Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
522/08.57TVRT.SI
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SÉRGIO POÇAS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ACÇÃO DE DESPEJO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
FALTA DE PAGAMENTO
RENDA
ARRENDATÁRIO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1031.º, 1038.º, 1083.º, NºS.2 E 3
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 664.º
Sumário : 1. Em acção instaurada pelo senhorio para resolução de contrato de arrendamento com invocação da falta de pagamento de duas rendas em mora há menos de três meses, sendo alegados na petição inicial factos que revelam que o arrendatário já deixou anteriormente de pagar rendas correspondentes a um período de vários meses e que não honrou acordo celebrado para pagamento dessas rendas, deve o tribunal na aferição da existência de fundamento para resolução do contrato de arrendamento conhecer de tais factos e determinar se os mesmos integram a inexigibilidade do senhorio manter a relação locatícia.
2. É inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento quando, além do não pagamento de duas rendas em mora há menos de três meses, se verifica a falta de pagamento de rendas de vários meses, no montante global de vinte e seis mil euros e no valor unitário de dois mil e quinhentos euros.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório
– AA e mulher BB, residentes na Rua R... S..., ..., P..., Porto, propuseram em 14-05-2008, contra CC-E... - Máquinas de Movimentação de Carga, L.da., sociedade por quotas com sede na Trav. F... do O..., ..., ...-..., Porto, acção de despejo com processo comum na forma sumária, pedindo se decrete a resolução do contrato de arrendamento e se condene a Ré a despejar o locado, entregando-o em bom estado de conservação, e no pagamento da quantia de € 5.125,00 relativa a rendas vencidas e nas que se vencerem até efectiva entrega do arrendado.
Alegaram, para isso, o seguinte:
- Os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio denominado "C... das V...", sito na Lugar de L..., P..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n° 00...;
- Por contrato de arrendamento de 13 de Janeiro de 2005 para produzir efeitos a partir de Março de 2005 o Requerente marido deu de arrendamento à Requerida o referido prédio;
- O contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, renovável por períodos de um ano, na ausência de denúncia;
- Foi convencionada a renda mensal de € 2.000,00 no primeiro ano de vigência do contrato, de € 2.500,00 no segundo ano e a partir do terceiro ano a renda seria actualizada nos termos das cláusula 4a/3 do contrato de arrendamento, a qual devia ser paga na residência dos Requerentes no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito;
- O valor actual da renda é de € 2.562,50;
- A R. não pagou as rendas referentes aos meses de Setembro Outubro Novembro e Dezembro de 2007, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2008, nem na data do respectivo vencimento, tão pouco o fez até à data da propositura da acção;
- Os AA. requereram arresto que correu termos no 2º Juízo Cível, 2ª Secção, do Porto, o qual findou por transacção, tendo a Ré confessado que devia as rendas referentes aos meses de Setembro de 2007 a Abril de 2008, inclusive, motivo pelo qual estas rendas não se peticionam na presente acção uma vez que os AA vão executar a sentença homologatória;
- Não obstante, a Ré não só não cumpriu aquele acordo como não pagou, ainda, as já vencidas rendas dos meses de Maio e Junho de 2008, apesar das sucessivas interpelações para proceder ao pagamento.
Citada a R., contestou, invocando a excepção de não cumprimento quanto às rendas de Maio e Junho de 2008, face à recusa dos AA. na emissão dos competentes recibos relativos às rendas anteriores. Sustentam ainda não poderem os AA. resolver o contrato de arrendamento, por ser necessário verificar-se mora desse mesmo pagamento por um período superior a 3 meses, o que aqui não sucede, dado que a R. só se encontra em mora relativamente aos meses de Maio e Junho de 2008, tendo relativamente à renda correspondente ao mês de Maio decorrido apenas um mês e relativamente ao mês de Junho apenas 6 dias. Invocam ainda o abuso de direito por parte dos AA., por não disporem de qualquer justificação de ordem jurídica, social, económica ou outra, para a resolução do contrato de arrendamento ou para cobrança do montante de rendas vencido e não pago, sendo apenas propósito dos AA. causar dano à R. e remetê-la para uma agravada situação económico-financeira. Concluem pela improcedência da acção.
Os AA. ofereceram resposta, negando a recusa em entregar qualquer recibo e reafirmando o anteriormente alegado, concluindo como na petição inicial.
Na audiência preliminar, frustrada a conciliação das partes, foi proferido de imediato para a acta saneador-sentença, que julgou procedente a acção e, consequentemente, decretou a resolução do contrato de arrendamento, condenando a Ré a despejar o arrendado, entregando-o em bom estado de conservação, bem como a pagar as rendas vencidas de Maio, Junho de 2008, no montante mensal de € 2.562,50, assim como todas as rendas entretanto vencidas, e as vincendas até efectiva entrega do arrendado.
A R., inconformada, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
Neste Tribunal da Relação foi confirmada a decisão da 1ª instância, sem que com um voto de vencido.
A R., ainda inconformada, recorre agora para este Tribunal, concluindo do modo seguinte:
1.A sentença recorrida julgou procedente a acção, e determinou a consequente resolução do contrato de arrendamento, condenando assim a recorrente a despejar o locado, entregando em bom estado de conservação, bem como a pagar as rendas vencidas referentes aos meses de Maio e Junho, bem como entretanto todas as rendas vencidas e vincendas até entrega efectiva do arrendado.
2.Descurou-se na presente análise dos requisitos exigíveis para que pudesse operar uma resolução do contrato de arrendamento, tendo repetido o Tribunal a quo o erro da 1.ª instância, valorizando a referência a uma transacção judicial anterior.
3.Os recorridos apenas lançaram mão da acção de despejo, para peticionar DUAS rendas, ao abrigo do princípio do dispositivo.
4.Pela simples enunciação desse litígio anterior, perdeu a aqui recorrente, a possibilidade de lançar mão da possibilidade que lhe é conferida pelo art. 1084.º do Código Civil, por remissão expressa do n.º 3 do art. l083.º do mesmo diploma legal.
5.Não se encontravam reunidos os dois pressupostos da resolução: a mora de três meses, uma vez que os recorridos apenas peticionaram a renda referente a dois meses, como também não poderia concluir-se pela resolução visto que a arrendatária detinha o prazo de três meses para regularizar a situação.
6.Ficou a recorrente impedida de lançar mão dos direitos que ainda lhe assistiam, não fosse a resolução imediata e irreflectida dos Tribunais a quo.
7.O direito de resolução do contrato de arrendamento por reflexo do nº 3 do art. 1083.º do Código Civil, assenta na duração da mora, a qual apenas assume relevância quando exceder os três meses quanto a uma ou várias rendas vencidas.
8.É certo que uma só renda em atraso, de acordo com o preceito referenciado, é capaz de sustentar a resolução, porém é requisito essencial desta situação, a sustentação da inexigibilidade da relação, pelo que e nessa medida, teria necessariamente o recorrido de fundamentar e alicerçar a insustentabilidade da manutenção da relação no arrendamento.
9.O Tribunal da Relação do Porto, e a nosso ver mal, disse que "não interessa, para aqui, se há, ou não, mora superior a três meses no pagamento da renda, mas sim, se o quadro factual apurado configura no seu todo uma situação como aquela que está prevista no nº 2 do mesmo artigo (. .. )".
10.Acontece que não existiu no caso em apreço uma constituição do aludido quadro factual, pelo que desconhece aqui a recorrente que factualidade sustentou tal assunção, pelo que ultrapassaram todos os pressupostos exigíveis, adoptaram o conhecimento de factos que não constam das peças processuais, não constam dos autos, porque não foram devidamente alegados pelos recorridos.
11.A inexigibilidade terá forçosamente de se apurar e provar, por recurso a factos concretos e não a meras alegações, carecidas de sustentação, como ocorreu nos presentes autos, onde faltou a invocação de factos e a necessária prova dos mesmos.
12.Os recorridos não motivaram a insustentabilidade da relação, evidenciando mesmo que quanto às quantias incorporadas na transacção judicial, haveriam de recorrer à acção executiva, apesar de até à presente data o não tenham feito.
13.Nesta sede não vinga a presunção de inexigibilidade, prevista no nº 3 do art. 1083.º do Código Civil.
14.Tal é evidente por recurso ao n.º 2 do artigo 1083.º, dado que o mesmo apesar de genérico e bastante indeterminado impõe o recurso às mais elementares regras de experiência, pelo que seria exigível a fundamentação dos factos e a sua prova.
15."Neste n.º 2 recorreu o legislador a conceitos indeterminados que remetem o julgador a conceitos indeterminados que remetem o julgador para casuísmos, operando a respectiva concretização à luz de regras de experiência e critérios sociais que presidem à valoração dos factos provados, contextualizando com factos o condicionalismo em que se verificou essa violação e a sua repercussão na relação jurídica de arrendamento".
16.O conceito de justa causa se apura por reflexo a três elementos:
- Subjectivo que subentende o comportamento culposo do trabalhador, por acção ou por omissão;
- Objectivo traduzido na impossibilidade da manutenção da relação laboral;
- Nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
Não foi alegado um único facto para colmatar e aferir da inexigibilidade, a sua gravosidade face ao incumprimento ou das suas consequências, olvidando os aqui recorridos de observar este ónus alegandi et probandi.
17.Andaram mal os Tribunais a quo quando admitiram como provado o não pagamento das rendas desde Setembro de 2007 até à data da propositura da acção, isto é, até 14 de Maio 2008, motivo pelo qual interpretaram mal que a mera referência consubstanciou o conceito de inexigibilidade que a lei exige para resolver o contrato.
18.A douta sentença do Tribunal de 1.ª instância deveria por via disso, ter sido declarada nula, nos termos do art. 668.º, n.º l al.d) do Código de Processo Civil, na parte em que conheceu da inexigibilidade não alegada nem provada, pelo que os Tribunais a quo conheceram de factos que não podiam conhecer, por não terem sido devidamente alegados.
19.É evidente que houve e foi reconhecido o incumprimento correlativo aos meses do ano de 2007 e 2008, porém, não se pode considerar que existiu mora, visto que existiu uma transacção judicial, na qual a recorrente se reconhece devedora e evidencia a sua carência económica apelando ao cumprimento das mesmas em pagamentos fraccionados, dado que com a efectivação da transacção judicial concedeu-se sem margens para dúvidas um lapso temporal, uma espera.
20.O alegado incumprimento das rendas vencidas desde Setembro de 2007, nenhuma delas se encontrava em mora há mais de três meses, atenta a moratória concedida pela transacção celebrada no processo de arresto.
21.Pelo exposto, denota-se que os aqui recorridos, não sustentaram o requisito exigido, pelo que do mesmo não poderiam fazer-se valer.
22.Ficou por fundamentar e provar a insustentabilidade da relação contratual, que iria demonstrar a frustração dos laços existentes, ficando também por fundamentar e provar o nexo de causalidade de factos a efeitos.
23.O mesmo será dizer que peca por defeito, improcedendo a sustentação alegada pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, quando admitem como, alegada, fundamentada e provada a carência grave da relação contratual.
24.Ignoraram os mesmos a necessidade de preencher o requisito cumulativo, previsto no n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil.
25.Pelo exposto se evidencia, o desajuste da decisão que ora se recorre, influenciado pela precipitação assumida pelo juiz a quo.
26.Encontram-se assim violados, de entre outros, os n.ºs 2 e 3 do artigo 1083.º do CC.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Sem prejuízo do conhecimento oficioso que em determinados situações se impõe a este Tribunal, o objecto do recurso é dado pelas conclusões que o recorrente extrai das alegações (art.º 684º, nº 3 do CPC).
(Nas conclusões – de forma clara e completa - o recorrente resume os fundamentos do recurso).
Assim, tendo em atenção o exposto e as conclusões formuladas pela recorrente, importa resolver:
- Se o Tribunal da Relação conheceu de questão que não podia conhecer, em violação do disposto na segunda parte da al. d) do nº 1 do artigo 668º do CPC;
- Se a decisão do Tribunal da Relação viola os nºs 2 e 3 do artigo 1083º do Código Civil.
II. Fundamentos
II.I. Dos factos
Nas instâncias foram dados como provados os factos seguintes:
1º Os Requerentes são donos e legítimos proprietários do prédio denominado “C... das V...”, sito no L... de L..., P..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 00...;
2º Por contrato de arrendamento de 13 de Janeiro de 2005 para produzir efeitos a partir de Março de 2005 o Requerente marido deu de arrendamento à Requerida o referido prédio;
3º O contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, renovável por períodos de um ano, na ausência de denúncia;
4º Foi convencionada a renda mensal de € 2.000,00 (dois mil) no primeiro ano de vigência do contrato, de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos) no segundo ano e a partir do terceiro ano a renda seria actualizada nos termos da cláusula 4ª/3 do contrato de arrendamento, a qual devia ser paga na residência dos Requerentes no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito;
5º Fruto das actualizações a renda actual é de € 2.562,50 (dois mil quinhentos e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos);
6º Sucede que a Requerida não pagou as rendas referentes aos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2007, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2008 nem na data do respectivo vencimento, tão pouco o fez até à presente data;
7º Os Requerentes requereram arresto que correu termos no 2º Juízo/2ª Secção deste Tribunal que veio a findar por transacção onde a aqui Ré se confessou devedora das rendas referentes aos meses de Setembro de 2007 a Abril de 2008 inclusive;
8º Não obstante o que se deixa dito a Ré não só não cumpriu aquele acordo, como não pagou, ainda as rendas dos meses de Maio e Junho (já vencidas) e tudo isto apesar das sucessivas interpelações para proceder ao pagamento.
II.II. Do direito
1.Porque se não verifica nenhuma das situações dos artigos 722º nº 3 e 729º nº 3, ambos do CPC, a matéria de facto considera-se definitivamente assente, tal como foi fixada pelas instâncias.
2.Embora sem a clareza desejável, a recorrente arguiu a nulidade prevista na 2ª parte da al.d) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
Aparentemente a recorrente parece sustentar que a causa de pedir da acção seria apenas a prevista no nº 3, do artigo 1083º do Código Civil, sendo essa a causa de pedir que devia ser conhecida pelo tribunal. Ao qualificar os factos e enquadrá-los na previsão do nº 2, do artigo 1083º do Código Civil, o tribunal teria conhecido uma causa de pedir não invocada e, desse modo, conhecido de questão cujo conhecimento lhe estava vedado.
Não tem razão.
Fundamentemos:
Ao contrário do que a recorrente alega, e como reconhecerá, os autores invocaram expressamente os factos relativos aos anteriores incumprimentos, objecto de acção judicial, nos articulados, factos estes que no respeito, designadamente, dos princípios do dispositivo e do contraditório foram considerados provados na sentença recorrida (atente-se nos números 6º, 7º e 8º da matéria de facto dada como provada).
A questão é: tendo tais factos sido alegados pela parte e tendo sido dados como assentes, face nomeadamente ao disposto no artigo 664º do CPC, podia/devia o tribunal ponderar da sua relevância/irrelevância para a decisão em termos de direito?
A resposta é afirmativa.
Estando em causa acção visando a resolução do arrendamento por incumprimento do arrendatário, tendo sido, para tal desiderato, alegada e depois provada determinada factualidade, importava ponderar, face ao direito substantivo pertinente, se aqueles factos seriam idóneos enquanto elementos integradores do direito à resolução do contrato.
De facto e ao contrário do que alega a recorrente, os autores, de modo algum, invocam como fundamento do direito à resolução apenas a falta de pagamento de duas rendas. Resulta claro, salvo o devido respeito por opinião contrária, da petição inicial que a alegação dos outros factos – os factos relativos às rendas não pagas objecto de anterior acção judicial – só se percebe enquanto necessários à integração da causa de pedir, no seu segmento da inexigibilidade da manutenção da relação locatícia em consequência do incumprimento verificado. Importa ter em atenção o disposto no nº 2 do artigo 1083º do CC.
Porque haviam os autores trazer à lide aquela factualidade se dela não pretendessem retirar efeitos jurídicos?
Note-se que os autores, adoptando conduta anómala embora, nem sequer referem qualquer norma jurídica na petição inicial. Assim, seja por pelo conteúdo de todos os factos alegados, seja pela ausência de invocação de qualquer norma jurídica que inequivocamente limite a causa de pedir visada a uma concreta previsão legal, de algum modo, se pode inferir a restrição da causa de pedir nos termos queridos pela recorrente.
Porque a factualidade em análise, alegada e provada, faz parte da invocada causa de pedir, o tribunal conheceu do que podia e devia, improcedendo assim a arguida nulidade.
3. Violou o Tribunal da Relação o disposto nos nºs. 2 e 3 do artigo 1083º do CC?
A resposta é negativa.
Fundamentemos:
Como resulta nítido da lei (nº 3 do artigo 1083º do CC), o senhorio pode pedir a resolução do contrato em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda. Mas se assim é, a resolução do arrendamento é ainda admissível por a falta de pagamento de uma ou mais rendas em que não se verifica o tempo de mora previsto naquele nº 3; forçoso é que resulte provada factualidade integradora do conceito indeterminado de inexigibilidade previsto no nº 2 do mencionado preceito. Ou seja, enquanto a mora prevista no nº 3 dispensa a prova de factos que preencham o conceito de inexigibilidade, a falta de pagamento de renda em que se não verifique aquele período de mora, só pode levar à resolução do arrendamento se ainda resultarem provados factos dos quais segundo os critérios sociais se conclua que aquele incumprimento pela sua gravidade ou consequências torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento.
No caso em apreço, deve-se concluir, como fez a Relação (e a 1ª instância), ser inexigível aos autores a manutenção do arrendamento?
Como se reconhecerá, não está em apreciação uma conduta isolada da recorrente, um incumprimento ocasional, insignificante. Do que se trata, é de um comportamento reiterado, repetido mês após mês, ao longo de vários meses, traduzindo-se inequivocamente num incumprimento grave que torna insuportável para o senhorio a manutenção do arrendamento.
Mas vejamos os factos interessantes:
A recorrente, em Março de 2008, já na pendência de acção judicial, reconheceu-se devedora de € 26.000 relativamente a vários meses de rendas não pagas e obrigou-se ao seu pagamento em prestações, sendo a primeira delas no imediato mês de Abril. Todavia, não só não pagou aquela primeira prestação, como não pagou as rendas que entretanto se venceram em Maio e Junho do mesmo ano.
Resulta límpido deste quadro factual que quando foi intentada a acção as duas últimas rendas em atraso não eram os únicos pagamentos em atraso.
Assim face a tal factualidade, parece isento de discussão que estamos em presença dum incumprimento do arrendatário que pela sua gravidade torna inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento.
De facto, tendo o senhorio entregue e proporcionado o gozo do imóvel ao arrendatário, isto é, cumprindo as suas obrigações, impunha-se ao segundo o cumprimento da sua obrigação primeira – o pagamento da renda. O carácter sinalagmático do arrendamento, a correspectividade das obrigações assumidas, assim o exigem – artigos 1031º, alínea a) e 1038º, alínea a), ambos do Código Civil.
Claramente: é contrário à natureza do contrato de arrendamento que o locatário goze a coisa ao longo dos meses, sem que pague as respectivas rendas. Depois, tratando-se de contrato duradouro, o facto de arrendatário, repetidamente, não pagar as rendas, rendas de montante significativo (superior a € 2.500,00), note-se, põe em causa de modo irremediável a confiança negocial do locador no locatário.
Será exigível, na normalidade da vida, que um locador seja obrigado a permanecer numa relação locatícia com um inquilino que há praticamente um ano não paga as rendas de montante significativo?
A resposta é indubitavelmente negativa.
No caso presente, conclui-se face à factualidade apurada e com a necessária segurança, não ser exigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, senhorio este que por causa de incumprimentos do arrendatário teve já de recorrer por duas vezes aos tribunais.
Assim porque o Tribunal da Relação interpretou e aplicou adequadamente o disposto nos nºs. 2 e 3 do artigo 1083º do CC, nenhuma censura merece a decisão.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em negar a revista e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente


Supremo Tribunal de Justiça,
Lisboa, 17 de Fevereiro de 2011.

Sérgio Poças (Relator)

Orlando Afonso

Cunha Barbosa