Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
45/07.0TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: ESTABELECIMENTO DE ENSINO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
TRANSMISSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 09/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO
Doutrina: - MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Atlântida Editora, Coimbra, 1970, p. 90.
- PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 746, 750.
- JOSÉ MARIA RODRIGUES DA SILVA, «Modificação, Suspensão e Extinção do Contrato de Trabalho», Direito do Trabalho, B.M.J., Suplemento, Lisboa, 1979, p. 195.
- JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 821.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 729.º, N.º3.
CÓDIGO DE TRABALHO (CT): - ARTIGO 318.º.
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 66.º E 132.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 268.º, N.º3.
LEI N.º 7/2009, DE 12-2: - ARTIGO 7.º, N.º1.
LEI N.º 99/2003, DE 27-8: - ARTIGOS 2.º, 3.º, N.º1, 8.º, N.º1.
Legislação Comunitária: DIRECTIVA N.º 77/187/CEE, DO CONSELHO, DE 14 DE FEVEREIRO(ART.º 3.º, N.º1), ALTERADA PELA DIRECTIVA N.º 98/50/CE, DO CONSELHO, DE 29 DE JUNHO E REVOGADA PELA DIRECTIVA N.º 2001/23/CE, DO CONSELHO, DE 12 DE MARÇO (ART.º1.º, ALÍNEA B), TRANSPOSTA PARA O NOSSO ORDENAMENTO PELO ARTIGO 2.º DA LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO.
Sumário : 1. Tendo-se provado a transmissão da titularidade de um estabelecimento de ensino, incluindo a titularidade das autorizações de funcionamento dos cursos conferentes de grau aí leccionados, do direito de leccionar os demais cursos que tem vindo a assegurar, de toda a documentação administrativa de suporte ao funcionamento dos referidos cursos, de todo o acervo bibliográfico constituído por cerca de 19.000 registos bibliográficos e 278 títulos de revistas e, ainda, da titularidade das publicações periódicas, obrigando-se o adquirente a manter a identidade própria do Instituto em causa e passando os alunos a integrar a estrutura pedagógica e científica de que passou a fazer parte, configura-se uma transmissão relevante para efeito de aplicação do disposto no artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003.

2. Na verdade, apurou-se que aquele Instituto constituía uma unidade económica do estabelecimento da 1.ª ré, com identidade, valor económico e autonomia técnica--organizativa próprios, e que, transmitida a sua titularidade para a 2.ª ré, manteve a identidade própria e a sua organização específica, sendo possível identificar essa unidade económica na esfera jurídica do transmissário.

3. Assim, a posição jurídica de empregador, no contrato de trabalho celebrado com a autora, transmitiu-se para o adquirente do Instituto em causa.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 2 de Janeiro de 2007, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 2.º Juízo, 2.ª Secção, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB C. R. L., e CC, pedindo que as rés fossem condenadas, solidariamente, a pagar-lhe € 6.119,27 e a condenação da 2.ª ré a pagar-lhe «a quantia já vencida de € 3.523,35, sem prejuízo quanto a esta última da que se vencer até decisão final, e de juros contados à taxa legal de 4% ao ano, calculados desde a citação daquelas RR. e até integral pagamento».

Alegou, em resumo, que foi admitida ao serviço da 1.ª ré, em 1 de Outubro de 1983, como professora e que, em 4 de Maio de 2006, celebrou com a 1.ª ré um acordo de pagamento de dívida, que não foi cumprido, sendo que, em 8 de Maio de 2006, por protocolo assinado entre as rés, foi transmitido pela 1.ª ré à 2.ª ré o DD, estabelecimento onde leccionava, tendo aquele Instituto, no ano lectivo de 2006/2007, iniciado a sua actividade nas instalações da EE, pertencente à 2.ª ré, não lhe sendo atribuída qualquer função lectiva, nem paga a retribuição, desde Agosto de 2006.

Frustrada a conciliação empreendida na audiência de partes, as rés vieram contestar, concluindo pela improcedência da acção; a 1.ª ré alegou, em síntese, que não efectuou os pagamentos devidos à autora por falta de condições financeiras para tanto, já que entrou em processo de dissolução e liquidação, pelo que o cumprimento dos compromissos assumidos dependia do apuramento da sua situação económica e financeira, e que não foi distribuído trabalho docente à autora, pelo facto de esta ter sido despedida antes do início do ano lectivo de 2006/2007, uma vez que não tinha habilitações académicas que lhe permitissem continuar a leccionar naquele Instituto, tendo o respectivo contrato de trabalho cessado em 31 de Agosto de 2006; a 2.ª ré, por sua vez, aduziu que, nos termos do referido protocolo, apenas foi transmitido o DD e não a cooperativa ré, pelo que, não gozando aquele Instituto de autonomia técnica-organizativa, não pode ser considerado como um estabelecimento, termos em que o contrato de trabalho que a autora mantinha com a 1.ª ré não se transmitiu para si, sendo, por isso, parte ilegítima na acção.

A autora respondeu às excepções deduzidas, sustentando que as mesmas deviam ser julgadas improcedentes, tendo concluído como na petição inicial.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a dita ilegitimidade da 2.ª ré.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a 1.ª ré a pagar à autora a quantia de € 6.119,27, sendo a 2.ª ré absolvida do pedido, acrescendo à referida quantia juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.

2. Inconformada, a autora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou procedente o recurso de apelação e, alterando a sentença recorrida, julgou a acção procedente, condenando, solidariamente, as rés a pagar à autora € 6.119,27 e a 2.ª ré a pagar à autora € 3.523,35, «referente a retribuições vencidas entre Setembro e Dezembro de 2006, bem como as que, entretanto, se tenham vencido até decisão final, a liquidar em incidente próprio», tudo acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data de citação das rés e até integral pagamento.

É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões que se passam a discriminar:

                 «I.    Vem o Douto Acórdão do Tribunal “a quo” julgar procedente a acção intentada pela A., ora recorrida, [condenando] a R., ora recorrente, a pagar à primeira a quantia de € 3.523,35, referente a retribuições vencidas entre Setembro e Dezembro de 2006, bem como, as que entretanto se tenham vencido até decisão final.
                    II.  Com efeito, entendeu o Tribunal “a quo” que, sendo o DD um estabelecimento de ensino dotado de identidade própria, o mesmo constitui uma verdadeira unidade ou entidade económica.
                   III. Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal “a quo”, pois o DD não pode ser considerado como uma verdadeira unidade ou entidade económica com autonomia, uma vez que não se encontram preenchidos os critérios positivos da transmissão de estabelecimento.
                   IV. Na verdade, o referido Instituto, enquanto entidade titular de uma licença para leccionar determinado curso, não pode ser considerado como uma unidade económica autónoma, sem mais, pois, para que possa ser considerado como um estabelecimento com identidade própria, terá de se atender a todos os meios, materiais e humanos, associados à actividade lectiva, já que esta não pode ser prosseguida sem aqueles.
                    V.  Assim, o Tribunal “a quo” só poderia considerar que tivesse ocorrido a transmissão do estabelecimento do DD, para além das autorizações de leccionar conferidas pelo Estado, se tivessem sido igualmente transferidas as instalações, os materiais e instrumentos de trabalho, designadamente, o mobiliário, livros e demais material de apoio, e por último, boa parte dos corpos docente e discente e demais pessoal administrativo, o que não ocorreu.
                   VI. Na verdade, nem todo o corpo docente [se] integrou na recorrente, nem tão pouco, o corpo discente [se] integrou na totalidade na recorrente, assim como também não [se] integraram os materiais de trabalho, designadamente, o mobiliário, os livros e restante material de apoio.
                VII.   Ora, não tendo ocorrido a transferência de tais elementos positivos, ou seja, não tendo ocorrido a transferência de meios materiais e humanos associados à actividade lectiva do referido Instituto, o Tribunal “a quo” não podia ter considerado que o referido Instituto constitui uma unidade produtiva autónoma, face à falta de elementos.
              VIII.    Pelo que, no seguimento de diversa doutrina que, na falta de critérios positivados, vinha debatendo o conceito tentando delimitá-lo, por estabelecimento entendia-se quer a organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria, que os conjuntos subalternos que correspondam a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de uma natureza técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma com organização especifica.
                 IX.   Ora, não tendo a R. BB transferido para a recorrente vários dos elementos que compõe o estabelecimento, fácil é de concluir que, jamais foi transferido qualquer estabelecimento.
                  X.   Na verdade, não tendo sido transferido quaisquer dos elementos que compõe um estabelecimento, jamais se poderá afirmar que o DD constitui uma unidade económica produtiva autónoma com organização específica.
                 XI.   É certo que, em 8 de Maio de 2006, a R. BB e a CC, ora recorrente, celebraram um protocolo, contudo, nos termos do mencionado protocolo, e tal como resulta da cláusula 7.ª, a R. BB responsabilizou-se pelo cumprimento de todos os encargos assumidos perante trabalhadores e docentes do DD.
                XII.   Sucede porém que a produção dos efeitos do referido protocolo ficou sujeita à verificação de uma condição suspensiva, ou seja, a obtenção de autorização do Ministério da Tutela.
              XIII.   Na verdade, a mencionada autorização só ocorreu em 27.10.2006, data da publicação em Diário da República do Despacho do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior nr. 21.921/2006, que autorizou a transmissão da titularidade do DD da  R. BB para a recorrente.
              XIV.   Sucede que, contrariamente ao entendimento do Acórdão recorrido, não se transmitiram para a recorrente quaisquer direitos ou obrigações por força do disposto no art. 318.º do C.T.
               XV.    Aliás, nos termos do disposto no art. 318.º do C.T., em caso de transmissão, por qualquer título, de titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
              XVI.   Ora, nos termos da referida cláusula 7.ª do protocolo outorgado pela R. BB e a recorrente, a primeira assumiu todas as responsabilidades pelo cumprimento dos encargos assumidos com os docentes.
             XVII.   Pelo que, a recorrente jamais seria responsável pelos montantes peticionados, pois, tendo a R. BB transferido somente, à recorrente, o DD, a dita transferência terá de ser entendida, como a possibilidade de a recorrente passar a leccionar o respectivo curso superior.
           XVIII.    Perante o exposto, violou o Tribunal “a quo” o disposto no art. 318.º do C.T., uma vez que não ocorreu a transmissão do DD, uma vez que o mesmo não é dotado de uma identidade própria.»

Termina afirmando que deve julgar-se procedente o recurso de revista e, em consequência, «a recorrente deve ser absolvida da condenação a pagar à recorrida a quantia de € 3.523,35, referente a retribuições vencidas entre Setembro e Dezembro de 2006, bem como as que entretanto se tenham vencido até decisão final».

A autora contra-alegou, sustentando a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a revista devia ser negada, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta por parte da recorrente para dele discordar.

Corridos os vistos, o processo foi, entretanto, redistribuído, por virtude da cessação de funções, por jubilação, do primitivo relator.

3. No caso vertente, a questão suscitada reconduz-se a saber se ocorreu uma transmissão de estabelecimento ou unidade económica deste relevante para efeito de aplicação do artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003.

Tudo visto, cumpre decidir.

                                                    II

1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:
1) A R. BB é uma cooperativa que se dedica ao ensino, tendo anteriormente tido as denominações de ISSS — DD, C. R. L., e ISSSCOOP — BB, C. R. L., tendo sido entidade instituidora do DD;
2) A A. foi admitida pela R. BB como professora daquele Instituto, em 1 de Outubro de 1983, tendo desde então desempenhado as suas funções sob as ordens, direcção e autoridade daquela R., ou dos representantes por esta designados, no âmbito de um contrato de trabalho vigente entre as partes;
3) A A. desempenhava as suas funções docentes de acordo com os programas e estrutura curricular estabelecidos pela R., cumprindo os horários pela R. estabelecidos no início de cada ano lectivo, cujo cumprimento era controlado pela R., realizando exames e avaliações nas datas designadas pela R. e procedendo ao cumprimento das directivas de carácter administrativo estabelecidas por esta, quer no que toca às avaliações e exames dos alunos, quer do ponto de vista burocrático;
4) Estando a A. integrada na estrutura hierárquica do Instituto onde leccionava e subordinada aos respectivos superiores hierárquicos;
5) Sendo efectuadas as deduções previstas para os trabalhadores por conta de outrem na retribuição mensal;
6) E sendo-lhe concedidas férias anuais remuneradas e pagos os respectivos subsídios de férias e de Natal;
7) Ao serviço da R. BB, tinha a A. o horário de trabalho de 6 horas lectivas semanais, a que correspondia a retribuição mensal de € 704,87;
8) Em 4 de Maio de 2006, existindo várias quantias em dívida pela R. BB, esta celebrou com a A. um «Acordo para Pagamento de Dívida», nos termos do qual a R. BB se obrigava a pagar à A. o montante de € 4.708,53, que já incluía a retribuição que se venceria no final de Julho de 2006, em duas prestações, vencendo-se a primeira no dia 31 de Julho de 2006 e a segunda no dia 30 de Setembro de 2006;
9) A R. BB não pagou qualquer daquelas prestações;
            10) Por Protocolo assinado entre a R. BB e a R. CC, em 8 de Maio de 2006, acordaram estas em transmitir para a R. CC o DD, incluindo a titularidade daquele Instituto, as autorizações de funcionamento dos cursos conferentes de grau naquele Instituto leccionados, bem como o de leccionar todos os demais cursos assegurados pelo mesmo Instituto, a documentação administrativa do mesmo, o acervo bibliográfico e a titularidade das publicações periódicas passando o mesmo a integrar a estrutura pedagógica e científica da EE, propriedade da R. CC, embora mantendo a sua identidade própria, tudo conforme documento que está junto a fls. 11-16 e que aqui se dá por reproduzido;
            11) A concretização daquela transmissão ficava condicionada à autorização do Ministério da tutela, como do mesmo protocolo constava;
            12) Autorização que foi dada pelo Despacho de 11 de Setembro de 2006 [será o Despacho n.º 21.921/2006, de 8 de Setembro de 2006, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 208, de 27 de Outubro, e comunicado à Direcção-Geral do Ensino Superior e às rés — cf. doc. 4 junto com a petição inicial e inserido a fls. 17 dos autos] do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior;
            13) No início do ano lectivo de 2006/2007, o DD iniciou a sua actividade nas instalações da EE em Lisboa, integrado na estrutura pedagógica e científica daquela EE;
            14) No início do ano lectivo de 2006/2007, não foi atribuída qualquer função à A ou atribuído qualquer serviço docente, não lhe sendo paga a retribuição desde Agosto de 2006;
            15) A R BB entrou em processo de dissolução e liquidação, sendo nomeada uma comissão liquidatária para o efeito.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no recurso.

2. A recorrente alega que o DD, «enquanto titular de uma licença para leccionar determinado curso, não pode ser considerado uma unidade económica autónoma, sem mais, pois, para que possa ser considerado como um estabelecimento com identidade própria, terá de se atender a todos os meios materiais e humanos, associados à actividade lectiva, já que esta não pode ser prosseguida sem aqueles», e só se poderia considerar que tinha ocorrido a transmissão daquele estabelecimento se, «para além das autorizações de leccionar conferidas pelo Estado, tivessem sido igualmente transferidas as instalações, os materiais e instrumentos de trabalho, designadamente, o mobiliário, livros e demais material de apoio e, por último, boa parte dos corpos docente e discente e demais pessoal administrativo, o que não ocorreu».

E mais aduz que, nos termos da cláusula 7.ª do protocolo outorgado entre a 1.ª ré e a recorrente, a primeira assumiu todas as responsabilidades pelo cumprimento dos encargos assumidos com os docentes, logo «a recorrente jamais seria responsável pelos montantes peticionados, pois, tendo a R. BB transferido somente, à recorrente, o DD, a dita transferência terá de ser entendida, como a possibilidade de a recorrente passar a leccionar o respectivo curso superior», pelo que «violou o Tribunal “a quo” o disposto no art. 318.º do C.T., uma vez que não ocorreu a transmissão do DD, uma vez que o mesmo não é dotado de uma identidade própria».

2.1. Estando em causa a invocada transmissão do aludido estabelecimento de ensino, no início do ano lectivo de 2006/2007, portanto, em plena vigência do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), atento o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se o regime jurídico acolhido naquele Código, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem.

O artigo 318.º, epigrafado «Transmissão da empresa ou estabelecimento», estabelecia que, «[e]m caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral» (n.º 1) e que «[d]urante o período de um ano subsequente à transmissão, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão» (n.º 2), sendo que «[o] disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes exerceu a exploração da empresa, estabelecimento ou unidade económica» (n.º 3), considerando-se «unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória» (n.º 4).

Assim, fora dos casos onde se verificasse uma verdadeira cessão da posição contratual, que importava a modificação subjectiva na titularidade da relação jurídica com o assentimento do trabalhador, nos termos dos artigos 424.º a 427.º do Código Civil, o sobredito artigo 318.º determinava que, configurando-se uma transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, ocorria uma sub-rogação ex lege (cf. MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Atlântida Editora, Coimbra, 1970, p. 90) ou, por outras palavras, uma «transferência da posição contratual [laboral] ope legis» (cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 746), que prescindia do assentimento do trabalhador, e operava a transferência da relação jurídica emergente do seu contrato de trabalho para a esfera jurídica de uma nova entidade patronal, distinta daquela com quem o trabalhador configurou inicialmente a sua relação laboral.

Consagrou-se, portanto, neste normativo o princípio de que a transmissão do estabelecimento não afecta, em regra, a subsistência dos contratos de trabalho, nem o respectivo conteúdo, tudo se passando, em relação aos trabalhadores, como se a transmissão não houvesse tido lugar.

O que bem se compreende, já que o regime jurídico enunciado apresenta uma dúplice justificação: por um lado, pretendem-se acautelar os interesses do cessionário em receber uma empresa funcionalmente operativa; mas, por outro lado, como foi enfatizado no âmbito do direito comunitário pela Directiva n.º 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, alterada pela Directiva n.º 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho e revogada pela Directiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, transposta para o nosso ordenamento pelo artigo 2.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, a manutenção dos contratos de trabalho existentes à data da transmissão para a nova entidade patronal pretende proteger os trabalhadores, garantindo a subsistência dos seus contratos e a manutenção dos seus direitos quando exista uma transferência de estabelecimento.

O regime de transmissão do estabelecimento assenta, pois, na concepção de empresa como comunidade de trabalho, com vida independente da dos seus titulares, e corresponde, no plano do direito laboral, à efectiva concretização do princípio da conservação do negócio jurídico — cf. JOSÉ MARIA RODRIGUES DA SILVA, «Modificação, Suspensão e Extinção do Contrato de Trabalho», Direito do Trabalho, B.M.J., Suplemento, Lisboa, 1979, p. 195).

No dizer de PEDRO ROMANO MARTINEZ (ob. cit., p. 750), «transmitido o estabelecimento, o cessionário adquire a posição jurídica do empregador cedente, obrigando-se a cumprir os contratos de trabalho nos moldes até então vigentes. Isto implica não só o respeito do clausulado de tais negócios jurídicos, incluindo as alterações que se verificaram durante a sua execução, como de regras provenientes de usos, de regulamento de empresa ou de instrumentos de regulamentação colectiva […]; no fundo, dir-se-á que a transmissão não opera alterações no conteúdo do contrato.»

Tal é, na essência, o que decorre da transmissão da relação laboral, ligada ao estabelecimento, a qual opera ope legis, ficando o adquirente da unidade empresarial sub-rogado ex lege, obrigatoriamente, na posição contratual do anterior titular.

Este é, aliás, o sentido e o alcance do n.º 1 do artigo 3.º da antedita Directiva n.º 77/187/CEE, que se manteve nas Directivas n.º 98/50/CE e n.º 2001/23/CE, ao estipular que «[o]s direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos são, por este facto, transferidos para o cessionário».

2.2. Segundo o disposto no n.º 4 do artigo 318.º, aliás em consonância com as directivas comunitárias relevantes na matéria e a jurisprudência comunitária, o bem objecto de transmissão, para efeitos da sujeição ao regime laboral da transmissão do estabelecimento, deve constituir uma unidade económica.

Adoptou-se com esta definição um critério material em que avultam dois elementos: um organizatório, a entidade económica apresenta-se como um complexo organizado de bens e/ou de pessoas; um funcional, esse complexo organizado de meios visa prosseguir uma actividade económica.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal, no domínio de aplicação do artigo 37.º da LCT, tem entendido que o conceito de estabelecimento (ou empresa) abrange, quer a organização afecta ao exercício de um comércio ou indústria, quer os conjuntos subalternos que correspondem a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de autonomia técnica-organizativa própria, constituindo uma entidade produtiva autónoma, com organização específica, do que resulta a irrelevância quer da transmissão de elementos patrimoniais isolados, não agregados entre si, quer da transmissão de bens, interligados ou não, mas não essenciais ou não destinados à prossecução de determinada actividade económica.

Quanto ao conceito de «transmissão», os precisos termos que aquele artigo 318.º utiliza para a ele aludir, explicitando que a transmissão se pode operar «por qualquer título» (n.º 1), evidencia que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for.

O conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, podendo corresponder a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, mas também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.

Por outro lado, a transmissão parcial de um estabelecimento é relevante para efeitos de se afirmar a manutenção dos contratos de trabalho dos trabalhadores que laboravam na parte do estabelecimento cedida à data da transmissão.

Igualmente as directivas comunitárias, desde a Directiva n.º 77/187/CEE, se reportam especificamente à manutenção dos direitos dos trabalhadores «em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos», referindo-se expressamente na alínea b) do artigo 1.º da Directiva n.º 2001/23/CE, que «é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória».

Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.

Tal como sublinha, neste conspecto, JÚLIO GOMES (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 821), «[d]ecisiva, para o Tribunal de Justiça [da União Europeia], é sempre a manutenção da entidade económica e para verificar se esta entidade continuou a ser a mesma, apesar das várias vicissitudes, o tribunal destacou que há que recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode, de resto, variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua actividade ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objecto de uma apreciação global, não sendo, em princípio, decisivo qualquer um deles. Numa indicação meramente exemplificativa — aliás, o próprio Tribunal não parece pretender apresentar uma lista exaustiva — podem ser relevantes elementos como a transmissão de bens do activo da entidade, designadamente, bens imóveis ou equipamentos, mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how, a própria manutenção da maioria ou do essencial dos efectivos, a duração de uma eventual interrupção da actividade, a eventual manutenção da clientela e o grau de semelhança entre a actividade desenvolvida antes e a actividade desenvolvida depois da transferência».

É, assim, essencial que a transferência tenha por objecto um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das actividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa entidade económica na esfera jurídica do transmissário.

2.3. Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

                   «[…] ficou provado que, sendo a Ré “BB, C. R. L.”, uma Cooperativa que se dedicava ao ensino e tendo sido a mesma a instituidora do “DD”, por “Protocolo” assinado entre aquela Ré e a Ré “CC”, em 8 de Maio de 2006, as mesmas acordaram em transmitir entre si o mencionado “DD”, incluindo a respectiva titularidade, as autorizações de funcionamento dos cursos conferentes de grau nele leccionados, bem como o de leccionar todos os cursos assegurados por esse Instituto, a documentação administrativa do mesmo, o seu acervo bibliográfico e a titularidade das suas publicações periódicas, o qual, embora mantendo a sua identidade própria, passaria a integrar a estrutura pedagógica e científica da EE, propriedade da 2.ª Ré, tudo conforme documento que se mostra junto a fls. 11 a 16 dos presentes autos.
                      Provou-se também que a concretização daquela transmissão, ficava condicionada à autorização do Ministério da Tutela, autorização que foi dada por Despacho de 11 de Setembro de 2006 do Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
                      […]
                      Ora, tendo em consideração a referida matéria de facto provada, em particular quando dela resulta que o “DD” era um estabelecimento de ensino dotado de identidade própria, bem como de um corpo docente com o objectivo de ministrar os cursos conferentes de grau académico que aí eram leccionados aos alunos que integravam o respectivo corpo discente, estabelecimento que, para além de ter toda a documentação administrativa de suporte ao funcionamento dos cursos nele leccionados, era dotado de um acervo bibliográfico, bem como titular de publicações periódicas, não há dúvida que estamos em face de uma verdadeira unidade ou entidade económica, enquanto conjunto organizado de meios corpóreos e incorpóreos destinados à prossecução de um determinado objectivo, leccionação de determinados cursos conferentes de graus académicos aos alunos que os frequentassem, e nessa medida com repercussão económica, senão a título principal, pelo menos a título acessório, sendo, por isso mesmo, susceptível de transferência ou de transmissão em termos de titularidade, como aliás o foi entre as aqui Rés mediante negócio entre elas operado em 8 de Maio de 2006, embora sujeito à verificação da condição suspensiva constante da cláusula 2.ª do Protocolo entre elas firmado, condição que, como referimos, se veio a verificar em 11 de Setembro de 2006, mediante despacho proferido pelo Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e que foi publicado no Diário da República, de 27 de Outubro desse ano.
                      Importa, contudo, referir que, embora na aludida cláusula protocolar as Rés tenham mencionado que o acordo, entre elas estabelecido, ficaria dependente da autorização do Ministério da Tutela, verificamos que o acto de transmissão da titularidade do “DD” que as mesmas se propunham operar através da celebração desse “Protocolo” não estava, propriamente, dependente de uma autorização a ser tomada pelo Sr. Ministro da Tutela do Ensino Superior.
                      Na verdade, a transmissão, entre elas, da titularidade do referido estabelecimento de ensino, ficava apenas dependente de um pronunciamento, por parte do Sr. Ministro, quanto a saber-se se esse acto de transmissão alteraria, de algum modo, os pressupostos e circunstâncias subjacentes ao reconhecimento como de interesse público de que já beneficiava o “DD”. Nada mais do que isso! É o que, claramente, resulta do Despacho ministerial a que se alude no ponto 12. dos factos provados e que consta da cópia do Diário da República de 27-10-2006, junta a fls. 17 dos autos, que contém esse Despacho.
                      Não há dúvida, portanto, que, contrariamente ao que se concluiu na sentença sob recurso, com efeitos a partir de 11 de Setembro de 2006 se operou, validamente, a transmissão da titularidade do estabelecimento de ensino “DD” entre as aqui 1.ª e 2.ª Rés, com as consequências previstas no mencionado art. 318.º, n.º 1, do Código do Trabalho, ou seja, a transmissão para a aqui Ré “CC – …” da posição jurídica de empregador detida, até então, pela Ré “BB – …, …, CRL” nos contratos de trabalho celebrados entre esta e os trabalhadores que, ao seu serviço, laboravam no referido estabelecimento de ensino, designadamente o da aqui Autora já que, contrariamente ao alegado pela Ré “BB, CRL” na sua contestação, não resultou demonstrado que o contrato de trabalho que a mesma mantinha com a Autora tivesse cessado em 31 de Agosto de 2006.
                      Perante a conclusão acabada de extrair, é óbvio que, efectuada, validamente, a mencionada transmissão de estabelecimento da 1.ª para a 2.ª Ré e ora Apelada “CC”, com efeitos desde 11 de Setembro de 2006, deveria esta ter mantido a aqui Autora/Apelante no desempenho das suas funções de docente do referido DD, ainda que este, a partir de então, passasse a estar integrado na Universidade de que a 2.ª Ré era titular, pagando-lhe as correspondentes retribuições.
                      Provou-se, no entanto, que no início do ano lectivo de 2006/2007, não foi atribuída qualquer função ou serviço docente à Autora, não lhe sendo paga a retribuição desde Agosto de 2006.
                      A Autora/Apelante deduziu a presente acção em 29 de Dezembro de 2006 e pede que as Rés sejam condenadas, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 6.119,27 — referente às importâncias que a Ré “BB, CRL” lhe devia até ao final de Agosto de 2006 — e que a Ré CC seja condenada a pagar-lhe a quantia já vencida de € 3.523,35 — que corresponde, precisamente às retribuições vencidas entre Setembro e Dezembro de 2006, incluindo a respeitante a subsídio de Natal — sem prejuízo, quanto a esta Ré, das que se vencerem até decisão final, pedindo ainda que as Rés seja[m] condenadas no pagamento de juros, calculados desde a sua citação até integral pagamento.
                      A sentença recorrida já reconheceu à Autora/Apelante, com trânsito em julgado, o direito ao recebimento da mencionada importância de € 6.119,27 referente a retribuições que lhe eram devidas até final de Agosto de 2006.
                      Pelo pagamento desta importância são solidariamente responsáveis ambas as Rés, pois isso resulta das disposições conjugadas dos n.os 1 e 2 do art. 318.º do Código do Trabalho de 2003 e uma vez que a presente acção foi deduzida logo no final de Dezembro de 2006.
                      Muito embora aquela solidariedade, em termos de pagamento de retribuições, ainda se estendesse, legalmente, até à data em que efectivamente se operou a aludida transmissão de estabelecimento entre as Rés (11-09-2006), o que é certo é que a Autora não pede esse pagamento solidário das Rés em relação à retribuição correspondente aos primeiros 10 dias de Setembro de 2006. Daí que apenas a Ré “CC” possa ser responsabilizada pelas retribuições devidas à Autora/Apelante a partir de Setembro de 2006.»

Tudo ponderado, subscrevem-se, no essencial, as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.

Efectivamente, no que ora releva, provou-se que a 1.ª ré é uma cooperativa que se dedica ao ensino, tendo sido a entidade instituidora do DD, e que a autora foi admitida pela 1.ª ré, como professora daquele Instituto, em 1 de Outubro de 1983,  sendo que, por protocolo assinado entre a 1.ª ré e a 2.ª ré, em 8 de Maio de 2006, as mesmas acordaram em transmitir entre si a titularidade do DD, bem como a titularidade das autorizações de funcionamento dos cursos conferentes de grau nele leccionados, o direito de leccionar todos os demais cursos assegurados pelo mesmo Instituto, a documentação administrativa do mesmo, o acervo bibliográfico e a titularidade das publicações periódicas, passando o Instituto a integrar a estrutura pedagógica e científica da EE, propriedade da 2.ª ré, embora mantendo a sua identidade própria [factos provados 1), 2) e 10)].

Mais se demonstrou que a concretização da mencionada transmissão ficava condicionada à autorização do Ministério da tutela, como do mesmo protocolo constava, a qual foi dada por Despacho de 8 de Setembro de 2006 do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e que, no início do ano lectivo de 2006/2007, o DD iniciou a sua actividade nas instalações da EE em Lisboa, integrado na estrutura pedagógica e científica dessa Universidade [factos provados 11), 12) e 13)].

Por outro lado, resulta do sobredito Protocolo, dado como reproduzido no facto provado 10) e documentado a fls. 11 a 16 dos autos, que as partes acordaram:

                Transferir, para a 2.ª ré, «a titularidade dos estabelecimentos de ensino DD e DD de ..., incluindo a titularidade das autorizações de funcionamento dos cursos conferentes de grau aí leccionados, bem como o direito de leccionar todos os demais cursos que tem vindo a assegurar», «toda a documentação administrativa de suporte ao funcionamento dos referidos cursos e, bem assim, todo o acervo bibliográfico constituído por cerca de 19.000 registos bibliográficos e 278 títulos de revistas» e, ainda, a titularidade das publicações periódicas “Revista ...” e “Revista ...” (Cláusula 1.ª, n.os 1, 2 e 4);
                Que a 2.ª ré se obrigava «a manter a identidade própria do DD, que passa a integrar a estrutura pedagógica e científica da EE, na qual passa a fazer parte[,] ficando sujeita ao seu Estatuto» e que «o DD funcionará nas instalações da EE» (Cláusula 1.ª, n.os 5 e 6);
                Que a validade do acordo ficaria dependente da obtenção da autorização do Ministério da Tutela (Cláusula 2.ª);
                Que a 2.ª ré se obrigava a celebrar contratos de docência com os docentes com o grau de Doutor e Mestre, «constantes dos anexos 2 e 3 ao presente protocolo» e contratos individuais de trabalho subordinado, «com os trabalhadores constantes do anexo 4 ao presente protocolo», assumindo a 1.ª ré, relativamente aos demais trabalhadores e docentes que prestavam a sua actividade no DD, que não fossem contratados pela 2.ª ré, «as responsabilidades correspondentes à cessação dos respectivos contratos» (Cláusula 4.ª, n.os 1 e 3);
                Que os alunos do Instituto passavam «a integrar a EE, com os direitos, deveres e obrigações definidos nos respectivos estatutos» (Cláusula 5.ª);
                A transferência para a 2.ª ré, «por si ou em conjunto com a EE», de todos os direitos e obrigações, relativamente a protocolos e acordos de natureza académica ou social, celebrados pela 1.ª ré ou pelos mencionados Institutos com outras instituições nacionais ou estrangeiras, incluindo a participação na Rede Nacional de Escolas de Serviço Social (Cláusula 6.ª);
                Que todos os bens transferidos para a  2.ª ré, por via daquele protocolo, «sê-lo-ão livres de qualquer ónus, encargos ou responsabilidades» e que a 1.ª ré assumia a responsabilidade pelo cumprimento de todos os encargos, nomeadamente os assumidos perante o Estado, trabalhadores, docentes e fornecedores, que resultem da sua actividade e funcionamento dos DD e ..., antes da produção dos efeitos da sua transferência (Cláusula 7.ª, n.os 1 e 2).

Perante a matéria de facto provada, não se pode deixar de concluir que ocorreu a transmissão da titularidade de parte do estabelecimento da 1.ª ré para a 2.ª ré, subsumível ao disposto no artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003, visto que se demonstrou que o DD constituía uma unidade económica do estabelecimento da 1.ª ré, com identidade, valor económico e autonomia técnica-organizativa próprios, e que, transmitida a sua titularidade para a 2.ª ré, manteve a identidade própria e a sua organização específica, sendo possível  identificar essa unidade económica na esfera jurídica do transmissário.

Adite-se, tal como bem salienta a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, que é «irrelevante que não tenha ficado demonstrada a transferência para a Ré CC das instalações do referido Instituto, bem como de outros elementos corpóreos deste, como sejam o mobiliário, os livros e demais material de apoio. Na verdade, o que releva é que, conforme foi acordado pelas Rés, a titularidade do ‘DD’ foi transmitida para a Ré CC e que essa transferência de titularidade não afectou o reconhecimento do interesse público do Instituto, como consta do despacho de [8] de Setembro de 2006, proferido pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o que significa que o Instituto manteve a sua identidade após a mudança de titular. Por outro lado, as Rés acordaram também em transmitir entre si as autorizações de funcionamento dos cursos conferentes de grau leccionados no referido Instituto, bem como a documentação administrativa de suporte ao funcionamento desses cursos, tendo ficado provado que, no início do ano lectivo de 2006/2007, o Instituto recomeçou a sua actividade de ensino, o que demonstra que a actividade exercida pelo Instituto antes e depois da transmissão continuou a ser precisamente a mesma.»

Neste contexto, as afirmações produzidas na conclusão XI. da alegação do recurso de revista [«É certo que, em 8 de Maio de 2006, a R. BB e a CC, ora recorrente, celebraram um protocolo, contudo, nos termos do mencionado protocolo, e tal como resulta da cláusula 7.ª, a R. BB responsabilizou-se pelo cumprimento de todos os encargos assumidos perante trabalhadores e docentes do DD] e na subsequente conclusão XVI. [«Ora, nos termos da referida cláusula 7.ª do protocolo outorgado pela R. BB e a recorrente, a primeira assumiu todas as responsabilidades pelo cumprimento dos encargos assumidos com os docentes] não configuram obstáculo à aplicação do regime estatuído no artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003, dado o carácter imperativo das respectivas normas, que se sobrepõem àquelas estipulações.

Resta enfrentar as asserções explicitadas na conclusão XII. da alegação do recurso de revista [«Sucede porém que a produção dos efeitos do referido protocolo ficou sujeita à verificação de uma condição suspensiva, ou seja, a obtenção de autorização do Ministério da Tutela»] e na conclusão XIII. da mesma alegação [«Na verdade, a mencionada autorização só ocorreu em 27.10.2006, data da publicação em Diário da República do Despacho do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior nr. 21.921/2006, que autorizou a transmissão da titularidade do DD da  R. BB para a recorrente»].

O despacho em causa, datado de 8 de Setembro de 2006, registado sob o n.º 21.921/2006 e da autoria do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, para além de ter sido objecto de publicação no Diário da República, 2.ª série, n.º 208, de 27 de Outubro de 2006, foi notificado às rés, conforme resulta da sua parte final — «Comunique-se à Direcção-Geral do Ensino Superior, à BB —…, C. R. L., e à CC — … — …», fls. 17 dos autos.

Desta forma, foi observada a regra da sujeição dos actos administrativos à exigência da respectiva notificação aos interessados, consagrada no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, do qual o artigo 66.º do Código do Procedimento Administrativo se deve considerar uma concretização legislativa, sendo que aquela notificação se configura como requisito da eficácia dos actos impositivos de deveres ou encargos, nos termos do artigo 132.º do citado Código.

O certo é que, no caso, o tribunal «a quo» extraiu a conclusão de que, «com efeitos a partir de 11 de Setembro de 2006, se operou, validamente, a transmissão da titularidade do estabelecimento de ensino ‘DD’ entre as aqui 1.ª e 2.ª Rés», sendo que a ilação adrede extraída pelo tribunal recorrido e em que este se fundamentou para decidir não vem impugnada no presente recurso, o que obsta a que se tome conhecimento dessa matéria.

Tudo para concluir que se verificou a transmissão da titularidade de parte do estabelecimento da 1.ª ré para a 2.ª ré, designada por DD, com as consequências previstas no artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003, nomeadamente a transmissão para a 2.ª ré da posição jurídica de empregador no contrato de trabalho celebrado com a autora.

Não há, pois, motivo para alterar o julgado.

                                              III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas do recurso de revista a cargo da recorrente.


 Lisboa, 22 de Setembro de 2011



Pinto Hespanhol (Relator)
Fernandes da Silva
Gonçalves Rocha