Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96P124
Nº Convencional: JSTJ00030128
Relator: MARIANO PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
EXCESSO DE VELOCIDADE
OFENSAS CORPORAIS POR NEGLIGÊNCIA
ABANDONO DE SINISTRADO
AMNISTIA
CRIME
TRANSGRESSÃO
Nº do Documento: SJ199606190001243
Data do Acordão: 06/19/1996
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: BMJ N458 ANO1996 PAG110
Tribunal Recurso: T J EVORA
Processo no Tribunal Recurso: 184/95
Data: 10/24/1995
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PESSOAS. DIR PROC PENAL - RECURSOS.
DIR ECON - DIR TRANSP DIR RODOV.
Legislação Nacional: CP82 ARTIGO 48 ARTIGO 148 N1 N3 ARTIGO 219 N1 N2.
CP95 ARTIGO 50.
CPP87 ARTIGO 402 ARTIGO 403.
CCIV66 ARTIGO 9.
CE54 ARTIGO 7 N1 ARTIGO 58 N4 N9.
L 15/94 DE 1994/05/11 ARTIGO 1 D O ARTIGO 9 N2 C ARTIGO 11.
Sumário : A alínea c) do n .2 do artigo 9 da Lei 15/94 de 11 de Maio abrange a transgressão em si e a transgressão e o ilícito penal conexos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Sob acusação do Ministério Público foi julgado no circulo judicial de Évora - em Tribunal Colectivo - o arguido: - casado, residente no Bairro das Fontanas em Évora a quem era imputado a prática de:
- um crime de ofensas corporais negligentes previsto e punido pelo artigo 148 do Código Penal conjugado com o disposto no artigo 58 n. 4 do Código da Estrada;
- um crime de abandono de sinistrado previsto e punido pelo artigo 60 alínea a) do Código da Estrada;
- um crime de simulação de crime previsto e punido pelo artigo 409 n. 1 do Código Penal;
- um crime de condução de veículo automóvel sob a influência do álcool previsto e punido pelos artigos 2 e 4 do Decreto-Lei 124/90 de 14 de Abril.
Realizado o julgamento, foi decidido:
- declarar prescrita a contravenção estradal que impendia sobre o arguido e condenar este como autor material de:
- um crime de ofensas corporais negligentes previsto e punido pelo artigo 148 do Código Penal de 1982 na pena de três anos de prisão;
- um crime de omissão de auxílio previsto e punido pelo artigo 219 ns. 1 e 2 do Código Penal de 1982 na pena de
1 ano de prisão e 50 dias de multa à razão diária de
500 escudos, o que perfaz 25000 escudos, com 32 dias de prisão alternativa;
- um crime de simulação de crime previsto e punido pelo artigo 409 n. 1 do Código Penal de 1982 na pena de 6 meses de prisão;
- um crime de condução de veículo automóvel sobre a influência de álcool previsto e punido pelos artigos 2 e 4 do Decreto-Lei 124/90 de 14 de Abril na pena de 6 meses de prisão e dois anos de inibição da faculdade de conduzir.
Em cúmulo jurídico foi condenado na pena unitária de: -
14 meses de prisão e 50 dias de multa no total de 25000 escudos, com 32 dias de prisão alternativa e 2 anos de inibição da faculdade de conduzir.
Inconformado com a decisão dela recorreu o arguido.
Motivando-o conclui:
1 - o acórdão recorrido não aplicou a Lei n. 15/94 ao crime de ofensas corporais negligentes por entender que o artigo 9 n. 2 alínea c) do mesmo diploma não permite neste caso a aplicação da mesma;
2 - Ora, é entendimento do recorrente que o referido preceito afasta a aplicação da amnistia apenas nos casos previstos na alínea dd) do artigo 1 do mesmo preceito quando praticados sob a influência do álcool, ou com abandono de sinistrado.
3 - Assim, fez o tribunal incorrecta interpretação do artigo 9 n. 2 alínea e) devendo ser aplicada a amnistia ao crime de ofensas corporais negligentes prevista na alínea o) do artigo 1 já que a pena aplicável é inferior a um ano, e em consequência ser perdoada ao arguido a pena de 3 meses que lhe foi imposta.
4 - O acórdão recorrido fundamentou a não suspensão da execução da pena tendo em conta apenas em atenção as exigências de prevenção geral e especial nos crimes cometidos na condução automóvel praticados por condutores alcoolizados numa altura em que o legislador se viu na necessidade de agravar a punição sob a influência do álcool e de alterar a natureza do ilícito consubstanciado pela condução ilícita, não aconselhar a tolerância.
5 - O acórdão recorrido aplicou a pena de prisão efectiva tendo apenas e só em consideração a protecção dos bens jurídicos e alheou-se, por completo, da outra finalidade das penas, a ressocialização do agente.
6 - O artigo 40 do Código Penal tem dois critérios a serem ponderados conjuntamente para a aplicação das penas, visando as mesmas a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente. Ao não ser ponderado na sua totalidade foi o mesmo violado.
7 - Por imposição do artigo 43 n. 1 do mesmo diploma a execução da pena de prisão servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes deve orientar-se no sentido da reintegração social do arguido preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
8 - Por sua vez o artigo 50 suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste concluir que a simples censura do facto e a ameaçada prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
9 - Podendo o tribunal se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observação de regras de conduta, ou determinar que a suspensão seja acompanhada do regime de prova.
10 - Nos termos do artigo 70 no critério da escolha da pena se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
11 - Facilmente se reconhece que a detenção de certa duração oferece em muitos casos, o risco de ser prejudicial, não só pelos perigos que apresenta de contaminação para o condenado, mas também porque dificilmente se torna exequível uma qualquer obra de reeducação.
12 - Deste modo há a necessidade de substituir a prisão por outras medidas penais que garantindo embora a reprovação do agente e a prevenção de novos crimes não importem uma privação da liberdade por nefasta à ressocialização e reeducação do agente.
13 - Ao ser aplicada a pena de prisão ao arguido tendo apenas como finalidade a censura do agente e a prevenção de novos crimes sem ter em conta o outro fim das penas que se traduz na reintegração deste na sociedade, violou o acórdão recorrido os artigos 40,
43, 50 e 70 do Código Penal actual.
14 - Os factos, pelos quais o arguido vem condenado foram praticados em 3 de Janeiro de 1993.
15. Após essa data não mais delinquiu, nem tem tido condutas anti-sociais. É casado, tem a seu cargo duas filhas menores e é o suporte económico da sua família.
Encontra-se perfeitamente inserido na sociedade.
16 - A pena de prisão aplicada ao arguido não iria de modo algum contribuir para a sua reeducação social bem pelo contrário iria destruir um processo de ressocialização que se encontra já em marcha.
17 - A aplicação de uma pena suspensa pelo período máximo de 5 anos, subordinando-se a mesma ao cumprimento de deveres, de regras de conduta ou a regime de prova, garantia a reprovação do agente, satisfaria as necessidades de prevenção geral e especial de novos crimes e teria um papel pedagógico e reeducador em cujo processo participaria o próprio arguido.
Pede a revogação do acórdão devendo ser substituído por outro que perdoe ao arguido a pena de prisão de 3 meses pelo crime de ofensas corporais negligentes ao abrigo da alínea o) do artigo 1 da Lei 15/94 e suspenda a restante pena aplicada no mesmo.
Respondeu à motivação o Excelentíssimo Magistrado do
Ministério Público junto do Tribunal "a quo" pugnando pela manutenção do julgado.
Recebidos os autos neste tribunal, foi dado o despacho preliminar e colhidos os vistos legais seguindo, posteriormente, para a audiência, a qual teve lugar.
Cumpre decidir.
Foram provados os factos seguintes:
- O arguido é proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula RC-11-37.
- No dia 3 de Janeiro de 1993 entre as 00 horas e a 01 hora da madrugada, o arguido estava no estabelecimento de cervejaria denominado "Frasmelo" sito no Bairro das
Nogueiras em Évora, o qual é propriedade de A;
- Aí, comeu e bebeu duas ou três cervejas e, por volta de 1 hora da madrugada do aludido dia, deixava aquela cervejaria, onde havia permanecido cerca de 1 hora.
- O arguido meteu-se dentro do seu veículo automóvel, que deixara estacionado nas imediações, tendo-o conduzido por diversas artérias desta cidade.
- Assim, cerca das 2 horas e 10 minutos o arguido conduzia o RC-11-37 pela Estrada Nacional n. 144 no sentido Évora/Montemor-o-Novo.
- E fazia-o sob a influência do álcool, alcoolémia esta que lhe acarretava uma abolição parcial de reflexos, pelo que não se encontrava em condições de conduzir o referido veículo e muito menos de o fazer com segurança para si e para o restante tráfego de veículos e peões.
- Por via disso, o arguido conduzia o seu automóvel com falta de atenção, de prudência e de cuidado.
- Ao chegar ao entroncamento formado pela Estrada
Nacional n. 114 com a estrada municipal, que dá acesso ao Bairro de Santa Maria, desta cidade de Évora, o arguido, que pretendia entrar e passar a circular pela referida estrada municipal, que se apresentava à sua direita, atento o seu sentido de marcha, imprevidente e desatentamente, não reduziu a velocidade que imprimiu ao seu veículo, circulando, assim, a uma velocidade que não lhe permitia fazer parar o automóvel no espaço livre e visível à sua frente, pelo que foi embater violentamente com a porta da frente do veículo por si conduzido na retaguarda do velocípede com motor, matrícula ..., conduzido por B, que seguia à sua frente e no mesmo sentido de marcha, pela metade direita da respectiva faixa de rodagem.
De tal colisão, subsequente projecção e queda ao solo resultaram para B as lesões descritas nos autos de exame médico de folhas 32, 43 e da documentação clínica de folhas 40 e seguintes nas quais foram causa directa e necessária de 100 (cem) dias de doença, sendo 90 com incapacidade para o trabalho, tendo resultado a final como sequela rigidez dos quatro movimentos do punho direito.
- Após o descrito acidente, o arguido, não obstante ter constatado que o B ficara lesionado, carecendo de socorros, que não poderia obter pelos seus próprios meios, desinteressou-se da sua sorte, não lhe prestando nem procurando que lhe fosse prestada qualquer assistência e pôs-se em fuga, a fim de se furtar às suas responsabilidades, tais sabia que, para além do mais, se encontrava parcialmente etilizado, tendo prosseguido a marcha do seu veículo, no sentido Évora/Montemor-o-Novo tendo vindo a imobilizá-lo a cerca de um quilometro de distância do local onde se registou o acidente na E.N. n. 114.
De seguida, o arguido acabou por ali abandonar o veículo automóvel tendo regressado a pé a esta cidade, cruzando-se com o carro patrulha da P.S.P. de Évora que transportava C, Guarda da P.S.P. o qual deparara com o B no local do acidente e que providenciou por socorros ao mesmo.
O arguido temendo ainda que pudesse vir a ser descoberto, e com a finalidade de despistar qualquer suspeita que sobre si pudesse vir a recair e que o comprometesse com o acidente de viação a que deu causa, nesse mesmo dia (3 de Janeiro de 1993), pelas 3 horas e
15 minutos da madrugada, na Esquadra da P.S.P. de
Évora, apresentou queixa contra "desconhecidos" em conformidade com o auto de folhas 3 e verso imputando a terceiros a prática de um crime de furto de veículo automóvel, que sabia não se ter verificado.
Dessa forma criou na autoridade policial a suspeita de que tal subtracção ocorrera, o que o arguido sabia não corresponder à verdade.
Nesta altura, e na citada esquadra, veio a submeter-se ao teste de alcoolémia tendo apresentado uma taxa de
1,8 g/l no sangue.
- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente sabendo proibidas as suas condutas.
- O arguido é maqueiro no Hospital Distrital de Évora onde aufere 70000 escudos mensais, tendo 2 filhos de 7 e 13 anos de idade.
Não resultou provado que o arguido, momentos antes de se ter dirigido à esquadra passasse pela cervejaria
"Frascuelo" e aqui tenha sido visto com as chaves do carro.
Análise Jurídica:
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (artigos 402 e
403 do Código de Processo Penal).
"In casu" o recorrente não põe em causa a qualificação jurídica das infracções pelas quais foi condenado, nem as medidas das penas aplicadas.
Apenas, se insurge contra a decisão por: a) - não ter aplicado a Lei n. 15/94 no crime de ofensas corporais por negligência; b) - não ter usado da suspensão da pena.
Apreciando.
Questão prévia: - dado o princípio da cindibilidade do recurso, consagrado no artigo 403 do Código de Processo Penal, é possível separar no termo do âmbito do recurso uma parte recorrida e uma parte não recorrida como foi feito no caso em apreciação.
Assim, face a esse princípio, não temos de nos debruçar sobre as qualificações feitas, nem sobre as medidas das penas.
Entremos, pois, na apreciação das questões colocadas.
Quanto ao referido em a)
De entre os factos provados destaquemos, e em síntese, que o arguido conduzia o seu veículo automóvel sob a influência de álcool, alcoolémia essa que lhe acarretou uma abolição parcial de reflexos, pelo que não se encontrava em condições de conduzir o veículo. Por via disso conduzia o veículo com falta de atenção, de prudência e de cuidado e imprimindo uma velocidade ao veículo que não lhe permitia parar o mesmo no espaço visível à sua frente e foi embater com a frente do veículo no velocípede com motor, matrícula ... conduzido por B que seguia à sua frente. A colisão provocou lesões no B foram causa directa e necessária de 100 dias de doença para o trabalho.
Face a tal conduta, cometeu o crime de ofensas corporais negligentes previsto e punido nos artigos 148 ns. 1 e 3 do Código Penal com ref. ao 58 n. 4 do Código da Estrada, violando também o artigo 7 n. 1 do Código da Estrada, encontrando-se com uma T.A.S. de 1,80 gramas litro, tendo o acidente ocorrido como resultado da falta de destreza e segurança provocada por tais circunstâncias.
Também resultou dos factos que o arguido após o acidente abandonou o local sem prestar quaisquer socorros ao ofendido, nem providenciando para lhos serem prestados, pelo que foi condenado pelo crime de omissão de auxílio do artigo 219 ns. 1 e 2 do Código Penal de 1982.
Na decisão refere-se: "Está afastada em relação ao arguido a aplicação da lei da amnistia, Lei n. 15/94 de 11 de Maio nomeadamente a alínea o) do artigo 1 visto o disposto no artigo 9 n. 2 alínea c) do mesmo diploma legal, isto é, a exclusão de aplicação de amnistia e perdão a transgressores do Código da Estrada quando tenham praticado a infracção sobre a influência do álcool ou com abandono de sinistrado. No caso dos autos, no entanto, não está afastada a aplicação do perdão ao crime de simulação de crime pelo que nos termos do n. 4 do mesmo artigo se impõe declarar perdoada ao arguido a pena de seis meses de prisão correspondente a tal crime sob a condição resolutiva do artigo 11 daquela Lei...".
Chegados aqui, pergunta-se: está o crime de ofensas corporais cometido pelo arguido abrangido pela lei da amnistia em referência? Vejamos.
Refere a alínea o) do artigo 1 da aludida Lei, na parte que interessa: "... são amnistiadas as seguintes infracções - os crimes cometidos por negligência quando não sejam puníveis com pena de prisão superior a um ano com ou sem multa" e a alínea dd) "As contravenções ao Código da Estrada ou ao seu Regulamento, ao Regulamento de automóveis... e nos demais regulamentos e posturas relativos ao trânsito... abrangendo as medidas de segurança e penas acessórias decorrentes dessas contravenções".
Por seu turno, o n. 2 alínea c) do aludido diploma legal esclarece "não beneficiam da amnistia, nem do perdão decretados na presente lei - os transgressores ao Código da Estrada e seu Regulamento, quando tenham praticado a infracção sob a influencia do álcool ou com abandono de sinistrado, independentemente da pena".
Pretende o recorrente que a excepção do artigo 9 n. 2 alínea c) ao referir que não beneficiam da amnistia os transgressores ao Código da Estrada quando tenham praticado a infracção sob a influência do álcool, ou com abandono de sinistrado só está a afastar da aplicação da amnistia as contravenções referidas na alínea dd) artigo 1 da mesma Lei e não as ofensas corporais resultantes dessas transgressões.
Tal interpretação é de afastar. Com efeito, quando é sabido, constituindo até facto notório, que são cada vez mais os acidentes de viação que vitimam normalmente dezenas e dezenas de pessoas, sendo uma das causas mais relevantes a condução sob o efeito do álcool não faria sentido que o legislador, tendo presente esse circunstancialismo, não quisesse amnistiar a transgressão em si e, portanto, um "minus" e quisesse amnistiar o mais, ou seja o crime resultante da transgressão e envolvente das consequências graves dessa transgressão.
É que, não devemos esquecer, consoante alude o artigo 9 do Código Civil, o legislador consagra nas leis que legisla a solução mais acertada e sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados. E no caso em apreço também o fez.
Na alínea c) supra referida quis o legislador, e ao contrário do que o recorrente defende, abranger a transgressão em si e a transgressão e o ilícito penal conexos daí que se exprimiu no preceito referindo "que tenham praticado a infracção", expressão e realidade jurídico-penal que abrange a transgressão em si e o ilícito criminal conexos. Aliás, aquando da lei da amnistia referia o artigo 58 n. 9 do Código da Estrada
"À punição pelos crimes acresce sempre a punição pelas contravenções que lhe sejam conexas". E como tem vindo a ser entendido consideram-se contravenções conexas as causais que constituem meio necessário da prática dos crimes.
Face ao exposto, bem decido foi a não aplicabilidade da amnistia ao crime de ofensas corporais negligentes cometido pelo arguido.
Quanto ao referido em b).
Reporta-se à não suspensão da pena.
A suspensão da pena, da execução da pena, entenda-se, é uma medida de conteúdo pedagógico e reeducativo, pelo que só deve ser decretada quando se concluir, em face da personalidade do arguido e dos seus antecedentes e das demais circunstâncias referidas no artigo 48 do
Código Penal de 1982, e actualmente artigo 50, que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação do crime. Ora, nos acidentes de viação, dada a sua frequência e consequências graves, cada vez mais se verifica uma prevenção e reprovação mais rigorosas desaconselhando-se o uso da suspensão da pena.
"In casu", o arguido teve uma conduta altamente reprovável. Pois que, circulando alcoolizado, desprezou um seu semelhante não lhe prestando quaisquer socorros, nem providenciando para que lhos prestassem.
Por outro lado, demonstrou ter uma personalidade mal formada ao, querendo desresponsabilizar-se, ter denunciado a simulação de um crime - o furto do seu próprio veículo - que sabia ser falso.
Acresce que já cometeu dois ilícitos criminais à lei da caça e um crime de ofensas corporais tendo-lhe a execução da pena ficado suspensa por dois anos (vide folhas 53 a 55) e tal suspensão foi-lhe indiferente para reformular a sua personalidade e a sua conduta posterior.
Face ao exposto, improcede também esta conclusão.
Assim, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar na integra a decisão.
Esclareça-se que nas penas encontradas já foram equacionados e bem os preceitos legais actualmente em vigor; isto é foi considerado a aplicação da lei penal no tempo.
Custas a cargo do recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs em 1/4 de procuradoria 7500 escudos de honorários ao defensor oficioso, na audiência pública nomeado, a pagar pelo recorrente, mas a adiantar pelos
Cofres.
Lisboa, 19 de Junho de 1996.
Mariano Pereira,
Augusto Alves,
Flores Ribeiro,
Andrade Saraiva. (Vencido na parte em que não amnistiou o crime de ofensas corporais por negligência do artigo
148 do Código Penal; com a entrada em vigor do Código da Estrada de 1994 e, consequente revogação do Código da Estrada de 1994 deixou de ter aplicação o n. 4 do seu artigo 58, passando a conduta a ser punida pelo
Código Penal e, por isso, o amnistiava nos termos do artigo 1 alínea o) da lei 15/94, de 11 de Maio).