Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
809/15.0T8EVR.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: MÉDICO
CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PODER DISCIPLINAR.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 480/99, DE 9 DE NOVEMBRO, E ALTERADO PELOS DECRETOS-LEIS N.ºS 323/2001, DE 17 DE DEZEMBRO, 38/2003, DE 8 DE MARÇO, 295/2009, DE 13 DE OUTUBRO, QUE O REPUBLICOU E LEI N.º 63/2013, DE 27 DE AGOSTO (CPT).
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 11.º, 126.º, 127.º, N.º 1, ALÍNEA A), 328.º, N.º 1, 329.º, N.º 6, 330.º, N.º 1, 331.º, N.º 1, ALÍNEA A).
LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS, LEI N.° 35/2014, DE 20 DE JUNHO (LGTFP): - ARTIGO 6.º.
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 3.º E 10.º.
O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NA VERSÃO CONFERIDA PELA LEI N.º 41/2013, DE 26 DE JUNHO.
Sumário :
I. O facto de o Regulamento da viatura médica de emergência e reanimação (VMER) prescrever que os profissionais escalados para esta viatura deverão, preferencialmente, ser funcionários do respetivo hospital, mas em caso de necessidade poderão ser de outras organizações, não significa que a atividade prestada por um médico na VMER integre uma valência do seu contrato de trabalho celebrado com o respetivo hospital, se tal não foi assim convencionado.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 809/15.0T8EVR.E1.S1 (Revista) - 4ª Secção

CM/PH/GR

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

 

1. AA (Autor) propôs a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Hospital do Espírito Santo, EPE (Ré) pedindo a condenação desta:

a) A reconhecer-lhe o direito de integrar a escalas da viatura médica de emergência e reanimação (VMER - veículo de intervenção pré-hospitalar destinado ao transporte rápido de uma equipa médica ao local onde se encontra o doente) de …, como até então sucedia, até à data da decisão do seu afastamento emanada da responsável daquela unidade funcional;

b) A pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais, decorrentes do seu afastamento compulsivo das escalas da VMER da Ré, sem fundamento, correspondente à componente retributiva que deixou de auferir, a título de exercício de funções naquela unidade funcional, valor que se cifra, à data, em € 42.660,00;

c) A pagar-lhe por cada mês decorrido sem a sua integração na VMER, o pagamento da quantia de € 1.185,00, valor correspondente à média de retribuições mensais que deixou de auferir na sequência do seu afastamento;

d) A pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais sofridos decorrentes da conduta ilícita da Ré, consubstanciada no seu afastamento da VMER de … sem fundamento, a quantia de € 2.500,00;

e) A pagar-lhe os juros moratórios vincendos a incidir sobre aquelas quantias, contados desde a data da citação da Ré, até efetivo e integral pagamento, a apurar em execução de sentença.

Para o efeito alegou, em síntese:

Na qualidade de médico e no âmbito da relação laboral que detém com a Ré exerce a sua atividade como cirurgião geral, no serviço de cirurgia geral, sendo detentor da categoria de assistente hospitalar;

Pelo menos desde abril de 2007, exerceu, regularmente e complementarmente, a sua atividade médica na VMER;

A VMER da Ré constitui, de acordo com o regulamento interno daquela unidade hospitalar, uma unidade funcional;

À responsável da VMER compete assegurar o seu normal funcionamento, contando para isso, com médicos com vínculos definitivos à Ré e com médicos com vínculos precários;

A organização da respetiva escala é da sua inteira responsabilidade, devendo assegurar que os elementos adstritos àquela atividade disponham das habilitações adequadas;

É detentor das necessárias habilitações como pressuposto do exercício daquela atividade no seio da VMER;

A prestação de serviço na VMER faz parte do conteúdo funcional específico de qualquer especialidade;

Em 29 de dezembro de 2011, subscreveu-se com a Exma. Senhora Dra. BB, responsável da VMER, através de correio eletrónico, dando-lhe conta do seu descontentamento acerca do modo como havia sido elaborada a escala da VMER para o dia 30 daquele ano;

A 6 de janeiro de 2012, a referida responsável da VMER respondeu-lhe, apresentando as razões da opção que foi por si contestada;

A 8 de janeiro de 2012, ofereceu a sua resposta, rebatendo os argumentos aduzidos pela Dra. BB;

Em 13 de janeiro de 2012, a responsável da VMER, discricionariamente, impediu-o de exercer funções na VMER de …, por tempo ilimitado, com efeitos imediatos, afirmando ter entregue uma queixa escrita, com pedido de uma ação disciplinar pelo facto de considerar ter sido assumida uma postura alegadamente insultuosa e caluniosa;

A 18 de julho de 2012, remeteu à presidente do conselho de administração da Ré uma comunicação em que deu conta da sua suspensão, bem como do teor da comunicação remetida ao senhor diretor clínico, a 16 de janeiro de 2012, e alertou para situações de inoperacionalidade da VMER do HESE, o que poderia ter sido evitado caso a sua suspensão não tivesse sido determinada e requereu uma tomada de posição em face da factualidade que deu a conhecer;

A decisão do seu afastamento não teve como fundamento razões de interesse público ou de serviço;

Tratou-se, exclusivamente, de um ato de natureza discricionária e infundado, emergente da responsável da VMER, contribuindo, decisivamente, para situações objetivas de inoperacionalidade daquela viatura médica com prejuízo notório para a população;

Apesar de possuir larga experiência profissional no âmbito da emergência médica, o seu percurso e experiência profissional, na área da emergência médica, foi e é totalmente desconsiderado pela responsável da VMER do HESE, bem como pelo conselho de administração da Ré;

Desde o seu afastamento compulsivo está, como sempre esteve, disponível para integrar aquelas escalas de serviço;

A decisão da responsável da VMER foi, e é, do conhecimento dos seus colegas de profissão, existindo um sentimento generalizado de que foi afastado por eventual responsabilidade disciplinar;

Aquele comportamento da responsável da VMER causou-lhe um sentimento de injustiça em face da atitude discriminatória de que foi alvo, afetando a sua imagem e bom nome, no seio da instituição em que trabalha e da população onde está profissionalmente inserido, causando-lhe sofrimento, angústia e revolta.

2. A Ré contestou, tendo alegado em síntese:

O Autor iniciou a colaboração com a VMER apenas no mês de maio de 2007 durante o qual fez apenas um turno de 8 horas, sendo que essa colaboração com a VMER iniciada em maio de 2007 e terminada em janeiro de 2012 nunca teve um caráter regular e constante;

Apesar de habilitado com formação específica em emergência médica (curso da VMER) desde 2004, portanto, antes até do seu ingresso no HESE - EPE, o Autor sempre se mostrou muito pouco disponível para colaborar com a VMER, a ponto de, por mais do que uma vez, não se disponibilizar para ser escalado por períodos de nove meses consecutivos;

O Autor sempre pautou a sua colaboração com a VMER de acordo com a reduzida disponibilidade que comunicava ao respetivo coordenador, donde, necessariamente, se infere que a prestação de serviço na VMER não tem caráter de regularidade nem de obrigatoriedade;

As funções que o Autor exerceu na VMER não eram afins ou sequer funcionalmente ligadas com aquelas outras que desempenha enquanto titular da categoria de assistente hospitalar na área de cirurgia geral da carreira médica;

O conteúdo funcional da categoria de assistente difere substancialmente do conteúdo funcional dos médicos que integram as equipas da VMER;

O Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) depende direta e exclusivamente do INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P.) e centraliza em si a atividade das VMER de todo o país;

O facto de ter sido demandada nestes autos desacompanhado do INEM, é, por isso, parte ilegítima nos mesmos, requerendo a sua absolvição da instância;

As quezílias que opunham o Autor à referenciada Coordenadora relacionam-se com a indisponibilidade daquele para fazer turnos durante fins de semana e em datas festivas e sua proximidade, procurava, por isso, impor-se à dita Coordenadora, a fim de esta não o indigitar para esses e outros dias e para os turnos que não lhe conviessem;

A prestação de serviço na VMER, sediada na Ré, tinha e tem uma natureza precária e sem caráter de obrigatoriedade;

O Autor apenas se disponibilizava para prestar serviço na VMER quando lhe dava jeito, sendo certo, no entanto, que podia fazer cessar essa sua colaboração na VMER quando lhe aprouvesse e sem quaisquer consequências legais, disciplinares ou laborais.

Ainda que se entendesse que a Ré tinha, ilicitamente, feito cessar um contrato de trabalho que estabelecera com o Autor, despedindo-o, disporia este de 60 dias para se opor ao despedimento;

O Autor veio opor-se ao "despedimento" e pedir a sua reintegração na VMER, através da ação que ora se contesta, intentada em juízo apenas em 14.4.2015, ou seja, decorridos mais que três anos sobre o invocado impedimento que lhe foi imposto pela Ré de exercer funções na VMER;

Manifestamente para além dos 60 dias o que determina a caducidade do direito que o Autor pretendia fazer valer, caducidade cujo decretamento requer;

É falso e abusivo concluir, como faz o Autor, que o seu afastamento da VMER terá contribuído, decisivamente, para situações objetivas de inoperacionalidade da referida viatura médica;

Muito mais o é afirmar que a ausência do Autor na VMER constitui um prejuízo notório para a população;

A inoperacionalidade não é decorrente do afastamento do Autor.

Conclui pedindo:

a) Que se declare que a Ré é parte ilegítima na presente ação, por estar na mesma desacompanhado do INEM, absolvendo-se, em consequência, a mesmo da instância;

b) Que se declare a caducidade do eventual direito do Autor a ser reintegrado atenta a data em que a presente ação foi proposta;

c) Que se julgue a ação improcedente por não provada, absolvendo-se a Ré do pedido.

3. O Autor ofereceu resposta à deduzida exceção de ilegitimidade alegando, em síntese:

Que da própria alegação expendida pela Ré se infere, sem esforço, que o relacionamento institucional existente entre esta e o INEM tem unicamente em vista assegurar a operacionalidade da VMER, enquanto unidade funcional da Ré, cabendo ao INEM, assegurar a correspondente orientação metodológica, com intervenção do CODU, que o integra;

A intervenção do INEM circunscreve-se, naquele âmbito institucional, a garantir uma orientação exclusivamente técnica, perspetivando a mencionada operacionalidade, com participação nas responsabilidades financeiras e de gestão;

A responsabilidade institucional e jurídica da cessação de funções do A. no âmbito da VMER da Ré resulta, exclusivamente desta, atento às competências próprias consagradas ao seu CA, à Direção Clínica e à Coordenadora da VMER;

O INEM e no que concerne à VMER da Ré apenas tem a responsabilidade de assegurar a correspondente orientação metodológica, com intervenção do CODU, que o integra;

E consequentemente devem ter-se por inverificados os pressupostos para a invocada exceção dilatória de ilegitimidade.

4. Foi proferido despacho saneador que considerou a instância válida, a Ré parte legítima, dispensou a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova e relegou para a decisão final o conhecimento da deduzida exceção de caducidade do direito do Autor impugnar a decisão do seu afastamento do serviço na VMER de Évora.

5. Efetuada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a ação parcialmente procedente por provada, e em consequência:

a) Declarou o direito do Autor a integrar as escalas de serviço da VMER da Ré;

b) Condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 42.660,00, a título de indemnização pela aplicação de sanção abusiva;

c) Condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 1.500,00 a título de danos não patrimoniais.

d) Condenou a Ré a reintegrar o Autor nas escalas de serviço da VMER da Ré de acordo com a disponibilidade pelo Autor manifestada, no mais se remetendo para execução em liquidação de tempo o montante indemnizatório por cada mês, à razão de € 1.185,00 mensais, que após o trânsito em julgado da presente decisão a Ré não reintegre o Autor nas escalas de serviço da VMER conforme agora ordenado.

e) Condenou a Ré no pagamento de juros de mora sobre as quantias das alíneas b) e c) à taxa legal desde a data do trânsito da presente decisão e até integral pagamento.

f) Condenou ambas as partes em custas na proporção do decaimento.

                                     

6. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação, que face às respetivas conclusões equacionou as seguintes questões:

- Apreciar a matéria de facto na parte requerida pela apelante;

- Apurar se o autor foi sancionado abusivamente;

- Apurar, se necessário, se caducou o direito do recorrido impugnar judicialmente a aplicação da alegada sanção abusiva.

Foi proferido acórdão no qual se deliberou:

a) Julgar procedente a impugnação da matéria de facto, dando como provados os artigos 129.° e 130.° da contestação com a seguinte redação;

 129.° - O coordenador(a) da VMER de cada Hospital está encarregado(a) de elaborar a respetiva escala de serviço e tem legitimidade para selecionar os profissionais necessários à constituição das equipas.

130.° - Podendo escolher ou rejeitar os médicos que se candidatam a constituir a escala.

b) Julgar a apelação procedente, revogar a sentença recorrida e absolver a ré do pedido.

7. Inconformado com esta decisão o Autor interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

A. A Decisão recorrida e que anima o presente recurso, ao decidir no sentido em que o fez, designadamente, ao não ter em consideração a relevante matéria de facto, devidamente comprovada nos Autos e, consequentemente, ao revogar a decisão do Tribunal de primeira instância, como o fez, desatendendo ao real contexto de atuação dos intervenientes processuais e as normas jurídicas que aqueles comportamentos protagonizados convocam, enveredou por errada interpretação e aplicação do direito.

B. Emergem vícios assacáveis ao acórdão impugnado, mormente, de má interpretação e aplicação do direito, em sede de subsunção do direito aos factos que carecem de reapreciação por esse Venerando Tribunal Superior, em ordem a repor a legalidade ferida.

C. Nos termos do artigo 2.º da "Proposta de Regulamento da Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER)" [Reg VMER], aprovada pelo Conselho de Administração [CA] do Recorrido, a VMER do HESE- EPE é uma unidade funcional que integra aquela instituição.

D. Os seus órgãos de direção, seja a nível da coordenação médica, seja no âmbito da coordenação de enfermagem, são nomeados pelo CA do Recorrido.

E. O REG VMER é aprovado pelo CA do Recorrido e a substituição e/ou admissão de novos elementos é feita pelo CA do Recorrido, sob proposta dos coordenadores médico e de enfermagem.

F. O Recorrente mantém e manteve desde o início do seu internato médico uma relação jurídica de emprego.

G. Desde pelo menos abril de 2007 até à data do seu afastamento da VMER do HESE-EPE, o que ocorreu a 13 de janeiro de 2012, exerceu complementarmente a sua atividade médica naquela unidade funcional do Recorrido a par das funções a que se obrigou a desempenhar no HESE-EPE.

H. No âmbito da sua atividade no seio da VMER do HESE-EPE exercia as suas funções em regime de trabalho subordinado e não de prestação de serviços.

I. Aquela atividade na VMER, enquanto unidade funcional do HESE-EPE, era desenvolvida tendo por base o seu contrato de trabalho a título de produção adicional.

J. Cotejando as folhas de vencimento do Recorrente insertas nos Autos constata-se que o pagamento daquela prestação de atividade a título de produção adicional resulta nelas mencionada como "abono", sofrendo, como naturalmente ocorre no âmbito de uma relação laboral subordinada, os correspondentes descontos obrigatórios a título de IRS-dependente, CGA e ADSE.

K. O seu afastamento da escala da VMER, sem fundamento, concretizado, em interesse público ou do serviço, teve unicamente em vista arredá-lo daquela valência funcional pela circunstância de este expressar a sua opinião acerca do modo como as escalas da VMER eram elaboradas.

L. 0 seu afastamento compulsivo da VMER não pode ter como motivação o exercício de um poder discricionário sem fundamento em interesse público e muito menos sem a indicação de uma justificação, qualquer que ela seja.

M. A senhora coordenadora da VMER afastou o Recorrente daquela unidade funcional, de forma ilícita, por arbitrária e em ostensiva violação do Reg VMER, porquanto aquela decisão não se insere no âmbito das suas competências.

N. A decisão sob escrutínio ao sustentar, no plano jurídico e ao arrepio do acervo normativo chamado à colação, a possibilidade de órgãos de uma entidade empregadora com capitais públicos poderem, sem fundamento concretizado, fazendo uso das suas competências, afastar compulsivamente, de modo arbitrário e sem audição prévia, um trabalhador de uma valência funcional, com relevantes efeitos remuneratórios, pela simples circunstância deste discordar de uma decisão em matéria de serviço ofereceu o flanco à crítica por errada interpretação do direito vigente.

O. A decisão ora impugnada não esclarece, como se impunha e seria expectável, quais os fundamentos em interesse público que determinaram o afastamento da VMER de um médico, habilitado, com reconhecida experiência profissional na área da urgência e da emergência médica, disponível para integrar a escala da VMER do HESE-EPE, a qual desde os tempos da sua formação especializada integrou de acordo com as suas disponibilidades, existindo, como se apurou, evidência de escassez de recursos humanos para a formação da sua tripulação, o que afetou o seu regular funcionamento, com prejuízo para a população local.

P. A prestação de serviço no âmbito da VMER do HESE-EPE traduz-se numa atividade funcionalmente ligada com a que primordialmente desempenha o Recorrente, sem carácter de obrigatoriedade, mas geradora de uma legítima expectativa para um trabalhador que detém os requisitos para a sua realização, de a poder exercer em condições de igualdade com os demais colegas de profissão, o que, in casu, não ocorreu, com ostensiva violação do princípio da igualdade e da não discriminação de trabalhadores no exercício das suas funções.

Q. Se é verdade que "As tarefas desempenhadas pelo autor na VMER não constituem em si um contrato de trabalho(...)", não menos verdadeiro é o facto de que, nos termos do Reg VMER, conjugado com as pertinentes normas em que se funda a relação laboral do Recorrente com o Recorrido, aquelas tarefas consubstanciam uma valência integrante do seu contrato de trabalho, a qual gera uma remuneração decorrente de trabalho subordinado por conta de outrem, tal como reconhece o Recorrido nos atos de processamento dos salários do Recorrente.

R. O afastamento do Recorrente da VMER do HESE-EPE, ao contrário do que advoga a decisão impugnada, traduziu-se numa verdadeira forma de o punir, sumariamente, coartando-o de uma relevante valência da sua remuneração, na sequência de um problema pessoal entre este e a coordenadora da VMER, sem relevância disciplinar, como demonstrado ficou.

S. A realização do interesse público concretiza-se no respeito pelos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da boa administração, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé, tal qual surgem definidos no âmbito dos artigos 3.º a 10.º do CPA, o qual veio plasmar na lei ordinária a ratio que emerge sobre a mesma matéria a nível Constitucional.

T. A conclusão expressa na decisão recorrida de que "(...) a ré não está impedida de alterar a escala da VMER e de contratar os médicos que entenda necessários para o desempenho deste serviço público", colide, frontalmente, com o disposto no Reg VMER, artigo 9.°, o qual prescreve a regra de que "os profissionais escalados para a VMER deverão, preferencialmente, ser funcionários do HESE-EPE, mas em caso de necessidade, poderão ser de outras organizações".

U. Assim, ao julgar como julgou o Tribunal a quo e ao decidir como decidiu, em sede de fundamentação de direito, revogando a decisão do Tribunal de primeira instância, absolvendo o Recorrido dos pedidos formulados, incorreu em erro de julgamento e em violação do acervo normativo nesta sede expresso, beneficiando, consequentemente, o infrator.

V. Neste sentido, deve a Decisão sob critica ser revogada, sendo substituída por outra no sentido de condenar o Recorrido nos exatos termos expressos na decisão de primeira instância.

8. A Ré não apresentou contra-alegações.

           

9. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.

10. Nas suas conclusões o recorrente suscita a seguinte questão:

Saber se o acórdão recorrido ao concluir pela licitude da decisão tomada de não o integrar nas escalas de serviço da VMER da Ré, em virtude dessa atividade não integrar uma valência do seu contrato de trabalho, viola o art.º 9 do Regulamento VMER.

Cumpre apreciar o objeto do recurso interposto.

                                                           II

1. A matéria de facto estabilizada pelas instâncias é a seguinte:

1- O Autor, na qualidade de médico e no âmbito da relação laboral que detém com a sociedade Ré, exerce a sua atividade como cirurgião geral, no serviço de cirurgia geral, sendo detentor da categoria de assistente hospitalar.

2- Celebrou com a Ré um contrato individual de trabalho sem termo, a 1 de janeiro de 2013, data coincidente com a respetiva execução.

3- Nos termos da cláusula 2.ª, sob a epígrafe "atividade contratada", estipulou-se no ponto 3 que “a atividade contratada compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas para as quais o trabalhador médico detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional, sem prejuízo do permanente respeito dos limites próprios da sua especialidade médica” (cláusula 31.ª do ACT).

4- Pelo menos desde abril de 2007 e ainda no âmbito do seu processo de formação profissional enquanto médico vinculado à Ré, comummente designado por internato médico, o A. exerceu complementarmente a sua atividade médica na "viatura médica de emergência e reanimação" - VMER.

5- Entre fevereiro de 2011 e junho de 2015 a responsável da VMER foi a Dra. BB a quem compete assegurar o seu normal funcionamento e a organização das escalas de serviço.

6- O A. é detentor das habilitações para exercer atividade na VMER.

7- A prestação de serviço na VMER faz parte do conteúdo funcional específico de qualquer especialidade.

8- O A., em 29 de dezembro de 2011, subscreveu-se com a Dra. BB, responsável da VMER, através de correio eletrónico, dando-lhe conta do seu descontentamento acerca do modo como havia sido elaborada a escala da VMER para o dia 30 daquele ano.

9- A 6 de janeiro de 2012, a referida responsável da VMER respondeu ao A., apresentando as suas razões para ter optado pela decisão que foi por este contestada.

10- A 8 de janeiro de 2012, o A. ofereceu a sua resposta, rebatendo os argumentos aduzidos pela Dra. BB.

11- A 13 de janeiro de 2012, considerando que o A. havia assumido uma postura

alegadamente insultuosa e caluniosa, afirmando que se havia reunido previamente com a direção clínica do HESE, decidiu a responsável da VMER, impedir o A. de, por tempo ilimitado, exercer funções na VMER de … com efeitos imediatos e afirmando ter entregue uma queixa escrita, com pedido de uma ação disciplinar pelo sucedido.

12- A 16 de janeiro de 2012, remeteu o A. ao diretor clínico uma comunicação onde questiona a legitimidade da atuação da responsável da VMER no que concerne à sua suspensão de funções.

13- A 18 de julho de 2012, o A. remeteu uma carta à presidente do conselho de administração solicitando informação sobre a postura do conselho de administração sobre a sua suspensão do serviço da VMER e comunicando que "a VMER do HESE tem mantido uma inoperacionalidade considerável nos últimos meses, facto que, garantidamente, se poderia ter evitado caso não me tivesse sido aplicada a referida suspensão ... Mais informo V.Exa. de que, em virtude dos rendimentos que me têm sido sonegados como consequência da referida suspensão, decorre nas instâncias competentes um pedido de indemnização. Solicito, ainda, a V.Exa. a abertura de um processo disciplinar para averiguação de responsabilidades, relativamente ao qual me parece existir assunto sobejamente suficiente".

14- O A., em 20 de agosto de 2012, remeteu à presidente do conselho de administração da Ré uma carta na qual requer a intervenção daquele órgão hospitalar no sentido de corrigir a decisão da sua suspensão a qual considerou ilícita por arbitrária.

15- A 30 de novembro de 2012, o diretor clínico informa o A. que até àquela data não foi instaurado nenhum processo disciplinar.

16- Com data de 4 de setembro de 2014, o A. remeteu uma carta ao Presidente da ARS …, dando conta da sua situação relativa ao seu afastamento da VMER, solicitando uma tomada de posição acerca da matéria e disponibilizando-se para integrar a equipa VMER do HESE da qual foi afastado.

17- Em resposta o Presidente da ARS … esclareceu o A. de que a matéria em apreço respeita ao foro interno da Ré, não se vislumbrando qualquer fundamento de facto ou de direito que sustente qualquer intervenção da ARS Alentejo, determinando, consequentemente, o arquivamento do processo.

18- O A. iniciou a sua colaboração com a VMER apenas no mês de maio de 2007, durante o qual fez somente um turno de 8 horas.

19- Nos períodos compreendidos entre dezembro de 2008 e agosto de 2009 (inclusive) e entre janeiro e outubro de 2010 (também inclusive), relativamente ao A., não existem folhas de ponto referentes a quaisquer serviços pelo mesmo prestados na VMER, enquanto médico.

20- Durante todo o ano de 2010, o A. apenas se disponibilizou para ser escalado para prestar serviço na VMER em dois turnos de oito horas no mês de novembro (dias 5 e 6).

21- No período compreendido entre outubro de 2008 e agosto de 2009 (ambos inclusive) o A. se dispôs, unicamente, a fazer dois turnos de oito horas no mês de novembro de 2008.

22- Desde maio de 2007 (em que o A. deu início à sua colaboração com a VMER) até janeiro de 2011 (mês em que o cargo de coordenador da VMER passou a ser exercido pela Sra. Dra. BB) o A. apenas uma vez se dispôs a fazer cinco turnos num mês (setembro de 2007) e quatro noutros dois meses (novembro de 2007 e fevereiro de 2008).

23- O A. sempre pautou a sua colaboração com a VMER de acordo com a disponibilidade que comunicava ao respetivo coordenador.

24- Os médicos cientificamente aptos para realizar serviço na VMER, podem ajustar a sua prestação de acordo com os seus interesses e as suas disponibilidades que comunicam ao coordenador a fim deste elaborar as escalas mensais.

25- Quando, em 1 de janeiro de 2013, celebrou o contrato de trabalho com o réu, já o autor prestava serviço na VMER desde maio de 2007.

26- Em 5 de agosto de 2011, o A. adquiriu o grau de assistente na área da cirurgia geral.

27- A VMER não constitui uma funcionalidade da especialidade de cirurgia médica.

28- Os médicos que prestam serviço na VMER têm, previamente, que adquirir formação específica em emergência médica, ministrada pelo INEM IP (Instituto Nacional de Emergência Médica).

29- No contrato individual de trabalho que o A. celebrou em 1 de janeiro de 2013 com o Réu não consta qualquer referência à obrigatoriedade ou dever de prestar serviços na VMER.

30- Não existe qualquer outro contrato celebrado entre o A. e o réu ou qualquer outra entidade em que aquele, expressamente, se obrigue a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas ou entidades no âmbito da organização e sob a autoridade destas.

31- O contrato que o A. celebrou com o réu em 1 de janeiro de 2013, mantém-se em vigor.

32- O Autor conhece o Regulamento da VMER aprovado pelo Conselho de Administração da Ré.

33- O CODU, Centro de Orientação de Doentes Urgentes, depende, direta e exclusivamente, do INEM e centraliza em si a atividade das VMER"s de todo o País.

34- O Autor não foi impedido até hoje de prestar serviço na urgência, funcionalidade ligada à VMER.

35- A indicação de que em 18.7.2012 corria nas instâncias competentes uma "queixa de pedido de indemnização" era falsa, antes da presente ação nunca a Ré foi citada para efeito de reagir contra qualquer pedido indemnizatório formulado pelo autor.

36- Foi durante o mandato da Coordenadora Dra. BB - nomeada para o cargo em fevereiro de 2011 - que o A. disponibilizou-se para trabalhar mais turnos em cada mês.

37- O Autor não foi suspenso do exercício das suas funções no HESE - EPE enquanto médico hospitalar na área da cirurgia geral da carreira médica, continuou e continua a desempenhar as funções que lhe estão atribuídas nos serviços do réu e a receber as correspondentes remunerações.

38- E tão pouco foi suspenso enquanto médico escalado para fazer urgências e emergências hospitalares nos serviços do réu.

39- No dia 6 de abril de 2014, a VMER do HESE estava inoperacional, por falta de tripulação quando ocorreu um acidente com dois mortos perto de ….

40- A médica escalada para esse turno sofreu um problema de saúde que a impediu durante o turno de continuar a assegurar o mesmo e a obrigou a regressar à sua residência.

41- As vítimas ainda foram transportadas com vida para o HESE, mas acabaram por falecer.

42- As vítimas não beneficiaram de apoio médico no local e durante o trajeto para o Hospital em consequência da falta de médico.

43- No dia 25 de dezembro de 2013, a VMER de … encontrava-se inoperacional aquando de um acidente na Estrada Nacional … entre … e … que envolveu dois veículos automóveis e um cavalo.

44- Este acidente provocou quatro vítimas mortais e quatro feridos com gravidade.

45- A 3 de setembro de 2014, em consequência de doença aguda, faleceu, na cidade de …, vítima de paragem cardiorrespiratória, um cidadão do sexo masculino que não pôde ser assistido pela VMER.

46- A VMER entre as 8 horas e as 10 horas estava inoperacional por falta de recursos humanos.

47- Em declarações aos meios de comunicação social a Coordenadora da VMER afirmou que afetava à VMER todos os recursos humanos disponíveis, em ordem a combater situações de inoperacionalidade daquela viatura.

48- O A. possui experiência profissional no âmbito da emergência médica.

49- O A. é operacional dos helicópteros de emergência médica do INEM de …, … e ….

50- O A. foi operacional das VMER de …, …, … e ….

51- O A. foi médico regulador dos CODU de … e ….

52- O A. foi chefe de uma das equipas médicas do INEM que esteve em ….

53- O A. integrou a equipa do INEM que esteve no … na sequência do terramoto de 2010.

54- O A. foi chefe da equipa médica que prestou assistência pessoal ao … durante a sua visita a Portugal e foi chefe da equipa médica que prestou assistência pessoal ao Presidente … durante a sua visita a Portugal.

55- Desde o seu afastamento o A. sempre esteve disponível para integrar as escalas de serviço da VMER do HESE.

56- A decisão da Coordenadora da VMER foi e é do conhecimento de pelo menos alguns dos colegas do autor que integram a escala de serviço da VMER de ….

57- O afastamento das escalas de serviço causou-lhe angústia e revolta.

58- As escalas de serviço na VMER são feitas com um mês de antecedência e de acordo com a disponibilidade que os médicos manifestam à Coordenadora.

59- A ausência a um turno de serviço na VMER não implica qualquer sanção para o médico faltoso a não ser não receber por esse serviço de turno na VMER.

60- Os médicos mesmo com formação ministrada pelo INEM para integrarem as escalas da VMER não são obrigados a integrar tais escalas apenas o fazem por sua vontade.

61- O A. ainda hoje se mantém sem integrar as escalas de serviço da VMER.

62- O A. e a Dra BB integram a mesma equipa de serviço de urgência do HESE a qual é chefiada pela Dra. BB.

63 - Entre os anos de 2007 e janeiro de 2012, o A. auferiu uma média de € 1.185,00 mensais da sua prestação de serviço na VMER do HESE.

O Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, considerou provados os artigos 129.º e 130.º da contestação da Ré, que têm a seguinte redação e passam a ter a numeração sequencial de 64.º e 65.º:

 

64 - O coordenador(a) da VMER de cada Hospital está encarregado(a) de elaborar a respetiva escala de serviço e tem legitimidade para selecionar os profissionais necessários à constituição das equipas.

65- Podendo escolher ou rejeitar os médicos que se candidatam a constituir a escala.

2. Os presentes autos respeitam a uma ação declarativa, sob a forma de processo comum, instaurada em 14 de abril de 2015, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 2 de março de 2017.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

3. Como já se referiu, a questão que se discute no presente recurso de revista consiste em saber se o acórdão recorrido ao concluir pela licitude da decisão tomada pela responsável da VMER da Ré, de não integrar o Autor nas escalas de serviço da referida viatura, em virtude dessa atividade não integrar uma valência do seu contrato de trabalho, violou o art.º 9 do Regulamento VMER e os artigos 3.º a 10.º do Código de Procedimento Administrativo.

O Tribunal da Primeira Instância considerou que a decisão tomada pela responsável da VMER da Ré, de não integrar o Autor nas escalas de serviço da referida viatura constituiu uma sanção abusiva, retirando daí as respetivas consequências.

Para sustentar tal posição foi aduzida a seguinte argumentação que se transcreve:

“Conforme resulta da matéria de facto provada foi aplicada ao Autor a sanção de suspensão de integrar as escalas da VMER do HESE por tempo indeterminado, e com efeitos imediatos. Esta sanção foi aplicada ao Autor pela Coordenadora VMER do HESE e comunicada por email.

A aplicação de uma sanção disciplinar é um poder do empregador no exercício do poder disciplinar e na sequência do respetivo procedimento disciplinar, art.º 328.º n.º  1 e 329.º n.º 2.

E tal como resultou provado a VMER do HESE tal como a de qualquer outro hospital do país apenas depende do próprio hospital para a gestão dos recursos humanos que exercem funções na VMER sendo tal gestão completamente alheia ao INEM.

No caso dos autos e tal como resulta da matéria de facto provada não foi instaurado ao Autor qualquer procedimento disciplinar pelo superior hierárquico com competência disciplinar delegada pelo empregador ou pelo empregador, o trabalhador não foi ouvido nem lhe foi dada a possibilidade de se defender.

Mais resultou provado que a sanção foi aplicada na sequência de entender a Sra. coordenadora que o A. havia assumido uma postura alegadamente insultuosa e caluniosa, mas sem concretizar quais os factos considerados insultuosos e caluniosos para com a mesma.

Ora da enumeração, (art.º 328.º n.º 1), das várias sanções disciplinares que o empregador pode aplicar não consta a sanção disciplinar de suspensão por tempo indeterminado.

Mais a sanção disciplinar não pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador e deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, art.º 329.º n.º 6 e 330.º n.º 1.

Como já o afirmámos e resultou provado o trabalhador/Autor não foi ouvido previamente à aplicação da sanção, nos autos não existe despacho a delegar na Sra. Coordenadora a competência para exercer o poder disciplinar, a gravidade da infração, e com todo o respeito por opinião contrária, dependeu da sensibilidade da Sra. Coordenadora, não sendo possível ao julgador aferir da gravidade da mesma pois o email não põe em causa a coordenação da VMER, nem tão pouco se apuraram factos que permitam aferir do grau de culpa do Autor ao redigir o email, que apenas reclamava da metodologia de elaboração da escala daquele dia 30 de Dezembro, adotada pela Sra. Coordenadora.

Em consequência e atento tudo o exposto entendemos não só a sanção ser ilegítima como abusiva, art.º 331.º n.º 1 a).

Acresce que para além daquela decisão ter sido tomada ao arrepio de todo e qualquer poder disciplinar, por quem não tinha poder para tal e como mera afirmação de autoritarismo enquanto coordenadora foi a mesma por omissão, já que sabendo da decisão de suspensão do Autor pela coordenadora o diretor clínico nada fez, nem quando questionado pelo Autor em 16 de Janeiro de 2012, não pôs termo a uma situação que sabia ser ilegal por ausência de procedimento disciplinar, vindo cerca de 10 (dez) meses depois a responder à missiva do Autor, informando-o que até ao momento nenhum processo disciplinar havia sido instaurado, ao mesmo tempo que permitia que a situação se mantivesse.

Toda esta conduta para além do já exposto configura uma situação de violação dos deveres do empregador, designadamente do dever de proceder de boa-fé para com o trabalhador no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações e respeitar e tratar o trabalhador/Autor com urbanidade e probidade, art.º s. 126.º e 127.º n.º  1 a).

E tanto mais grave por adotada por quem não tinha poder para o efeito, não se podendo assim falar em abuso de direito, para se abusar de um direito é preciso ter esse direito, o que não acontecia com a Sra. Coordenadora.

Entendemos contrariamente ao pretendido pelo Autor que não se está perante um caso de discriminação relativamente a outros colegas médicos também eles prestando serviço na VMER ou de mobbing relativamente ao Autor pois nem o Autor provou nem sequer alegou que em situações idênticas de questionar a coordenadora pela elaboração da escala de serviço respeitante a determinado dia, na véspera desse serviço, a coordenadora o tenha aceite e tenha procedido de modo diverso daquele que procedeu com o Autor.”

 Por seu turno, o Tribunal da Relação concluiu que a decisão da coordenadora da VMER em deixar de escalar o Autor para este serviço, não constitui uma sanção disciplinar, porque as tarefas desempenhadas pelo Autor na VMER não se inseriam no âmbito de um contrato de trabalho.

A decisão ancorou-se na seguinte argumentação, que se transcreve:

“A sanção disciplinar resulta do poder do poder disciplinar do empregador, como resulta do art.° 328.° do CT.

Para que um determinado comportamento possa ser considerado como sanção disciplinar torna-se necessário provar que foi exercido no âmbito de um contrato de trabalho.

No caso concreto, a decisão de não escalar o autor por tempo indeterminado para a VMER, não ocorreu no âmbito de um contrato de trabalho. O autor nessa altura frequentava o internato médico no estabelecimento hospitalar da ré. Do contrato inerente a esta formação médica não faz parte o dever jurídico da ré escalar o autor para o serviço VMER.

Mesmo após o autor ter celebrado com a ré um contrato de trabalho, daí não decorriam quaisquer obrigações para qualquer uma das partes em relação ao serviço VMER. A ré tem o poder de escalar médicos com formação específica para esta função, mas não está obrigada à sujeição de manter a escala por tempo indeterminado. A prestação de tarefas pelos médicos na VMER depende de decisão da ré, após proposta da coordenadora médica da VMER. O hospital não está impedido de a qualquer altura alterar a escala ou excluir médicos, dentro do juízo que fizer sobre a melhor forma de realizar o interesse público.

Seria diferente se no contrato de trabalho tivesse sido acordada a prestação deste serviço pelo médico autor, o que não é o caso.

As tarefas desempenhadas pelo autor na VMER não constituem em si um contrato de trabalho, como tal definido pelo art.° 11.° do CT, ou pelo art.° 6.° da Lei n.° 35/2014, de 20 de junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).

Assim, a decisão da coordenadora da VMER em deixar de escalar o autor para este serviço, não constitui uma sanção disciplinar.

Não constituindo uma sanção disciplinar, não se coloca sequer a questão de a considerar abusiva.

Como já referimos, a ré não está impedida de alterar a escala da VMER e de contratar os médicos que entenda necessários para o desempenho deste serviço público.

Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento da caducidade do direito de impugnar a decisão que aplicou a denominada sanção abusiva.”

Do confronto das duas decisões judiciais ressalta que o Tribunal da Relação antes de se pronunciar se foi aplicada ao Autor uma sanção disciplinar e se mesma foi abusiva, procurou indagar a natureza da relação jurídica estabelecida entre o Autor e a Ré quanto à atividade desenvolvida no âmbito da VMER.

Na verdade, parece-nos que este é o caminho que tem de ser percorrido para se poder dar uma resposta à questão que é objeto dos presentes autos e também deste recurso de revista.

Socorrendo-nos da matéria de facto dada como provada temos que o Autor começou a exercer a sua atividade na VMER desde abril de 2007, ainda durante o seu processo de formação profissional/internato médico, atividade essa que se manteve até 13 de janeiro de 2012, data em que a responsável da VMER deixou de o integrar nas escalas de serviço.

Em 1 de janeiro de 2013, celebrou com a Ré um contrato de trabalho para exercer a atividade de cirurgião geral, no serviço de cirurgia geral da Ré.

Nos termos deste contrato de trabalho foi estipulado que “a atividade contratada compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas para as quais o trabalhador médico detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional, sem prejuízo do permanente respeito dos limites próprios da sua especialidade médica” (ponto 3 dos factos provados).

Neste contrato de trabalho não consta qualquer referência à obrigatoriedade ou dever de prestar serviços na VMER (ponto 29 dos factos provados).

Perante este quadro, temos de concluir que a atividade desenvolvida pelo Autor na VMER não integrava uma valência do seu contrato de trabalho, celebrado com a Ré em 1 de janeiro de 2013.

Note-se que a atividade desenvolvida pelo Autor na VMER da Ré teve início em abril de 2007 e terminou em 13 de janeiro de 2012, portanto decorreu em período anterior à data em que foi celebrado o contrato de trabalho entre o Autor e a Ré, em 1 de janeiro de 2013.

O facto de o Regulamento da VMER prescrever que “os profissionais escalados para a VMER deverão, preferencialmente, ser funcionários do HESE-EPE, mas em caso de necessidade, poderão ser de outras organizações”, não significa que a atividade prestada na VMER da Ré integre uma valência dos contratos de trabalho celebrados entre esta e os diversos profissionais, que prestam a sua atividade em outros serviços.

Por outro lado, não resulta da matéria de facto provada que a atividade desenvolvida pelo Autor na VMER estivesse sujeita a uma total determinação da Ré, nomeadamente no que diz respeito à disponibilidade para integrar as escalas de serviço, pois ficou provado que o Autor sempre pautou a sua colaboração com a VMER de acordo com a sua disponibilidade, que comunicava ao respetivo coordenador (ponto 23 da matéria de facto provada).

  Esta colaboração com a VMER de acordo com a disponibilidade do Autor denota logo que num primeiro momento inexistia um estado de sujeição típico da relação laboral, caracterizada pela vinculação a um poder de direção.  

Também se provou que o coordenador da VMER de cada Hospital está encarregado de elaborar a respetiva escala de serviço e tem legitimidade para selecionar os profissionais necessários à constituição das equipas, podendo escolher ou rejeitar os médicos que se candidatam a constituir a escala (potos 64 e 65 dos factos provados).

           Destes factos retira-se que atividade médica desenvolvida na VMER resulta de uma prévia candidatura e de uma escolha efetuada pelo coordenador, pautada pelas necessidades daquele serviço público, de forma que o mesmo seja desempenhado da maneira mais eficaz possível.

           Assim, os factos provados indiciam que a referida atividade médica desenvolvida pelo Autor na VMER se enquadra numa prestação pontual de serviços, não assumindo as características típicas de um contrato de trabalho subordinado, em que o mesmo no exercício daquela atividade, estivesse na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da mesma, realizando a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição.

Não integrando a sobredita atividade uma valência do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, em 1 de janeiro de 2013, nem se enquadrando a mesma numa outra relação suscetível de se qualificar como laboral, não se pode configurar a decisão da responsável da VMER, em não integrar o Autor nas escalas de serviço da referida viatura, como uma sanção disciplinar abusiva, conforme foi decidido no acórdão recorrido.

                                                           III

           Pelos fundamentos expostos, decide-se negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 12/10/2017

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha