possível face ao que já se explicitou) aquele dito “entendimento”.

18. Com efeito, importa salientar que, ao contrário do que se refere nos sumários dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça citados no acórdão recorrido, não está aqui sequer em causa a mera aplicação do artigo 781º do Código Civil.

19. Na verdade, o vencimento imediato de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos, mediante o não pagamento de uma delas na data do respectivo vencimento, dá-se não sequer, ou apenas, por via do referido artigo 781º do Código Civil, mas sim por via do expressamente acordado entre as partes na clausula 8ª, alínea b) do contrato de mútuo dos autos. E lembre-se, aliás, que o disposto no artigo 781º do Código Civil não constitui norma imperativa, podendo, por isso, as partes livremente estipularem diferentemente.

20. Pelo que, mesmo que se entendesse que o disposto no dito artigo 781º do Código Civil distingue entre capital e juros e apenas implica o vencimento do montante do empréstimo e não da respectiva remuneração acordada (o que manifestamente não distingue e é um erro, como se procurou já explicitar), o certo é que, atento o expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos, dúvidas não restam de que, vencida uma prestação, todas as outras prestações se vencem imediatamente sem qualquer distinção entre capital e juros ou montante do empréstimo e remuneração do empréstimo ou que mais se queira inventar.

21. Mas é ainda mais errado o referido “entendimento” constante da sentença dos autos e confirmado pelo acórdão recorrido, do que já se procurou explicitar, quando se atenta e analisa o contrato de mútuo dos autos como um todo.

22. Com efeito, perante aquilo que está expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos, e designadamente, para este efeito o “Número de prestações: Montante de cada prestação:; Valor total das prestações:;” e nas clausulas 4ª, alíneas a) e c), 7ª, alíneas a) e b), e 8ª, alíneas a), b) e c), (que aqui se dão por reproduzidas), dúvidas não restam, de que (como aliás melhor se explicitou em sede de alegações) a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes, sendo que no valor dessas prestações estão incluídos, para além do demais acordado, o capital e os juros remuneratórios do empréstimo.

23. Aliás, o próprio Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, que regula os contratos de crédito ao consumo como o dos autos, prevê e estabelece o cálculo do “custo total do crédito” que engloba precisamente o montante do empréstimo, os juros acordados e as restantes despesas ou encargos a cargo do mutuário, sendo que é esse montante global, desde logo achado e calculado, que é repartido em prestações uniformes que o mutuário se obriga a pagar (cfr. artigos 2º, alínea d) e e), e artigo 4º do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro), sendo que tal apenas reforça, ainda mais, aquilo que já antes se explicitou, ou seja, que tal como no mútuo oneroso meramente civil, a obrigação do mutuário fraccionada em prestações engloba o capital e a respectiva remuneração. É essa a obrigação do mutuário “ab initio”.

24. É pois manifestante errado o referido “entendimento” expendido na sentença da 1ª instância e perfilhado no acórdão recorrido, pois que se já era errado à luz apenas das regras do mútuo civil (como se procurou explicitar) ainda mais errado é à luz daquilo que foi expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos e à própria natureza comercial do contrato em causa, sendo que, para além do mais, tal “entendimento” constitui uma evidente violação do princípio da liberdade contratual prevista no artigo 405º do Código Civil.

25. Saliente-se que se está perante um mútuo comercial, bancário, de elevado risco para o mutuante, pelo que, se como já se explicitou, o dito “entendimento” é errado e injusto num mútuo oneroso civil, ainda mais o é num caso como o dos autos.

26. Acresce, ainda que, como está provado nos presentes autos, o A., ora recorrente, é uma instituição de crédito, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 3º, alínea (i), do Regime Geral das Instituições de Créditos e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, pelo que, conforme amplamente explicitado em sede de alegações, pode proceder à capitalização de juros, sendo inequívoco que o A., ora recorrente, como Banco que é, pode capitalizar juros. Pode - como o fez - pedir juros moratórios sobre o valor total das prestações em débito, apesar de em tal total estarem já incluídos juros remuneratórios. E é nisso, precisamente, que consiste a capitalização de juros.

27. Sendo que, aliás, no caso dos autos tal capitalização acontece desde logo, desde a celebração do contrato de mútuo, razão pela qual o referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, manda calcular desde o início e fazer constar do contrato o chamado “custo total do crédito”.

28. E nem se diga, como se diz na sentença dos autos, com o apoio de um acórdão, que não há capitalização de juros remuneratórios porque estes não se venceram ainda, pois que tal não é manifestamente assim, porquanto, como procurou explicitar, não só os ditos “juros” remuneratórios, ou melhor dizendo, a remuneração do mútuo acordada entre as partes, se venceram desde logo, “ab initio”, (pois que a obrigação do mutuário num qualquer mútuo oneroso é, sempre, constituída pela quantia mutuada e pela remuneração do mútuo e, mais ainda, num mútuo oneroso concedido por uma instituição de crédito, onde tal obrigação do mutuário, corresponde ao chamado “custo total do empréstimo” que é depois fraccionado em prestações iguais e sucessivas que o mutuário se obriga a pagar, a que acresce ainda o facto de, pela sua própria natureza estas instituições poderem desde capitalizar os “juros remuneratórios”), como, mesmo que porventura assim não se entendesse (como deve entender), sempre o dito vencimento ocorreria, como ocorre, por via do incumprimento pelo mutuário da sua obrigação de pagar atempadamente as prestações acordadas.

29. Não se pode, pois, seriamente pretender que não há capitalização de juros remuneratórios, porque estes não se venceram, uma vez que os mesmos estão, de uma forma ou de outra, vencidos. Todos vencidos!!! Pelo que, todas as prestações (cujo montante inclui também o valor do correspondente aos juros remuneratórios já capitalizados e ao seguro contratado, sendo, por isso, um valor único e unitário, de capital) do contrato dos autos estão há muito vencidas, não havendo, nunca, que distinguir não só entre capital e juros (tudo é já capital, por força da capitalização), como entre valores vencidos e vincendos, pois que tudo está já vencido.

30. É, pois, inteiramente válido, legítimo e legal o pedido dos autos, sendo que é errada a decisão proferida no acórdão, acórdão que ao decidir como o fez e ao confirmar a decisão proferida na sentença de 1ª instancia, interpretou e aplicou erradamente, o disposto nos artigos 236º, 405º, 560º, 781º, 1145º e 1147º do Código Civil, artigo 2º, alínea d) e e), artigo 4º e 9º, n.ºs 1 e 3 do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, bem como os artigos 5º, 6º e 7º, do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1º do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2º do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos 1º e 2º do Decreto-Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3º, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, que assim violou.

Termos em que deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso de Revista, e, por via dele, revogar-se o acórdão recorrido, substituindo-o por acórdão que, uniformizado jurisprudência quanto às questões em causa nos autos, decida contra aquele “entendimento” e julgue a acção inteiramente procedente a provada, condenando o R. no pedido formulado nos autos, como é de inteira justiça.

II -Recebidos os autos neste tribunal e aberta vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, expendeu este parecer no sentido de dever ser admitido o recurso e submetido o seu julgamento ao plenário das secções, não sem antes o recorrente ser convidado a juntar certidões dos acórdãos em oposição ao do proferido nos autos, o que este fez.

De seguida, foram os autos remetidos ao Exmo. Presidente deste Tribunal que determinou o julgamento ampliado de revista.

Aberta nova vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto este juntou aos autos parecer em que conclui que o diferendo jurisprudencial em causa deverá ser solucionado com a prolação de acórdão uniformizador sugerindo a seguinte formulação:

“ Salvo convenção em contrário, a rescisão do contrato de mútuo oneroso para crédito ao consumo liquidável em prestações e operada conforme o disposto no art.º 781º do Código Civil, não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios originariamente incorporados no montante das prestações, objecto de vencimento antecipado “.

E assim devendo, como diz, ser confirmado o douto acórdão recorrido, com a consequente improcedência do recurso do Banco ...SA.

Cumpre, pois, decidir, obtidos que foram os vistos legais.

III -Vejamos, antes de mais, os factos apurados nos presentes autos:

1 – No exercício da sua actividade comercial e por acordo escrito datado de 5 de Fevereiro de 2003, o A. “emprestou” ao R marido a quantia de € 12.460,00;

2 - A quantia referida em 1. destinava-se à aquisição de um veículo automóvel de marca Mitsubishi, modelo Canter, com a matrícula 00-00-GL;

3 – O R apôs a sua assinatura no documento cuja cópia se mostra junta a fls. 10 intitulado de contrato de mútuo nos termos do qual a A. lhe “emprestava” a quantia referida em 1) com juros à taxa nominal de 19,3% ao ano, devendo a importância do empréstimo e juros, bem como o prémio de seguro de vida serem pagos nos termos acordados, em 60 prestações mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10 de Março de 2003 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes;

4 – De harmonia com o constante do documento referido a importância de cada uma das prestações deveria ser paga mediante transferências bancárias a efectuar aquando do vencimento de cada uma das prestações;

5 – O R apôs a sua assinatura no documento junto a fls. 11, através do qual se formalizava a autorização de débito das referidas prestações na conta nº 000000000000000000 do Montepio Geral;

6 – Nos termos do documento junto referido, a falta de pagamento de qualquer das prestações na data do seu vencimento implicava o imediato vencimento de todas as demais e, em caso de mora, sobre o montante em débito acrescido de uma indemnização correspondente à taxa de juro estipulada acrescida de 4 pontos percentuais;

7 – O R não pagou a 6ª prestação e seguintes no valor, cada uma de € 338,16;

8 – Instado a pagar a importância em débito, o 1.º R. fez entrega à A. do dito veículo 00-00-GL para que ela diligenciasse proceder à respectiva venda, creditasse o valor que por ela obtivesse, por conta do que a R lhe devesse, ficando o R de pagar ao A., o saldo que se viesse a verificar em débito;

9 – Em 13 de Maio de 2004, o veículo foi vendido pelo preço de € 3.939,35 tendo o A., conforme o acordado, ficado para si, com a quantia por conta da dívida;

10 – O casamento dos RR. foi dissolvido por sentença de 22 de Junho de 2004, já transitada em julgado;

11 – Em 5 de Fevereiro de 2003, o R. BB já havia deixado de contribuir com quaisquer quantias para os encargos da vida familiar do casal, suportando a R. mulher, exclusivamente o pagamento das prestações referentes ao empréstimo contraído para a compra da casa de morada de família, água, luz, telefone e alimentação;

12 – O veículo referido em 2. foi adquirido para o exercício da actividade profissional do R , nunca tendo sido posto à disposição do agregado familiar;

13 – Os RR encontram-se separados desde meados de 2003;

14 – Da celebração do acordo referido em 1 não foi dado conhecimento à R..

IV - Em face desta factualidade, considerou o acórdão recorrido não haver razões para deixar de confirmar o decidido na 1ª instância e no fundamental assente na ideia de que o art.º 781º do C. Civil a que se reporta a cláusula do contrato de mútuo oneroso, celebrado entre as partes e accionada pelo mutuante Banco ...S.A., em virtude da falta de pagamento pelo mutuário recorrido da 6ª prestação, não podia ser interpretada no sentido de permitir que as prestações em dívida incluíssem igualmente o montante dos juros remuneratórios nelas incluídas.

Invocou, como atrás dito, a orientação que vem sendo seguida por este Supremo Tribunal sobre contratos idênticos firmados pelo recorrente com clientes que deixando de pagar as prestações, motivaram um número inusitado da acções com os correspondentes recursos todos tendo genericamente como suporte o argumentado nas atrás transcritas conclusões.

Entre outros, pronunciaram-se no sentido da decisão recorrida, os seguintes acórdãos deste tribunal, todos disponíveis em www.dgsi.pt

- de 31/03/ 2004, proc. nº 04B514;

- de 13/01/2005, proc. nº 04B 3874;

- de 15/03/2003 proc. nº 05B 282;

- de 19/04/2005 proc. nº 05A 493;

- de 27/04/2005 proc. nº 04B 2529;

- de 11/10/2005 proc nº05B 2461;

- de 7/ 03/2006 procº nº 06ª038;

- de 12/09/ 2006 procnº 03ª 23 38;

- de 14/11/2006 proc. nº 06A2718;

- de 14/11/2006 proc. nº 06B 2911;

- de 6/02 /2007 , procº nº 06A 4524;

- de 10/01 /2008, proc. nº 4304//07- 2ª secção.

Digamos que mais recentemente são ainda de mencionar os acórdãos proferidos em 27/11/2008 no proc. n.º 3198/ 08 – 7ª secção e o de 9/12/2008 proferido no proc. n.º 2924/08 -1ª secção.

Em todos eles se sustenta, pois, a tese que fez vencimento nas instâncias.

Porem, persistem decisões desconformes, mais na Relação de Lisboa, do que neste Supremo e que para o que aqui interessa são exemplo as decisões certificadas pelo recorrente a fls. 325 reportando respectivamente um acórdão da Relação de Lisboa de 11/02/2004, proferido na acção sumária da 11ª Vara com o nº 4180/99, outro desta mesma Relação de 17/08/2008, proferido no recurso nº 9932/7 – 2ª e, por fim, o único proferido neste Supremo em 22/02/2005 no recurso nº 3747/04 -1.ª.

É premente, assim, que se solucione este arrastado conflito jurisprudencial, decidindo-se o recurso nos termos e para os efeitos constantes no art.º 732º- A do Código de Processo Civil.

V - Como devidamente fundamentado no parecer do Ministério Público a questão suscitada no presente recurso e que visa saber se num contrato de mútuo oneroso comercial no âmbito do crédito ao consumo, com dívida liquidável em prestações, a exigibilidade imediata pelo mutuante do capital ao abrigo de cláusula reportada à faculdade prevista no art.º 781º do C. Civil, o mutuário continua ou não devedor dos juros remuneratórios relativamente ao espaço temporal não decorrido como consequência da antecipação de vencimento, tem sido objecto de tratamento diferenciado na jurisprudência, designadamente ao nível da 2º instância.

Propende o recorrente para, ao decidir-se o mérito da revista se adopte a solução contrária à que foi expressa nas instâncias, sustentando-se pois no entendimento perfilhado nos acórdãos fundamento.

É que não obstante as muitas conclusões alinhadas na minuta do recurso, a questão fundamental a decidir, resume-se em dar adequada resposta à seguinte interrogação:
Num contrato de mútuo oneroso comercial e no âmbito do crédito ao consumo, vencidas todas as prestações em razão da falta de alguma delas, por accionamento da respectiva cláusula pelo mutuante, são ou não devidos, além do capital ainda em dívida, os juros remuneratórios que estavam incluídos nas mesmas prestações, respeitantes a prazo que ainda não tenha decorrido no momento do vencimento antecipado?
Julgamos que a resposta certa é negativa, de acordo e em plena consonância com aquele citado entendimento maioritário e que passaremos a explanar.
.Atentemos, desde logo, que estamos perante um contrato de mútuo oneroso (art.ºs 1142º e 1145º do C. Civil) mútuo bancário (já que realizado por uma instituição de crédito ou parabancária, artº1º do Dec. Lei nº 344/78) dito de crédito ao consumo (art.º 2º do Dec. Lei nº 359/91 de 25/10) e no qual o banco aqui recorrente, no exercício da sua actividade própria, concedeu ao recorrido um “empréstimo” de € 12.460,00, com a finalidade de aquisição de uma viatura automóvel.
Contrato esse de adesão como transparece do próprio documento, já que contendo um enunciado de cláusulas gerais “Condições Gerais“, pré elaboradas e destinadas a ser propostas a destinatários indeterminados que as deverão subscrever em bloco sem possibilidade de as alterar e de “ Condições Específicas” que poderão já ser objecto de alguma negociação, ainda que limitada por evidente desigualdade do mutuário com a instituição de crédito mutuante.
Estamos, pois, perante um contrato sujeito à disciplina do Dec. Lei nº446/85 de 25/10, vulgo LCCG (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais)
Nos termos do nº4 al. b) das ditas “Condições Gerais“ do contrato, o empréstimo será reembolsado em prestações mensais e sucessivas cujo número, valor e datas de vencimento se encontram estabelecidas nas “Condições Específicas”. No mesmo número mas na al. c) menciona-se que no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro.
Consta, ainda, do nº 8, al. b) das ditas “Condições Gerais” que a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes.
Ora o art.º 781º do Código Civil estabelece que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de pagamento de uma delas, implica o imediato vencimento das demais.”
Não se trata esta de uma norma imperativa, pelo que existindo uma qualquer cláusula estipulada num contrato ainda que de adesão, atribuindo outras consequências à mora do devedor será esta a prevalecer, face ao princípio da liberdade contratual consagrado no art.º 405º do Código Civil, regra mínima de funcionamento do mercado
O que no caso, manifestamente não acontece.
Não se duvida que o conteúdo da cláusula supra leva a que se tenha por assente que a falta de pagamento pelo R da 6ª prestação das 60 acordadas implicou o vencimento das restantes como a A. pretende
Mas o que constitui aqui a “quaestio“ a resolver é como interpretar a dita cláusula, no sentido de saber se o vencimento imediato das prestações por pagar, devem ou não incluir os juros remuneratórios convencionados, previamente calculados pelo mutuante e nelas incorporadas ou apenas a dívida do capital.

É unanimemente reconhecido que os juros (que estão no cerne do contrato de mútuo, seja civil, seja comercial ou bancário) são frutos civis, constituídos por coisas fungíveis que representam o rendimento de uma obrigação de capital, ou seja, a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital cujo montante varia em função dos factores seguintes: o valor do capital devido; o tempo durante o qual se mantém a privação deste pelo credor e a taxa de remuneração fixada por lei ou convencionada pelas partes (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 7ª ed., pp. 28/29 e Correia das Neves, “Manual dos Juros”.p. 23)
Distinguem-se os juros quanto à sua fonte entre legais e convencionais, sendo os primeiros aqueles que são aplicáveis sempre que haja normas legais que determinem a sua atribuição em consequência do diferimento na realização de uma prestação, funcionando ainda supletivamente sempre que as partes estipulem a sua exigência, mas sem fixarem a taxa, e os segundos os que têm a sua taxa estipulada pelas partes, dentro dos limites legalmente estabelecidos.
Porém, releva sobretudo para o que estamos a discutir, a classificação dos juros no tocante à sua função ou finalidade económica e social entre juros remuneratórios, compensatórios, moratórios e indemnizatórios.
Os juros remuneratórios têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao prazo do empréstimo do dinheiro pelo tempo que o credor se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência.
Os juros compensatórios destinam-se a proporcionar ao credor um pagamento que compense uma temporária privação do capital que ele não deveria ter suportado.
Os juros moratórios têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o devedor pelos prejuízos em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor.
E por último, os juros indemnizatórios são aqueles que se destinam a indemnizar os danos por outro facto praticado pelo devedor (v. Menezes Leitão in Direito das Obrigações, vol. I, 5ª ed., Almedina, pp. 160 e163).
Mas outras classificações são possíveis como a que distingue entre os juros compensatórios e compulsórios, conforme pretendam respectivamente repor a degradação do capital devido ou incitar o devedor ao pagamento e a que separa os juros em civis e comerciais ou bancários, como explana Menezes Cordeiro no seu Manual de Direito Bancário, 3ª ed. p. 535.
Visam, portanto, os juros remuneratórios, aqui concretamente em causa em remunerar (retribuir) o capital e preencher em termos económicos a diferença entre o facultar desse capital, no caso por uma instituição de crédito devidamente autorizada para o efeito, em determinado momento e vir a dispor dele só depois.
Ora, ponto é saber, se com a perda de benefício do prazo dessa restituição e por força da exigibilidade imediata do capital pelo credor, facultado pelo art.º 781º acima citado e transcrito, seja directamente aplicável no contrato de mútuo por vontade das partes, seja indirectamente com base em cláusula de teor idêntico, passando a faltar o diferimento no tempo entre a privação do capital e a sua recuperação pelo credor, se prevalece ou não a obrigação por parte do devedor de pagar os juros remuneratórios relativamente ao espaço temporal não decorrido como consequência da antecipação de vencimento.
E a resposta não pode deixar de ser negativa.
Como acentuam, na generalidade, os acórdãos acima identificados, os juros quaisquer que sejam, são ou constituem um rendimento do capital, logo a obrigação respectiva está intrinsecamente dependente de uma obrigação de capital, ou para sermos mais expressivos, não se concebem sem uma obrigação de capital, como refere Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 11ª ed., 751.
Na mesma linha ensina Menezes Cordeiro (op. cit., 529) que a inerente obrigação – de juros pressupõe uma outra a de capital sendo por esta determinada, como já vimos em função do seu montante, da sua duração e da taxa legal ou convencionada aplicável.
Sem ela, repete-se, a obrigação de juros não pode constituir-se, dispondo depois de constituída, de alguma autonomia (art.º 561º do Código Civil), mas mantendo ambas forte conexão, sendo além do mais, uma obrigação por sua própria natureza temporária que vai nascendo ou surgindo à medida do decurso do próprio tempo, (Vaz Serra, Obrigações de Juros, in BMJ, nº55, 162) visto no caso dos juros remuneratórios assumir ou ter como escopo retribuir ao credor o preço do capital disponibilizado durante esse período de tempo e como tal exprimindo o rendimento financeiro do mesmo (neste sentido, em especial, o ac. deste Supremo de 12/09/2006, proc. n.º 2338/06).
Como atrás se viu, a cláusula estabelecida no contrato de que a omissão do pagamento de uma das prestações levava ao vencimento das restantes segue o preceituado naquele art.º 781º.
Só que representando os juros, rectius, os juros remuneratórios, a contraprestação pela cedência do capital durante um período de tempo, assumindo mesmo carácter além de retributivo, sinalagmático, como dito na douta e bem elaborada sentença da 1ª instância, no caso o lapso de tempo do mútuo, será então de concluir que a obrigação de juros só deve perdurar enquanto não houver vencimento antecipado das prestações vincendas e exigibilidade da dívida correspondente.
Como se diz a este respeito no ac. deste Supremo de 6/02/2007, acima referenciado:
“…os juros remuneratórios abrangidos pelas prestações convencionadas são calculados tendo em conta a tempo de duração do contrato e o seu cumprimento, um certo programa contratual Com a antecipação do vencimento resultante da falta de pagamento de uma das prestações, logo se vê que os juros remuneratórios calculados para todo o período de vigência do contrato, não encontram correspondência ou proporcionalidade com o tempo decorrido até à exigibilidade do pagamento do capital, por perda do benefício do prazo e a natureza retributiva indexada ao tempo que apenas encerram”.
Quer isto dizer, como se referiu noutro acórdão deste Supremo Tribunal proferido no proc. n.º 224/08 -1ª que “ o A. mutuante, ao ter provocado o vencimento da totalidade das prestações em falta, tornando exigível ( o restante ) capital em falta, seja face à cláusula indicada, seja com fundamento no disposto no art.º 781º não poderá exigir os juros remuneratórios englobados nas prestações vincendas. Somente poderá exigir o capital mutuado e os juros remuneratórios incluídos nas prestações vencidas”
Ou seja, vencida a obrigação de capital, deixa de haver lugar a remuneração pela indisponibilidade do mesmo capital.
E por isso, o vencimento automático estipulado no contrato aqui documentado não se aplica a prestações de juros e, logo, às que correspondem nas prestações do capital mutuado a esses mesmos juros, por estes, previamente calculados em proporção ao tempo que efectivamente tenha decorrido, deixariam de corresponder – sem o decurso do tempo à retribuição que por natureza, constituem. (cfr. igualmente o ac. deste Supremo de 10/07/2008, no proc. n.º 1267/08).
Demais, ficou logo devidamente esclarecido na sentença da 1ª instância, em interpretação acolhida no acórdão recorrido, que um declaratário normal, colocado na posição do R e nos termos gerais da teoria da impressão do destinatário, consagrada no art.º 236º, n.º 1 do C. Civil, a que faz apelo implícito o art.º 10º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais - não deixaria de entender a cláusula em foco no sentido supra, ou seja, a de que a falta de pagamento duma prestação, com a inerente perda do benefício do pagamento escalonado no tempo do capital emprestado não implicaria o pagamento de todos os juros que nasceriam até ao fim da duração prevista do contrato, sendo que ainda nela se observou que se a cláusula fosse considerada ambígua, sempre prevaleceria o sentido mais favorável ao aderente, nos termos do disposto no nºs 1 e 2 do art.º 11º deste último diploma.
Essa posição tem, de resto, sido sufragada na interpretação de cláusulas idênticas em contratos similares, como se pode ver do ac. acima listado de 14/11/2006 e proc. n.º 2718, merecendo a nossa inteira concordância.
E nem se diga, em contrário, que constam do contrato em apreço as especificações sobre o número das prestações e o seu montante, pois tal não implica necessariamente que o aderente se considerasse vinculado ao seu pagamento, em caso de accionamento da dita cláusula, tanto mais que do documento que o corporiza igualmente consta o montante do empréstimo e a taxa de juros contratada, tudo, de resto, resultando de imposições legais quanto à comunicação ao mutuário dos elementos que lhe permitam saber os pagamentos que tem de efectuar e quando os tem de efectuar como observado em resposta a conclusões idênticas do recorrente (conclusões 21º a 24º) no ac. proferido no proc. n.º 3198/08, 7ª secção.
Logo, não há aqui que confundir os normativos reguladores do mútuo oneroso com a aplicabilidade do regime previsto no art.º 781º; o mútuo oneroso que é a regra do mútuo comercial (art.º 395º do C. Comercial) pressupõe a disponibilidade do capital e deixando o capital de estar disponível, com a exigibilidade imediata ao mutuário da sua totalidade, cessa o direito ao recebimento dos juros correspondentes.
Não se está assim a ver, que peque este entendimento por desconforme com o direito ou com a “boa razão“, constituindo como que um prémio ao devedor relapso, um incentivo ao incumprimento, sendo, sim, inaceitável que pretendendo o mutuante usufruir as vantagens da imediata recuperação do capital disponibilizado ao mutuário, através do mecanismo do art.º 781ºdo C. Civil por referência a cláusula com idêntica redacção, pretenda igual e concomitantemente que este lhe pague o rendimento do mesmo, preço do seu diferimento no tempo, situação por ele próprio feita cessar.

Importa, de todo o modo, não deixarmos da analisar entre o argumentado nas conclusões da minuta, uma a uma, as questões postas em abono da tese que não obteve vencimento nas instâncias.
Alude o recorrente que a lei expressamente prevê (art. 1147º do Código Civil) que no mútuo oneroso, o mutuário terá de pagar os juros por inteiro caso queira antecipar o cumprimento, pelo que seria errado, injusto ou despropositado pretender-se que, em caso de incumprimento, não ter ele que pagar os mesmos juros (remuneratórios) por inteiro.
No entanto, são situações que não se equivalem.
Como já dito e explicado em vários acórdãos deste Supremo, num dos casos é o mutuário quem unilateral e antecipadamente impõe o cumprimento ao mutuante, ao passo que no outro e que corresponde à situação dos autos é o mutuante que toma a iniciativa da exigibilidade imediata do capital, sendo certo que podia não utilizar esse expediente, ficando a aguardar o decurso do alegado prazo contratual.

Argumenta, também, o recorrente que o “custo total do crédito” no que concerne ao crédito ao consumo (regulado pelo Dec. Lei nº 359/91 de 21 /09 que procedeu à transposição das Directivas do Conselho das Comunidades Europeias nºs 87/102/CEE de 22/12 /1986 e 90/88 de 22/02/ 1990) engloba o montante do empréstimo, os juros acordados e as restante despesas e encargos a a cargo do mutuário, sendo que é esse o montante global desde logo achado e calculado que é repartido em prestações uniformes que o mutuário se obriga a pagar (art.ºs 2º al. b) d) e e) e art.º4º do referido diploma) logo reforçando ainda mais aquilo que se explicitara ou seja, tal como no mútuo oneroso meramente civil, a obrigação do mutuário fraccionada em prestações engloba o capital e a respectiva remuneração, sendo esta, pois, a obrigação “ab initio” do beneficiário do crédito.
Mas não é assim, ainda que a consideração dessa taxa anual efectiva global (TAEG) prevista no indicado diploma e preceito tenha sido incluída na fundamentação do acórdão deste Supremo certificado nos autos para sustentar tal posição e por traduzir ela o “custo total” do crédito ao consumo, por via dos riscos elevados a este normalmente associados, riscos que, anote-se, são próprios das operações bancárias e parabancárias em geral e do sistema financeiro em que se inserem e actuam e que se minimizam e acautelam, em regra, com vários tipos de garantias.
Não se discute que existe um “custo total” do crédito, mas como referido no nº3 do art.º 4º do sobredito diploma, o seu cálculo e disseminação pelas prestações é efectuado no pressuposto de que o contrato de crédito vigorará pelo período de tempo acordado e de que as respectivas obrigações serão cumpridas nos prazos e datas convencionadas.
No caso, com a exigibilidade imediata da dívida por falta de pagamento de uma prestação e como se anota no já citado acórdão de 9/12/2008, deixa de se verificar o pressuposto de que o montante mutuado o será pelo período de tempo assinalado, ou seja, nas palavras do sobredito acórdão “(…) exigindo o mutuante o capital antecipadamente ( por virtude da dita cláusula ou em razão do disposto no art.º 781º) não deverá receber em relação ao período antecipado, a remuneração do capital. Para evitar que isto suceda bastará ao mutuante não usar da diligência de fazer vencer todas as prestações em falta, aguardando o decurso do prazo convencionado da execução contratual”.

O recorrente traz, igualmente, à liça a questão da capitalização dos juros para justificar, como diz, a capitalização dos juros remuneratórios.
Independentemente do recorrente ser uma instituição de crédito (sociedade financeira de aquisições a crédito e tendo como objecto o exercício ente outras da actividade de concessão de crédito ao consumo) e logo podendo capitalizar juros (anatocismo) conforme os “usos bancários” essa questão não se coloca na temática em análise.
Como resulta da leitura da norma apontada do art.º 560º do C. Civil e segundo a qual, em regra, “ para que os juros vencidos produzam juros é necessário convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros a partir da notificação feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de descapitalização” para se colocar o problema da admissibilidade dessa capitalização dos juros remuneratórios, seria necessário também que se vencessem antecipadamente, por falta de pagamento de uma prestação, aqueles que corresponderiam às prestações subsequentes, o que manifestamente não sucede (v. também neste sentido, para responder a idêntica objecção do Banco recorrente os acórdãos deste Supremo de 31/10/2006, proc. n.º 2972/06,6ª e de 27/11/ 2008, proc. n.º 3198/08.
Mas diga-se que esta questão foi, igualmente, escalpelizada na sentença da 1ª instância, referindo o Juiz que o recorrente confundia a capitalização de juros com a génese e o vencimento destes, não podendo falar-se de uma capitalização de juros que, no fim de contas, se não chegaram a vencer.

VII - De tudo o que precede, impõe-se destacar e articular os pontos ou premissas nucleares que suportam o entendimento amplamente maioritário senão mesmo uniforme deste Supremo Tribunal sobre a questão objecto do presente recurso de revista ampliada para uniformização de jurisprudência :
1 – A obrigação de capital constitui nos contratos de mútuo oneroso, comercial ou bancário, liquidável em prestações, uma obrigação de prestação fraccionada ou repartida, efectuando-se o seu cumprimento por partes, em momentos temporais diferentes, mas sem deixar de ter por objecto uma só prestação inicialmente estipulada, a realizar em fracções;
2 – Diversamente, os juros remuneratórios enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumpre a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital;
3 – A obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital;
4 – Se o mutuante, face ao não pagamento de uma prestação, encurta o período de tempo pelo qual disponibilizou o capital e pretende recuperá-lo, de imediato e na totalidade o que subsistir, só receberá o capital emprestado e a remuneração desse empréstimo através dos juros, até ao momento em que o recuperar, por via do accionamento do mecanismo previsto no art.º 781.º do C. Civil;
5 – Não pode assim, ver-se o mutuante investido no direito a receber juros remuneratórios do mutuário faltoso, porque tais juros se não venceram e, consequentemente, não existem;
6 – O mutuante, caso opte pela percepção dos juros remuneratórios convencionados, terá de aguardar pelo decurso do tempo previsto para a duração do contrato e como tal, abster-se de fazer uso da faculdade prevista no art.º 781º do Código Civil, por directa referência â lei ou a cláusula de teor idêntico inserida no contrato;
7 – Prevalecendo-se do vencimento imediato, o ressarcimento do mutuante ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada;
8 - O art.º 781º do Código Civil e logo a cláusula que para ele remeta ou o reproduza tem apenas que ver com a capital emprestado, não com os juros remuneratórios, ainda que incorporados estes nas sucessivas prestações;
9 – A razão de ser do mencionado preceito legal prende-se com a perda de confiança que se produz no mutuante/credor quanto ao cumprimento futuro da restituição do capital, face ao incumprimento da obrigação de pagamento das respectivas prestações;
10 – As partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo, regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no art.º 781º do C. Civil.

De rejeitar é, portanto, a tese propugnada pelo recorrente, sustentada nos acórdãos fundamento e com base na qual estruturou as suas alegações, pelo que nenhuma censura merece o decidido pelas instâncias.

VIII -Por todo o exposto, acordam, em plenário das secções, em negar a revista, mantendo-se, consequentemente, na sua integralidade, a decisão das instâncias, com condenação do recorrente nas custas e uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos:
“No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados. ”

Lisboa, 25 de Março de 2009

Cardoso de Albuquerque
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Salvador da Costa (com declaração de voto, que junto)
Ferreira de Sousa
Santos Bernardino
Nuno Cameira
Alves Velho
Armindo Luis
Pires da Rosa
Bettencourt de Faria
Sousa Leite
Salreta Pereira
Custódio Montes
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos
João Bernardo
João Camilo
Paulo Sá
Mota Miranda
Alberto Sobrinho
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Oliveira Vasconcelos
Fonseca Ramos
Mário Cruz
Garcia Calejo
Serra Baptista
Lázaro Faria
Hélder Roque
Salazar Casanova
Álvaro Rodrigues
Noronha Nascimento
Tem voto de conformidade dos Exmos. Conselheiros Camilo Moreira Camilo, Urbano Aquiles Lopes Dias, e Arlindo Oliveira Rocha que não puderam estar presentes.
Noronha Nascimento

Declaração de voto
Considerando o objecto do recurso e a motivação expendida no acórdão, uniformizaria a jurisprudência por via da formulação da seguinte súmula.
“Nos contratos de mútuo cujas obrigações sejam pagas em prestações, se o credor exigir do devedor o seu pagamento antecipado, nos termos do artigo 781ª do Código Civil, não pode exigir do último o pagamento dos juros remuneratórios originariamente incorporados no montante das prestações objecto de vencimento antecipado”
Salvador da Costa