Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98B863
Nº Convencional: JSTJ00035199
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA JUDICIAL
ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
Nº do Documento: SJ199812030008632
Data do Acordão: 12/03/1998
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3286/97
Data: 12/18/1997
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 695 ARTIGO 824 N2 ARTIGO 10 ARTIGO 1031 N2 ARTIGO 1 N2 ARTIGO 1051 N1 C ARTIGO 1057 ARTIGO 1253 ARTIGO 1276.
CPC67 ARTIGO 843 N2.
RAU90 ARTIGO 66.
CRP84 ARTIGO 1 N1 M.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1974/02/19 IN BMJ N234 PAG237.
ACÓRDÃO STJ DE 1995/10/19 IN CJSTJ ANO3 T3 PAG68.
Sumário : 1. O artigo 1057, do Código Civil, não se aplica aos casos de venda judicial de imóvel hipotecado que foi objecto de arrendamento por contrato, não registado, celebrado após o registo da hipoteca.
2. Tal arrendamento caduca, em tais circunstâncias, por força do n. 2, do artigo 824, do mesmo código, aplicável analogicamente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
1. "O Banco A", com sede em Lisboa, propôs contra B, residente em Alcabideche - Cascais, acção especial de posse judicial avulsa alegando resumidamente o seguinte:
- adquiriu por arrematação em hasta pública a fracção autónoma designada por letra "B" a que corresponde o r/c direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal designado por "Edifício Mira Serra", sito na R. Padre Mota nº 173-A - Alcabideche;
- a dita aquisição, porque de venda judicial se tratou, foi feita livre de ónus ou encargos, de harmonia com o art. 824 do C. Civil, por força do disposto no art. 907 do CPC;
- a R. permanece na fracção referida, apesar das instâncias da A. para a desocupar;
Concluiu por pedir que a A. seja investida na posse real e efectiva da aludida fracção e a R. condenada a entregar-lha livre de pessoas e bens.
2. Por sentença de 11-12-96, o Memº Juiz da Comarca de Cascais julgou a acção improcedente e, consequência, absolveu a Ré do pedido.
E isto, per "summa capita", porque considerou subsistente um contrato de arrendamento de que a R. era titular sobre a aludida fracção, situação a que se aplicaria o disposto no art. 1057 do CCIV por força do qual o "novo proprietário se encontra vinculado ao arrendamento celebrado pelo seu antecessor, a menos que a locação estivesse sujeita a registo e este fosse posterior àquela aquisição". E - continua a sentença - "tal regra não se encontra excepcionada pelo n. 2 do art. 824 do Cód. Civil, pelo que o contrato de arrendamento, tendo natureza obrigacional não caduca nos termos do referido artigo, em caso de venda judicial... "(sic).
3. Inconformada com tal decisão, dela interpôs a instituição bancária autora recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 18-12-97, lhe negou provimento.
E isto substancialmente pelo seguinte:
" - não sendo, como não é, um direito real o direito do arrendatário não se pode incluir na previsão do n. 2 do art. 284 do C. Civil;
- na enumeração das causas de caducidade fixadas pelo art. 1061 do CCIV, aplicável "ex-vi" do art. 66 do RAU 90, não consta a venda por arrematação em hasta pública...".
4. Ainda inconformada veio a A. interpor desse aresto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
" 1. É meramente exemplificativa a enumeração das causas de caducidade do contrato de locação contida no art. 1051 do Código Civil.
2. O disposto no art. 1057 do Código Civil não se aplica aos casos de venda em processo executivo do imóvel hipotecado e arrendado por contrato não registado e celebrado após o registo da hipoteca.
3. A expressão "direitos reais" utilizada pelo legislador no art. 824 do Código Civil abrange o arrendamento sujeito a registo, sendo que,
4. Nenhuma razão válida existe para que o arrendamento não sujeito a registo seja tratado de forma diferente do sujeito a registo, no que tange à oponibilidade a terceiros e à caducidade.
5. O arrendamento constitui um gravame que em nada se distingue dos restantes que foram considerados no art. 695 do Código Civil e, como estes, não pode deixar de caducar no caso de venda em execução.
6. O art. 695 do Código Civil tem como natural complemento o art. 824 do mesmo Código, donde resulta que as onerações admissíveis são as que caducam nos termos deste segundo preceito.
7. O arrendamento de bem hipotecado, constituído depois do registo de garantia - como no caso vertente - caducou nos termos do n. 2 do art. 824 do Código Civil.
8. Em todo o caso, a oneração do prédio urbano através da celebração posterior de contrato de arrendamento impede ou dificulta, na medida em que se reflecte no respectivo preço, o completo ressarcimento do credor hipotecário.
9. Daí que só designadamente através da ineficácia referida no art. 819 do Código Civil se cumpra a hipoteca (entendida esta como espécie de penhora antecipada), conferindo-se efectivamente ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas (art. 686 n. 1 do mesmo Código).
10. O douto acórdão em recurso, ao confirma a douta sentença de 1ª instância, absolvendo a ora recorrida do pedido, violou, depois de fazer uma inadequada avaliação dos escassos e poucos relevantes factos provados, o disposto nos arts. invocados nas conclusões que precedem".
5. A R. não contra-alegou.
6. Colhidos que foram os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar.
7. Em matéria de facto relevante, a Relação deu como assentes os seguintes pontos:
a) - por arrematação em hasta pública realizada em 17-10-89 nos autos de execução hipotecária ns. 4632, que correu seus trâmites pela 2ª Secção do 10º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, o Banco A. adquiriu a fracção autónoma designada pela letra "F" correspondente ao r/c dtoº do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na R. Padre Mota nº 173-A (Edifício Miramar), Alcabideche-Cascais;
b) - a aquisição foi definitivamente registada a favor do banco pela inscrição G-2 apresentada em 30-8-91;
c) a R., que ocupa o imóvel, pagou, no mês de Maio de 1987 a C a quantia de 10000 escudos, no mês de Junho de 1997 a D igual quantia e no mês de Novembro de 1994 a este último a quantia de 20231 escudos;
d) - em Janeiro de 1994 e Janeiro de 1996, a R. pagou a D as quantias de 20231 escudos e 22396 escudos respectivamente.
Passemos ao direito aplicável.
8. A questão central posta à consideração do tribunal consiste em saber se o contrato de arrendamento invocado pela Ré ora recorrida e que recaiu sobre o bem hipotecado, caducou ou não pela venda deste em hasta pública por força do disposto no n. 2 do art. 824 do CCIV 66.
Com essa questão encontram-se intimamente co-relacionadas as questões de saber se o disposto no art. 1057, ainda do mesmo CCIV, se aplica ou não aos casos de venda (arrematação) em processo executivo de um imóvel hipotecado que foi objecto de arrendamento por contrato, não registado, celebrado após o registo da hipoteca e se é ou não eficaz tal contrato em relação à instituição bancária ora recorrente (também credora hipotecária exequente e arrematante) na qualidade de requerente da posse judicial avulsa.
Estatuem esses normativos pela forma seguinte:
" Art. 824
1. A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneraram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzem efeitos em relação a terceiros independentemente do registo".
3. Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do numero anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens".
" Art. 1057
O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo".
Discute-se na doutrina e na jurisprudência o problema de saber se o contrato do arrendamento tem natureza real ou simplesmente obrigacional, se bem que a corrente maioritária enverede pela natureza meramente obrigacional, pondo ademais a tónica na sua caracterização como negócio de natureza pessoal.
O art. 1022 do CCIV define a locação como "o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição". Elemento essencial e individualizador da locação é pois a transitoriedade, ou seja o gozo temporário da coisa objecto do contrato do contrato - a lei fixa o limite máximo abstracto de duração do contrato em 30 anos - conf. art. 1025 do mesmo Código.
A locação encontra a sua inserção sistemática entre os chamados "contratos em especial" - capítulo IV - Secção I do Código Civil" e, no que concerne ao arrendamento urbano, possui ele hoje a sua regulamentação específica no chamado RAU 90 aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10 em cujo, preâmbulo se acentua a necessidade de "facilitar a dinamização do mercado da habitação", designadamente através da "celebração de contratos de duração limitada, restituindo ao arrendamento a sua fixação temporária essencial" (sic).
A re-acentuação da característica da transitoriedade parece ter reforçado a tese da qualificação do contrato como direito obrigacional - De resto, trata-se de um negócio puramente consensual, não tendo, por conseguinte, carácter real "quoad constitutionem" (visto a entrega da coisa, como resulta do disposto na al. a) do art. 1031 do CCIV, não ser elemento integrante do contrato) - conf. Ac. do STJ de 19-2-74, in BMJ nº 234, pág. 237.
A faculdade excepcional conferida ao locatário de utilizar as acções de defesa da posse reguladas nos arts. 1276 e segs. do CCIV não preclude que face ao disposto no art. 1253 do CCIV ele seja um simples detentor ou possuidor em nome de outrem. E tal protecção possessória não basta só por si para conferir ao direito do locatário natureza real ou eficácia absoluta. Direito real é aquele que uma vez constituído (e registado quando incida sobre imóveis ou sobre coisas móveis sujeitas a registo) pode ser feito valer "erga omnes".
Ora a tutela possessória permitida pelo n. 2 do art. 1037, posto se traduza num meio de defesa contra qualquer terceiro que viole ou ameace violar o direito do locatário, não acompanha este direito em todos os momentos ou vicissitudes da vida do mesmo " - Conf. Prof. M. Henrique Mesquita in "Obrigações Reais e Ónus Reais", Almedina, Coimbra, 1990, págs. 149 e 150.
O supra-citado art. 1057 do CCIV consagra a regra da oponibilidade da locação ao adquirente da coisa locada que a doutrina, por reporte à venda do direito do senhorio sobre essa coisa, costuma sintetizar na máxima latina "emptio non tollit locatum".
Escreve esse último autor, a pág. 145 da sobredita obra, o seguinte:
"A posição jurídica do locatário sob o prisma da sua eficácia em relação aos subadquirentes da coisa locada é idêntica à do titular de qualquer direito de natureza real. Quem adquire a propriedade de coisa sobre que incida um direito real alheio tem de suportar a existência desse direito com todas as consequências que daí decorrem. Do mesmo modo, o transmissário do direito com base no qual o contrato de locação foi celebrado não pode subtrair-se aos efeitos da relação locativa, adquirindo os direitos e ficando sujeito às obrigações que dela derivavam para o locador. O direito do locatário segue também a coisa e o locador será portanto, não apenas a pessoa que, por contrato, aceitou essa posição jurídica (ou que a adquiriu pela via de uma decisão judicial), mas também todo aquele para quem o direito real do locador (v.g. a propriedade) seja directamente transmitido" - (direito de sequela).
Obtempera, entretanto, o mesmo ilustre mestre coimbrão, in nota 30 pág. 145, que "sob certo aspecto, a oponibilidade dos direitos do arrendatário aos adquirentes do prédio é mais forte ainda do que a dos direitos (sobre imóveis em geral). Efectivamente, o direito decorrente de um arrendamento rural e de um arrendamento urbano convencionado por prazo que não exceda 6 anos, não carece sequer de registo para produzir efeitos em relação a terceiros (conf. art. 1 n. 1 al. m) do Código do Registo Predial).
E, nessa senda, logo logo adverte de modo enfático a fls. 141:
"Nos termos em que se encontra redigida, a regra do art. 1057 do Código Civil Português confere uma protecção excessiva ao locatário e, por outro lado, não acautela devidamente os interesses do subadquirente da coisa locada.
A subsistência da locação, com efeito, só se justifica verdadeiramente em atenção aos interesses do locatário quando, à data da alienação da coisa, ele tenha iniciado já o gozo desta. O escopo do princípio "emptio non tollit locatum" não pode ser senão o de assegurar estabilidade à relação de uso e fruição originada pelo contrato locativo...".
E a página 139:
"Tomando em linha de conta portanto o regime estabelecido no art. 1057 por um lado e no art. 1037 por outro, impõe-se concluir que a relação locativa deve ser respeitada por quem adquira sobre a coisa, por via derivada, um direito real cujo exercício impeça ou de algum modo prejudique o gozo a que o locatário tem jus...
Mas parece já não caberem no art. 1057 os casos em que o direito com base no qual foi celebrado o contrato locativo seja adquirido originariamente por terceiros através, v.g. de actos de acessão ou de actos possessórios...".
No respeitante aos subadquirentes da coisa, também só é razoável impor-lhes o respeito da locação locativa quando eles, à data da celebração do negócio aquisitivo, tenham possibilidade de conhecer a sua existência precisamente através da relação de gozo que a exterioriza ou lhe confere publicidade.
Deve pois fazer-se uma interpretação restritiva do art. 1057, limitando a aplicação da regra que nele se contém aos casos em que, à data da alienação do direito do locador sobre a coisa locada, o locatário tenha iniciado já o gozo desta.
De resto, na resolução de um problema paralelo - o da defesa da relação locativa contra actos de terceiro - o art. 1037 n. 1 só permite que o locatário actue autonomamente (isto é sem necessidade de intervenção do locador) quando se encontre já no uso ou fruição da coisa locada.
A interpretação que defendemos, além de ser a que proporciona a solução mais equilibrada para os interesses em conflito, afasta ainda o perigo de o alienante de uma coisa, já depois da alienação, celebrar um contrato locativo antedatado, por forma a possibilitar a sua eficácia em relação ao anterior proprietário.
Este perigo encontrava-se prevenido no Código de Seabra, em cujo art. 1619 se estatuía que só o contrato de arrendamento cuja data fosse declarada em documento autêntico ou autenticado subsistia em caso de transmissão do prédio..."
Finalmente a pág. 140:
" ... o art. 1057 é também inaplicável à venda da coisa locada em processo executivo. Esta hipótese deve considerar-se incluída no n. 2 do art. 824, sendo portanto inoponíveis ao comprador as relações locativas constituídas posteriormente ao registo de qualquer arresto, penhora ou garantia (e ainda as constituídas em data anterior na medida em que a respectiva eficácia perante terceiros dependa de registo e este não haja sido feito). Conf., no mesmo sentido, O Prof. Oliveira Ascensão - Locação de Bens Dados em Garantia in, "Revista da Ordem dos Advogados", ano 45, pág. 345 e segs.
(Fim de transcrição).
Quid iure?
Resulta provado nos autos que sobre a fracção imobiliária em apreço incidam já duas hipotecas registadas a favor do banco ora recorrente e exequente arrematante, desde 28-3-82 e 1-9-82 respectivamente, sendo certo que a única prova possível respeitante à conjectural celebração do invocado contrato de arrendamento sobre a mesma se reportava a Maio de 1987.
A propósito de hipótese algo similar, mas em que era equacionada a eficácia de idêntica relação locatícia versus a existência de uma penhora efectuada e notificada ao senhorio-locador devedor em data anterior, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 19-10-95 in CJSTJ, Ano III, 1995, tomo III, págs. 68 a 70, aresto este também citado pela ora recorrente.
" A fracção em causa foi pois oportunamente retirada da disponibilidade do seu proprietário, que ficou privado do direito de praticar actos capazes de colidirem com a situação jurídica criada pela penhora. Isto a partir do momento da notificação da penhora...
Aliás, a A. já beneficiava de duas hipotecas bem mais antigas e que são, para o efeito, como é sabido, uma espécie de penhoras antecipadas.
Quer isto tudo significar o seguinte:
Para julgar da oportunidade da investidura da posse não há que fazer qualquer juízo ou proferir qualquer decisão sobre o mencionado contrato de arrendamento. Ele foi celebrado por quem não podia dispor ou onerar de forma colidente com a situação resultante da penhora...
... a não ser assim, quedaria sem sentido e esvaziada de interesse prático a acção em causa baseada em posse judicial avulsa sempre que o ex-proprietário ou até um terceiro viesse exibir um qualquer contrato de arrendamento eventualmente forjado "ad hoc".
A circunstância pois de o arrendamento, ao contrário dos direitos reais que incidem sobre imóveis, não se encontrar sujeito a registo e de se tratar de um direito de carácter pessoal, não é de per si excludente da sua subsunção abstracta na previsão - estatuição do n. 2 do art. 824 do CCIV, contra o que as instâncias incorrectamente consideraram.
Entende o recorrente que o direito do locatário caducou com a venda da fracção em hasta pública. E a tal conclusão não obstaria, sem mais - também contra o que entenderam as instâncias -, o preceituado no art. 66 do RAU 90 por referência ao art. 1051 do CCIV. Esta última norma não coloca nenhuma proposição adverbial excludente de outras causas de caducidade do contrato de locação; e não falta quem considere a enumeração das causas de caducidade nele vertida como meramente exemplificativa, que não taxativa - conf. v.g. o Dr. Cunha e Sá, in "Caducidade do Contrato de Arrendamento", pág. 90 e 91 e o Prof. Oliveira Ascensão, in ROA, n. 45, pág. 335.
Apesar de um manifesto intuito de proteger o bem da estabilidade da habitação, não pode entender-se que o legislador houvesse querido deixar sem protecção os direitos dos credores titulares de garantias reais registadas com anterioridade relativamente à celebração da invocada relação locatícia, pelo que os bens arrematados em hasta pública por credor com garantia real anterior se transmitirão para o adquirente novo proprietário livres e desembaraçados do ónus locatício nos termos e para os efeitos do n. 2 do art. 824 do CCIV.
Nesta conformidade, não é de aplicar ao caso sub specie - de imóvel hipotecado e alegadamente arrendado por arrendamento não registado, celebrado em data posterior ao do registo da hipoteca, e convergindo na mesma pessoa as qualidades de credor hipotecário, arrematante judicial e autor em acção de posse judicial avulsa relativa à fracção arrematada - a previsão do art. 1057 do CCIV.
O imóvel adquirido por via de arrematação judicial será pois entregue ao arrematante expurgado dos diversos ónus ou encargos que sobre ele incidima até à consumação da venda, nos precisos termos do n. 2 do citado art. 824.
Tal como bem obtempera o recorrente, só por esta via interpretativa se obviará a que "a oneração de prédio urbano através da celebração posterior de contrato de arrendamento impossibilite ou pelo menos dificulte o ressarcimento completo do credor com garantia real".
E é geralmente sabida repercussão negativa em termos de valor - preço que a celebração de um contrato com uma certa vocação de perenidade - traduzida na possibilidade de renovação periódica sucessiva e na dificuldade da respectiva resolução - como é o de arrendamento, pode provocar em determinada fracção habitacional. O que poderia, ademais, quiçá com recurso a expedientes de cariz fraudulento, acabar por fazer frustrar a própria essência do crédito hipotecário tal como é definido no art. 686 do CCIV e prejudicar, de forma drástica, a integridade do direito do novo proprietário.
De realçar que a exploração dos bens penhorados (e entre estes os bens hipotecados) v.g. através do seu arrendamento a terceiro, necessita do acordo do exequente, ou seja do credor, cabendo ao juiz decidir, em caso de ausência de acordo entre o exequente e o executado devedor - conf. art. 843 n. 2 do CPC 96.
Torna-se pois lógico e razoável admitir que também a relação locatícia, à semelhança do que sucede com qualquer outra forma de oneração do imóvel, caduque na hipótese de venda em sede executiva, deixando assim incólume o valor do bem sobre recaia. Com efeito, uma das causas de caducidade do contrato de locação é precisamente a cessação do direito ou do fim dos poderes legais de administração (v.g. do depositário judicial) com base nos quais tal contrato houver sido celebrado - conf. art. 1051 n. 1 al. c) do CCIV 66.
O art. 695 do CCIV 66, ao permitir a livre convenção acerca do vencimento imediato do crédito hipotecário na eventualidade de alienação ou oneração dos bens hipotecados parece, de resto, inculcar que se partiu do princípio da caducidade dos ónus em caso de execução e na expressão "oneração" parece ser de incluir o próprio arrendamento dos bens hipotecados - conf., neste sentido, o Prof. Oliveira Ascensão, in ROA, n. 45, págs. 360 e 362.
Na interpretação das normas ou institutos deve o aplicador da lei ter presente que o direito do locatário não assume uma natureza monista, pois que ora parece ser considerado como direito soberano, um verdadeiro "jus in re", ora como simples direito de crédito. Deste modo, "sempre que o legislador estabeleça no campo do direito civil... ou do direito processual uma disciplina diferente conforme se trate de relações jurídicas creditórias ou reais não pode, pelo que concerne à locação, optar-se pela disciplina das obrigações só porque o legislador continua a ver na relação locativa uma relação preponderantemente obrigacional " - conf., neste sentido, os Profs. M. Henrique Mesquita, in ob cit pág. 183, e Pereira Coelho, in "Arrendamento" - Sumários", pág. 21.
Acontece - "the last but not de least" - que nos autos não chegou a provar-se a existência de qualquer contrato de arrendamento com anterioridade relativamente ao registo das hipotecas a favor da entidade exequente e ora recorrente, registo esse operado, como já se disse, em Outubro de 1982 - conf. respostas negativas aos quesitos 1º, 2º e 4º; e não chegou a apurar-se, a que título eram devidas e foram pagas ao aventado credor as quantias pecuniárias a que se reporta o quesito 3º.
Quer dizer: a anterioridade do invocado direito de arrendamento não vem demonstrada nem relativamente às datas dos actos de registo das hipotecas nem relativamente à data do registo da subsequente penhora.
Tal pois como a recorrente sustenta, e contra o que o acórdão sob análise decidiu, com a adjudicação da fracção em causa, que lhe foi feita em decorrência da arrematação operada em 16-10-89, teria caducado nos termos do n. 2 do art. 824 do CCIV 66 o direito de arrendamento cuja subsistência foi invocada pela ora recorrida.
Na expressão "direitos reais" (gozo) sujeitos a caducarem mercê da venda executiva - vazada nesse inciso normativo - encontram-se, portanto, abrangidos os contratos de arrendamento, quer naturalmente os sujeitos a registo quer mesmo os não registados, pois que relativamente a estes últimos não se descortinam razões para diversa forma de tratamento no que respeita à sua oponibilidade a terceiros e à caducidade. (O Código Civil italiano, no respectivo art. 2923, estabelece expressamente a inoponibilidade - ao adquirente executivo - do contrato de locação celebrado posteriormente à penhora).
A subsunção da relação locatícia na formula legal "demais direitos legais" constante do n. 2 do art. 824 do CCIV 66 é de fazer por recurso à analogia, por se presumir, que relativamente a tal hipótese, procedem as razões justificativas da regulamentação expressa adoptada para os direitos reais de gozo em geral contemplada no mesmo preceito de lei - conf. art. 10 do mesmo corpo normativo.

9. Em face do exposto decidem:
- conceder a revista;
- revogar o acórdão recorrido;
- julgar a acção procedente e provada e, em consequência, condenar a Ré no pedido, ou seja a fazer entrega à entidade bancária A., devoluta, da fracção autónoma em causa, com a consequente investidura da A. na sua posse efectiva.
Custas pela Ré recorrida no Supremo e nas Instâncias.
Lisboa, 3 de Dezembro de 1998.
Ferreira de Almeida,
Moura Cruz,
Abílio Vasconcelos.