Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S2569
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
NOTA DE CULPA
DIREITO DE DEFESA
DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
Nº do Documento: SJ200902050025694
Data do Acordão: 02/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I – O processo disciplinar, constituindo, embora, um meio obrigatório para a efectivação do despedimento visado pelo empregador, não perde a sua natureza extrajudicial e não preclusiva, independentemente da posição que o trabalhador nele tenha assumido, do direito do trabalhador à acção de impugnação e do exercício dos direitos processuais que o mesmo nela pode exercer.

II – Deste modo, o facto de o trabalhador não ter exercido o direito de defesa, mediante a resposta à nota de culpa, não o impede de intentar acção de impugnação judicial do despedimento, com os consequentes direitos processuais, incluindo os que se situam no domínio probatório, nem afasta o ónus de o empregador provar nela os factos integradores da justa causa, assim como o modo concreto como o trabalhador tenha exercido aquele direito não preclude a possibilidade de, nessa acção, invocar factos que não tenha alegado em sede de processo disciplinar e de oferecer ou requerer aí meios de prova que neste não tenha indicado.

III – Em consonância com o ónus da prova da justa causa que sobre si impende, ao empregador cabe indagar os factos em que suporta o despedimento e sobre o mesmo recai – ressalvadas, eventualmente, hipóteses pontuais e excepcionais – o «risco» de a factualidade que deu como assente na decisão final de despedimento não corresponder à que vem a ser apurada na acção de impugnação judicial do despedimento, ou porque não logrou fazer a respectiva prova ou porque a factualidade que resultava aparente quando da decisão do despedimento não correspondia, ainda que sem culpa da sua parte no respectivo apuramento, à realidade.

IV – Em conformidade com as proposições anteriores, não configura abuso do direito, o comportamento do trabalhador/autor que, em sede de processo disciplinar (mais concretamente na resposta à nota de culpa) se limita a fazer alusão ao envio anterior de duas cartas à empregadora/ré (uma datada de 5 de Maio de 2005 e outra de 7 de Setembro de 2005), e que esta recebeu, em que manifestou a disponibilidade para, após a suspensão do contrato de trabalho nos anos lectivos de 2003/2004 e 2004/2005, retomar o trabalho de docência no ano lectivo de 2005/2006, que se iria iniciar em 3 de Outubro de 2005 – tendo, na decisão final do processo disciplinar a ré dado como provado que só tomou conhecimento da cessação do motivo que determinou a suspensão do contrato de trabalho através da carta do trabalhador datada de 19 de Novembro de 2005, julgando, até então, encontrar-se o mesmo em suspensão de funções por ainda decorrer o mesmo motivo que determinou a suspensão – só tendo, contudo, o autor vindo a fazer a junção das referidas cartas na acção de impugnação de despedimento.

V – Em tal circunstancialismo, a ré, não obstante alertada pelo autor, na resposta à nota de culpa, para o envio das sobreditas cartas em que manifestava a intenção de retomar o trabalho, não usou do cuidado e precauções exigíveis em ordem a apurar tais factos (a existência das cartas e contactos reveladores da disponibilidade por parte do autor em retomar a docência na ré) e a tomar uma decisão final no processo disciplinar harmónica à realidade verificada.

VI – Nesta conformidade, o autor não incorreu em faltas injustificadas posteriormente à cessação da suspensão do contrato de trabalho (3 de Outubro de 2005), que lhe foram imputadas no processo disciplinar, pelo que é ilícito o despedimento com esse fundamento.
Decisão Texto Integral:
I – O autor AA pede, com a presente acção com processo comum, intentada em 10.05.2006 (ver fls. 2), que a ré SIPEC - S... I... de P... de E... e C..., SA seja condenada, por o ter despedido, ilícita e abusivamente, a pagar-lhe:
a) as retribuições que se vencerem desde o início do ano lectivo (3 de Outubro de 2005) até 22 de Março de 2006, no montante de €2.668,51;
b) o montante estimado de €312,80, a título de ajudas de custo devidas contratualmente;
c) a quantia estimada de €519,79, a título de proporcionais de férias e subsídio de férias relativos ao ano de regresso à docência e vencidas em Março de 2006;
d) a quantia estimada de €257,74, a título de proporcionais de férias e subsídio de férias no ano da cessação;
e) a quantia estimada de €779,53, a título de proporcionais de férias e subsídio de férias relativos ao trabalho prestado no ano de 2003;
f) a quantia estimada de €116,35, a título de subsídio de Natal relativo a 2005;
g) as retribuições que se vencerem desde a data do despedimento até á sentença final;
h) o valor a liquidar, de férias, subsídio de férias e de Natal, vincendos na vigência do contrato;
i) a quantia de €15.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
j) caso o autor não opte pela reintegração, uma indemnização de antiguidade que se cifra – aquando da propositura da acção – em €11.169,12;
k) a quantia, a apurar, de juros de mora, calculados à taxa legal sobre as importâncias antes referidas, desde a citação e até integral e efectivo pagamento.
Alegou, para tal, em síntese, que foi despedido, sem justa causa, por alegadas faltas injustificadas.
Reclama a sua reintegração, com as inerentes consequências, e pede indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do despedimento ilícito.

A ré contestou, defendendo a justa causa do despedimento e a sua consequente absolvição dos pedidos.

Tendo o processo seguido os seus regulares termos – e tendo o A. optado pela indemnização de antiguidade – veio a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e condenou a ré “ no reconhecimento da ilicitude do despedimento do autor e no pagamento a este da quantia total de €20.163,55 (vinte mil, cento e sessenta e três euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora legais desde a citação – 31.05.2006 – sobre a quantia de 8.509,67€ (oito mil, quinhentos e nove euros e sessenta e sete cêntimos) além incluída e continuando a vencer-se, até trânsito em julgado da presente decisão, a quantia diária de 18,10€ (dezoito euros e dez cêntimos) a título de compensação e de 1,29€ (um euro e vinte e nove cêntimos), a título de indemnização de antiguidade”.

A Relação de Coimbra, em apelação interposta pela R., confirmou a sentença.

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Novamente inconformada, a ré interpôs a presente revista em que formulou as seguintes conclusões:
Da alegada i1icitude do despedimento do Autor
1ª. Com o devido respeito e consideração, mas o Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz e o Tribunal da Relação de Coimbra, ao confirmarem a douta sentença, não fizeram exímia e correcta aplicação e interpretação do Direito.
2ª. Se a Ré, ora Entidade Empregadora, tem o dever previsto nos artigos 411°, 412°, 414° e 415° do Código do Trabalho, o Trabalhador, ora Autor, tem o dever a que alude os artigos 121 ° n.° 1 al. a) e até o próprio artigo 413° do mesmo diploma, ainda que se possa entender como uma mera faculdade; é que se à entidade empregadora é exigido rigor e correcção, ao trabalhador também o é, ainda que por vezes com menor exigência; e mesmo em sede de processo disciplinar, o trabalhador tem de continuar a ter um comportamento zeloso, correcto, verdadeiro e transparente com a entidade empregadora, no maior respeito pelo artigo 121 ° n.º 1, nomeadamente a alínea a), porque o contrato ainda continua em vigor e em execução e nada obriga a que a sanção disciplinar seja o despedimento.
3ª. O Tribunal do Trabalho de Coimbra, confirmado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao peremptoriamente declarar a fls. 278 - sentença final: "(...) é certo que a atitude do autor no procedimento disciplinar, ao não carrear os documentos que veio a juntar neste processo, pode ter contribuído para a decisão disciplinar da ré" reconhece o tratamento diferenciado que o trabalhador, ora Autor, implicitamente e pela sua vontade deu ao processo disciplinar. Com tal comportamento o trabalhador, ora Autor, despromoveu e desconsiderou o processo disciplinar em benefício dos presentes autos de processo comum, mesmo depois de expressamente convidado pelo Ilustre Instrutor nomeado no processo disciplinar para juntar tais elementos pertinentes.
4ª. É manifesto e evidente o total desrespeito não só pelo poder disciplinar do empregador, nos termos do artigo 365° do Código do Trabalho, como do próprio processo disciplinar em si, violando a correcta aplicação e interpretação das normas previstas nos artigos 411º a 416º, com especial relevância a norma do artigo 413º do Código do Trabalho, sem descurar a do artigo 121º do mesmo diploma ao desconsiderar a própria entidade empregadora. O mais grave é que o próprio Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" teve a sensibilidade para perceber o comportamento e a atitude do trabalhador, conforme declaração transcrita, pelo que, ao considerar ilícito o despedimento, com o nosso respeito, não teve o correcto sentido de justiça, acabando por colocar em crise a correcta aplicação do artigo 429º al. c) do Cód. Trabalho.
5ª. É manifesta e evidente a vontade e intenção do Autor no seu respectivo despedimento, não podendo nunca existir ilicitude por parte da Ré, nem sendo exigível a esta enquanto Entidade Empregadora, decisão diferente da tomada, considerando as circunstâncias objectivas e subjectivas do caso presente, nomeadamente, dos elementos trazidos e omitidos para o processo disciplinar.
6ª. Se era intenção do Autor demonstrar e provar a sua razão pelas referidas comunicações, então deveria tê-lo feito, como o fez nos presentes autos de processo comum, logo no processo disciplinar, o que não fez, não só em respeito pelo próprio processo disciplinar, como já referimos, como também para promover uma decisão correcta com a verdade material, não sendo certo nem correcto vir impugnar uma decisão para o qual o mesmo favoreceu – "Venire contra factum proprium" constituindo, por isso, um verdadeiro abuso de direito. Cessa o direito de impugnar o despedimento, todo o trabalhador que beneficiou e agiu com esse fim, quando tenha excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, conforme artigo 334º do Código Civil.
7ª. Com o devido respeito, o Meritíssimo Juiz do Tribunal do Trabalho de Coimbra e o Colectivo de Juizes do Tribunal da Relação de Coimbra, por confirmação da douta sentença, ao decretarem a ilicitude do despedimento, acabaram, consequentemente, por violar seriamente a lei substantiva ao proceder a uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 121° n.º 1 al. a), 365°, 413° e 429° do Código do Trabalho e artigo 334° do Código Civil.
Dos créditos relativos à compensação
8ª. Conclui-se pela não atribuição de créditos por compensação no montante de € 5.881,88, continuando a vencer-se à razão diária de € 18,10, porque o Autor permitiu, contribuiu e ocasionou a decisão do despedimento, sendo abusivo e incorrecto a recepção de quaisquer créditos relativos a compensação por um motivo que o próprio contribuiu, conforme ficou concluído no capítulo de anterior "da alegada ilicitude do despedimento do Autor" que culminou na violação dos artigos 121° n.º 1 al. a), 365°,413° e 429° do Código do Trabalho e artigo 334° do Código Civil.
Da indemnização por antiguidade
9ª. Conclui-se não haver lugar a qualquer indemnização por antiguidade, quando o próprio Tribunal "a quo" revela para efeitos de ilicitude: "(...) é certo que a atitude do autor no procedimento disciplinar, ao não carrear os documentos que veio a juntar neste processo, pode ter contribuído para a decisão disciplinar da ré ", é também certo que o mesmo tem que considerar para efeitos de atribuição!
10ª. Não poder haver indemnização, quando o facto que originou o dano foi originado pelo próprio trabalhador, que o queria, conforme ficou concluído no capítulo de anterior "da alegada ilicitude do despedimento do Autor" que culminou na violação dos artigos 121 ° n.º 1 al. a), 365°, 413° e 429° do Código do Trabalho e artigo 334° do Código Civil.
Dos danos não patrimoniais
11ª. No mesmo entendimento considerado para a indemnização por antiguidade, não há lugar a qualquer pagamento por danos não patrimoniais, por nem sequer poder chegar a haver indemnização, quando o facto que originou o dano foi pretendido e originado pelo próprio trabalhador.
12ª. Ou seja, a haver ilicitude, a mesma deve-se à conduta do trabalhador, porque este poderia ter levado a resultado muito diferente, não existindo também, causalidade adequada ou jurídica entre o facto e o resultado, conforme ficou concluído no capítulo de anterior "da alegada ilicitude do despedimento do Autor" que culminou na violação dos artigos 121º n.º 1 al. a), 365°, 413° e 429° do Código do Trabalho e artigo 334° do Código Civil ”.

O A. contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1ª. O recorrido tem sérias dúvidas de que de "alegação" se possa intitular o articulado apresentado pela recorrente, pois, em bom rigor, em tal peça não se cumpre devidamente o ónus de alegar e concluir;
2ª. De qualquer forma, o douto acórdão a quo (e sentença de primeira instância) fez uma aplicação irrepreensível do direito, pelo que não merece qualquer censura, dando o mesmo por integralmente reproduzido.
No mais: créditos relativos à compensação, indemnização por antiguidade, indemnização por danos não patrimoniais, quer a douta sentença de 1.ª Instância quer o douto acórdão recorrido fizeram sábia e criteriosa aplicação do direito aos factos pelo que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
Conclui pela improcedência da revista.

No seu douto Parecer, que não foi objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido da confirmação da decisão recorrida.

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III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias decidiram que o despedimento do A. foi ilícito e daí que tenham condenado a R. nos termos acima referidos.

Nas conclusões da revista, que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC) - (1), a R. volta a defender, em termos no essencial semelhantes à da sua apelação, que houve justa causa no despedimento, face às circunstâncias objectivas e subjectivas do caso, nomeadamente face aos elementos constantes do processo disciplinar e à não junção a este, pelo A., dos documentos que só veio a apresentar na acção de impugnação do despedimento, actuação esta que se traduziria em abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”.
Defende, por isso, a sua absolvição do pedido.
São, pois, essas as questões a apreciar.

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Antes, porém, há que abordar, como questão prévia, a suscitada pelo A., na conclusão 1ª da contra-alegação da revista, em que afirma ter “sérias dúvidas” de que de “alegação” de revista se trate o requerimento apresentado pela R., a fls. 411 a 424.
Sendo que, no corpo da alegação, se limitou a invocar, em suporte dessa posição, que “não estão indicados os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão – na verdade, não é inteligível o que pretende com tal recurso –, não são indicadas as normas jurídicas violadas pelo acórdão recorrido, nem o sentido em que, no entender da recorrente as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas nem se indica qualquer erro na determinação da norma aplicável, nem a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Ora, lidas as conclusões da alegação da revista – que sintetizam, logicamente, o que consta do corpo da alegação – temos como manifesta a sem razão do recorrido, dado que não se vislumbra a verificação de qualquer das “insuficiências” ou “irregularidades” por ele imputados, no excerto transcrito, e que, aliás, enunciou aí da forma vaga referida, sem outra e melhor concretização.
Na verdade, das conclusões resulta (em coerência com o corpo da alegação), em termos claros e suficientes – como melhor se verá adiante, na abordagem das questões suscitadas – a indicação da pretensão recursória e dos fundamentos da pretendida revogação da decisão recorrida, a enunciação das normas e princípios jurídicos que a recorrente entende terem sido violados, na sua interpretação e aplicação, por tal decisão, e de quais as normas e princípios que considera aplicáveis e respectiva interpretação.
A explicação que se encontra para a posição injustificada do A. parece residir no facto de, inadvertidamente e “por arrastamento”, ter mantido também aqui, o que havia invocado, na contra-alegação da apelação (ver fls. 307 a 309), e que levou aí à prolação do despacho de fls. 330 do M.mo Juiz Desembargador Relator a convidar a R. a corrigir a alegação, nos termos do art.º 690º, n.º 4 do CPC., o que esta fez, a fls. 349 a 360).
Do exposto resulta que a alegação da revista não padece dos vícios apontados pelo recorrido ou outros, previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 690º do CPC, que ditem a necessidade de aplicação dos seus n.ºs 3 ou 4.

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Passando a conhecer do objecto do recurso:
As instâncias deram como provados os seguintes factos, que aqui se mantêm por não haver fundamento legal para os alterar:
1 - O autor foi admitido em 1 de Outubro de 1994, para, sob a direcção, orientação e fiscalização da ré, exercer a actividade docente, mediante retribuição.
2 – Concretamente, para desempenhar a actividade docente na licenciatura em Gestão, na Universidade Internacional da Figueira da Foz.
3 – O autor auferia, em 2003, a retribuição base de 465,38€, correspondente à categoria de Professor Auxiliar Convidado.
4 – Em média, o autor deslocava-se quatro vezes de Coimbra à Figueira da Foz, para leccionar na UIFF.
5 – Recebia, a título de ajudas de custo, a quantia de 27,20€ por deslocação.
6 – Não tendo havido aumento salarial ou de número de horas de docência, o autor continuaria a auferir as quantias (retribuição base e ajudas de custo) antes referidas.
7 – Na sequência de um processo disciplinar, foi aplicada ao autor a sanção de despedimento com justa causa, sanção que lhe foi comunicada em 22.03.2006.
8 – Conforme documento junto aos autos a fls. 73 e que ora se dá como reproduzido.
9 – A ré considerou que o autor incorreu em trinta e seis faltas injustificadas, já que teria faltado, sem qualquer justificação, desde o dia 3 de Outubro de 2005 (data de início do ano lectivo) até 19 de Novembro do mesmo ano.
10 – O que evidenciava – como se fundamenta na decisão tomada pela ré – “um manifesto desrespeito, desinteresse e uma extrema indiferença pelos deveres laborais”, nomeadamente “... pelo cumprimento do seu dever de assiduidade e pelos interesses da entidade empregadora”.
11 – Originando – conforme entendimento da ré – uma irremediável quebra da relação de confiança entre as partes.
12 – Na Nota de Culpa – constante do procedimento disciplinar movido ao autor e para onde se remete – a ré refere, ora em síntese, que, “ (...) por carta de 18.11.2005, o autor comunicou a intenção de retomar as suas funções, atendendo a que a suspensão do contrato terminara por extinção do motivo que a determinou. Em 27 de Novembro de 2005, a ré respondeu, afirmando a sua surpresa, tendo em conta que considerava tacitamente extinta a suspensão requerida em tempo e considerando que, não [se] tendo o trabalhador apresent[ado] na Instituição para retomar o serviço docente, procederam à substituição imediata, tendo em conta o dever de cautela que se impõe, perante os alunos. A suspensão terminou no final do ano lectivo de 2004/2005 e a ré só tomou conhecimento da extinção do motivo pela carta de 19 de Novembro (...) O ano lectivo 2004/2005 terminou em 29 de Setembro de 2005 e o ano lectivo de 2005/2006 iniciou-se no dia 3 de Outubro de 2005, não tendo o autor retomado ao serviço no termo do motivo que determinou a suspensão. Era obrigação do autor retomar o serviço em 3 de Outubro de 2005. Não compareceu nem justificou as faltas constatadas e por si praticadas”.
13 – O autor apresentou a sua defesa no procedimento disciplinar (documento 3 do apenso, que se dá como reproduzido), defendendo que a não prestação da actividade docente se deve, total e exclusivamente, ao comportamento da Administração, que não cumpriu, como a lei impõe, o imprescindível dever de colaboração creditória. O autor defende que já em 14 de Junho de 2004 informara o fim da suspensão e a intenção de retomar o serviço docente no início do ano lectivo de 2005/2006 e que a carta de 18 de Novembro de 2005 foi feita na sequência de inúmeras tentativas do autor para reassumir a sua actividade docente, esclarecendo que antes do início do ano lectivo enviara cartas aos responsáveis da UIFF (onde reiterava a sua intenção de retomar o serviço no início do presente ano lectivo e manifestava o desejo de reunir com os responsáveis a fim de preparar e planear científica e administrativamente o seu regresso) e no mesmo sentido fez telefonemas e deslocou-se às instalações da UIFF, sem nunca ter sido recebido por nenhum membro da Administração.
14 – Na mesma Defesa, o autor acrescenta que “de tudo isto o arguido tem provas; se não as apresenta é por acreditar que todo este esforço para preparar o regresso à actividade docente é conhecido dos responsáveis administrativos e científicos da Universidade Internacional da Figueira da Foz. Estes, como pessoas de bem, dirão com certeza a verdade e poderão esclarecer o instrutor do processo sobre estes factos”.
15 – O autor acrescenta que tudo fez para recomeçar a sua actividade, mas era necessário que lhe fosse atribuído um horário, sala de aulas e disciplina a leccionar, bem como todo o suporte administrativo; que não lhe foram criadas as condições imprescindíveis para que ele retomasse a sua actividade docente; que não se encontra em situação de faltas injustificadas e que sempre esteve disponível para assegurar o superior interesse dos alunos.
16 – Foram ouvidas no procedimento disciplinar as testemunhas arroladas pelo autor, Drs. M... N... e A... B... que negaram o conhecimento pessoal de qualquer contacto do arguido, anterior a Novembro de 2005, com vista ao seu regresso á docência no ano lectivo 2005/2006.
17 – Na decisão final do procedimento disciplinar foi dado como provado, além de outros, o seguinte facto: “A entidade empregadora só tomou conhecimento da extinção do motivo que determinou a suspensão do contrato através da carta datada de 19 de Novembro de 2005 do trabalhador, julgando até então, encontrar-se o mesmo em suspensão de funções por ainda decorrer o mesmo motivo que determinou a suspensão”.
18 – Em 30 de Setembro de 2003, o autor solicitou a suspensão do seu contrato de trabalho durante o ano lectivo de 2003/2004.
19 – Solicitação que obteve o acordo da ré.
20 – A 14 de Julho de 2004, o autor renovou a solicitação para suspender as suas funções docentes durante o ano lectivo de 2004/2005.
21 – Solicitação que igualmente foi aceite pela ré.
22 – Referindo o autor, na comunicação de 14 de Julho de 2004 (cuja recepção foi acusada, conforme documento junto a fls. 77), além do mais, que a sua previsão para entrega da dissertação era o primeiro semestre de 2005 e que a discussão aconteceria no final desse primeiro semestre e que “nesta conformidade, após a conclusão deste objectivo, é minha intenção retomar o meu lugar e a minha colaboração com a Universidade Internacional da Figueira da Foz, no ano lectivo 2005 - 2006”.
23 – Por carta datada de 5 de Maio de 2005, enviada para a UIFF com a/r assinado em 10.05.05, dirigida ao Sr. Administrador, Dr. A... B..., o autor comunicou à UIFF que podia reassumir a docência, na disciplina de Gestão Financeira e Orçamental ou outra disciplina do Curso de Gestão, solicitando um contacto com vista a preparar o seu regresso, acrescentando que ficava a aguardar contacto da Administração, tendo em vista o planeamento do ano lectivo de 2005/2006.
24 – Conforme documentos juntos a fls. 78, 79 e 89 dos autos.
25 – O autor não recebeu qualquer resposta à carta antes referida.
26 – Por cartas datadas de 7 de Setembro de 2005, enviadas para a UIFF com a/r de 12 do mesmo mês e ano, dirigidas ao Dr. A... B... – Administrador –, ao Dr. M... N... – Director do Departamento de Gestão –, e à Dra. C... M..., o autor comunicou à UIFF estar preocupado com o facto do ano lectivo 2005/2006 estar praticamente no seu início e ainda não saber quais as cadeiras de que iria ser responsável, solicitando um contacto com a brevidade possível.
27 – Conforme documentos juntos aos autos a fls. 80 a 85 e 87.
28 – Igual comunicação dirigiu à ré Sipec, na pessoa do Dr. F... C... .
29 – Conforme documento junto aos autos a fls. 86.
30 – Em 27 e 28 de Setembro, bem como a 4 de Outubro de 2005, o autor contactou telefonicamente a secretaria da UIFF.
31 – No início do ano lectivo 2005/2006, a ré não atribuiu qualquer disciplina ao autor ou qualquer horário.
32 – É ao Conselho Científico da UIFF que cabe atribuir, no início de cada ano lectivo, as disciplinas aos docentes.
33 – Não foi comunicado ao autor o início do ano lectivo.
34 – Enquanto docente, o autor assumiu com a ré a obrigação de comparecer na UIFF de acordo com o horário estabelecido.
35 – Bem como para cumprir tarefas inerentes à docência, como exames, atendimento dos alunos e reuniões.
36 – O autor exerce funções docentes na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
37 – Não exercendo docência exclusivamente na ré.
38 – Era habitual a ré contactar os docentes antes do início do ano lectivo, com vista ao estabelecimento dos horários definitivos e mais convenientes.
39 – O autor não foi contactado pela ré a fim de estabelecer o horário de trabalho para o ano lectivo 2005/2006.
40 – Durante alguns anos e por períodos não apurados, a ré deixou de pagar o salário aos docentes, incluindo ao autor.
41 – Levando alguns docentes a abandonarem a Instituição e reclamarem indemnizações.
42 – O autor continuou a exercer a actividade docente, sem faltar ao serviço.
43 – Contribuindo para uma boa imagem da ré perante os alunos.
44 – Tendo sido ele quem iniciou e manteve a docência de duas cadeiras (Gestão Financeira e Orçamental e Auditoria e Revisão de Contas).
45 – O autor sentiu-se revoltado com a circunstância de a ré não lhe ter atribuído funções e de, posteriormente, lhe ter imputado faltas injustificadas.
46 – Abalado com o facto de não ter tido qualquer resposta às suas diligências e depois lhe ter sido movido um processo disciplinar.

47 – Bem como por lhe terem imputado ser uma pessoa desleixada e revelar desinteresse e indiferença pelos deveres laborais.
48 – O autor veio optar pela indemnização substitutiva da reintegração.
49 – Instaurou a presente acção em 11 de Maio de 2006.
50 – Em Janeiro e Fevereiro de 2006, antes da data do despedimento, o autor auferia o vencimento base mensal ilíquido de 2.344,03€ pelo trabalho docente prestado na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
51 – Conforme resulta dos documentos juntos aos autos a fls. 239 e 240.
52 – Depois do despedimento e concretamente em Outubro de 2006, o autor auferia, da mesma entidade e ao mesmo título, o vencimento base mensal de 1.586,13€.
53 – Conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 241.
54 – Não se lhe conhecendo quaisquer rendimentos auferidos posteriormente ao despedimento em valor superiores ao antes auferido.

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IV – A sentença decidiu não haver justa causa de despedimento por ter entendido que o A. não havia incorrido nas faltas injustificadas que lhe haviam sido imputadas no Processo Disciplinar e que, em qualquer caso, as mesmas, no quadro factual apurado, não revestiriam gravidade suficiente para determinarem, prática e imediatamente, a ruptura do vínculo laboral entre as partes.
E daí que tenha julgado ilícito o despedimento, com a condenação da R. nos termos acima mencionados.
A sentença fundamentou, assim, a sua decisão, na parte que aqui interessa:
« A propósito das faltas, enquanto causa de despedimento, importaria, desde logo, acentuar que só as injustificadas podem ser causa de aplicação de sanção e igualmente que o entendimento não é unânime em relação ao sentido ainda exemplificativo ou já taxativo – ou tendencialmente taxativo – quando o seu número é superior aos quantitativos indicados - (2). A questão relevante nestes autos, no entanto, não está no número de faltas; ela queda-se antes, na própria definição das ausências do autor e no relevo destas em sede disciplinar, entendidas e compreendidas numa relação contratual que exige a recíproca boa fé.
Não há dúvida que o artigo 334.º veio clarificar a lei anterior e passou a concretizar o dever de apresentação “no dia imediato ao da cessação do impedimento”, quando antes (apenas) referia, sem mais, “terminado o impedimento” (artigo 4.º da LsuspCT), mas não pode interpretar-se o preceito na sua despida literalidade: a apresentação ao empregador, pressupõe a concretização da disponibilidade, nos casos em que esta depende de uma definição temporal ou funcional. Com efeito, seria manifestamente despropositado exigir de um trabalhador que, por exemplo, só trabalha à sexta-feira, apresentar-se à terça-feira, se o impedimento terminou na segunda-feira. A boa fé contratual não pode conduzir a outra conclusão. Em conformidade, a precisa ocasião de apresentação do trabalhador, depende necessariamente da natureza do contrato e das funções exercidas.
No caso presente, resulta dos factos apurados que “ ... é ao Conselho Científico da UIFF que cabe atribuir, no início de cada ano lectivo, as disciplinas aos docentes; não foi comunicado ao autor o início do ano lectivo, enquanto docente, o autor assumiu com a ré a obrigação de comparecer na UIFF de acordo com o horário estabelecido, bem como para cumprir tarefas inerentes à docência, como exames, atendimento dos alunos e reuniões”. Por outro lado, igualmente resultou que “ ... o autor exerce funções docentes na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, não exercendo docência exclusivamente na ré; era habitual a ré contactar os docentes antes do início do ano lectivo, com vista ao estabelecimento dos horários definitivos e mais convenientes e o autor não foi contactado pela ré a fim de estabelecer o horário de trabalho para o ano lectivo 2005/2006”.
Dos factos antecedentes resulta que a ausência do autor só à ré é imputável, isto é, foi o credor da prestação, foi o empregador quem não cumpriu a sua habitual obrigação de início de ano lectivo. Por isso, em rigor, o autor não deu qualquer falta. Mas mais: com relevo para a apreciação da justa causa, ainda resulta que o autor não teve um comportamento indiferente. Com efeito, o autor “... por carta datada de 5.05.05, enviada para a UIFF com a/r assinado em 10.05.05, dirigida ao Sr. Administrador, Dr. Américo Batista, comunicou à UIFF que podia reassumir a docência, na disciplina de Gestão Financeira e Orçamental ou outra disciplina do Curso de Gestão, solicitando um contacto com vista a preparar o seu regresso, acrescentando que ficava a aguardar contacto da Administração, tendo em vista o planeamento do ano lectivo de 2005/06, mas o autor não recebeu qualquer resposta à carta antes referida; por cartas datadas de 7.09.05, enviadas para a UIFF com a/r de 12 desse mês e ano, dirigidas ao Dr. A... B..., ao Dr. M... N... – Director do Departamento de Gestão e à Dra. C... M..., comunicou à UIFF estar preocupado com o facto do ano lectivo 2005/06 estar praticamente no seu início e ainda não saber quais as cadeiras de que iria ser responsável, solicitando um contacto com a brevidade possível; igual comunicação dirigiu à ré Sipec, na pessoa do Dr. F... C... . Em 27 e 28 de Setembro, bem como a 4.10.05, o autor contactou telefonicamente a secretaria da UIFF”. No entanto “ ... no início do ano lectivo 2005/06 a ré não atribuiu qualquer disciplina ao autor ou qualquer horário”.
Em suma, não só a ré não contactou o autor, não lhe atribuiu um horário, não organizou com ele o início do ano lectivo – como era habitual fazer com os docentes – como o autor teve um comportamento positivo, de interesse e de disponibilidade, comportamento destinado à reafirmação da sua disponibilidade.
Perante este conjunto de factos não podemos deixar de concluir que, em rigor, o autor não deu faltas ao trabalho e que, mesmo independentemente dessa consideração, nunca o seu comportamento podia ser tido como grave e consequente, de molde a tornar imediata e praticamente impossível a manutenção do contrato. Em suma, o que parece forçoso evidenciar é que os factos apurados não permitem um juízo de culpa, bem menos de culpa grave, na sua actuação.
É neste contexto que tem de se perguntar a um empregador normal, colocado na posição da sociedade ré, se o comportamento do autor põe irremediavelmente em causa a relação de trabalho, se a relação de confiança está objectivamente deteriorada e irremediavelmente comprometida- (3). A resposta, por tudo quanto se foi dizendo é – respeitando melhor saber – claramente negativa.
Entendemos, por tudo, que o despedimento é ilícito já que se mostram improcedentes os motivos justificativos invocados para a decisão de ruptura » (Fim de transcrição).

O acórdão recorrido subscreveu essa fundamentação e considerou ainda que, no caso, nada de censurável é de imputar ao A. por não ter junto ao processo disciplinar as cartas pelas quais revelou a sua disponibilidade para reatar a docência ao serviço da R. no ano lectivo de 2005/2006, não integrando a sua conduta a figura do abuso de direito invocada pala R..
E, no quadro apontado, entendeu que o A. não deu qualquer falta injustificada e que, mesmo que tal tivesse acontecido, a conduta do A. não era de molde a tornar adequada e proporcionada a sanção de despedimento.
E daí que tenha confirmado a sentença.

Na presente revista – à semelhança, aliás, do que já acontecera na apelação – a R., sem impugnar directamente as considerações que foram feitas na sentença, e acima transcritas, sobre o não cometimento pelo A. das faltas injustificadas que lhe foram imputadas, centra a sua invocação de justa causa na alegada omissão de junção pelo A., no Processo Disciplinar, dos documentos que veio a apresentar na presente acção, documentos traduzidos nas cartas de 5 de Maio e de 7 de Setembro de 2005, referidas nos factos n.ºs 23 a 29, pelas quais o A. revelava a sua disponibilidade para reatar a sua docência na R., no ano lectivo de 2005/06.
Omissão que, em seu entender, traduziu violação de regras legais pelo A., com desrespeito pelo princípio da boa fé contratual, e integradora de abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” e determinou a decisão de despedimento já que, face aos elementos disponíveis no Processo Disciplinar, a mesma se mostrava ajustada.

Conhecendo:
Como foi entendido nas instâncias, com a concordância das partes, ao caso dos autos é aplicável o regime constante do Código do Trabalho (CT), já que os factos em que se teria traduzido a invocada justa causa de despedimento ocorreram no âmbito da sua vigência (art.ºs 3º, n.º 1 e 8º, n.º 1 da Lei n.º 99/2003, de 27.08, que o aprovou).
A sentença fez acertadas considerações gerais sobre a figura da “justa causa de despedimento”, sua noção e requisitos e respectivos critérios de apreciação e valoração, para as quais remetemos.
Lembraremos apenas, em jeito de síntese, os seguintes aspectos:
Segundo o disposto no art. 396º, nº 1, do Código do Trabalho, “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral constitui justa causa de despedimento.”
Daí que, tal como era defendido no anterior regime, perante idêntica norma - (4) , se continue a entender que a noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de 2 requisitos:
- um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências;
- que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
E existe tal impossibilidade quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral
Nas palavras de Monteiro Fernandes- (5), “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.
Ou como refere noutro passo, “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória” - (6).
Refira-se ainda que, no n.º 3 do referido art.º 396º, se indicam, exemplificativamente, comportamentos susceptíveis de justificar o despedimento, também eles sujeitos aos 2 requisitos acima apontados, conforme orientação praticamente pacífica na doutrina e jurisprudência.
E, entre esses comportamentos, conta-se, no que nos interessa, o previsto na alínea g), segundo a qual constituem justa causa de despedimento “as faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas”.
É de ter ainda presente que, na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do “bonus pater familias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios objectivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que, no caso, se mostrem relevantes”, como estabelece o n.º 2 do art.º 396º.
É ainda de lembrar que, não obstante não haver, no Código do Trabalho, norma idêntica à da parte final do n.º 4 do art.º 12º da revogada LCCT, segundo a qual cabia à entidade empregadora, na acção de impugnação judicial do despedimento, a prova dos factos constantes da decisão de despedimento , isto é, integradores da respectiva justa causa - (7) , é de manter o mesmo entendimento, face à estrutura e princípios basicamente idênticos que regem os termos do processo disciplinar e a dita acção de impugnação, no CT, e aos princípios gerais do ónus da prova, constantes do Código Civil.
Lembremos, designadamente, que cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa de despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar (art.ºs 411º, n.º 1 e 415º, n.ºs 2 e 3 do CT), e que, nos termos do n.º 3 do seu art.º 435º, “na acção de impugnação do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador”.
Neste quadro, pode afirmar-se que os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador ou, na perspectiva processual da dita acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento, e como tal a provar por ele empregador (art.º 342º, n.º 1 do CC) - (8).
Refira-se, a terminar a abordagem desta questão, que as asserções acima tiradas se harmonizam inteiramente com o grande princípio norteador neste domínio, segundo o qual, em regra, existe uma correspondência entre o ónus alegatório e o ónus probatório, sendo, por isso, que, em princípio, a parte que retira vantagem da alegação de um determinado facto, por efeito da sua subsunção a norma jurídica que lhe atribui um efeito favorável, é quem tem o dever de o alegar e provar (Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 199-200).

Feitas estas considerações de enquadramento geral, vejamos o caso que nos ocupa.
Com interesse para a decisão do recurso, importa reter a seguinte factualidade provada:
No que respeita ao processo disciplinar:
Na Nota de Culpa, a ré referiu, em síntese, que, “... por carta de 18.11.05” – o A. – “comunicou a intenção de retomar as funções, atendendo a que a suspensão do contrato terminara por extinção do motivo que a determinou. Em 27.11.05, a ré respondeu, afirmando a sua surpresa, tendo em conta que considerava tacitamente extinta a suspensão requerida em tempo e considerando que, não tendo o trabalhador apresentado-se na Instituição para retomar o serviço docente, procederam à substituição imediata, tendo em conta o dever de cautela que se impõe, perante os alunos. A suspensão terminou no final do ano lectivo de 2004/05 e a ré só tomou conhecimento da extinção do motivo pela carta de 19.11 (...) O ano lectivo 2004/05 terminou em 29.09.05 e o ano lectivo de 2005/06 iniciou-se no dia 3.10.05, não tendo o autor retomado ao serviço no termo do motivo que determinou a suspensão. Não compareceu nem justificou as faltas constatadas e por si praticadas”.
O autor apresentou a sua defesa, defendendo que a não prestação da actividade se deve, total e exclusivamente, ao comportamento da Administração, que não cumpriu o dever de colaboração creditória. Defende que, já em 14.07.04. informara o fim da suspensão e a intenção de retomar o serviço docente no início do ano de 2005/06 e que a carta de 18.11.05 foi feita na sequência de inúmeras tentativas do autor para reassumir a sua actividade docente, esclarecendo que antes do início do ano lectivo enviara cartas aos responsáveis da UIFF (onde reiterava a sua intenção de retomar o serviço no início do ano lectivo de 2005/2006 e manifestava o desejo de reunir com os responsáveis a fim de preparar e planear científica e administrativamente o seu regresso) e no mesmo sentido fez telefonemas e deslocou-se às instalações da UIFF, sem nunca ter sido recebido por nenhum membro da Administração.
Na mesma Defesa, o autor acrescentou que “de tudo isto o arguido tem provas; se não as apresenta é por acreditar que todo este esforço para preparar o regresso à actividade docente é conhecido dos responsáveis administrativos e científicos da Universidade Internacional da Figueira da Foz. Estes, como pessoas de bem, dirão com certeza a verdade e poderão esclarecer o instrutor do processo sobre estes factos”.
O autor acrescentou ainda que tudo fez para recomeçar a sua actividade, mas era necessário que lhe fosse atribuído um horário, sala de aulas e disciplina a leccionar, bem como todo o suporte administrativo; que não lhe foram criadas as condições imprescindíveis para que ele retomasse a sua actividade docente; que não se encontra em situação de faltas injustificadas e que sempre esteve disponível para assegurar o superior interesse dos alunos.
Na decisão final foi dado como provado, além de outros, o seguinte facto: “A entidade empregadora só tomou conhecimento da extinção do motivo que determinou a suspensão do contrato através da carta datada de 19.11.05 do trabalhador, julgando até então, encontrar-se o mesmo em suspensão de funções por ainda decorrer o mesmo motivo que determinou a suspensão”.
Na sequência do processo disciplinar, foi aplicada ao autor a sanção de despedimento com justa causa, sanção que lhe foi comunicada em 22.03.2006, por a ré ter considerado que o autor incorrera – como lhe imputara, na nota de culpa – em trinta e seis faltas injustificadas, já que teria faltado, sem qualquer justificação, desde o dia 3 de Outubro de 2005 (data de início do ano lectivo) até 19 de Novembro do mesmo ano.
O que evidenciava – como se fundamenta na decisão tomada pela ré – “um manifesto desrespeito, desinteresse e uma extrema indiferença pelos deveres laborais”, nomeadamente “... pelo cumprimento do seu dever de assiduidade e pelos interesses da entidade empregadora”.
Originando – conforme entendimento da ré – uma irremediável quebra da relação de confiança entre as partes.

No que respeita ao comportamento do A. apurado em sede da presente acção:
Em 30.09.03, o autor solicitou a suspensão do seu contrato de trabalho durante o ano lectivo 2003/04, solicitação que obteve o acordo da ré.
Em 14.07.04, renovou a solicitação para suspender as suas funções docentes durante o ano lectivo de 2004/05, solicitação que igualmente foi aceite pela ré, referindo o autor, na comunicação de 14.07.04, além do mais, que “nesta conformidade, após a conclusão deste objectivo, é minha intenção retomar o meu lugar e a minha colaboração com a UIFF, no ano lectivo 2005/06”.
Por carta datada de 5.05.05, enviada para a UIFF com a/r assinado em 10.05.05, dirigida ao Sr. Administrador, Dr. A... B..., o autor comunicou à UIFF que podia reassumir a docência, na disciplina de Gestão Financeira e Orçamental ou outra disciplina do Curso de Gestão, solicitando um contacto com vista a preparar o seu regresso, acrescentando que ficava a aguardar contacto da Administração, tendo em vista o planeamento do ano lectivo de 2005/06. O autor não recebeu qualquer resposta à carta. Por cartas datadas de 7.09.05, enviadas para a UIFF com a/r de 12 do mesmo mês e ano, dirigidas ao Dr. A... B..., ao Dr. M... N... – Director do Departamento – e à Dra. C... M..., o autor comunicou à UIFF estar preocupado com o facto do ano lectivo 2005/06 estar praticamente no seu início e ainda não saber quais as cadeiras de que iria ser responsável, solicitando um contacto com a brevidade possível e igual comunicação dirigiu à ré Sipec, na pessoa do Dr. F... C... .
Em 27 e 28 de Setembro, bem como a 4 de Outubro de 2005, o autor contactou telefonicamente a secretaria da UIFF. No início do ano lectivo 2005/2006, a ré não atribuiu qualquer disciplina ao autor ou qualquer horário. É ao Conselho Científico da UIFF que cabe atribuir, no início de cada ano lectivo, as disciplinas aos docentes. Não foi comunicado ao autor o início do ano lectivo. Enquanto docente, o autor assumiu com a ré a obrigação de comparecer na UIFF de acordo com o horário estabelecido, bem como para cumprir tarefas inerentes à docência, como exames, atendimento dos alunos e reuniões. Era habitual a ré contactar os docentes antes do início do ano lectivo, com vista ao estabelecimento dos horários definitivos e mais convenientes. O autor não foi contactado pela ré a fim de estabelecer o horário de trabalho para o ano lectivo 2005/06.

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Nos termos do art.º 411º, n.º 1 do CT, a nota de culpa deve conter “a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”.
Sendo que, segundo o art.º 413º, “o trabalhador dispõe de dez dias para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade”.
Por sua vez, de acordo com o n.º 3 do art.º 415º, na decisão final do processo disciplinar, não podem “ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a responsabilidade”.
E, na mesma linha, o n.º 3 do art.º 435º preceitua que “na acção de impugnação de despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador”.
Sendo que, nos termos do art.º 429º, c), “qualquer tipo de despedimento é ilícito, se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento”.
Do conjunto dessas normas, pode concluir-se, como tem sido orientação pacífica deste Supremo e já referimos acima, que, no domínio do Código do Trabalho - (9), cabe ao empregador, na acção de impugnação de despedimento, o ónus de alegar e provar os factos integradores da justa causa.
Retira-se também do regime legal consagrado que o trabalhador não tem o dever nem sequer o ónus de deduzir defesa no processo disciplinar, assumindo tal defesa carácter facultativo, revestindo a natureza de exercício de um direito.
E, nesse quadro, não cria a lei um qualquer quadro de consequências desfavoráveis ou de preclusões de defesa relativamente ao trabalhador objecto de processo disciplinar de despedimento.
Ou seja, o facto de o trabalhador não ter exercido o direito de defesa, mediante a resposta à nota de culpa, não o impede de intentar acção de impugnação judicial do despedimento, com os consequentes direitos processuais, incluindo os que se situam no domínio probatório, nem afasta o ónus de o empregador provar nela os factos integradores da justa causa, assim como o modo concreto como o trabalhador tenha exercido aquele direito não preclude a possibilidade de, nessa acção, invocar factos que não tenha alegado em sede de processo disciplinar e de oferecer ou requerer aí meios de prova que neste não tenha indicado..
O processo disciplinar, constituindo, embora, um meio obrigatório para a efectivação do despedimento visado pelo empregador, não perde a sua natureza extrajudicial e não preclusiva, independentemente da posição que o trabalhador nele tenha assumido, do direito do trabalhador à acção de impugnação e do exercício dos direitos processuais que o mesmo nela pode exercer (à semelhança do que acontece com o empregador, ressalvada a apontada limitação no que toca aos factos atendíveis que pode alegar na acção a sustentar a justa causa de despedimento).
Podemos, pois, dizer – repete-se – que, pelo menos como regra ou princípio geral, o trabalhador não tem a obrigação ou sequer o ónus de responder à nota de culpa nem de aí alegar factos pertinentes ou oferecer meios de prova de que disponha.
Exercerá ou não essa faculdade como entender, sem que isso prejudique os seus direitos à acção de impugnação judicial do despedimento e consequentes direitos processuais.
O que vale por dizer, por outras palavras, que, em consonância com o ónus da prova da justa causa que sobre si impende, ao empregador cabe indagar os factos em que suporta o despedimento e sobre o mesmo recai – ressalvadas, eventualmente, hipóteses pontuais e excepcionais – o “risco” de a factualidade que deu como assente na decisão final de despedimento não corresponder à que vem a ser apurada na acção de impugnação judicial do despedimento, ou porque não logrou fazer a respectiva prova ou porque a factualidade que resultava aparente aquando da decisão do despedimento não correspondia, ainda que sem culpa da sua parte no respectivo apuramento, à realidade.
Admite-se como hipótese, que, em situações contadas e excepcionais, vg. no quadro da figura do abuso do direito por parte do trabalhador, designadamente em sede de manifesta violação do princípio da boa fé que deve nortear a execução da relação laboral (art.º 119º, n.º 1 do CT -(10)), possa a aparência objectiva dos factos que se afigura ao empregador aquando da decisão final do processo disciplinar afastar a ilicitude do despedimento levado a cabo.
Equacione-se a hipótese de, para essa aparência dos factos – que foi considerada pelo empregador para suportar a decisão de despedimento no processo disciplinar – e que se veio a mostrar divergente da realidade apurada na acção de impugnação, ter contribuído o comportamento de má fé ou de acentuada culpa do trabalhador, por ele assumido em sede de processo disciplinar, comportamento demonstrado em tal acção.
Mas não se reconduz, seguramente, ao quadro dessas possíveis situações o caso dos autos.
É certo que o A. não juntou ao processo disciplinar que culminou no seu despedimento, as cartas datadas de 5 de Maio de 2005 e de 7 de Setembro de 2005, a que aludem os factos 23 a 29 e pelas quais revelou a disponibilidade para retomar a docência no ano lectivo de 2005/2006, o que só veio a fazer na acção de impugnação de despedimento.
Mas tal circunstância não tem a virtualidade de aproveitar à R., no sentido de tornar lícito o despedimento que operou.
É que vem provado que tais cartas foram efectivamente enviadas à R., ou melhor a representantes desta, que as receberam.
E, tendo a R. recebido as cartas, apercebeu-se do seu conteúdo ou, pelo menos, podia dele ter-se apercebido, actuando com o cuidado e diligência normais de um “bonus pater familiae”,.
E, consequentemente, podia e devia, tê-las ponderado e valorado, tomando em conta, na decisão final do Processo Disciplinar, a referida posição de disponibilidade para o reatamento da docência nelas expressas pelo A..
Isto tanto mais quanto é certo que, como vimos, na resposta à Nota de Culpa, o A. fez expressa alusão ao envio de tais cartas à R. e respectivo conteúdo, mencionando que o seu esforço para preparar o regresso à actividade docente era conhecido dos responsáveis administrativos e científicos da UIFF que poderiam esclarecer o instrutor do processo sobre tais factos, sendo até que arrolou como testemunhas no Processo Disciplinar, e nele foram ouvidos, 2 dos destinatários dessas cartas (o Dr. A... B... a quem enviou a de 5 de Maio de 2005 e uma das datadas de 7 de Setembro de 2005, e o Dr. M... N..., a quem remeteu uma destas últimas).
Neste quadro, e não vindo minimamente provado que o A. tenha querido, com a sua actuação, provocar ou sequer “facilitar” ou criar condições favoráveis a uma decisão de despedimento, não vemos, minimamente, que possa entender-se que a sua actuação, em sede de Processo Disciplinar (mais concretamente a não junção neste das ditas cartas), tenha integrado uma violação – e, menos ainda, manifesta ou clamorosa, como o exige o art.º 334º do Cód. Civil – dos limites da boa fé que lhe fossem impostos no quadro da execução do contrato de trabalho e consubstanciar a figura do abuso de direito, v.g., na modalidade do “venire contra factum proprium”, e ditar a licitude do despedimento.
Da factualidade assente é lícito retirar mesmo que a R., não obstante alertada para o facto pelo A., na resposta à Nota de Culpa, pelo menos não usou do cuidado e precauções exigíveis em ordem a apurar o ponto em causa (existência das cartas e contactos reveladores da disponibilidade por parte do A. em retomar a docência na R.) e a tomar uma decisão final no Processo Disciplinar harmónica ou ajustada à realidade verificada.
Sendo que, como resulta da posição acima perfilhada, o A. não pode, no quadro apurado, ser penalizado pelas incorrecções ou insuficiências no apuramento da verdade ocorridas em sede de processo disciplinar, aí incluídas as omissões ou menor rigor das testemunhas nele ouvidas, incluindo as por si indicadas.
O que se deixa dito compromete, desde logo e sem necessidade de mais alargadas considerações, a possibilidade de se entender que o A. incorrera em abuso de direito, na apontada modalidade de “venire contra factum proprium” - (11) .

É, pois, de subsistir o entendimento perfilhado pelas instâncias de que, face à factualidade apurada em sede da presente acção e no quadro da decisão de despedimento, o A. não incorreu nas faltas injustificadas que lhe foram imputadas nem em qualquer outra infracção disciplinar, e de que, em qualquer caso, no condicionalismo assente, as mesmas nunca teriam – atenta o grau de ilicitude e de culpa que, nesse enquadramento, a actuação do A. revestiria – a virtualidade de tornar imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral, enquadramento este em que a sanção de despedimento sempre teria sido excessiva.
Relembre-se aqui que, na presente revista, a R. não impugnou autonomamente a fundamentação da sentença acima transcrita sobre a não verificação de tais faltas injustificadas pelo A., fundamentação que foi acolhida pelo acórdão recorrido, limitando-se a impugnar tal acórdão unicamente no aspecto do abuso de direito alegadamente cometido pelo A. e, como acabamos de ver, não verificado - (12) .
É, assim, de concluir, à semelhança das instâncias, que o despedimento foi ilícito com as legais consequências, sendo que a R. também não questiona, autonomamente (isto é, para além dos aspectos acima abordados sobre a por ele invocada licitude do despedimento), nas conclusões da revista, as concretas consequências reconhecidas, na sentença, quer a nível do direito do A. às retribuições intercalares, à indemnização de antiguidade e à indemnização por danos não patrimoniais, quer a nível da bondade dos respectivos montantes arbitrados.
Limita-se a, esse propósito, a remeter para a posição defendida e já acima rejeitada de que o despedimento foi lícito e a defender que falta o pressuposto necessário e fundante dessas outras pretensões reconhecidas ao A. - (13) .
Improcedem, pois, as conclusões do presente recurso.

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V – Assim, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da revista a cargo da R..



Lisboa, 5 de Fevereiro de 2009

Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão

_________________________________________
1- Os artigos do CPC referidos, bem como os que o venham a ser, sem outra menção, são os constantes da redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24.08, a aplicável, face ao disposto nos artigos 11º, n.º 1 e 12º, n.º 1 deste diploma.
2- “Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do trabalho, 2.ª edição, 1999, Verbo, pp. 496, nota 1”
3- “A justa causa só ocorre quando, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações patrimoniais e pessoais, seja de molde a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador – AC. STJ de 30.04.2003, AD, n. º 504. º, pp. 1867”.
4- A constante do art.º 9º, n.º 1 da LCCT, aprovada pelo DL n.º 64-A/89, de 27.02
5- In “Manual do Direito do Trabalho”, 12ª ed., pág. 557.
6- Ob. cit., pág. 575.
7- Preceituava esse n.º 4: “Na acção de impugnação judicial do despedimento, a entidade empregadora apenas pode invocar factos constantes da decisão referida nos n.ºs 8 a 10 do artigo 10º, competindo-lhe a prova dos mesmos” (o sublinhado é nosso).
8- No domínio do CT, vejam-se, neste sentido, que traduz a orientação pacífica deste Supremo, os acórdãos de 26.09.2006, no Rec. n.º 1616/07, de 18.04.2007, no Rec. n.º 4278/06, de 05.07.2007, no Rec. n.º 43/07, de 22.11.2007, no Rec. n.º 2891/07, de 09.01.2008, no Rec. n.º 2282/07, de 20.02.2008, no Rec. n.º 3783/07, e de 27.022008, no Rec. n.º 3523/07, todos desta 4ª Secção.
9- À semelhança do que acontecia, como vimos, face a norma expressa da LCCT, no domínio do antrrior regime.
10- Dispõe-se nesse n.º 1 que “o empregador e o trablhador, no cumprimento das respectivas obrigações, assim como no exercício dos correspondentes direitos, devem proceder de boa fé”.
11- A este respeito pode ler-se, com propriedade, na linha de orientação geral, no sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 9.3.2000, no BMJ 495º- 376: “Constitui caso de abuso de direito, nos termos e para os efeitos do art. 334º do Cód. Civil, a conduta de uma parte que exerce um direito em contradição com uma sua conduta anterior, em que, fundadamente, a outra parte tenha confiado. Para que tal se verifique torna-se, portanto, indispensável que, por um lado, tenha havido um comportamento da parte que possa ser interpretado como uma posição vinculante dela em relação a uma dada situação futura (situação objectiva de confiança); que, por outro lado, a outra parte se tenha organizado e actuado em conformidade com a expectativa criada, baseada na confiança de cuja frustração lhe poderão advir danos (investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento), e, ainda, que a última tenha actuado de boa fé e com o cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico (boa fé da contraparte que confiou)”.
12- Sempre diremos, em qualquer caso, que concordamos com a dita fundamentação da sentença, no essencial, e com a conclusão tirada, no seu âmbito, da não existência de faltas injustificadas.
13- Diga-se que esse já foi o entendimento do acórdão recorrido, perante iguais conclusões apresentadas pela R., na apelação. O acórdão recorrido, após ter rejeitado a tese da invocada licitude do despedimento, consignou o seguinte, a fls. 392: “E como” – a R. – “nem sequer questiona as consequências que a nível patrimonial da declaração dessa ilicitude para ela decorrem – e que constam da decisão em crise – resta-nos, pois, decidindo-nos pela confirmação da sentença sob censura, confirmá-la e assim julgar improcedente a apelação”.