Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2139/22.2YRLSB-A.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AGUIAR PEREIRA
Descritores: ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
DECISÃO ARBITRAL
AÇÃO DE ANULAÇÃO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I) Não é admissível recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação proferido em acção de anulação de Sentença Arbitral que ordenou a suspensão temporária do processo de anulação, nos termos do artigo 46.º n.º 8 da Lei de Arbitragem Voluntária, a fim de permitir ao Tribunal Arbitral retomar o processo arbitral e colmatar apontada violação do princípio do contraditório prévio susceptível de influir na decisão da causa.

II) A admissibilidade do recurso de revista de tal decisão não encontra fundamento no artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil nem na excepção prevista no artigo 673.º alínea a) do mesmo diploma, na medida em que – quanto a esta – a impugnação do acórdão recorrido com o que vier a ser interposto nos termos gerais não torna absolutamente inútil a decisão, ainda não tomada, sobre a nulidade da sentença arbitral.

Decisão Texto Integral:

Em nome do POVO PORTUGUÊS, acordam em Conferência os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


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INTRODUÇÃO

1) Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA requereu, em 19 de julho de 2022, contra a Vodafone Portugal Comunicações Pessoais, SA, ao abrigo do artigo 46º da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14.12 1), a anulação da sentença arbitral proferida em 19 de maio de 2022 pelo Tribunal Arbitral, no âmbito do processo nº 7/2018/AHC/ASB.

Alegou, em síntese:

Que a sentença arbitral condenou a autora em objeto diverso daquele que foi peticionado pela ora ré no âmbito do processo arbitral, conheceu de questão de que não podia conhecer, em completa violação do princípio do contraditório sem conceder às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre os pressupostos da condenação que proferiu.

Que a sentença arbitral violou também o princípio da igualdade, tendo colocado a, ora ré numa situação de vantagem indevida sobre a autora.

2) Citada, a ré contestou, pugnando pela improcedência da acção e pela manutenção da decisão arbitral nos precisos termos em que foi proferida.

Em caso de procedência das nulidades invocadas, suscitou, subsidiariamente, a aplicabilidade do nº 8 do artigo 46º e, subsidiariamente, a aplicabilidade do nº 7 do artigo 46º da Lei de Arbitragem Voluntária.

3) Instruídos os autos, sem necessidade de produção de prova, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu, em 30 de maio de 2023, acórdão cujo dispositivo é do seguinte teor:

“Pelo exposto, acorda-se em suspender este processo de anulação de sentença arbitral ao abrigo do artigo 46º, nº 8, da LAV, pelo período de 8 meses, dando a possibilidade ao Tribunal Arbitral de retomar o processo arbitral e colmatar o vício que determinará a anulação da sentença arbitral, indicado no ponto 3. da fundamentação de mérito, após o que deverá remeter certidão da decisão arbitral a este Tribunal da Relação.”

A decisão de suspensão do processo de anulação da sentença arbitral, suportada pelo citado artigo 46.º n.º 8 da Lei de Arbitragem Voluntária, parte da constatação de violação pelo Tribunal Arbitral do contraditório prévio em relação aos pressupostos de condenação da aqui autora e da possibilidade de sanação de tal nulidade processual.

4) De tal decisão interpôs a autora recurso de revista, invocando para a sua admissibilidade o preceituado no artigo 673.º n.º 1 a) do Código de Processo Civil – permite recurso de revista autónoma dos acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação (decisões interlocutórias) cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil.

5) Por decisão da Senhora Juíza Desembargadora relatora, de 22 de setembro de 2023, foi rejeitada a interposição do recurso de revista por não ser legalmente admissível já que o acórdão impugnado não conheceu do mérito da causa e que a apreciação das questões nele colocadas com o recurso de revista da decisão de mérito a proferir a final não é absolutamente inútil.

6) A recorrente apresentou reclamação nos termos do artigo 643.º do Código de Processo Civil, a qual foi desatendida por despacho do Senhor Juiz Conselheiro então relator, proferido a 20 de novembro de 2023.

7) A reclamante requereu então “nos termos do disposto no artigo 652.º, n.º 3, do CPC, que sobre a matéria da decisão singular recaia um acórdão, e que, em consequência, a seja revogada e substituída por decisão que admita o recurso de revista interposto pela Reclamante”.

No essencial, adianta no sentido da alteração do despacho reclamado, o acórdão recorrido consubstancia uma decisão final relativamente à decisão de aplicar o mecanismo previsto no artigo 46.º, n.º 8, da Lei da Arbitragem Voluntária, sendo certo que a sua impugnação juntamente com a decisão final torna tal impugnação absolutamente inútil no que respeita à aplicação do artigo 46.º, n.º 8, da Lei da Arbitragem Voluntária.

8) Cumpre apreciar da admissibilidade do recurso de revista interposto pela ora reclamante MEO – Serviço de Comunicações e Multimédia, SA.


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FUNDAMENTAÇÃO

1) Dando-se por reproduzidos os factos constantes da antecedente Introdução consigna-se que o despacho proferido pelo Senhor Juiz Conselheiro relator em 20 de novembro de 2023 e que desatendeu a reclamação apresentada é do seguinte teor, na parte em que aprecia a admissibilidade do recurso interposto:

“Na apreciação da reclamação e situando a temática suscitada, os autos emergem de uma ação arbitral em que foi proferida sentença da qual uma das partes (a ora reclamante) interpôs ação de anulação nos termos do artigo 46.º da Lei de Arbitragem Voluntária.

Como se deixou explicado na decisão recorrida, quando, como no caso, não tenha sido acordada entre as partes a suscetibilidade de recurso da sentença arbitral para o tribunal estadual (artigo 39.º nº 4), a sentença proferida apenas é impugnável por meio de pedido de anulação (artigo 46.º nº 1), prevendo a lei taxativamente os fundamentos que podem sustentar tal pedido no nº 3 do artigo 46.º, da mesma maneira que nesse preceito se preveem os trâmites processuais a cumprir.

Importa a esta reclamação sublinhar, como particularidade, que na “ação” de anulação dirigida ao Tribunal da Relação a decisão a proferir é exclusivamente sobre as causas de nulidade da decisão arbitral e não sobre o seu mérito. O Tribunal da Relação não é convocado para conhecer do mérito da questão ou de quaisquer outras questões decididas pela sentença arbitral, ainda que por extensão ou incidência real ou aparente de matérias respeitem ou não ao mérito da questão. O objeto/mérito da ação anulação interposta no Tribunal da Relação - diferentemente do que ocorre nos processos cíveis comuns - não é o mérito da decisão que se pretende ver anulada, mas sim como a decisão recorrida afirma com clareza “se no processo arbitral foram observados os princípios fundamentais que regem o processos arbitral, e se a decisão é conforme ao que lhe foi pedido e está de acordo com as peças apresentadas pelas partes, nessa medida examinando o mérito, sem que possa alterá-lo.”

A parte no processo arbitral que pretenda a anulação da decisão aí proferida deve demonstrar que ocorreram essas violações e foi nesse sentido que a ora reclamante invocou:

- ter havido no processo arbitral condenação em objeto diverso do pedido;

- ter havido no processo arbitral conhecimento de questões que não podia conhecer;

- ter havido no processo arbitral violação do princípio do contraditório, tendo sido proferida decisão surpresa;

- ter havido no processo arbitral violação do princípio da igualdade das partes.

- a aplicação do nº 8 do artigo 46º da LAV, e, subsidiariamente, a aplicação do nº 7 do mesmo artigo.

A explicação desta transfiguração do que é nulidade – que no Código de Processo Civil encontra previsão no artigo 615.º - em mérito (na ação de anulação) é absolutamente necessária a que possa compreender-se o que se discute e releva no recurso de revista e sua admissibilidade.

No acórdão recorrido o Tribunal da Relação relativamente à invocação pela autora desses vícios foi decidido:

- que o tribunal arbitral não condenou em objeto diverso do pedido (“O tribunal arbitral condenou a MEO a pagar à Vodafone uma indeminização no montante total de €30.000.000, por danos emergentes, pelo que se nos afigura não existir condenação em objeto diverso do pedido, decaindo a pretensão da Requerente de ver anulada a sentença arbitral com este fundamento.”);

- que a sentença arbitral não padece de excesso de pronúncia (“Ao contrário do alegado pela Requerente, o Tribunal Arbitral não conheceu de uma questão de facto que não foi invocada, antes se baseando em factualidade alegada que resultou provada, mantendo-se no objeto da ação. Ou seja, ao conhecer do dano emergente em causa o Tribunal Arbitral não extravasou o objeto do processo, antes conheceu de questão (de existência de danos resultantes da violação do contrato) de que podia conhecer face à factualidade alegada e provada.”; “Saber se o tribunal arbitral podia ou não lançar mão do juízo de equidade para fixar o montante indemnizatório prende-se, atento o que se deixou escrito quanto à conclusão de existência do dano pelo Tribunal Arbitral, com a apreciação do mérito dessa decisão, o que extravasa o âmbito da presente ação, como suprarreferido.”; “Não se mostram, pois, verificados os fundamentos para decretar a anulação da decisão arbitral, com fundamento no artigo 46º, nº 3, al. a), subal.v).”).

- que existe fundamento para anulação da sentença arbitral por violação do princípio do contraditório, com previsível (provável) influência na decisão (“Afigura-se-nos, pois, que o Tribunal Arbitral não podia “enveredar por um outro caminho: o da determinação do dano emergente”, sem que previamente desse a oportunidade às partes de se pronunciar sobre o mesmo, sendo de considerar que a violação do princípio do contraditório teve influência decisiva na resolução do litígio, na medida em que as partes nenhum fundamento/argumento/razão aportaram para tal decisão.”);

- que “Tanto basta para julgar procedente a pretensão da Requerente, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.”;

- que se verificavam os pressupostos para aplicação do nº 8 do artigo 46.º da LAV, ficando prejudicada a apreciação da questão subsidiária (aplicação do artigo 46.º, nº 8, da LAV).

E no dispositivo do acórdão recorrido firmou-se que “Pelo exposto, acorda-se em suspender este processo de anulação de sentença arbitral ao abrigo do artigo 46º, nº 8, da LAV, pelo período de 8 meses, dando a possibilidade ao Tribunal Arbitral de retomar o processo arbitral e colmatar o vício que determinará a anulação da sentença arbitral, indicado no ponto 3. da fundamentação de mérito, após o que deverá remeter certidão da decisão arbitral a este Tribunal da Relação.”

A decisão proferida, constante do dispositivo, foi a de suspender a ação de anulação e remeter os autos ao Tribunal Arbitral com a finalidade de sobrestar no vício que o Tribunal da Relação julgou verificar-se e que, a não ser colmatado, determinará a anulação.

O acórdão recorrido desenvolve-se em dois momentos distintos. Um primeiro em que se pronuncia sobre a inexistência de algumas das causas de anulação da decisão arbitral alegadas pelo autor e, um segundo momento em que entende verificada uma causa de anulação por violação do princípio do contraditório, com previsível (provável) influência na decisão, mas relativamente à qual, para possível sanação, aciona o artigo 46.º nº 8 da LAV. Isto é, considerou adequado suspender o processo de anulação em ordem a dar ao tribunal arbitral a possibilidade de retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer medida que julgue suscetível de eliminar esse concreto fundamento de anulação.

É perante esta decisão que o ora reclamante defende que a totalidade do decidido é (já) passível do recurso de revista que interpôs porquanto, a improcedência das causas de anulação determinadas pelo Tribunal da Relação constitui em si mesma decisão final do mérito (sobre o mérito dessas causas de anulação) e, por outro lado, quanto à determinação da suspensão da instância esta decisão inscreveria a previsão do artigo 673.º nº1 al. a) do Código de Processo Civil por essa impugnação diferida para final se tornaria absolutamente inútil.

O nº 8 do artigo 59.º da LAV estabelece que “Salvo quando na presente lei se preceitue que a decisão do tribunal estadual é insuscetível de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais referidos nos números anteriores deste artigo, de acordo com o que neles se dispõe, cabe recurso para o tribunal ou tribunais hierarquicamente superiores, sempre que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa.”.

E o artigo 671.º, nº 1, do Código de Processo Civil, dispõe que “Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão de 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

Repristinando aqui que o mérito na ação de anulação consiste na decisão sobre o conhecimento das causas de anulação, o acórdão a proferir nessa ação conhece do seu mérito quando decide em termos finais e decisivos anular ou não anular a decisão proferida no processo arbitral, julgando procedente ou improcedente o pedido, ou quando ponha termo ao processo absolvendo da instância.

Para o caso, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação não pôs termo ao processo, quer na vertente do julgamento do mérito da causa, quer na da absolvição da instância, tendo ordenado o prosseguimento da ação de anulação, suspendendo-a para possibilitar ao tribunal arbitral a eliminação de um fundamento de anulação. Isto é, não proferiu (ainda) decisão final sobre o pedido de anulação formulado.

A questão de saber se quanto às causas de anulação apreciadas como improcedentes o recurso de revista poderia desde já ser admitido por se configurarem como decisões finais, julgamos não poder ter resposta positiva porque o tribunal recorrido não proferiu nenhuma decisão sobre o pedido ou sobre a instância. E não se pronunciou sobre o pedido porque o formulado, não obstante compreender vários segmentos, tantos quantos os vícios invocados, não é divisível em termos de decisão final (de anulação), e não o foi no caso concreto porque no dispositivo não se fez alusão a eles. O único significado útil da decisão proferida, a única decisão por isso, foi simplesmente a de determinar a suspensão da instância.

O aparente prejuízo protestado pela reclamante, quanto a ver postergada a possibilidade de recorrer dos fundamentos de anulação já apreciados como improcedentes, é dissipado se tivermos em consideração o que com inteira correção refere a decisão reclamada quando expressa que será “no acórdão que vier a ser proferido, decorrido o prazo de suspensão, que se decidirá da procedência ou improcedência do pedido de anulação da referida sentença arbitral (eventualmente complementada).

E no recurso que vier a ser interposto de tal decisão, poderá, então, ser apreciada a decisão já proferida de improcedência dos dois primeiros fundamentos invocados pela Requerente para anulação da decisão arbitral.”

Com a decisão recorrida cria-se uma pausa temporal no processo que não é de inércia, mas sim de indicação de uma atividade que o julgador sinaliza ao tribunal arbitral como possível e necessária no sentido da sanação de uma causa de anulação. “O tribunal arbitral recupera neste caso o poder jurisdicional, embora por “delegação” legalmente prevista do tribunal estadual, e com o objetivo estrito de eventualmente suprir a irregularidade da sentença ou do processo, que houver sido identificada pelo tribunal estadual, e com observância dos condicionamentos – de prazo e outros – por este impostos.” – José Robin de Andrade Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 4.ª edição, revista e atualizada, Almedina, 2019, pp. 174 e 175.

Não está em causa qualquer restrição à possibilidade de as partes poderem recorrer de todos os fundamentos que Tribunal da Relação tenha apreciado, mas somente o modo e o tempo como esse recurso pode ser interposto. E em total coerência o acórdão recorrido apreciando esses fundamentos (sobre os quais não se voltará a pronunciar, mas terá de decidir e fazer constar em termos dispositivos) fez constar no dispositivo, não a improcedência relativamente a eles, sim a suspensão da instância. Aliás, a entender-se que a decisão do tribunal sobre os fundamentos de anulação que já apreciou constituía uma decisão final e de mérito sobre eles, sem que tal decisão estivesse expressa no dispositivo, poderia suscitar a questão de eventual ocorrência de uma nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º nº1 al, c) do Código de Processo Civil que não foi arguida, e que, por força de tudo o que antes se deixou dito e se encontra expresso no acórdão recorrido, nunca se verificaria.

Nesta conformidade, o que pode ser tomado como objeto do recurso de revista neste momento é apenas a decisão dispositiva, que não se pronuncia sobre o mérito da ação julgando-a total ou parcialmente procedente ou improcedente, mas remete para momento posterior esse conhecimento. Momento e conhecimento esse que quando chegar será passível de recurso, o qual abarcará, a partir da decisão final aí proferida, todas as questões/fundamentos sobre os quais o tribunal tenha fundado a condenação ou absolvição, designadamente os apreciados na decisão que teve como dispositivo a suspensão da instância.

Sendo a decisão proferida no acórdão recorrido a de suspensão da instância (da ação de anulação), na taxonomia do Código de Processo Civil esta decisão é interlocutória por recair unicamente sobre aspetos da relação processual e não ter determinado a absolvição total ou parcial da instância. Por outro lado, porque as questões que constituem o mérito da ação de anulação da decisão arbitral são de direito processual, teremos de distinguir a relação processual que conduziu à decisão arbitral (no tribunal arbitral) daquela que em que se discute a anulação (no Tribunal da Relação), decorrendo desta configuração que a de suspender a instância é interlocutória porque instrumental da ação de anulação. Configurando uma mera decisão interlocutória, nos termos do disposto no artigo 673.º do Código de Processo Civil, o acórdão recorrido obedece à regra geral de diferimento da impugnação dos acórdãos interlocutórios para o recurso do acórdão final, não sendo admissível neste momento recurso de revista como se decidiu na decisão reclamada.




Quanto ao fundamento da admissibilidade da revista incidente sobre a decisão de suspensão da instância a reclamante defende que qualquer recurso interposto desta decisão juntamente com a decisão que incidirá sobre a nova sentença arbitral é absolutamente inútil, pois o decurso do tempo inerente à suspensão da instância, que é o efeito dessa decisão, é irreversível. Acrescentando que não é possível anular os efeitos da suspensão decretada nos presentes autos, pelo que a impugnação de uma decisão de suspensão da instância quando tal suspensão já terminou - ou seja, quando os seus efeitos já se cristalizaram - não tem qualquer utilidade ou efeito prático. A irreversibilidade do decurso do tempo e o sentido da inutilidade dos efeitos tem tradução no potencial acumular de juros que a recorrente poderia vir a dever à recorrida, e o período em que a Recorrente está privada do seu capital é uma perda que é irreversível. Assim, também por esta razão a impugnação do Acórdão Recorrido na parte que determina a suspensão apenas a final é totalmente desprovida de efeito útil.

Abordando esta questão, é absolutamente pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e igualmente na doutrina que a expressão “absolutamente inútil” inscrita no artigo 673.º nº1 al. a), mas também no artigo 644.º nº 2 al. h) do Código de Processo Civil a propósito da impugnação das decisões que com interposição diferida para final ficariam destituídas de efeitos, tem um significado normativo que não coincide com o pragmatismo dos incómodos. “O adverbio absolutamente assinala o nível de exigência imposto pelo legislador para efeitos de determinar a subida imediata do recurso.

Não basta que a transferência da impugnação para momento posterior comporte um risco de inutilização de uma parte do processo, ainda que nesta se inclua a sentença final. É necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso da decisão interlocutória não passará de uma vitoria de Pirro sem qualquer reflexo no resultado da ação ou na esfera jurídica do interessado.” – Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil , 7ª ed- pág. 257. É este o entendimento que se tem repetido nos tribunais a partir do ac. do STJ de 21-5-97, in BMJ 467º/536, expressando que “a inutilidade há de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando por isso uma inutilização de atos processuais para justificar a subida do recurso.”, ou seja, a inutilidade do recurso apenas ocorrerá quando, a ser provido, o recorrente já não possa aproveitar da decisão.

Estas observações no quadro de entendimento segundo o qual os fundamentos de anulação da decisão arbitral apreciados pelo Tribunal da Relação, mas ainda não objeto de decisão/dispositivo, podem vir a ser impugnados pela recorrente quando vier a ser proferida decisão final sobre o mérito, respondem negativamente à admissibilidade do recurso de revista com base no artigo 673.º nº 1 al. a) do Código de Processo Civil. Todavia, numa maior aproximação aos argumentos da reclamante de “qualquer recurso interposto desta decisão juntamente com a decisão que incidirá sobre a nova sentença arbitral é absolutamente inútil, pois o decurso do tempo inerente à suspensão da instância, que é o efeito dessa decisão, é irreversível” teremos de observar que em termos ontológicos é inquestionável que o tempo é irreversível. O que passa não se retoma nem se replica. No entanto, no âmbito da utilidade/inutilidade dos efeitos do recurso não é o tempo que está em causa, mas saber se os efeitos da decisão se podem produzir, utilmente, mesmo que necessariamente seja em momento/tempo posterior.

Um recorrente ao impugnar determinada decisão pede a sua reversão e a obtenção de um efeito que lhe é favorável e não que essa revogação coincida em tempo real com o momento em que a impugnada foi proferida. Precisamente pela irreversibilidade do tempo é que as decisões proferidas são retroativas, com a finalidade de reporem o que era devido e desde quando o era. Em concreto, se o tribunal determina a suspensão da instância para permitir ao tribunal arbitral que diligencie no sentido de sanar uma nulidade, isso significa que a decisão a proferir no processo suspenso aguardará a realização desses trâmites. Porém, em nada ficam inutilizados os efeitos da impugnação da parte porque, vindo a ter provimento anulará a decisão arbitral e, sendo julgada improcedente, admitirá o recurso que mantém total utilidade quanto aos seus efeitos. E é com esta base que se considera respondida a alegação da inutilidade se poder reconduzir a evitar o potencial acumular de juros que a Recorrente poderia vir a dever à Recorrida.

Quando a reclamante sustenta que não é possível anular os efeitos da suspensão decretada nos presentes autos quando a suspensão já terminou, este argumento faz questionar onde se encontram os motivos da impugnação invocadas contra a própria decisão de suspensão. Se a reclamante verbera que a suspensão lhe retira a possibilidade de recorrer dos outros fundamentos, então, a impugnação da decisão de suspensão é indireta porque, constitui apenas uma forma de se tentar obter o recurso sobre outras matérias e não propriamente a invocação de ser ilegal no caso a suspensão da instância. Ou seja, entende a reclamante que, impugnada a decisão de suspensão e obtida a sua revogação ser-lhe-ia admissível interpor recurso de revista dos outros fundamentos nos termos em que o pretende.

Só que esta construção, como a lemos, coloca o problema de saber, em caso de não se determinar ou ser de revogar a suspensão, o que fazer à invocação de anulação da sentença arbitral por violação do princípio do contraditório. A reclamante não alega que deva ser conhecido esse fundamento de imediato e negada a possibilidade de o tribunal arbitral sanar esse vício - bem pelo contrário é ela que em termos subsidiários protesta que deve ser suspensa a instância - e se não o faz é porque a sua matriz recursiva é de defender que quanto aos fundamentos apreciados na decisão recorrida, mas não decididos porque não constantes do dispositivo, deveria ser admissível revista imediata. Todavia, a esta questão já respondemos inicialmente no sentido de definir a decisão recorrida como interlocutória e apenas passível de revista com a decisão final.

No concreto da impugnação diretamente dirigida à decisão de suspensão resulta que o único fundamento apresentado pela reclamante é o da irreversibilidade do tempo segundo o qual se não for possível recorrer imediatamente de uma decisão de suspensão da instância os efeitos da impugnação serão sempre inúteis porque quando for possível recorrer a suspensão já terminou. A aceitar-se esta ideia teríamos de concluir que todas as decisões de suspensão da instância seriam sempre e automaticamente passiveis de recurso nos termos do artigo 673.º nº 1 al. a) do Código de Processo Civil e, ainda mais, que bastaria a própria natureza da decisão para que a mesma fosse impugnável mesmo sem arguição de qualquer causa de ilegalidade.

A recorrente/reclamante não alega que a decisão de suspensão da instância proferida pelo Tribunal da Relação esteja ferida de alguma ilegalidade e que não pudesse e devesse ser proferida, tão pouco que que não devesse ser acionado o mecanismo da suspensão previsto no artigo 46.º nº 8 da LAV para se conhecer da anulação da sentença arbitral por violação do princípio do contraditório. Em verdade, não imputa a essa decisão qualquer vício nem pede que se conheça de imediato da preterição do contraditório sem possibilidade de sanação. O que labora é um modo de entendimento com o qual, sem colocar diretamente em causa a legalidade de uma decisão (de suspensão), pretende desvitalizar os efeitos dessa mesma decisão, na convicção de que sem esses efeitos é admissível recorrer imediatamente dos outros fundamentos que não a suspensão. Em rigor, a recorrente/reclamante não impugna a decisão de suspensão da instância, já que não invoca um único argumento de ilegalidade dessa decisão, limitando-se, nesta parte, a alegar que os efeitos e apenas os efeitos da suspensão obstam à possibilidade de recorrer de outras questões. Contudo, a impugnação de uma decisão deve dirigir-se à sua ilegalidade e não, nem em primeiro lugar, aos seus efeitos pelo que concluímos que não merece censura a decisão reclamada quanto à não admissibilidade de recurso por a decisão recorrida não ser final, mas sim interlocutória, razões que se estendem igualmente e nos termos que deixámos expostos à questão da inadmissibilidade imediata de recurso da decisão de suspensão da instância.

Em síntese, pelas razões referidas, entende-se ser de rejeitar a interposição da presente revista, por legalmente inadmissível e confirmar a decisão reclamada.”

2) A clareza e o rigor da fundamentação expressa no despacho parcialmente acabado de transcrever na parte relevante, dispensam qualquer aditamento ou desenvolvimento acerca das razões pelas quais se confirma a não admissão do recurso de revista interposto pela reclamante, tal como foi anteriormente decidido pela Senhora Juíza Desembargadora relatora.

Na verdade, tendo presente que o que está em causa é a nulidade do acórdão do Tribunal Arbitral com os fundamentos invocados na acção de anulação, a análise do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa leva, inevitavelmente, à conclusão de que nenhuma decisão conhecendo do mérito da causa foi proferida pondo termo ao processo ou absolvendo a ré da instância, como exige o artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil).

Tratando-se de acórdão proferido na pendência do processo no Tribunal da Relação a decisão que determinou a suspensão do processo e sua devolução ao Tribunal Arbitral para cumprimento do contraditório prévio apenas poderá ser impugnada no recurso que vier a ser interposto, nos termos gerais, ao abrigo do disposto no artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

Não se enquadra na excepção a essa regra a impugnação da decisão que, com respaldo legal expresso na Lei de Arbitragem Voluntária, suspende os termos do processo para cumprimento pelo Tribunal Arbitral do imprescindível contraditório prévio acerca dos pressupostos de pedidos formulados, sob pena de nulidade.

O cumprimento pelo Tribunal Arbitral do ordenado no acórdão impugnado, ainda que possa esvaziar parte da argumentação da recorrente, não torna absolutamente inútil a sua impugnação nem a reponderação sobre a questão da nulidade da sentença arbitral, nomeadamente por excesso de pronúncia ou condenação além do pedido.

Trata-se, ao fim e ao cabo, do cumprimento prévio de uma formalidade que, no entender do acórdão recorrido, não deveria ter sido omitida, restando depois, findo a suspensão do processo ordenada, tomar posição final sobre o mérito do pedido de anulação.

3) Porque a questão da admissibilidade do recurso de revista interposto foi cabal e fundadamente esclarecida no despacho do Senhor Juiz Conselheiro relator de 20 de novembro de 2023, mais não resta do que, confirmando o despacho reclamado, manter a decisão de não admitir o recurso de revista interposto, por legalmente inadmissível.


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DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência, com os fundamentos nele expressos, manter o despacho do Juiz Conselheiro relator de 20 de novembro de 2023 e bem assim o despacho da Senhora Juíza Desembargadora relatora de 22 de setembro de 2023, que não admitiu o recurso de revista interposto pela autora Meo, Serviços de Comunicações e Multimédia, SA, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de maio de 2023.

Vai a autora condenada nas custas do incidente a que deu causa, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc.

Notifique.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2024


Manuel José Aguiar Pereira (Relator)

Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro

António José Moura de Magalhães