Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B4074
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: REVISTA AMPLIADA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
Nº do Documento: SJ200501130040747
Data do Acordão: 01/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 2818/04
Data: 05/27/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (INCIDENTE).
Decisão: INDEFERIMENTO.
Sumário : 1. As questões de direito delimitam-se no confronto com as questões de facto, envolvendo as últimas o apuramento das ocorrências pretéritas da vida real nas suas vertentes de tempo, modo e lugar, e as primeiras a interpretação e a aplicação da lei, ou seja, quando a respectiva solução dependa da interpretação e aplicação de determinadas normas jurídicas.
2. A oposição de acórdãos relativa à mesma questão fundamental de direito para efeito de admissibilidade de recurso, a que se reporta o nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil, ocorre quando, num e noutro, a mesma disposição legal for objecto de interpretação ou aplicação oposta, ou seja, quando o caso concreto é decidido, com base nela, num acórdão e no noutro em sentido oposto.
3. À verificação dessa oposição não obsta que os casos concretos decididos em ambos os acórdãos apresentem contornos e particularidades diferentes, desde que a questão de direito seja fundamentalmente a mesma, mas não prescinde da identidade do núcleo central das concernentes situações de facto.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
Sob o fundamento de contradição com um acórdão da mesma Relação, A interpôs, no dia 14 de Junho de 2004, recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de Lisboa que julgou procedente o recurso de apelação da sentença proferida na 1ª instância em acção declarativa constitutivo-condenatória contra ela intentada por B.
A relatora da Relação recebeu o recurso, por despacho proferido no dia 17 de Junho de 2004, com base naquele fundamento, e B, no dia 21 de Junho de 2004, pronunciou-se no sentido da sua inadmissibilidade e, no dia seguinte, requereu a revogação do despacho que o admitiu.
A apresentou o instrumento de alegação no dia 24 de Setembro de 2004, o relator indeferiu o requerimento acima mencionado formulado por B sob o fundamento de se lhe haver esgotado o poder jurisdicional, e a última na resposta ao recurso reafirmou, como questão prévia, a aludida inadmissibilidade.
O relator neste Tribunal, por despacho proferido no dia 4 de Novembro de 2004, não admitiu o recurso com fundamento na inverificação dos respectivos pressupostos.
A reclamou, no dia 19 de Novembro de 2004, para o Presidente deste Tribunal do mencionado despacho, naturalmente por lapso, afirmando ocorrer contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento em processos de idênticos pressupostos de facto e de direito, acrescentando que o facto de inexistir jurisprudência anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça não pode obstar à admissão do recurso.
Corrigiu-se o referido lapso por via da transmutação do requerimento de reclamação para o Presidente deste Tribunal em reclamação para a conferência.

II
É a seguinte a dinâmica processual que relevam nesta sede liminar:
1. No acórdão proferido pela Relação de Lisboa, no dia 6 de Fevereiro de 2001, em recurso de apelação da sentença proferida em acção intentada no 3º Juízo Cível da Comarca de Sintra por B contra C e D, com fundamento em contrato de arrendamento celebrado no dia 5 de Maio de 1977 relativo à fracção predial C correspondente ao 1º andar direito do prédio sito na Rua do Bocage, n.º ..., Queluz, e na omissão de pagamento de rendas, foi decidida, a propósito da questão prévia da propriedade do locado entre a autora e seu então cônjuge, estranha aos réus, que só após a sua determinação, através da eventual
acção de reivindicação procedente, haveria fundamento legal para os pedidos de entrega do locado e de rendas, a absolvição dos réus do pedido.
2. No acórdão proferido pela Relação de Lisboa no dia 27 de Maio de 2004, em recurso de apelação da sentença proferida em acção intentada no 2º Juízo Cível da Comarca de Sintra por B contra A, baseada em contrato de arrendamento relativo à fracção predial E - 2º andar direito do prédio mencionado sob 1 e na omissão de pagamento de rendas, foi decidida a resolução do contrato de arrendamento, condenada aquela a despejar a aludida fracção predial e a entregar-lha e a pagar-lhe rendas vencidas e vincendas.
3. A petição inicial da acção mencionada sob 2 foi apresentada em juízo no dia 13 de Julho de 1995 e o valor da causa cifra-se no montante correspondente a € 5 161,76.
4. Na espécie, inexiste jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

III
A questão a decidir nesta sede é a de saber se ocorre alguma circunstância que obste ao conhecimento do objecto do recurso, nomeadamente se ele é ou não admissível.
Tendo em conta o afirmado pela recorrente no instrumento de interposição do recurso e pela recorrida em contra-alegação, e pela primeira na reclamação, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- exclusão ou não de caso julgado formal relativamente ao despacho de recebimento do recurso pelo relator na Relação?
- lei adjectiva aplicável à questão da admissibilidade ou não do recurso em análise;
- pressupostos específicos da admissibilidade do recurso com fundamento na contradição de acórdãos;
- ocorrem ou não os referidos pressupostos no caso espécie?

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos sobre a problemática da exclusão ou não de caso julgado formal relativamente ao despacho de recebimento do recurso pelo relator na Relação.
Os despachos que incidam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se, por sua natureza, não admitirem recurso de agravo (artigo 672º do Código de Processo Civil).
O caso julgado formal inexiste, face aos tribunais superiores, no que concerne ao despacho do juiz ou do relator que admita o recurso, ou uma sua determinada espécie, certo que a lei expressa que o mesmo os não vincula (artigo 687º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Assim, o facto de a relatora da Relação ter admitido o recurso para este Tribunal, com fundamento na contradição de acórdãos, não implica que nesta sede liminar se não possa questionar a sua admissibilidade por esse ou outro fundamento que resulte da lei.

2.
Vejamos agora qual a lei adjectiva aplicável à questão da admissibilidade ou não do recurso em análise.
Salvo disposição legal inter-temporal em contrário, a lei adjectiva é imediatamente aplicável aos actos processuais que ocorram durante a sua vigência (artigos 12º, n.º 1, do Código Civil e 142º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Considerando a data em que foi interposto o recurso em causa - no dia 14 de Junho 2004 - é aplicável, na espécie, o disposto no artigo 678º, n.º 4, do Código de Processo Civil, este na versão decorrente do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março.
Por isso, ao invés do que ocorria no pretérito, o recurso em causa não é processado nos termos da revista ampliada a que se reportam os artigos 732º-A e 732º-B do Código de Processo Civil, antes o devendo ser nos termos dos recursos normais, isto é, com a intervenção do colectivo normal de juízes, salvo se for requerida e ou ordenada a intervenção no julgamento do plenário das secções cíveis, ao abrigo do primeiro dos mencionados artigos.

3.
Atentemos agora nos pressupostos específicos da admissibilidade do recurso com fundamento na contradição de acórdãos.
Estabelece, o n.º 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil ser sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, a admissibilidade do recurso a que o mencionado normativo se reporta depende da existência de dois acórdãos da mesma ou de diferente Relação em oposição sobre a mesma questão fundamental de direito, ser o acórdão fundamento anterior e haver transitado em julgado, ser o acórdão recorrido insusceptível de recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal e não estar a solução jurídica adoptada no acórdão recorrido de acordo com jurisprudência anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em assento ou acórdão de fixação de jurisprudência.
As questões de direito delimitam-se no confronto com as questões de facto, envolvendo estas o apuramento das ocorrências pretéritas da vida real nas suas vertentes de tempo, modo e lugar; e aquelas a interpretação e aplicação da lei, ou seja, quando a respectiva solução dependa da interpretação e aplicação de determinadas normas jurídicas.
A oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito ocorre quando, num e noutro, a mesma disposição legal for objecto de interpretação ou aplicação oposta, ou seja, quando o caso concreto é decidido, com base nela, num acórdão e no noutro em sentido oposto.
À referida oposição não obsta o facto de os casos concretos decididos em ambos acórdãos apresentarem contornos e particularidades diferentes, desde que a questão de direito seja fundamentalmente a mesma. Todavia, pela própria natureza das coisas, o núcleo central da concernente situação de facto, no confronto das normas jurídicas a interpretar e ou a aplicar, tem em ambos os casos de assumir identidade.

4.
Vejamos, finalmente, se ocorrem ou não, no caso espécie, os pressupostos de admissibilidade do recurso.
Inexiste, no caso, jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Tendo em conta que o valor da causa, que se cifra em € 5 161,76 é inferior ao da alçada da Relação, que era então de 2 000 000$, o presente recurso é inadmissível por motivo concernente à alçada do tribunal (artigos 678º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 20º, n.º 1, da Lei Orgânica dos Tribunais, aprovada pela Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro).

Independentemente disso, tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e do acórdão fundamento, ao invés do que a reclamante expressou, eles não resolveram em sentido contrário a mesma questão fundamental de direito, ou seja, na decisão de cada um dos respectivos casos concretos não atribuíram sentidos diferentes à mesma disposição legal.
Acresce que, ao invés do afirmado pela reclamante, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento não apreciaram os mesmos pressupostos de facto e de direito.

Ademais não tem qualquer fundamento legal a afirmação da reclamante no sentido de que a inexistência de jurisprudência anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça não obsta, na espécie, à admissibilidade do recurso em causa.
Em consequência, não ocorre na espécie o fundamento do recurso por contradição de julgados a que se reporta o n.º 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil.

Decorrentemente, o relator, ao rejeitar o recurso de revista interposto por A limitou-se a cumprir a lei.
Vencida no incidente, é a reclamante responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigos 446º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, 15º, n.º 1, alínea x), e 16º do Código das Custas Judiciais, e 14º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro).
Julga-se adequado, considerando a estrutura do incidente e o princípio da proporcionalidade, fixar a taxa de justiça respectiva no valor correspondente a uma unidade de conta (artigo 16º do Código das Custas Judiciais).

IV
Pelo exposto, indefere-se a reclamação formulada por A do acórdão da Relação, e condena-se aquela no pagamento das custas do incidente, com taxa de justiça de oitenta e nove euros.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2005.
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís