Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P4827
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO PELA RELAÇÃO
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONVOLAÇÃO
PARTICIPAÇÃO EM RIXA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: SJ200804030048285
Data do Acordão: 04/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
1 – A al. a) do n.º 1 do art. 432.º do CPP ao dispor que se recorre para o STJ de decisões das relações proferidas em 1.ª instância, fá-lo em contraposição com a al. b) que dispõe para as decisões proferidas, em recurso, pelas relações (que não sejam irrecorríveis, num apelo, designadamente ao disposto no art. 400.º do mesmo diploma); ou seja, as decisões proferidas em 1.ª instância pelas relações não são seguramente decisões proferidas, em recurso pelas relações [a que se referem aquela al. b)].

2 – Aliás, a al. a) daquele n.º 1 dirige-se, em primeira linha, ao dispositivo que, no CPP, estabelece a competência das relações, também para decidirem em 1.ª instância, como é o caso do das decisões finais ou interlocutórias das relações proferidas nos termos das als. a), c) d) e e) do n.º 3 do art. 12.º do CPP: quando as secções criminais das relações, em matéria penal, julgam processos por crimes cometidos por juízes de direito, procuradores da República e procuradores-adjuntos [al. a)], julgam os processos judiciais de extradição [al. c)], julgam os processos de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira [al. d)], ou exercem as demais atribuições conferidas por lei [al. e)] (cf. o art. 56.º, n.º 1 Da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro – LOFTJ)

3 – A circunstância de a Relação ter alterado a matéria de facto, em nada altera esta disciplina, pois que continua a ser uma decisão proferida em recurso e não em primeira instância e esse é que é o elemento diferenciador.

4 – No modelo traçado pelo CPP, quer na versão originária, quer no texto resultante da revisão de 1998 e de 2007, em recurso trazido da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, não conhece(ia) da questão de facto, que fica(va) definitivamente resolvida na 2.ª Instância, como constituiu jurisprudência abundante e pacífica. Portanto, efectuado o exame e reexame da matéria de facto pelas duas instâncias, não pode o Supremo Tribunal de Justiça, independentemente daquela matéria ter sido alterada, reapreciá-la novamente.

5 – Esta solução não viola quaisquer normativos constitucionais pois que o que a Lei Fundamental acolhe é o direito a um grau de recurso e não o duplo grau de recurso. Daí tendo havido um recurso para a Relação sobre a matéria de facto, foi respeitado o seu direito constitucional ao recurso, que não sofre lesão pela circunstância de, dessa decisão da relação, não haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Aliás, o Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo art. 2.º prescreve que «qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei» (n.º 1) e que «este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição».
6 – Se se invoca contradição insanável da fundamentação, mas se quer significar discordância em relação à qualificação jurídica, está-se a invocar o erro de subsunção dos factos ao direito, que é um erro de direito por excelência.

7 – A mera alteração da qualificação jurídica, isto é a convolação, quando assente na mesma matéria de facto, como o próprio arguido aceita acontecer no caso sujeito, não é uma alteração de factos (substancial ou não substancial), exactamente porque os factos são os mesmos, não foram alterados, embora o n.º 3 do art. 358.º do CPP (alteração não substancial dos factos) aditado pela Lei n.º 59/98 tenha vindo dispor que o disposto no n.º 1 desse artigo é correspondentemente aplicável quando o tribunal altera a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.

8 – Ou seja, a mera alteração da qualificação jurídica não é alteração de factos (substancial ou não substancial), mas é-lhe aplicado o regime jurídico da alteração não substancial dos factos.

9 – E a mencionada alteração do art. 358.º do CPP nasceu até da jurisprudência constitucional sobre a alteração da qualificação jurídica produzida a propósito do Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 2/93, (de 27-1-93, DR IS-A de 10-3-93 BMJ 423-47) do Supremo Tribunal de Justiça, sobre a questão da convolação (Ac. do TC n.º 446/97 de 25-6-97) que foi reformulado pelo Ac. de uniformização de jurisprudência n.º 3/00. de 15-12-1999, DR IS-A de 11-02-00) no seguinte sentido: «Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa.

10 – Rixa é a situação de conflito ou de desordem em que intervêm obrigatoriamente mais de duas pessoas, e que é caracterizada pela oposição dos contendores sem que seja possível individualizar ou distinguir a actividade de cada um e que se traduz em actos e não apenas palavras ou gestos.

11 – Na participação em rixa punem-se apenas os intervenientes em rixa se não provar a sua responsabilidade em crime do homicídio ou de ofensas corporais; provando-se qualquer destes, respondem por ele e não por participação em rixa, que então fica consumida.

12 – Deve definir-se rixa como a situação de conflito ou de desordem em que intervêm obrigatoriamente mais de duas pessoas, e que é caracterizada pela oposição dos contendores sem que seja possível individualizar ou distinguir a actividade de cada um, não pode, pois, restringir-se a duas pessoas, como crime colectivo que é, ou de concurso necessário, porquanto nesse caso haverá apenas um conflito recíproco e não rixa.

13 – Hoje a pena não superior a 5 anos de prisão pode ser suspensa na sua execução dada a nova redacção do n.º 1 do art. 50.º do C. Penal, que elevou o respectivo limite

14 – Quando o limite atendível estava fixado em 3 anos de prisão, o acento tónico das exigências da lei estava situado sobre o juízo de prognose inicialmente referido e que relevava essencialmente para as possibilidades de reintegração do agente, na prevenção da reincidência, uma vez que aquele limite já precavia uma relativa gravidade do crime cometido.

15 – Mas o alargamento desse limite para 5 anos de prisão faz realçar, nesse excedente, a necessidade de ponderar criteriosamente as circunstâncias do crime na sua relação com o fim primeiro das penas: a protecção dos bens jurídicos, as necessidades de prevenção geral de integração e mesmo de intimidação.

Decisão Texto Integral:
1.

O Tribunal Colectivo de Vimioso (proc. n.º 96/05.9GA VMS) decidiu absolver o arguido AA da autoria de um crime de ofensa à integridade física do art. 143.° (referente a BB) e de dois crimes de homicídio simples do art. 131.º (referente a CC e DD), e condená-lo por um crime de ofensa à integridade física do art. 143.°, n.° 1, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de cinco euros e como autor material de um crime de homicídio privilegiado do art. 133.°, todos do C. Penal, na pena de 3 anos de prisão, a que se seguiu uma pena única de 3 anos de prisão e 100 dias de multa, com o indicado valor diário.

Recorreu o Ministério Público para a Relação do Porto, impugnando a matéria de facto apurada e pedindo a substituição do acórdão recorrido por outro, que mediante o proposto reexame da matéria de facto, condenasse o arguido, por todos os crimes pelos quais fora acusado, em prisão efectiva.

Para a hipótese de se manterem os factos já dados como provados na 1.ª Instância, o Ministério Público, a titulo subsidiário, pugnou pela aplicação de uma pena de 10 meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física do art. 143.° do C. Penal e por uma pena de 4 anos e 2 meses de prisão pelo crime de homicídio privilegiado, e, em cúmulo jurídico, numa pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

Aquele Tribunal Superior julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e decidiu:

Proceder à alteração da matéria de facto e condenar o arguido AA, pela prática, como autor material e em concurso real, de 1 crime de um crime de ofensa à integridade física simples do art. 143.° (referente a CC) na pena de 9 meses de prisão, de 1 crime de participação em rixa do art. 151.° (referente a DD) na pena de 18 meses de prisão e 1 crime de homicídio privilegiado do art. 133.°, (referente a CC), todos do C. Penal, na pena de 4 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos de prisão.

Recorreu o assistente EE para este Supremo Tribunal de Justiça, impugnando a alteração da matéria de facto (no referente à morte de DD), a medida da pena e a ausência de condenação do arguido em sede de pedido cível.

Recorreu igualmente o arguido FF, que pede que, no provimento do recurso seja ordenado o reenvio do processo para novo julgamento, ou se assim não se entender e sem prescindir, sejam qualificados adequadamente, os factos praticados pelo arguido, por referência aos crimes supra, e em consequência aplicadas as penas concretas parcelares correspondentes ou, caso não se entenda, sejam reduzidas as penas parcelares concretas aplicados e reformulado o respectivo cúmulo

Suscitou as seguintes questões: (i) Impugnação da matéria de facto (conclusões 1 e 2); (ii) Nulidade do acórdão recorrido e alteração dos factos (conclusões 3 a 16): (iii) Verificação do crime de participação em rixa (conclusões 17 a 24); (iv) Vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP (conclusão 25); (v) Medida da pena (conclusões 26 a 31); e (vi) Suspensão da execução da pena (conclusão 32).

O Ministério Público junto da Relação do Porto respondeu à motivação de recurso do arguido, contraditando a argumentação deste e concluindo pela improcedência do recurso.

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público que emitiu detalhado parecer no sentido da confirmação da decisão recorrida.

Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP. Na resposta, o recorrente FF, insistiu na sua posição de que o recurso pode versar matéria de facto e de direito quanto ao crime de participação em rixa, de que se tratou de uma alteração substancial dos factos, violação do princípio do contraditório e do direito de defesa, que a entender-se diferentemente a Relação não podia reabrir a audiência para cumprir o art. 358.º, n.º 3 do CPP, não se verifica o tipo subjectivo de ilícito do crime de participação em rixa e que as penas estão desajustadas.

Colhidos os vistos teve lugar a conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.

2.1.

E conhecendo.

Impugnação da matéria de facto e vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP.

Recurso do arguido.

Começa o arguido por impugnar a matéria de facto tal como resulta da decisão recorrida, da Relação.

Com efeito, entende o recorrente ser admissível versar o seu recurso matéria de facto e de direito, no que concerne ao crime de participação em rixa em que foi condenado na pena de prisão de 18 meses porque a Relação do Porto, ao introduzir e/ decidir sobre este crime, actuou como tribunal de primeira instância, verificando-se in casu o disposto no art.432° n° 1 al. a) (conclusão 1). Ao não admitir-se o recurso sobre matéria de facto – diz – fica prejudicada a dupla valoração/ apreciação no que à matéria de facto respeita, situação que o nosso ordenamento jurídico não contempla, porque ofensiva dos princípios constitucionais das garantias de defesa e do contraditório consagrados no art. 32° n°s 1 e 5 da CRP. o que aqui se invoca (conclusão 2).

Mas não lhe assiste razão.

Na verdade, quando na al. a) do n.º 1 do art. 432.º do CPP se dispõe que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões das relações proferidas em 1.ª instância, fá-lo em contraposição com a al. b) que dispõe para as decisões proferidas, em recurso, pelas relações (que não sejam irrecorríveis, num apelo, designadamente ao disposto no art. 400.º do mesmo diploma). Ou seja, as decisões proferidas em 1.ª instância pelas relações não são seguramente decisões proferidas, em recurso pelas relações [a que se referem aquela al. b)].

Ora, a decisão em causa foi proferida pela Relação do Porto, em recurso trazido do Tribunal Colectivo de Vimioso, pelo que não pode ser havida, como pretende o recorrente, como decisão proferida em 1.ª instância e é recorrível à luz exactamente da mencionada al. b) e do art. 400.º do CPP.

Aliás, a al. a) do n.º 1 invocado dirige-se, em primeira linha, ao dispositivo que, no CPP, estabelece a competência das relações, também para decidirem em 1.ª instância, como é o caso do das decisões finais ou interlocutórias das relações proferidas nos termos das als. a), c) d) e e) do n.º 3 do art. 12.º do CPP (cf. no mesmo sentido Paulo P. Albuquerque, Comentário do CPP, pág. 1184, anotação 1).

Ou seja, quando as secções criminais das relações, em matéria penal, julgam processos por crimes cometidos por juízes de direito, procuradores da República e procuradores-adjuntos [al. a)], julgam os processos judiciais de extradição [al. c)], julgam os processos de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira [al. d)], ou exercem as demais atribuições conferidas por lei [al. e)]

Mas não, como é o caso, quando julgam recursos [art. 12.º n.º 3, al. b)].

Esta distinção está também espelhada nos mesmos termos do art. 56.º, n.º 1 Da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro – LOFTJ.

A circunstância de a Relação ter alterado a matéria de facto, em nada altera, diferentemente do pretendido pelo recorrente, esta disciplina, pois que continua a ser uma decisão proferida em recurso e não em primeira instância e esse é que é o elemento diferenciador.

Depois, como se viu, a al. a) do n.º 1 do art. 432.º não resolve, nem se destina a resolver a questão suscitada pelo recorrente e que se prende, não com a recorribilidade, mas sim com os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.

O que vale por dizer que a pergunta a colocar é antes a de saber se, sendo a decisão da relação recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, este Tribunal pode conhecer da questão de facto quando altera a decisão sobre a matéria de facto, tomada pela 1.ª Instância.

Mas também aqui a resposta é negativa.

No modelo traçado pelo CPP, quer na versão originária, quer no texto resultante da revisão de 1998, em recurso trazido da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, não conhece(ia) da questão de facto, que fica(va) definitivamente resolvida na 2.ª Instância, como constituiu jurisprudência abundante e pacífica.

E a revisão de 1998 só veio acentuar este modelo, retirando ao Supremo Tribunal de Justiça os poderes de revista alargada (aos vícios do n.º 2 do art. 410.º) no caso do recurso directo das decisões finais do tribunal colectivo, o que a revisão da Lei n.º 48/2007 fez também em relação às decisões finais do tribunal do júri.

Portanto, efectuado o exame e reexame da matéria de facto pelas duas instâncias, não pode o Supremo Tribunal de Justiça, independentemente daquela matéria ter sido alterada, reapreciá-la novamente.

E esta solução não viola os normativos constitucionais invocados.

Na verdade, como tem sido o entendimento pacífico e constante do Tribunal Constitucional, o que a Lei Fundamental acolhe é o direito a um grau de recurso e não o duplo grau de recurso. Daí tendo havido um recurso para a Relação sobre a matéria de facto, foi respeitado o seu direito constitucional ao recurso, que não sofre lesão pela circunstância de, dessa decisão da relação, não haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por outro lado, o texto internacional, que vincula o Estado Português, que mais detalhadamente se refere ao direito ao recurso (e que é atendível nos termos do art. 16.º da Constituição) é o Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo art. 2.º prescreve que «qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei» (n.º 1) e que «este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição» (sublinhados agora).
Ou seja, a circunstância de ter sido alterada a qualificação jurídica na 2.ª Instância não amplia, como pretende o recorrente, o recurso em sede de matéria de facto, pois poderia nem sequer haver qualquer tipo de recurso, quer de facto, quer de direito.
Refere-se também o recorrente aos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, dizendo que a decisão recorrida deles padece, resultando tais vícios do texto da decisão recorrida, conjugada com as regras de experiência comum (conclusão 25).

Quer, assim, mencionar o recorrente o que chama de contradição insanável no texto da decisão recorrida quando o Tribunal recorrido entende que a actuação do arguido não se enquadra na cláusula geral de justificação enunciada no n.° 2 do art. 151.º, porquanto a mesma não foi “determinada por motivo não censurável”, nomeadamente para reagir contra um ataque, defender outrem ou separar os contendores. E isto porque, quando o arguido reagiu à agressão de que tinha sido vítima por parte do CC, já este se tinha ausentado do local da contenda inicial, tendo apenas aquele o intuito de retaliar. Por isso e tendo já terminado essa agressão, não existiu, com essa actuação posterior do arguido, qualquer necessidade defensiva da sua parte” (conclusão 21).

Em manifesta contradição – sustenta – para justificar a inteDDão da conduta do arguido no crime de homicídio privilegiado do art. 133.° do Código Penal, entende já ter o arguido reagido no sentido de que qualquer pessoa, em circunstâncias idênticas, poderia agir do mesmo modo (conclusão 22). Contradição insanável ainda quando refere “naturalmente que existe uma persistência da actuação do arguido em querer matar o seu opositor, mas isso e atendendo à prontidão da sua resposta, não afasta a compreensão da mesma, nem a emoção violenta que o dominava, porquanto a sua conduta foi sempre a mesmo, mediante uma única resolução, não havendo hiatos de reflexão ou de ponderação que pudessem afastar a exigibilidade de um outro comportamento (conclusão 23)”

Como se vê, esta alegação não se reporta tecnicamente a vícios da matéria de facto, designadamente à contradição insanável, mas sim à discordância em relação à qualificação jurídica, ao erro de subsunção dos factos ao direito, que é um erro de direito por excelência. E dessa alegação nos ocuparemos mais adiante.
De todo o modo, como se vem de dizer, e é jurisprudência contínua e pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de revista como é o caso não pode fundar-se na verificação dos vícios de matéria de facto, ainda que enquadrados no n.º 2 do art. 410.º do CPP, afastada que está a revista alargada para este Supremo Tribunal.
O Supremo Tribunal de Justiça não conhece, a não ser oficiosamente, de tais vícios (por não ter então matéria de facto suficiente para fundar a aplicação do direito), que não podem ser invocados pelos recorrentes.
Recurso do assistente
Como se relatou, também o assistente impugna a matéria de facto tida como provada pelo Tribunal recorrido (fls. 1397-8), o que não levou às conclusões.
Mas, como resulta da conclusão 1.ª, tal alegação parece reconduzir-se à discordância quanto à qualificação jurídico, tendo-se por verificado o crime de participação em rixa.

Ora, como se viu já, não pode este Supremo Tribunal de Justiça conhecer de novo, a pedido dos interessados, da questão de facto que está resolvida, salvo em caso de reexame oficioso, e a questão suscita é na verdade uma questão de direito: a da correcção da subsunção dos factos à previsão do crime de participação em rixa.

Também sustenta o assistente que existe contradição insanável, quando ao condenar o arguido pelo crime de participação em rixa, não o condena no pedido cível contra si formulado e parcialmente provado, quando o deveria ter feito (conclusão 3). Também aqui a contradição insanável não é invocada enquanto vício de matéria de facto, mas como discordância da aplicação do direito, que será considerada a propósito da indemnização civil.

2.2.
É a seguinte a factualidade apurada pela Relação.
Factos provados

«1.- O acórdão recorrido.

Na parte que aqui releva transcrevem-se as seguintes passagens:

“1°) Na noite de 30 de Agosto de 2005, cerca das 23 horas, o arguido encontrava-se na ............., sita na Estrada Nacional n.° ....., em....., comarca de Vimioso, onde estava hospedado e a dada altura vem a sentar-se juntamente com o seu companheiro na mesa onde se encontrava GG, a beber e a conversar.

2.°A) Nessa mesa estavam a discutir sobre questões de política nacional, designadamente sobre as eleições presidenciais, discussão na qual o CC procurava envolver o arguido o qual face à resposta deste de que a sua política era a família, os amigos e o trabalho, se exaltou apelidando-o de “minhoto”, “salazarista”, “filho da puta”, “cabrão” (alterado pela Relação).

2.°B) E a dada altura o CC empunhando uma garrafa de cerveja vibra-a com o fim de bater no arguido, que não consegue porque este o impede tirando-lha, tendo então o segundo vibrado no primeiro, uma pancada com uma garrafa de cerveja, ao mesmo tempo que se envolvem em luta e aos socos atingindo-se por onde podiam, tendo, na sequência dessa luta, o CC sido derrubado pelo arguido e caído ao chão (alterado pela Relação).

3.°) Ao levantar-se o CC dirige-se ao automóvel, que estava estacionado no parque daquele estabelecimento hoteleiro, e agarrando a pistola que ali trazia voltou à Albergaria com ela empunhada, procurou o arguido com o fim de o matar;

4.°) O entretanto arguido avisado pelos presentes que conheciam o CC, fugiu, refugiando-se no interior da Albergaria onde esteve escondido cerca de 20 minutos até o CC se ter retirado, contrafeito, por não o ter encontrado.

5.°) Como consequência directa, necessária e exclusiva daquela conduta o CC sofreu ferida com 3 cm na região pré-auricular esquerda e equimose peri-orbitária direita com reacção conjuntiva, lesões estas que) para além de dor, demandaram para a cura, directa e necessariamente oito dias de doe sem afectação da capacidade de trabalho.

6°) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, e quis molestar a saúde e a integridade física do queixoso, o que conseguiu, nas circunstâncias descritas.

7.°) CC é o beneficiário da Segurança Social com o n.°............../...

8.°) O CC apresentou queixa por tais actos e apesar disso estava decidido, quando a oportunidade surgisse, a matar o arguido e a servir-se para concretizar este seu desígnio daquela sua arma de fogo, razão pela qual, posteriormente no dia seguinte a experimentou, bem como testou a sua pontaria, com a mesma efectuando três disparos contra a porta de madeira de um paliteiro existente na sua aldeia, em Uva, desta comarca, nela deixando cravados três projecteis de calibre 6,35mm.

9º) Desde 30/8/05 e até 14 de Setembro não se voltaram a encontrar

10°) No dia 14 de Setembro de 2005 uma Quarta-Feira, arguido saiu de noite da residencial “ ................” e decorria na aldeia de ..., Concelho de Vimioso, a festa da Exaltação da Santa Cruz, que entre outras celebrações incluía baile nocturno que se realizava no largo da aldeia e no qual actuava um conjunto musical.

11°) O arguido quis ir á festa, vontade que manifestou a HH quando o encontrou, o qual para ali se dirigia com um grupo de amigos; nessa altura este chamou-lhe a atenção para ter cuidado não fosse encontrar-se com o CC por ser a localidade de residência deste, e poder haver problemas e novo conflito por ter má fama e índole,

12°) ao que ele retorquiu que não seria por ele que tal aconteceria, e combinaram encontrar-se num bar antes da aldeia “o Bar das Brasileiras” junto ao rio entre Vale de ........ e .... no lado esquerdo de quem circula nesse sentido, para beber um copo, onde ele HH iria ter;

l3.°) mas, como ao ali chegar o encontrou fechado o arguido dirigiu-se sozinho para a festa e ali se manteve desde cerca as 23,00 horas esperando o HH, trazendo consigo o seu revolver e calibre 32 Harrington & Richardson Magnum (equivalente a 7,ó5mm no sistema métrico), de percussão central e indirecta, com cano estriado de 48 mm de comprimento, melhor descrito na auto de exame pericial de fls. 512 e que aqui damos por reproduzido, municiado com 6 balas sendo 5 de igual calibre e a outra de calibre 32 Smith & Wesson Long, acondicionando-o no respectivo coldre em couro, transportando-o dependurado do lado direito da sua cintura, pronto a sacar e disparar.

14°) Entretanto o CC, que se encontrava na aldeia, dirigiu-se a uma das janelas do bar da comissão de festas, situado no centro da aldeia em frente á Capela e exactamente no largo onde decorria o baile e actuava o conjunto musical, e após ter espreitado para dentro, retirou-se.

15°) Quando o HH chegou ao largo da aldeia de .... dirigiram-se ele e o arguido ao bar da Comissão de festas para beber uma cerveja, ai entrando e após serem servidos sentaram-se nu mesa do fundo e lado direito por referência a quem entra naquele estabelecimento comercial, o qual, para além da porta de entrada tem janelas que permitem que se veja do e para o exterior.

16°) Algum tempo depois e enquanto ali se encontravam, CC foi de novo espreitar a uma janela do bar, sem que o arguido o visse, e tendo-se certificado se o arguido estava no referido bar, foi à sua residência do outro lado da rua à esquerda em frente à porta daquele bar

17.°) e muniu-se da sua arma de fogo, pistola de marca SM (Rhoner Sportwaffen originalmente de alarme e calibre 8mm e transformada para calibre 6,35mm Browning, de percussão central e directa, com o cano de 56 mm de comprimento e um carregador para pelo menos sete munições, melhor descrita no auto de exame pericial de fls 511, aqui dado por reproduzido, e municiando-a balas de calibre 6,35 mm da marca Sellier & Belliot,

18.°) transportou-a consigo, e dirigiu-se ao bar e, através da janela, voltou a certificar-se de que o arguido ainda ali estava, bem como do exacto local onde estava sentado, de frente para as janelas e porta do bar

19.°) E de imediato, cerca das 23,55 horas, decidido a disparar e a matar o arguido de arma na mão e pronta a disparar, atravessa a porta de entrada e irrompe no referido bar, avançando até se postar em frente ao arguido, a não mais de 1,5 m deste e, sem nada dizer, aponta e dispara, ininterruptamente, sobre ele que permanecia sentado, três ou quatro tiros.

20.º) sendo que logo com o primeiro projéctil lhe acertou, partindo-lhe o aro e a lente direita dos óculos que usava que caíram para o chão, deixando este, de beneficiar da correcção da visão que eles lhe proporcionavam, e a bala atinge-o de raspão no canto exterior do olho direito, ferindo-o e os restantes projecteis disparados pelo CC, deles atingiram o arguido nas mãos, porque este as interpôs para se proteger, ao mesmo tempo que se deixou cair, ocultando-se debaixo da mesa, e dos tiros ficaram sinais de impacto no tampo da mesa e na parede atrás do arguido.

21.°) Convencido de que matara o arguido, o CC cessou os disparos e voltando costas saiu do bar, dizendo “este já está” e dirigiu-se para a sua residência, continuando com a arma na mão.

22.°) Cessados os disparos, imediatamente o arguido se levanta e empunhando o revólver do coldre pronto a disparar, ao ver um vulto a desaparecer que crê ser o CC, vai atrás dele, para o matar.

23°) O arguido sai do bar ena rua procurou o CC entre 100 a 150 pessoas que ali no baile se encontravam, daquela localidade e arredores, e que alertadas pelos disparos procuravam refugio, fugindo em debandada do local.

24.°) E avista-lo, seguindo de costas, na direcção da sua casa, aponta o revolver e dispara um tiro na sua direcção e no momento que o CC se volta para si e para o largo dispara pelo menos outro tiro, vindo uma bala a atingi-lo no antebraço esquerdo, trespassando-o, e a outra bala a atingir o portão atrás de si (alterado pela Relação fls. 1349).

25.°) E, ao mesmo tempo, o CC dispara também pelo menos dois tiros na direcção do arguido e das pessoas que procuravam refugio no lado oposto, atingindo-o com um tiro no terço médio do braço esquerdo.

26.°) E, foge para o seu lado esquerdo passando em frente ao arguido e á capela, em direcção ao baile, altura em este, rodopiando, dispara contra ele pelo menos um tiro, que o atingiu na região lateral do tórax direito, ao nível da axila, tendo o projéctil atravessado a caixa torácica e ficando alojado subcutâneo no terço médio do esterno, mas o CC continua a sua fuga em direcção á zona do baile e traseiras do bar para onde toda a gente havia fugido, e fica de costas para o arguido, altura em que este dispara pelo menos mais um tiro que o atinge na região lombar esquerda, que atravessando o abdómen, saiu pelo lado oposto e por o CC se ter embrenhado junto dos demais presentes, o arguido deixou de disparar;

27°) Logo após os disparos no interior do bar, as pessoas que ali se encontravam na festa começaram a fugir e ao pressentirem a saída do CC com a arma, seguida da saída do arguido do bar à procura daquele, procuraram refugio com receio do tiroteio,

28°) e entre elas estava DD que se encontrava a dançar com a sua filha BB de 2 anos de idade, na zona em frente à capela e entre a bar e a janela esquerda desta, a qual inclinando-se para agarrar a sua filha ao colo e fugir na direcção do palco e traseiras do bar para se pôr a salvo, é atingida por uma bala na região dorsal direita abaixo da omoplata, bala essa que perfura a mão esquerda da sua filha BB, que estava aberta nas suas costas e a atinge antes de entrar no corpo da mãe.

29°) Em consequência dos tiros de revólver que atingiram o CC, este ficou com o antebraço esquerdo trespassado tendo o projéctil começado por atingir a parte interna do terço distal do braço esquerdo, entrado e atravessado o terço proximal do antebraço esquerdo, saindo sem causar lesões ósseas, a bala que o atingiu na região lateral direita causou-lhe contusão pulmonar à direita, seguida de hemopneumotorax à direita e pneumotorax à esquerda, e a bala que o atingiu na região lombar, no seu trajecto no interior do abdómen causou-lhe hemoperitoneu, perfurou-lhe e lacerou as paredes, anterior e posterior do estômago, lacerou a cauda do pâncreas e lacerou o rim esquerdo, ferimentos toraxico-abdominaís esses que pela sua gravidade e extensão obrigaram ao seu internamento hospitalar, logo após ter sido atingido, seguido de várias intervenções cirúrgicas de drenagem das hemorragias internas, de reparação do estômago, dos intestinos e do pâncreas e obrigaram à extirpação do baço e do rim esquerdo, e associados a septicemia que lhe surgiu como complicação, foram a causa directa e necessária da sua morte, ocorrida pelas 20,15 horas de 25 de Outubro de 2005, ou seja, após 45 dias de internamento hospitalar em UCIP e igual tempo sobre a produção das lesões.

30.º) Em consequência directa e necessária do disparo que a atingiu sofreu a BB perfuração da mão esquerda penetrando a bala pela região dorsal e saindo pela região palmar, assim lhe causando feridas incisas, de entrada e saída, ao nível da base do 5° dedo, que perdeu a flexão, ferimentos melhor descritos no auto de exame médico-legal de fis. 275 a 277, que aqui damos por reproduzido, que demandaram para a cura, directa e necessariamente, doença por 15 dias com afectação da capacidade de trabalho 6 dias.

31.º) Menor BB que é a beneficiária da Segurança Social com o n.° ...................

32.°) O mesmo projéctil, furou a parte posterior da roupa, um casaco e uma t´shirt que a DD trazia vestida penetrando no corpo desta deixando um orifício de entrada com 8mm de diâmetro e trespassando o tórax saiu pela região torácica anterior direita, junto ao bordo interno da clavícula, deixando um orifício com 1 cm de diâmetro, e ao trespassar a mão da BB e o corpo da DD, o projéctil foi perdendo força e saiu, não causando outros danos visíveis, e no trajecto, de baixo para cima, no tórax da DD, aquele projéctil provocou fractura cominutiva da 9ª costela posterior direita, perfurou o pulmão direito, desde o lobo inferior ao lobo superior com alguns segmentos ósseos e contusão pulmonar adjacente e fracturou-lhe, com segmento ósseo livre, o 2° arco costal anterior á direita, causando-lhe ainda hemotorax à direita, lesões estas melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 448 a 452, aqui dado por reproduzido, que foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida nos minutos seguintes.

33°) A DD era a beneficiária da Segurança Social com o n.° ..................

34°) Os disparos feitos pelo falecido CC que atingiram o arguido foram causa directa e necessária de traumatismo no olho direito, de cicatriz superficial na face dorsal com 2 mm e cicatriz superficial na face palmar com 2 mm na mão direita, e no braço esquerdo de cicatriz queloide na face interna do braço com 2 cm por 1 cm, cicatriz no terceiro dedo com 5mm por 5 mm em cada face lateral, ligeiro aumento de diâmetro do terceiro dedo (menos de 0,5 cm), que foram causa de doença por 30 dias sem incapacidade para o trabalho;

35°) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente e ao disparar a sua arma de fogo sobre o CC sempre com a intenção de o alvejar, quis tirar-lhe a vida, o que veio a conseguir, apesar das intervenções hospitalares, sabendo bem que esta sua conduta era proibida e penalmente punida.

36.º) O arguido, que não tinha visto o falecido antes dos tiros deste, agiu impulsionado pelo súbito aparecimento do CC, pressionado e motivado pela conduta deste de o querer matar, e, em estado de extrema exaltação e emoção que não conseguiu controlar, causada por aquela outra conduta e sem ter a noção da gravidade dos ferimentos por si sofridos, que o perturbaram e lhe alteraram as suas normais faculdades de avaliação e determinação (alterado pela Relação, fls. 1363).

37°) O arguido ao disparar no largo onde estavam muitas pessoas e em fuga no decurso da festa previu a possibilidade de poder atingir outras pessoas com os disparos e assim feri-las ou matá-los, conformando-se com o resultado tendo disparado pelo menos um tiro sobre o opositor na direcção do local onde estavam e se dirigiam muitas pessoas (deve ser conjugado com o n.º 64.º, segundo a Relação, fls. 1355);

38.°) O arguido tem licença de uso e porte de arma desde 25/2/2003 e a arma que usou está manifestada e registada em seu nome,

39°) e tal revolver não foi feito para disparar projecteis que depois de atravessarem o corpo de uma pessoa não consigam trespassar a roupa da mesma ao saírem;

40.°) O falecido não era titular de licença e uso de porte de arma nem a arma que usou estava registada ou manifestada

41.º) Se o arguido estivesse a contar com o CC podia antes tê-lo visto e não deixar que fosse ele o primeiro a disparar;

42.°) O arguido só se tinha encontrado com o CC uma vez e pouco o conhecia.

43°) O arguido só se apercebeu da situação e do CC quando se viu ferido pelos disparos deste.

44°) Findos os disparos o falecido CC regressou a casa e saiu com o seu carro para ser socorrido no Centro de Saúde de Vimioso, e daí foi enviado para o H.D. Bragança que o remeteu para o Porto e onde veio a falecer, e o arguido entrou no bar a pedir socorro tendo-lhe sido prestado;

45.°) O arguido tem o 8° ano de escolaridade que concluiu em regime nocturno;

46.°) E trabalhador, educado e respeitador.

47°) Vivia com a esposa e duas filhas, maiores, a estudar no ensino superior, a quem sustenta pelo seu trabalho de empresário de metalo-mecânica/canalização e encontrava-se a fazer uma obra no Pavilhão Multiusos de Mogadouro, juntamente com um trabalhador ao seu serviço, e vive desafogadamente;

48.°) Goza de apoio familiar

49°) Tem mantido bom comportamento prisional;

50.°) Não tem antecedentes criminais.

51.º) A DD sentiu que ia morrer nos poucos minutos de vida que lhe restaram após o disparo e teve dores físicas e psíquicas face á angústia com a proximidade da morte e ter de abandonar as suas filhas, apercebendo-se da bala que a atingiu e ao agarrar a filha para a proteger,

52.°) e esta não vai esquecer o disparo violento e suas consequências;

53°) O seu marido e filhas sofreram com a morte da esposa e mãe para quem foi uma perda irreparável e insubstituível.

54°) As suas filhas BB e II, sentem angústia e desespero com a falta da mãe, e pensam muito nela, tendo tido dificuldade em dormir um sono sossegado e por vezes chamando por ela.

55°) O marido da DD, ficou destroçado com a perda da mulher, a quem amava, sofreu e sofre forte dor emocional, tendo perdido a vontade de viver, e vive assaltado por medo e angustia por si e suas filhas, vivendo para elas;

56°) A DD tinha uma vida longa pela frente, cheio de sonhos e esperanças, era muito Jovem, saudável e com gosto pela vida, tinha grande vontade e força de viver.

57°) As filhas viram-se privadas do rendimento da mãe, sendo este importante para a subsistência das mesmas, dado uma filha ter 9 anos e a outra 2 anos

58.°) A falecida trabalhava em casa e na lavoura cultivando produtos para seu sustento e da casa e ia poder continuar a trabalhar e contribuir para o sustento das suas filhas, bem como continuar a trabalhar para a economia comum do casal até à idade provável de reforma;

59.°) Era casada no regime de comunhão de adquiridos.

60°) Os demandantes gozam de modesta condição sócio-económica;

61°) A BB foi e tem sido tratada à mão esquerda, no hospital da Prelada do Porto;

62.°) Com tratamentos, deslocações e outros em idas várias aos hospitais, desde a data da lesão da BB, até hoje, despendeu o seu pai a quantia de 1.000,00.

63.°) Além das fortes dores físicas, sofre com a angustia dos tratamentos, e pelo facto de não ter uma infância feliz e repleta de brincadeiras como qualquer criança da mesma idade, por não mexer todos os dedos da mão como as outras crianças e ter de passar algum tempo em hospitais e consultas

64.°) Ao arguido nunca passou pela cabeça disparar a arma para atingir a BB e a mãe, e estava tranquilo com os seus amigos e assim continuaria se não o tivessem arrancado do convívio aos tiros (deve ser conjugado com o n.º 37.º, segundo a Relação, fls. 1355)

65°) O projéctil indicado a fls. 245 como tendo atingido a DD foi encontrado no local 38,30 horas depois dos factos no dia 16/9/05 pelas 14,30 horas.

66°) Em consequência do falecimento da DD o Instituto de Segurança Social pagou ao seu viúvo EE e ás filhas JJa e BB a titulo de subsidio por morte a quantia de 2.560,08, sendo 1.280,04 ao viúvo e 640,02 a cada uma das filhas, e desde Outubro /2005 a Outubro/2006, pagou de pensões de Sobrevivência ao viúvo a quantia de 2.001,51 e de 500,28 a cada uma das filha, e o valor mensal actual recebido pelo viúvo de pensão é de 133,95 e de 33,48 para cada uma das filhas;

67.°) No Centro Hospitalar do Nordeste EPE — Unidade Hospitalar de Bragança, através do H. D. Bragança, foram assistidos, no dia 15/9/05 a BB e o CC, ás lesões que demandaram a prestação dos adequados cuidados de saúde, que lhes prestou e cujo custo é em relação à BB de 838,33 , e em relação ao CC é de 525,58 .

68.°) O Centro de Saúde de Vimioso, prestou os cuidados de saúde que a sua situação demandava nos dias 31 de Agosto e 15 de Setembro de 2005 ao CC, cujo custo foi de 41,10 e de 52,50 respectivamente, à BB em 15/9/05 cujo custo foi de 52,50, e ao arguido em 15/9/05 cujo custo foi de 54,14 .

Factos não provados:

69°) O arguido agrediu o queixoso CC, após acesa troca de palavras recíprocas, e deu-lhe uma pancada com uma garrafa de cerveja e com uma cadeira que para o efeito empunhou

70.°) O CC quis logo naquele local e de imediato exercer retorsão sobre o arguido, e tenha decidido apenas desforrar-se da ofensa que o arguido lhe infligira;

71°) Em data anterior a 14/9/05 o arguido foi aconselhado pelas testemunhas HH e II a não ir a Uva para evitar de se encontrar com o CC, informando-o de que se ali o encontrasse seguramente se vingaria da ofensa que o arguido lhe infligira.

72.°) No dia 14/9/05 o arguido saiu da Residencial ás 22,00 horas e convidou o HH a ir ao Bar das Brasileiras.

73°) O Carlos disse que já passara muito tempo desde os factos anteriores e o CC Já não se lembrava de nada.

74.°) Aventaram a hipótese de o Bar das Brasileiras estar fechado por causa da festa de Uva caso em que iriam á festa, e combinaram que o arguido iria primeiro e eles apareceriam mais tarde;

75.°) O arguido esperou algum tempo por eles no bar das brasileiras e esperou por eles no café do bar da comissão de festas;

76.°) O arguido levou o seu revólver para Uva disposto a tudo e para prevenir de ai, no ajuntamento, não ter de retirar-se como sucedera na noite de 30 de Agosto.

77.°) No largo da aldeia estavam cerca de 300 pessoas,

78.°) O CC tomou a presença ali do arguido como provocação e desafio, pelo que logo formulou o desígnio de vindicta, perspectivando uma boa oportunidade de se redimir da ofensa que este lhe tinha infligido em 30 de Agosto e em execução desse desígnio foi buscar a arma.

79°) O falecido aproxima-se a menos de 1 m onde o arguido estava com os amigos, e dispara o 1° tiro com a mão apoiada na mesa

80.°) Disparou um tiro cujo impacto depois de fazer ricochete esta assinalado numa das cadeiras do café

81.º) O arguido já tinha esquecido o episódio do dia 30/8 e era sua convicção que o CC teria feito o mesmo;

82.°) O CC dispara sete projécteis;

83°) O CC saiu convencido de que apenas atingira gravemente o arguido, e saiu do bar tão decidida e rapidamente quanto entrara,

84°) O 1° disparo contra o CC não o atingiu, embatendo o projéctil no aro da porta de ferro da garagem daquele, e CC tenha sido surpreendido e virou-se e ao mesmo tempo que caminhava na direcção da multidão que estava na festa.

85.°) O arguido ia avançando para e alvejando o CC

86.°) O CC ficou sem munições na arma, pelo que se dirigiu rapidamente para junto da multidão e quando estava de costas para o arguido este efectuou mais dois disparos nessa direcção

87.°) O arguido persistiu em matá-lo mesmo quando ele, já sem munições na respectiva arma, indefeso e de costas viradas para o arguido, se dirigia para a multidão para aí se refugiar (eliminado pela Relação, fls. 1351)

88°) Tenha sido o projéctil do último disparo efectuado pelo arguido na direcção do CC e das demais pessoas que fugiam, para as traseiras do bar, que atingiu a menor, então com 2 anos de idade e sua mãe quando esta, levando a filha nos braços e cingida a si, corria para as traseiras do bar.

89°) A bala depois de sair do corpo da DD já não perfurou a roupa desta, ou já não tinha força para o fazer ou para provocar outros ferimentos visíveis na menor Cama caso a atingisse, e que sua mãe cingia contra si a essa altura do seu corpo e em frente ao local de saída.

90.°) O arguido tenha disparado a sua arma de fogo na direcção das pessoas que frigiam para se refugiarem nas traseiras do bar referido, e tenha previsto como resultado possível do seu disparo não alvejar o CC e tenha previu como fortemente possível que o projéctil atingisse alguma ou algumas dessas pessoas, conformando-se com tal resultado. (eliminado pela Relação, fls. 1351)

91.°) Disparo que, como veio a acontecer, atingiu realmente a menor BB e atingiu mortalmente a mãe desta, a DD.

92.°) O arguido firmemente disposto, desde início, a eliminar o CC, executou este seu desígnio começando a disparar sobre o opositor em local onde estavam muitas pessoas;

93°) O arguido nunca decidiu matar o CC.

94°) Não foi o arguido que feriu a BB ou matou a mãe dela a DD, e a bala que as atingiu não saiu do revólver do arguido, pois se o fosse desfazia a mão da menor e trespassava mais pelo menos duas pessoas;

95°) O projéctil indicado a fls 245 foi encontrado no local onde terá sido alvejada a DD.

96°) O CC de frente para a multidão disparou três ou quatro tiros, e um dos que ele disparou que atingiu mortalmente a DD e feriu a BB;

97°) A bala que atingiu a BB e a mãe saiu da pistola do CC

98°) As filhas da DD não conseguem dormir um sono sossegado e tranquilo, sem serem assoladas por pesadelos com a morte trágica da sua mãe, e acordam aos gritos desesperadas.

99°) A falecida DD auferia à data dos factos o salário mínimo nacional.

100.°) Não seja possível avaliar o grau de incapacidade das lesões da BB na mão esquerda e tenha de e ter de ser submetida novas cirurgias e sofre por isso;

101.º) A DD teve morte imediata;

102°) Tudo o que o arguido fez foi para impedir que o CC o assassinasse;

103.°) Não pode ter sido ele quem magoou a menor e atingiu a mãe;

104.°) A DD não se apercebeu da lesão da filha ou da bala que a atingiu a si;

105°) A BB há-de perguntar apenas pela causa das marcas da sua mão;

106°) O arguido nunca ganhou mais do que 750,00 mensais na sua profissão;

A Relação exprimiu o entendimento (fls. 1365) de que:

«3.º – é de aceitar as razões invocadas no acórdão recorrido, quanto ao não apuramento de quem disparou o tiro que atingiu a BB e a DD, porquanto as provas produzidas, mormente as periciais, não permitem uma conclusão segura e totalmente isenta de dúvidas;

4.º – pelos motivos invocados na motivação, não parece que se possa concluir, com segurança, que o arguido agiu em estado de exaltação, pois o mesmo tinha presente a ocorrência antecedente, o intuito de retaliação anunciado pelo CC, e não obstante as advertências feitas pelos amigos, foi para a festa devidamente armado e disposto ao que desse e viesse;

5.º – o arguido aquando do sucedido na segunda ocorrência, já se encontrava preparado para essa eventualidade e predisposto a retaliar, caso o adversário o enfrentasse, o que aconteceu; (não há n.º 6)

7.º – fê-lo de forma ágil, decidida e eficaz, o que não é demonstrativo de grande perturbação.»

2.3.

Nulidade do acórdão.

O arguido sustenta também que o acórdão recorrido incorre na nulidade do art. 379° n° 1 al. a) do CPP quando dispõe que: “como será de constatar, a alteração da fixação da matéria de facto no que concerne ao sucedido com a falecida DD e à sua filha BB não permite enquadrar a conduta do arguido tanto no crime de homicídio do art. 131.° em relação à primeira, como do crime de ofensas à integridade física simples do art. 143°, n°1, ambos do Código Penal” (conclusão 3), pois desconhece o recorrente, a que alteração da matéria de facto, se refere, pois na apreciação da matéria de facto, são eliminados itens e dada nova redacção de outros, mas não especifica qual a matéria de facto que sustenta integrar a conduta do recorrente o crime de participação em rixa do art. 151° do Penal (conclusão 4), limitando-se a justificar o não enquadramento nos crimes da acusação, “porque não se conseguiu determinar quem foi o seu autor, designadamente se a bala que vitimou as mesmas foi efectivamente disparada pelo arguido, porquanto tanto podia sê-lo, como poderia tê-lo sido pelo CC.” (conclusão 5)

Mas esses factos, não resultam de nenhuma alteração da matéria de facto fixada, pois já tinham sido dados como não provados (conclusão 6), o que o tribunal a quo confirmou (conclusão 7), desconhecendo o recorrente quais destes factos, conduziram à alteração da matéria de facto fixada, que permitem qualificar a conduta do recorrente como integradora dos elementos do tipo do crime de participação em rixa (conclusão 8).

Sustenta ainda o recorrente que o tribunal a quo entendeu que houve uma alteração da fixação da matéria de facto, e que com esta alteração, passou a conduta do arguido o integrar um crime de participação em rixa, da previsão do art,151° n°1 do C Penal, notificando o arguido nos termos e para os efeitos do art. 358.º, n° 3, e que esta alteração não concede qualquer faculdade de produção de prova, porquanto está em causa apenas uma questão de direito e esta, como se sabe, não é susceptível de prova, incorrendo na nulidade previsto no art. 379.º n° 1 al. b) (conclusão 9), mas este entendimento viola princípios fundamentais do direito de defeso do arguido, pois sempre que houvesse coincidência no bem jurídico protegido pelos diversos tipos legais, ou que a moldura penal de um fosse inferior à do outro, estar-se-ia sempre no âmbito de uma alteração não substancial, deixando o art. 359 ° de ter aplicação prática (conclusão 10).

O recorrente na preparação da sua defesa, não teve nunca presente/oportunidade de se defender do crime por cuja prática foi agora condenado, nem podia, na sua contestação ao crime de homicídio, cujos pressupostos de facto e de direito não são coincidentes com o tipo legal do art. 151° (conclusão 11), nunca lhe tendo sido facultada a garantia de defesa de produção de prova (testemunhal ou outra) sobre o crime pelo qual foi condenado, violando as garantias de defesa do art. 2° da CRP que aqui também se invoca com o objectivo de dar cumprimento ao art.72° da Lei do Tribunal Constitucional (conclusão 12)

Não colhe o argumento do acórdão recorrido de que a moldura do crime de participação em rixa é inferior à do crime de homicídio, pois o recorrente tinha sido absolvido do crime de homicídio, pelo que manifestamente há uma agravação (conclusão 13).

O crime de participação em rixa é diverso do crime de homicídio simples de que foi absolvido pelo que a verificar-se esta imputação sempre se estará no âmbito do art. 359° por referência ao art. 1.º, al. f) (conclusão 14) e ainda que tivesse sido cumprido o art. 359° n° 3, sempre havia por parte do arguido oposição à continuação do julgamento pelos novos factos (conclusão 15).

Finalmente refere o recorrente que a interpretação dada ao art. 358° n° 3 do CPP no sentido de que a alteração da matéria de facto fixada consubstancia uma alteração do qualificação jurídica, e não uma alteração substancial dos factos por imputar ao recorrente um crime diverso e como tal só tem que ser notificada ao arguido para este alegar de direito, sem que se conceda prazo para produção de prova, contraditório, realização em julgamento em primeira instância e duplo grau de valoração, é ofensiva dos princípios constitucionais das garantias de defesa e do contraditório consagrados no art. 32° n°s 1 e 5 da CRP, o que aqui se invoca também com o objectivo de dar cumprimento ao art. 72° da Lei do Tribunal Constitucional (conclusão 16).

Sobre esta questão escreve-se na decisão recorrida:

«1.- Como será de constatar, a alteração da fixação da matéria de facto, no que concerne ao sucedido com a falecida DD e à sua filha BB, não permite enquadrar a conduta do arguido tanto no crime de homicídio do art. 131 .°, em relação à primeira, como do crime de ofensas à integridade física simples do art. 143.°, n.° 1, ambos do Código Penal.

E isto porque não se conseguiu determinar quem foi o seu autor, designadamente se a bala vitimou as mesmas foi efectivamente disparada pelo arguido, porquanto tanto o podia sê-lo, como poderia tê-lo sido pelo CC.

No entanto, cremos que a conduta do arguido integra um crime de participação em rixa, da previsão do art. 151.°, n.° 1 do Código Penal, que pune “Quem intervier ou tomar parte em rixa de duas ou mais pessoas, donde resulte a morte ou ofensa à integridade física grave”.

Mediante este crime tutela-se a vida ou a integridade física e indirectamente a ordem pública pelo que havendo uma coincidência com o bem jurídico protegido pelo crime de homicídio, não se pode falar, sob uma perspectiva teleológica, que é a que está presente no segmento normativo da al. f) do art. 1.º do C. P. Penal, numa alteração substancial, tanto mais que a moldura penal do primeiro é inferior à do segundo.

Nem esta alteração da qualificação jurídica permite que seja concedida qualquer faculdade de produção de prova, porquanto está em causa apenas uma questão de direito e esta, como se sabe, não é susceptível de prova.

Assim e mediante o crime de participação em rixa pretende-se prevenir de situações perigo e, quando este se concretize, punir os seus intervenientes, quando não é de todo possível determinar quem foram os autores do resultado que se pretendia acautelar.

A acção típica deste ilícito consiste na participação (“intervier ou tomar parte”) numa rixa, ou seja, em situações de contenda onde intervêm, pelo menos, duas pessoas, as quais protagonizam acções de violência, portadoras de certo risco.

Daí que o resultado previsto neste tipo – “a morte ou ofensa à integridade física grave” – surjam antes como condição de punibilidade.

A ser assim e face à descrição típica deste ilícito não é necessário que para o seu preenchimento essa morte ou ofensa à integridade física grave tenha que resultar num dos intervenientes nessa rixa, podendo a mesma ocorrer noutra pessoa que aí se encontre casualmente e não tenha qualquer participação nessa ocorrência, como aqui sucedeu.

Neste sentido Luigi Tramontano, no “Il Codice Penale Spiegato” (2006), p. 796; sustentando apenas a primeira vertente Taipa de Carvalho, no “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo 1 (1999), 317; Quintero Olivares e outros no “Comentário a Nuevo Código Penal” (2005), p. 815; no sentido de que se protege preferencialmente a paz social temos Frederico Isasca, “Da participação em rixa” (1985), p. 79 e ss. (p. 87).

O elemento subjectivo basta-se com o dolo genérico, ou seja, mediante a consciência e vontade de participar nessa rixa e de que, através dessa intervenção, podia pôr em perigo a vida ou integridade física de outrem, como aqui resulta do provado em 37°).

Nesta conformidade, podemos concluir que o arguido comete o crime de rixa do art 151.º do Código Penal, ao participar numa contenda com uma outra pessoa, em que ambos disparam um contra o outro, no decurso da qual é atingida por um desses disparos, cujo autoria não se consegue precisar, uma pessoa que casualmente ai se encontrava numa festa, que, em consequência, do sucedido vem a falecer.

Atenta as lesões sofridas pela menor BB, descritas em 30.° dos factos provados, e na sequencia da imputação do crime de ofensas à integridade física simples efectuada pelo Ministério Público, não podemos considerar tais ofensas como graves e susceptíveis de ser integradas numa das circunstâncias descritas no art. 144.°, do Código Penal, onde se descrevem quais são essas situações agravantes.

Por sua vez, a actuação do arguido não se enquadra na cláusula geral de justificação enunciada no n.° 2 do art. 151 .°, porquanto a mesma não foi “determinada por motivo não censurável”, nomeadamente para reagir contra um ataque, defender outrem ou separar os contendores.

E isto porque, quando o arguido reagiu à agressão de que tinha sido vítima por parte do CC, já este se tinha ausentado do local da contenda inicial, tendo apenas aquele o intuito de retaliar.

Por isso e tendo já terminado essa agressão, não existiu, com essa actuação posterior do arguido, qualquer necessidade defensiva da sua parte.»

Importa notar, numa abordagem breve e sem curar agora do acerto da qualificação jurídica efectuada, que da decisão recorrida resulta que esta respeitou devidamente os ditames da lei, não merecendo, na sua óptica, a censura pretendida pelo arguido, com a arguição de nulidade.

Com efeito, a mera alteração da qualificação jurídica, isto é a convolação, quando assente na mesma matéria de facto, como o próprio arguido aceita acontecer no caso sujeito, não é uma alteração de factos (substancial ou não substancial), exactamente porque os factos são os mesmos, não foram alterados.

Só que o n.º 3 do art. 358.º do CPP (alteração não substancial dos factos) aditado pela Lei n.º 59/98 veio dispor que o disposto no n.º 1 desse artigo é correspondentemente aplicável quando o tribunal altera a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.

E prescreve esse n.º 1 que se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede­lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. Salvo se a alteração tiver derivado de factos alegados pela defesa (n.º 2), caso em que se não aplica o referido n.º 1.

Ou seja, a mera alteração da qualificação jurídica não é alteração de factos (substancial ou não substancial), mas é-lhe aplicado o regime jurídico da alteração não substancial dos factos.

O que faz cair, pela base toda a argumentação do recorrente, pois nenhuma ofensa foi feita aos seus direitos de defesa constitucionalmente consagrados.

Diga-se, aliás, que a mencionada alteração do art. 358.º do CPP nasceu até da jurisprudência constitucional sobre a alteração da qualificação jurídica.

Com efeito, o Acórdão n.º 2/93, (de 27-1-93, DR IS-A de 10-3-93 BMJ 423-47) deste Supremo Tribunal de Justiça, uniformizou jurisprudência no sentido de que para os fins do art.ºs 1º, al. f), 120º, 284º, nº 1, 303º, nº 3, 309º, nº 2, 359º nºs 1 e 2 e 379º, al. b) do CPP, não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave.

E o Tribunal Constitucional em recurso interposto deste acórdão de valor reforçada proferiu o Ac. nº 279/95 (DR II Série, de 28-7-95, pág. 8758), no seguinte sentido: «Artigo 1.º, alínea f), conjugado com os artigos 120.º, 284.º, n.º 1, 303.º, n.º 3, 309.º, n.º 2, 359.º, n.ºs 1 e 2, e 379.º, alínea b), e interpretado nos termos constantes do Assento n.º 2/93, como não constituindo alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), mas tão só na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídico-penal dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que o arguido seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa: julgada inconstitucional, por violação do princípio constante do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição».

O Supremo Tribunal de Justiça veio a reformular, por acórdão de 13-11-97, aquela decisão (proc. n.º 43073) no seguinte sentido: «ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta exista, o Tribunal pode proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente dê conhecimento e, se requerido, prazo, ao arguido, da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo possa organizar a sua defesa jurídica».

O Tribunal Constitucional (pelo Ac. n.º 446/97 de 25-6-97), declarou inconstitucional, com força obrigatória geral – por violação do princípio constante do n.º 1 do art. 32.º da Constituição –, a norma ínsita na alínea f) do nº 1 do art. 1º do Código de Processo Penal, em conjugação com os artigos 120º, 284º, nº 1, 303º, nº 3, 309º, nº 2, 359º, nº 1 e 2, e 379º, alínea b), do mesmo Código, quando interpretada, nos termos constantes do Acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de Janeiro de 1993 e publicado, sob a designação de «assento nº 2/93», na 1ª série-A do Diário da República, de 10 de Março de 1993 – aresto esse entretanto revogado pelo Acórdão nº 279/95, do Tribunal Constitucional –, no sentido de não constituir alteração substancial dos factos descritos na acusação ou pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, mas tão-somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa».

Entretanto, o legislador da Lei n.º 59/98 alterou, nos termos referidos, o art. 358.º do CPP, mandando aplicar aos casos de alteração de qualificação jurídica dos factos da acusação ou pronúncia o regime da alteração não substancial dos factos.

Lembre-se, aliás, que significativamente o mesmo legislador alterou então o art. 339.º do CPP, aditando-lhe um n.º 4: «sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º»

Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. n.º 3/00. de 15-12-1999, DR IS-A de 11-02-00) tirou um acórdão uniformizador de jurisprudência em que se dispõe: «Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa (sobre a evolução desta questão e as suas ramificações podem ver-se Leal-Henriques e Simas Santos, CPP Anotado, 2.ª Ed., II, em anotação ao art. 358.º)

Refira-se ainda que na recente alteração do CPP, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, se previu no art. 424.º, quanto aos tribunais superiores, que «sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias» (n.º 3).

O que o Tribunal recorrido fez cumprir.

2.5.

Verificação do crime de participação em rixa

Sustenta o arguido que agiu impulsionado pelo súbito aparecimento do CC, pressionado e motivado pela conduta deste de o querer matar, não tendo havido nenhuma desordem ou agressão mútua, mas uma reacção por parte do arguido a um ataque do CC, que o queria matar, que excluía, caso se verificasse o crime de participação em rixa, qualquer censura jurídico-penal por força do art. 151° n° 2 do CP (conclusão 17).

Não teve a intenção de se dirigir para um local para se envolver em desordem com outrem, estava tranquilo com os seus amigos e assim continuaria se não o tivessem arrancado do convívio aos tiros (conclusão 18), não representou a existência da rixa e não se conformou com a perigosidade da mesma, tendo agido só motivado pelo legítimo espírito de defesa não se tendo apercebido das circunstâncias envolventes (conclusão 19), pelo que se não verificam os elementos objectivos do crime de participação em rixa, nem o tipo subjectivo de ilícito que exige o dolo directo, necessário ou eventual, referido exclusivamente à perigosidade da rixa e não ao resultado morte ou lesão corporal, pelo que é indiferente a representação ou não da eventualidade do resultado (conclusão 20).

Neste contexto, alega o recorrente que a decisão recorrida padece dos vícios do art. 410° n° 2 do CPP, resultando tais vícios do texto da decisão recorrida, conjugada com as regras de experiência comum (conclusão 25): contradição insanável no texto da decisão recorrida quando entende que a actuação do arguido não se enquadra na cláusula geral de justificação enunciada no n.° 2 do art. 151.º, porquanto a mesma não foi “determinada por motivo não censurável”, nomeadamente para reagir contra um ataque, defender outrem ou separar os contendores. E isto porque, quando o arguido reagiu à agressão de que tinha sido vítima por parte do CC, já este se tinha ausentado do local da contenda inicial, tendo apenas aquele o intuito de retaliar. Por isso e tendo já terminado essa agressão, não existiu, com essa actuação posterior do arguido, qualquer necessidade defensiva da sua parte.” (conclusão 21); e em manifesta contradição para justificar a integração da conduta do arguido no crime de homicídio privilegiado do art. 133.° do Código Penal, entende já ter o arguido reagido no sentido de que qualquer pessoa, em circunstâncias idênticas, poderia agir do mesmo modo (conclusão 22).

Contradição insanável ainda existiria quando refere o acórdão recorrido “Naturalmente que existe uma persistência da actuação do arguido em querer matar o seu opositor, mas isso e atendendo à prontidão da sua resposta, não afasta a compreensão da mesma, nem a emoção violenta que o dominava, porquanto a sua conduta foi sempre a mesmo, mediante uma única resolução, não havendo hiatos de reflexão ou de ponderação que pudessem afastar a exigibilidade de um outro comportamento.” (conclusão 23)

Mostrando-se a questão dos invocados vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP já resolvida, aquando da apreciação da impugnação da decisão da questão de facto, vejamos a restante alegação.

De acordo com o disposto no art. 151.º do C. Penal, comete o crime de participação em rixa aquele que intervier ou tomar parte em rixa de 2 ou mais pessoas, donde resulte morte ou ofensa à integridade física grave (n.º 1), não sendo punível quando for determinada por motivo não censurável, nomeadamente quando visar reagir contra um ataque, defender outrem ou separar os contendores (n.º 2).

Já se pronunciou este Tribunal sobre os elementos deste tipo de crime, jurisprudência que importa lembrar.

Assim, entendeu (AcSTJ de 12-11-97, BMJ 471-47) que «a expressão «quem intervier ou tomar parte em rixa» constante do art.º 151, do CP, significa que é punido tanto aquele que voluntária e conscientemente deu início à briga, como aquele que interveio nela depois de iniciada e ainda não terminada»

Que «o termo “participação” do art.º 151, do CP, evidencia a acção individual de cada agente. Cada participante é autor paralelo de um crime de participação em rixa, não é co-autor do mesmo crime comum.» (Ac. do STJ de 12-11-97, BMJ 471-47).

«O art. 151º do C Penal de 1982 pune apenas os intervenientes em rixa se não provar a sua responsabilidade em crime do homicídio ou de ofensas corporais; provando-se qualquer destes, respondem por ele e não por participação em rixa, que então fica consumida» (AcSTJ de 29-01-92, CJ XVII, 1, 24 e BMJ 413-268).

Os intervenientes numa rixa são punidos pelo simples facto de nela intervirem; provando-se a responsabilidade de algum deles em crime de homicídio ou de ofensas corporais, responderá por este crimes, já que a punição pela participação em rixa fica consumida pela punição deles (AcSTJ de 4-2-93, Acs do STJ n.º 1, 186).

Deve entender-se, pois, que o tipo de crime do art. 151º do C. Penal de 1982 foi instituído para que não ficasse totalmente impune a participação em rixa de que resultar a morte ou a ofensa corporal de alguém, por não ser possível apurar o autor da acção de que proveio esse resultado. Assim a participação em rixa pressupõe que não há acordo ou pacto prévio entre os intervenientes, já que, a existir esse acordo, já se estaria em comparticipação nos crimes de homicídio ou ofensas corporais, o que significa que a individualização do ou dos autores dos crimes de ofensas corporais ou homicídio que sejam cometidos durante a luta impede que cada um dos intervenientes da rixa cometa em acumulação real o crime do art. 151.º (AcSTJ de 03-11-94, proc. nº 46842).

Pode assim concluir-se que não se verifica participação em rixa quando um grupo de pessoas ataca um outro grupo que se limita a defender-se (AcSTJ de 12-11-97, BMJ 471-47) e, verificando-se uma rixa, se se provar a responsabilidade, de algum dos intervenientes na rixa, no homicídio cometido no seu desenrolar, responderá ele pela autoria deste crime e não pelo de participação em rixa (AcSTJ de 31-1-01, proc. nº 2817/00-3. Cfr. ainda o AcSTJ de 12-11-97, BMJ 471-47: «O autor da morte ou das ofensas corporais graves não é punido como participante em rixa, dada a regra da consumpção» e AcSTJ de 29.1.92, CJ XVII, 1, 24 e BMJ 413-268).
(1) - O tipo de crime do art. 151º do C. Penal de 1982 foi instituído para que não ficasse totalmente impune a participação em rixa de que resultar a morte ou a ofensa corporal de alguém, por não ser possível apurar o autor da acção de que proveio esse resultado. (2) - A participação em rixa pressupõe que não há acordo ou pacto prévio entre os intervenientes, já que, a existir esse acordo, já se estaria em comparticipação nos crimes de homicídio ou ofensas corporais. (3) - Daí que a individualização do ou dos autores dos crimes de ofensas corporais ou homicídio que sejam cometidos durante a luta impede que cada um dos intervenientes da rixa cometa em acumulação real o crime do art. 151º. (AcSTJ de 3.11.94, proc. n.º 46842)
(2) - Os bens jurídicos tutelados pelo artº 151, do CP de 1982, são a vida e a integridade física. (3) - O crime de participação em rixa é comum e de perigo abstracto, sendo a morte e/ou ofensa corporal grave, meras condições objectivas de punibilidade. (AcSTJ de 16.10.96, proc. n.º 47285)
Provando-se a responsabilidade, de algum dos intervenientes na rixa, no homicídio cometido no desenrolar dessa rixa, aquele responderá pela autoria deste crime e não pelo de participação em rixa. (AcSTJ de 31.1.2001, proc. n.º 2817/00-3)
(5) - Rixa é a situação de conflito ou de desordem em que intervêm obrigatoriamente mais de duas pessoas, e que é caracterizada pela oposição dos contendores sem que seja possível individualizar ou distinguir a actividade de cada um e que se traduz em actos e não apenas palavras ou gestos. (6) - Na participação em rixa punem-se apenas os intervenientes em rixa se não provar a sua responsabilidade em crime do homicídio ou de ofensas corporais; provando-se qualquer destes, respondem por ele e não por participação em rixa, que então fica consumida. (7) - Assim não se verifica participação em rixa quando um grupo de pessoas ataca um outro grupo ou uma pessoa que se limita a defender-se. Como sucede quando a infeliz vítima não se envolveu em qualquer rixa com os arguidos, tendo somente procurado, acompanhado de testemunhas, exercer um legítimo direito a uma água, pelo qual lutara, com ganho da causa, até ao Supremo Tribunal de Justiça, e foi, desde o início, o alvo da agressão dos arguidos, sem nada ter contribuído para ela, sofrendo aquela acção e tentando defender-se, sem êxito, de um ataque concertado. (AcSTJ de 11.4.2002, Acs STJ X, 2, 166), proc. n.º 1073/02-5)
(I) - O crime de participação em rixa, cuja criminalização foi introduzida pelo CP82, visa a protecção dos bens jurídicos da vida e integridade física, e não a paz social, como também, minoritariamente, se defende. (II) - Esse ilícito pressupõe um acontecimento mútuo, recíproco, entre duas ou mais pessoas, de que resulte a morte ou ofensa à integridade física grave, um confuso confronto em que as pessoas, à margem de qualquer acordo prévio (cf. Maia Gonçalves, CP Anotado), são reciprocamente ofendidas e ofensoras, mas por se desconhecer o contributo de cada para o resultado global, o legislador penaliza, em nome de uma justa proporção e equidade, de forma mais suave, os contendores. (III) - A rixa distingue-se da luta entre grupos rivais e, mesmo naquela, apurando-se o concreto contributo de cada, a punição será em função da individualização para o evento letal ou ofensa física. (IV) - O preceito do art. 151.º do CP concretiza um tipo legal de crime de perigo abstracto para bens pessoais, conciliando três vertentes fundamentais: a eficácia da prevenção de delitos, pela perigosidade imanente, pela potencialidade ofensiva e danosidade social que a rixa objectiva, não raramente terminando na morte ou ferimentos graves de alguns dos seus intervenientes (cf. A. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 315), o princípio da culpa, na medida em que todos respondem pela acção colectiva, e o princípio in dubio pro reo, que noutras circunstâncias inviabilizaria a intervenção penal, mesmo em situações graves e carentes de tutela penal. (AcSTJ de 9.5.2007, proc. n.º 4588/07-3)

A ausência de um nexo de causalidade entre as ofensas à integridade física praticadas pelo arguido e as lesões corporais encontradas na vítima é um pressuposto da qualificação jurídica que o tribunal de 1ª instância fez, pois, sabendo-se que houve agressões (não concretamente apuradas) daquele no corpo desta, só pela ignorância do nexo de causalidade o tribunal recorrido poderia ter imputado ao arguido a prática de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. no art.º 143.º, n.ºs 1 e 3, do CP. (AcSTJ de 10/1/2008, proc. nº 4640/07-5)

Rixa é «disputa acalorada, acompanhada de ameaças e pancadas; desordem; briga; contenda» (AcSTJ de 12-11-97, BMJ 471-47)

Refere-se no Ponto 28 do Preâmbulo do Código Penal que se trata de um tipo legal de «grande importância prática que vem solucionar, através da sua autónoma configuração, graves problemas que se levantam na problemática da comparticipação, sendo, para além disso, um elemento fortemente dissuasor da prática, quantas vezes leviana e irreflectida, de disputas e desforços que nascem pequenos, mas cujos efeitos podem ser altamente danosos».

Veio, pois, este artigo solucionar os problemas que se levantavam na problemática da comparticipação criminosa, em caso de disputas físicas entre várias pessoas, o que lhe atribui «um conteúdo residual face aos art.ºs 131.° (homicídio) e 144.° (ofensas à integridade física graves), pressupondo a impossibilidade de imputação subjectiva, a qualquer dos participantes na rixa, da produção voluntária da morte ou da ofensa corporal grave». O artigo pretende punir as denominadas vias de facto: as pessoas não devem participar em rixas, funcionando depois as normas sobre as ofensas corporais, no fundo trata-se «de estabelecer uma protecção antecipada» (cfr. a intervenção de Figueiredo Dias na Comissão Revisora – ACTA n.° 45, Projecto e Actas da Revisão do Código Penal, 499 e 502). «Apesar de inserido no capítulo dedicado aos crimes contra a integridade física, o art.º 151, do CP, protege não só a integridade física como também a vida da pessoa humana» (AcSTJ de 12-11-97, BMJ 471-47).
À luz destes elementos jurisprudenciais e doutrinais, a decisão recorrida não merece pretendida pelo recorrente.
Com efeito, não se conseguiu determinar quem foi o autor das ofensas à integridade física da menor e da morte da sua mãe, designadamente se a bala vitimou as mesmas foi efectivamente disparada pelo arguido, porquanto tanto o podia sê-lo, como poderia tê-lo sido pelo CC.
E tais resultados ocorreram no decurso de uma luta entre o arguido e o CC, não se podendo afirmar, como pretende o arguido, que ele agiu determinado por motivo não censurável, nomeadamente para reagir contra um ataque, defender outrem ou separar os contendores (n.º 2 do art. 151.º), pois quando reagiu à agressão de que tinha sido vítima por parte do CC, já este se tinha ausentado do local da contenda inicial, tendo o arguido apenas o intuito de retaliar.
E, como se refere na decisão recorrida, tendo já terminado essa agressão, não existiu, com essa actuação posterior do arguido, qualquer necessidade defensiva da sua parte.
Mas merecerá o enquadramento no crime de participação em rixa efectuado pela decisão recorrida, outra censura?
Deve definir-se rixa como a situação de conflito ou de desordem em que intervêm obrigatoriamente mais de duas pessoas, e que é caracterizada pela oposição dos contendores sem que seja possível individualizar ou distinguir a actividade de cada um (Cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Código Penal Anotado, II, em anotação ao art. 151.º). Não pode, pois, restringir-se a duas pessoas, como crime colectivo que é, ou de concurso necessário, porquanto nesse caso haverá apenas um conflito recíproco e não rixa.

Como referem os AA citados (loc. cit.) «As dificuldades de individualização de responsabilidades não se desenham naturalmente numa contenda a dois, surgindo este artigo precisamente para obviar aos casos em que há um conflito mais generalizado. De resto, é claro nesse aspecto o legislador ao dizer: «quem intervier ou tomar parte em rixa de duas ou mais pessoas» (exige-se, assim, a participação do interventor e de pelo menos duas pessoas, o que, no mínimo, implica que sejam três)».

Neste sentido, e que se acompanha, se pronunciou este Supremo Tribunal de Justiça ao decidir que rixa é a situação de conflito ou de desordem em que intervêm obrigatoriamente mais de duas pessoas, e que é caracterizada pela oposição dos contendores sem que seja possível individualizar ou distinguir a actividade de cada um e que se traduz em actos e não apenas palavras ou gestos. (AcSTJ de 11.4.2002, Acs STJ X, 2, 166, proc. n.º 1073/02-5, com o mesmo relator destes autos).
Já no AcSTJ de 12.11.97 (BMJ 471-47) se afirmara, aliás, que «na definição legal, a rixa é constituída pelo mínimo de três pessoas formando duas facções que reciprocamente se agridem fisicamente, não existindo ela quando só um grupo ataca e o outro se defende».

Deste entendimento se afastou o AcSTJ de 13.12.01 (proc. n.º 3433/01-5, com um voto de vencido do mesmo relator do presente) que cita em seu apoio Maia Gonçalves (Código Penal Anotado, anotações 3 e ss. ao art. 151.º); Frederico Isasca (Da Participação em Rixa, 1994, ps. 70 e ss.) e Taipa de Carvalho (Comentário Conimbricense, I-321).

Reconhece Taipa de Carvalho na obra citada, que é “muito debatida na doutrina estrangeira, tem sido a questão do número de contendores pressuposto pelo crime de participação em rixa. A posição claramente dominante tem ido no sentido de exigir pelo menos três pessoas. Todavia a fundamentação desta exigência parte apenas da motivação que historicamente (cf. supra § 2), levou à consagração da figura criminal da participação em rixa: a dificuldade de provar qual dos intervenientes foi o causador da morte ou lesão corporal grave (assim, Leal-.Henriques/Simas Santos, art. 151.º; S / S / Stree § 227 3 e Stratenwerth I § 4 24)”.

Com a mesma exigência quanto ao número de contendores se posiciona a maioria da doutrina brasileira (Magalhães Noronha, Direito Penal, 13ª edição, Saraiva; Euclides da Silveira, Crimes contra a pessoa, 2.ª edição, Revista dos Tribunais, Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal; Aníbal Bruno, Crimes contra a Pessoa, 3.ª Ed.; Damásio de Jesus, Direito Penal, parte especial, 4.ª edição, Heleno Cláudio Fragoso, Lições de direito penal, parte especial, 3.ª edição e Júlio Fabbrini Mirabete, Manuel de Direito Penal, 18.ª edição) e com base com outras razões além da apontada.

Com efeito, o último Autor referido escreve a propósito: “a rixa é um crime plurissubjectivo (de concurso necessário), só existindo se houver pluralidade de participantes. Exige-se, no caso, três ou mais pessoas, pois um desforço entre duas pessoas configurará vias de facto ou lesões corporais recíprocas. A opinião de Valdir Sznick, da possibilidade de rixa com duas pessoas, embora amparada em Carrara e Manzini, entre outros, não se sustenta, já que seus exemplos são casos de lesões corporais em que se impõe a absolvição de provas sobre quem iniciou a agressão ou co-autoria e outros crimes ou contravenções. Pune-se, aliás, a participação e não a autoria; com apenas duas pessoas só impropriamente se poderia falar em participação” (pág. 146)

Ora, no caso, o confronto ocorreu somente entre duas pessoas: o arguido e o CC, pelo que se deve ter por não verificado o crime de participação em rixa, dele se absolvendo o arguido.

2.6.

Medida da pena

Sustenta o recorrente que parece não terem relevado os motivos que determinaram o cometimento dos crimes, as condições pessoais do agente e a conduta anterior e posterior aos factos, dada a elevada pena única aplicada (conclusão 26), quando reagiu/defendeu-se de um crime de ofensa à integridade física tentado precedida de injurias por parte do CC e o tribunal a quo ignorou a esta conduta (conclusão 27), e ao agravar a pena aplicada, todas as lesões sofridas pelo recorrente e toda a conduta do falecido CC (conclusão 28).

A verificar-se o crime de participação em rixa, a pena de 18 meses de prisão peca por excesso sendo que a sua proximidade com o máximo da sua moldura penal abstractamente aplicável, não encontra eco nos factos descritos pois a mesma peca por excessiva e ultrapassa o culpa do recorrente evidenciada na prática dos facto (conclusão 29), não tendo naquela pena única, sido correctamente consideradas as demais circunstâncias, resultantes do acórdão e previstas no art. 71°, n.° 2, al b) e c) do C. Penal: o grau de ilicitude dos factos e o respectivo modo de execução, bem como a intensidade do dolo (conclusão 30). É manifestamente desajustada e desproporcional a pena de prisão aplicada (conclusão 31).

A decisão recorrida condenou, como se viu, o arguido AA, nas penas de:

– de 9 meses de prisão: ofensa à integridade física simples do art. 143.° (referente a CC);

– de 4 anos de prisão: homicídio privilegiado do art. 133.° (referente a CC);

– de 18 meses de prisão: participação em rixa do art. 151.° (referente a DD);

– de 5 anos de prisão, em cúmulo jurídico.

Absolvido que vai pela prática do crime de participação em rixa, resta considerar unicamente a pena de 4 anos de prisão aplicada pelo crime de homicídio privilegiado, já que não vem impugnada a pena infligida pela ofensa à integridade física e, em todo o caso a pena única pelo afastamento do referido crime.

Escreve-se na decisão recorrida:

«A todo o crime corresponde uma reacção penal, mediante a qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada por quem viola os comandos legais do ordenamento penal, estando a mesma definida no respectivo tipo legal.

No caso do crime do art. 143.°, n.° 1, será uma pena de prisão até 3 anos ou uma pena de multa, que será até 360 dias [ C. P.], no crime do art. 15l.°, uma pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias e no crime do art. 133.°, pena de prisão de 1 até 5 anos.

Estabelecida a medida legal da pena, opera-se a sua determinação judicial, sendo certo que, segundo o art. 40.°, n.° 1, do Código Penal “A aplicação das penas ... visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade”, acrescentando o seu n.° 2 que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação deve ser proporcional à culpa (nota de rodapé omitida).

No entanto, prevendo o respectivo crime uma pena prisão e uma pena não privativa da liberdade, o comando do art. 70.° do Código Penal, manda dar preferência a esta última, “sempre que esta realizar deforma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

No caso em apreço e por manifestas razões de prevenção especial atenta a globalidade da conduta manifestada pelo arguido, será de optar desde logo pela pena de prisão, dando-se assim provimento ao recurso do Ministério Público nesta parte.

Por sua vez, de acordo com os critérios de determinação da medida da pena, fixados no art. 71.º do Código Penal e conjugados com aquele art. 40.°, esta, numa primeira fase é encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.

Assim, daquela primeira aproximação decorrem duas regras centrais: a primeira, consiste em que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, devendo esta eficazmente os bens jurídicos violados a segunda é que deverá se ter em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e da necessidade desta defender-se do mesmo mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada

Posto isto podemos dizer que nesta acção a pena serve primacialmente por um lado, para a responsabilização do arguido, atenta a sua culpa e a intensidade dos bens jurídicos violados, contribuindo ainda, por outro lado e ao mesmo nível, para a sua reinserção, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que o estritamente necessário – como aludia Kohlrausch (nota de rodapé omitida)’ “Na determinação da pena o tribunal deve considerar principalmente que meios são necessários para que o réu leve de novo uma vida ordenada e conforme a lei” (vide “Miii 1KV Neue Folge”, t. 3, p. 7, citado por FL-1-l. Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal”, Vol. II, p. 1195).

Posto isto e atendendo que a culpa do arguido foi razoável na primeira ocorrência, mas já elevadíssima na segunda, atendendo ao circunstancialismo que envolveu a sua actuação, no recinto de uma festa, onde se encontravam muitas e muitas pessoas, pouco depondo a seu favor, para além de ser delinquente primário, afigura-se-nos, mais que ajustado, aplicar-lhe as seguintes penas de prisão:

- crime de ofensas à integridade física: 9 meses de prisão

- crime de participação em rixa: 18 meses de prisão;

- crime de homicídio privilegiado: 4 anos de prisão.»

Vejamos, começando por analisar os poderes de cognição deste Tribunal nessa matéria.

É certo que está afastada a concepção da determinação da pena concreta, em que à lei cabia, no máximo, o papel de definir a espécie ou espécies de sanções aplicáveis ao facto e os limites dentro dos quais deveria actuar a plena discricionariedade judicial, em cujo processo de individualização intervinham coeficientes de difícil ou impossível racionalização, tudo relevando da chamada «arte de julgar». E que a determinação das consequências do facto punível, ou seja, a escolha e a medida da pena, é realizada pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução daquele, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, num processo que se traduz numa autêntica aplicação do direito (art.ºs 70.º a 82.º do C. Penal). Aliás, esse procedimento foi regulado pelo CPP, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369.º a 371.º), e também o n.º 3 do art. 71.º do C. Penal dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.

Mas a controlabilidade da determinação da pena sofre limites no recurso de revista, como é o caso. Tem-se aceite a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação é sindicável em recurso de revista. E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade (Cfr. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, § 82 II 3), bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção.
Já se tem considerado, por outro lado, que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
Determinada a moldura penal abstracta correspondente ao crime em causa), numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente (as circunstâncias da actuação do arguido que foi à festa, bem sabendo que poderia ter um mau encontro com o CC que ali morava, e foi preparado para responder bala por bala a essa eventualidade e que não parou na sua conduta, perante a presença de uma multidão que festejava na rua, contribuindo para a tragédia que se desenrolou);
– A intensidade do dolo ou negligência (o dolo foi directo e muito intenso);
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (o arguido actuou perante a agressão feroz do CC, o que já foi atendido na qualificação jurídica da sua conduta, mas quando este já se havia retirado convencido que o matara, e por retaliação, embora perturbado pelo que acontecera, sem cuidar do ambiente que o rodeava);
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica (tem o 8° ano de escolaridade que concluiu em regime nocturno, vivia com a esposa e duas filhas, maiores, a estudar no ensino superior, a quem sustenta pelo seu trabalho de empresário de metalo-mecânica/canalização e encontrava-se a fazer uma obra no Pavilhão Multiusos de Mogadouro, juntamente com um trabalhador ao seu serviço, e vive desafogadamente; goza de apoio familiar; tem mantido bom comportamento prisional);
– A conduta anterior ao facto e posterior a este (é trabalhador, educado e respeitador e não tem antecedentes criminais);
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (como resulta da persistência na ida de encontro a situação que previa vir a radicalizar-se em extremo e a persistência cega na acção, apesar da presença de todas aquelas pessoas).
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do STJ de 17-09-1997, proc. n.º 624/97).
A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele e que se vieram de abordar.
A esta luz, e atendendo aos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal assistem, impõe-se concluir que a pena concreta fixada e que o recorrente contesta, se situa claramente dentro da sub–moldura a que se fez referência e que dentro dela foram sopesados todos aqueles elementos de facto que se salientaram, não se mostrando que a pena aplicada pelo crime de homicídio privilegiado (numa moldura de 1 a 5 anos de prisão), a única agora em causa, se mostra desproporcionada ou violadora das regras de experiência, por forma a permitir e justificar a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal de Justiça.
Na verdade, embora se aproxime mais do limite máximo da respectiva moldura do que do limite mínimo, as circunstâncias do caso já salientadas, a sua culpa e as necessidades fortes de prevenção geral de integração justificam cabalmente a determinação de uma pena severa.
Pelo que improcede a sua pretensão de ver diminuída essa pena.
Sendo assim, importa refazer o cúmulo jurídico dessa pena com a pena de 9 meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física.
Escreveu-se, a esse propósito, na decisão recorrida:
As regras de punição do concurso de crimes estão fixadas no art. 77.°, do Código Penal, preceituando-se no seu n.º 1 que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação de qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido”.

A pena a aplicar, segundo o n.° 2 deste mesmo preceito, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, que no caso são, respectivamente, quatro anos de prisão e seis anos e três meses de prisão.

Será de referir, como tem sido jurisprudência insistente, de que é exemplo o recente Ac. do STJ de 2007/Fev./07 (Recurso n.° 4592/06) que a fixação da pena conjunta pretende essencialmente sancionar a gravidade global do comportamento delituoso do agente, aferindo-se para o efeito, se todos esses factos e a personalidade do agente, revelam um carácter esporádico ou então uma tendência criminosa.

Por isso, na determinação da pena conjunta importa averiguar se existe ou não conexão entre os factos delituosos em concurso, devendo ainda ter-se em atenção o número de crimes praticados, a sua natureza e as penas que foram efectivamente aplicadas.

Ora a imagem global da ilicitude aqui em apreço do arguido é, sem dúvida, bastante acentuada, porquanto o mesmo não teve qualquer tibieza, e duma penada, em ter logo cometido dois crimes contra a vida, o que dá um carácter mais acentuado ou negativo à sua conduta global, ainda que de certo modo esporádica.

Pelo exposto, consideramos adequado aplicar-lhe uma pena única de cinco anos de prisão.»

Com exclusão da referência ao crime de participação em rixa, merecem concordância estas considerações, mantendo-se as razões que impuseram uma pena significativa quanto ao crime de homicídio privilegiado.

Assim, numa moldura de 4 anos de prisão a 4 anos e 9 meses de prisão, mostra-se adequada a pena de 4 anos e 3 meses de prisão.

2.7.

Suspensão da execução da pena

Sustenta o recorrente que se impunha, em todo o caso, a suspensão da pena nos termos do art.50° e seg.s do C. Penal (conclusão 32).

Hoje essa pena pode efectivamente ser suspensa na sua execução dada a nova redacção do n.º 1 do art. 50.º do C. Penal, que elevou o respectivo limite de 3 para 5 anos de prisão, acima, pois, da pena agora aplicada: 4 anos e 3 meses de prisão.

De acordo com o disposto nesse n.º 1, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Necessário se torna, pois, para a suspensão da execução da pena a formulação de um juízo de prognose social favorável em relação ao agente, partindo:

– da personalidade do agente;

– das condições da sua vida;

– da sua conduta anterior e posterior ao crime.

Juízo de prognose social favorável, que atendendo também às circunstâncias do crime, permita concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º do C. Penal).

Quando o limite atendível estava fixado em 3 anos de prisão, o acento tónico das exigências da lei, que se vieram de analisar, estava situado sobre o juízo de prognose inicialmente referido e que relevava essencialmente para as possibilidades de reintegração do agente, na prevenção da reincidência, uma vez que aquele limite já precavia uma relativa gravidade do crime cometido.

Mas o alargamento desse limite para 5 anos de prisão faz realçar, nesse excedente, a necessidade de ponderar criteriosamente as circunstâncias do crime na sua relação com o fim primeiro das penas: a protecção dos bens jurídicos, as necessidades de prevenção geral de integração e mesmo de intimidação.

Ora, não obstante as condições pessoais do arguido, o seu comportamento anterior e a falta de antecedentes criminais poderem augurar possibilidades de reintegração do agente, as circunstâncias do crime, a sua gravidade, a persistência da intenção o pânico gerado não permitem afirmar que a suspensão da execução da pena permita realizar o fim primordial das penas: a protecção dos bens jurídicos.

Improcede, pois, a pretensão do recorrente de ver a pena aplicada suspensa na sua execução.

2.8.

O assistente para além de impugnar o que considerou ser a alteração da matéria de facto (no referente à morte de DD), questão já apreciada, suscitou a questão da medida da pena sustentando que o acórdão, condenou com leveza o arguido, atento os crimes por este praticado, e a sua perigosidade (conclusão 2).

Mas, não só a questão da medida da pena foi já resolvida, como, dada a absolvição do arguido quanto ao crime de participação em rixa, falece legitimidade ao assistente para impugnar as penas infligidas pelos restantes crimes que lhe são absolutamente estranhos, e de que foi vítima CC.

Finalmente, o assistente impugna a ausência de condenação do arguido em sede de pedido cível. Defende que existe contradição insanável da decisão quando ao condenar o arguido pelo crime de participação em rixa, não o condena no pedido cível contra si formulado e parcialmente provado, quando o deveria ter feito (conclusão 3)

Mas o próprio assistente aceita que não foi interposto recurso para a Relação quanto ao pedido cível (fls. 1399), embora sustente que deveria ter sido feita referência a tal, dada a condenação pelo crime de participação em rixa.

Só que, não só se não mantém essa condenação, como dado o princípio do dispositivo, não tinha a Relação que se pronunciar face à inexistência de recurso.

Daí que improceda o recurso do assistente.

3.

Pelo exposto, acordam os Juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso do assistente, mas em conceder parcial provimento ao recurso do arguido, embora com fundamento diverso, quanto à condenação como autor do crime de participação em rixa, confirmando no restante a decisão recorrida e fixando a pena única conjunta em 4 anos e 3 meses de prisão.

Custas pelo arguido, no decaimento, com a taxa de justiça de 4 Ucs e pelo assistente, com igual taxa de justiça, bem como quanto à parte cível.

Lisboa, 3 de Abril de 2008

Simas Santos (Relator)

Santos Carvalho