Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
110/2000.P3.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: LIQUIDAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
TEORIA DA DIFERENÇA
COMPENSATIO LUCRI CUM DAMNO
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/22/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, 566.º, N.º2 E N.º3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE14/12/2007, PROCESSO N.º 06B4219;
-DE 31/5/2011, PROCESSO N.º 851/04. 7BBGC.P1.S1;
-DE 31/5/11, PROCESSO N.º 851/04. 7BBGC.P1.S1;
-DE 13/9/2012, PROCESSO N.º 1026/07.9TBVFX.L1.S1.
Sumário :
Na actividade de alegação e prova dos factos relevantes para se aferir, já não da existência jurídica do direito de indemnização , mas do objecto , conteúdo e montante concreto da obrigação de indemnizar -nomeadamente para aplicação dos cálculos informadores da teoria da diferença contida no art. 566º, nº2, do CC - recai sobre o lesante o ónus de alegar e provar os factos, favoráveis à oposição ou contestação que deduziu, que são determinantes de uma redução do valor normal da indemnização pretendida pelo lesado – nomeadamente, os que estão subjacentes ao instituto da compensatio lucri cum damno, provando quais as concretas vantagens que o lesado teria auferido em consequência do facto danoso, determinantes de uma redução do valor indemnizatório peticionado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça – e que pôs termo à acção através da qual os AA. visavam efectivar as consequências da violação do direito de preferência, emergente de determinado contrato de dação em pagamento celebrado com a demandada  Caixa Geral de Depósitos, S.A., - foi esta entidade condenada a pagar aos AA. AA e mulher, BB, a título de danos patrimoniais, a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença, até ao limite máximo de €1.336.279,57, com juros de mora a contar da notificação da réplica à demandada.

Na sequência de tal decisão do Supremo, vieram os AA. deduzir incidente de liquidação contra a Caixa Geral de Depósitos, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhes, a título de danos patrimoniais, a quantia de €1.336.279,57, acrescida de juros de mora a contar da notificação da réplica até efectivo e integral pagamento.

A demandada deduziu oposição ao incidente, pugnando pelo atendimento, na liquidação do valor a pagar, de todos os custos e pela dedução das vantagens que advieram para os AA. pelo facto justificativo da obrigação de indemnizar.

Na resposta, a A. veio pugnar pela procedência do incidente nos termos por si peticionados.

Em virtude do falecimento do A. AA, foram habilitados como únicos e universais herdeiros do falecido, para com eles prosseguirem os termos da acção, BB, CC, DD, EE, FF,BB, GG e HH,.

Seguindo o processo, os seus ulteriores termos, foi, a final, proferida sentença com o seguinte conteúdo :

Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o incidente de liquidação e, em consequência:

-           Condeno a demandada “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” a pagar aos demandantes BB, CC, DD, EE, FF, BB, GG e HH, a quantia de €755.841,68 (setecentos e cinquenta e cinco mil oitocentos e quarenta e um euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, desde 25/05/2000 até efectivo e integral pagamento;

-           Absolvo a demandada do demais peticionado.

Inconformada com tal decisão, veio a demandada CGD interpor recurso de apelação, impugnando, desde logo, a decisão proferida sobre a matéria de facto e pedindo que fosse revogada a sentença recorrida e substituída por outra que, com base na equidade, fixasse uma indemnização meramente simbólica para os AA ou, quando muito, uma indemnização em valor inferior a €57.000,00 .

2. A Relação começou por julgar improcedente a impugnação deduzida quanto à matéria de facto, o que ditou a estabilização do seguinte quadro factual:

A) Existe uma urbanização no Lugar de S................, freguesia de S. João de Ver, concelho de Santa Maria da Feira, a qual é conhecida por “Urbanização da Q................” (al. A) da matéria assente).

B) Os AA., até 10/12/87, eram donos de 30 prédios rústicos, cada um deles, composto de uma parcela de terreno para construção urbana, com a área de 243m2, todos situados dentro do espaço da “Urbanização da Q................”, no Lugar de S................, freguesia de S. João de Ver, concelho de Santa Maria da Feira (al. B) da matéria assente).

C) Em 20 de Maio de 1999, a R. “Caixa Geral de Depósitos” e a “Imocaixa – Gestão Imobiliária, S.A.” outorgaram a escritura pública designada de “compra e venda”, junta aos autos a fls. 177 a 189, na qual a R. “Caixa Geral de Depósitos” declara vender à “Imocaixa”, que declara aceitar venda, pelo preço global de 41.250.000$00 (€205.754,13), trinta parcelas de terreno, destinadas à construção, sitas no Lugar de S................, freguesia de S. João de Ver, concelho de Santa Maria da Feira (al. C) da matéria assente).

D) As parcelas referidas em C) são as referidas em B) (al. D) da matéria assente).

E) A escritura mencionada em C) ficou isenta de sisa, nos termos do n.º 3 do artigo 13.º do Código de Sisa (al. E) da matéria assente).

F) A escritura mencionada em C) custou, em termos do custo da escritura  pública no Notário, 478.840$00 (€ 2.388,44) (al. F) da matéria assente).

G) O registo da propriedade dos prédios mencionados em C) e D) supra, a favor da “Imocaixa” na Conservatória do Registo Predial, feito pela apresentação 72, custou 139.250$00 (€ 694,58) (al. G) da matéria assente).

H) Por escritura pública datada de 20 de Maio de 1999, intitulada “compra e venda”, outorgada no Cartório Notarial do concelho de S. João da Madeira e junta a fls. 190 a 201, a “Imocaixa” declarou vender à sociedade “Imocardoso – Imobiliário e Investimentos, S.A.”, que declarou aceitar tal venda, pelo preço global de 70.000.000$00, as mesmas parcelas de terreno, mencionadas em C) (al. H) da matéria assente).

I) O A. marido é um empresário em nome individual que se dedica à urbanização de terrenos, construção de edifícios, compra e revenda de prédios (al. I) da matéria assente).

J) No exercício desta sua actividade, o A. marido levou a efeito a “Urbanização da Q................” (al. J) da matéria assente).

L) O A. marido tem delineado e mandado construir moradias e apartamentos, em relação aos quais tem vindo a encontrar compradores (al. L) da matéria assente).

M) Cada lote dos mencionados em B) permite a construção de uma moradia com a área de 134 metros quadrados e a construção de um rés-do-chão e primeiro andar com a área de 276 metros quadrados (al. M) da matéria assente).

N) A “Imocardoso” está a construir em cada lote dos mencionados em B) duas garagens na cave, uma habitação no rés-do-chão, tipo T2, e outra no primeiro andar, tipo T3, com entradas independentes (al. N) da matéria assente).

O) Cada construção mencionada no ponto anterior importava então em pelo menos 13.000 contos, ou seja, em € 64.843,73 (al. O) da matéria assente).

P) O preço de venda de cada habitação situada num dos mencionados lotes, com

garagem, era então de cerca de 20.000 contos, ou seja, de € 99.759,58 (al. P) da matéria assente).

Q) Se os autores tivessem construído nos 30 lotes habitações com características idênticas às que um dos seus filhos está a construir noutros lotes iguais aos mencionados em H) e que têm igual capacidade construtiva, o custo de construção de cada uma das habitações rondaria o mencionado em O), ou seja, um total de 26.000 contos por lote, que corresponde a €129.687,45 por cada lote (al. Q) da matéria assente).

R) A comercialização de cada uma das 60 habitações com as características idênticas às que aquele filho dos autores está a construir em lotes idênticos poderia ser realizada ao preço médio por unidade de 22.000 contos, ou seja, €109.735,54 (al. R) da matéria assente).

S) A “Urbanização da Q................” foi idealizada pelo autor marido (al. S) da matéria assente).

T) Nos lotes em causa, os AA. teriam construído no rés-do-chão uma habitação de tipologia 3 (resposta ao ponto 1.º da base instrutória).

U) E no primeiro andar uma outra habitação também de tipologia 3 (resposta ao ponto 2.º da base instrutória).

V) Cada uma das habitações com entradas autónomas, independentes, com garagem e logradouro individuais (resposta ao ponto 3.º da base instrutória).

X) Em cada um dos 30 lotes, os AA. teriam construído 1 moradia bi-familiar, correspondendo esta a duas habitações (uma no rés-do-chão e outra no 1º andar) (resposta ao ponto 4.º da base instrutória).

Z) Habitações que seriam semelhantes às que já anteriormente haviam sido construídas e vendidas pelos AA. na Urbanização a que pertencem os lotes em causa (resposta ao ponto 5.º da base instrutória).

AA) Com os projectos de construção e honorários devidos aos técnicos que efectuariam tais projectos, os AA. despenderiam quantia nunca superior a €100.890,00 (€ 3.363,00 x 30 lotes) (resposta ao ponto 6.º da base instrutória).

BB) O orçamento estimativo, que acompanharia o projecto, seria no valor de €67.260,00, atentas as áreas aludidas em M) (resposta ao ponto 7.º da base instrutória).

CC) Sendo que a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira pratica os seguintes valores:

- €200,00 por m2 no que respeita à habitação;

- €90,00 por m2 no que respeita à garagem (resposta ao ponto 8.º da base instrutória).

DD) Os honorários apresentados pelos técnicos pela elaboração dos projectos correspondem a 5% do valor do orçamento estimativo (resposta ao ponto 9.º da base instrutória).

EE) Com as licenças administrativas camarárias (construção, habitabilidade) e pedido de realização de vistoria, os AA. despenderiam, nos 30 lotes, quantia nunca superior a €55.235,10 (€ 1.841,17 x 30 lotes) (resposta ao ponto 10.º da base instrutória).

FF) Com a edificação e construção propriamente dita nos 30 lotes, os AA. Despenderiam quantia nunca superior a €3.890.623,80 já com IVA incluído (resposta ao ponto 11.º da base instrutória).

GG) Todas as habitações que na Urbanização em causa foram sendo construídas pelos AA. ao longo dos tempos, foram sempre vendidas, não tendo os AA., actualmente, qualquer habitação por si construída, por vender (resposta ao ponto 12.º da base instrutória).

HH) Também as construções levadas a efeito na referida Urbanização pelo filho dos AA.,HH, e semelhantes às que os AA. construiriam, foram vendidas na sua totalidade (resposta ao ponto 13.º da base instrutória).

II) A Imocardoso (empresa que adquiriu e construiu nos lotes em causa), na presente data, apenas tem uma das 20 habitações que construiu por vender (resposta ao ponto 14.º da base instrutória).

JJ) Se os AA. tivessem construído as 60 habitações como era sua pretensão, com maior ou menor esforço, teriam arranjado compradores para as mesmas (resposta ao ponto 15.º da base instrutória).

LL) Tanto mais que os 30 lotes em causa se localizam numa zona privilegiada da referida Urbanização (resposta ao ponto 16.º da base instrutória).

MM) Não fosse o incumprimento contratual da R., sempre os AA. poderiam ter construído e vendido as habitações numa época favorável do sector imobiliário, em que habitações semelhantes às que os AA. construiriam, eram facilmente vendáveis (resposta ao ponto 17.º da base instrutória).

NN) Com e na construção das 60 moradias, os AA. despenderiam a quantia global de €4.255.586,05, acrescida dos custos referidos nas alíneas QQ) e UU) (resposta ao ponto 18.º da base instrutória).

OO) Na venda das mesmas 60 habitações, conseguiriam um valor mínimo de €6.584.132,40 (€ 109.735,54 x 60 habitações) (resposta ao ponto 19.º da base instrutória).

PP) Obtendo assim um lucro global de €1.397.127,81, já descontado o IRS à taxa máxima aplicável de 40%, sem contar com os custos referidos nas als. QQ) e UU) (resposta ao ponto 20.º da base instrutória).

QQ) Tendo cada uma das edificações de ser constituída em propriedade horizontal, os AA. suportariam também custos administrativos da respectiva licença e da escritura pública de constituição de propriedade horizontal e registo na C.R. Predial (resposta ao ponto 22.º da base instrutória).

RR) O A. marido, nestes anos todos, canalizou o seu esforço e os seus rendimentos para o exercício da sua actividade, procedendo a construção de outros edifícios e moradias, naquela urbanização e noutras que existem naquela área geográfica (resposta ao ponto 30.º da base instrutória).

SS) O investimento que o A. marido teria de canalizar para a construção em causa foi também usado noutras actividades, que não a construção civil (resposta ao ponto 33.º da base instrutória).

TT) À data, a taxa de juro praticada no mercado bancário para financiamentos à construção, garantidos por hipoteca, era de 7% ao ano (resposta ao ponto 35.º da base instrutória).

UU) Para a comercialização dessas moradias os AA teriam suportado custos com a publicidade e com a mediação imobiliária (resposta ao ponto 41.º da base instrutória).

3. Passando a pronunciar-se sobre o mérito do recurso, considerou a Relação, no acórdão recorrido, no que respeita ao montante da indemnização a fixar, que eram improcedentes as razões invocadas pela demandada, confirmando, por isso, inteiramente a decisão recorrida.

Começa por se afastar a pretensão de fixação de uma indemnização meramente simbólica, nos seguintes termos:

Neste raciocínio da apelante de que os autores se pretendem locupletar à sua custa, a apelante olvida que toda a questão dos autos resulta da sua responsabilidade contratual para com eles e não de qualquer artimanha ou façanha daqueles contra a apelante.

            Por isso que não entendemos a que propósito é que se haveria de fixar uma indemnização meramente simbólica; é que, no dizer da apelante seria simbólica porque, apesar do incumprimento contratual da apelante, os autores continuaram a sua vida negocial, as suas actividades, compraram, venderam, contrataram e … portanto, ganharam dinheiro e … portanto, não precisam da indemnização.

            Ora, estando em causa uma questão de incumprimento contratual, repetimos, é irrelevante o que o lesado ganhou noutras actividades que tenha desenvolvido; é que o cerne desta causa reside no facto de a CGD não ter cumprido a obrigação a que estava adstrita perante os autores, não lhes dando a preferência na alienação que fez dos 30 lotes em causa nos presentes autos.

Bastaria que a apelante tivesse cumprido essa obrigação, ou seja que tivesse vendido aos autores esses lotes, e eles teriam construído e teriam ganho o valor que se apurou nos factos acima descritos, e … em nada teria a apelante que ressarcir os autores.

É que a apelante assume-se como lesada, quando lesados foram os autores.

De seguida, passando à questão do necessário apelo a juízos de equidade pelo tribunal, considerou a Relação:

Dispõe o artº 566º n.º 3 do Código Civil que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. É o caso dos autos em que os valores provados se reportam a danos futuros, portanto, sempre numa visão de previsão e não de certeza absoluta.

            Todavia, inversamente ao alegado pela apelante, o tribunal recorrido fez apelo a juízos de equidade, e até muito favoravelmente para a apelante, uma vez que, baixou substancialmente a indemnização em relação aos valores apurados e constantes dos factos.

            Certo que na sentença recorrida não se anuncia, directamente, que se está a fazer um apelo ao juízo de equidade, mas na verdade, o que ali consta, em resultado de simples aritmética é que se não fosse o incumprimento da apelante ao autores teriam obtido um lucro de €1.133.762,51.

Mas depois (a sentença recorrida) reduz de um terço aquele valor, o que equivale a €377.920,83, invocando as regras da experiência comum e alguns factos.

Concretamente, afirma-se na sentença recorrida que:

“Ora, por um lado, muito embora não tenha ficado demonstrado que os AA. nunca poderiam concluir a construção em menos de 2 anos, nem que jamais conseguiriam vender as 60 habitações em 4 anos após a conclusão da sua construção, nem sequer a capacidade construtiva dos AA., o certo é que os mesmos levariam, com certeza, pelo menos, 3 / 4 anos a construir e a vender as 60 moradias, tendo por referência a data da prática do facto ilícito (venda efectuada em Maio de 1999, sem dar preferência aos AA), atento o tipo de moradias, a sua localização e a conjuntura do mercado imobiliário à data, pelo que, na indemnização a fixar, reportada a Maio de 2000, haverá que abater ao lucro global acima encontrado o benefício obtido pelos AA. na antecipação desse mesmo lucro.

Por outro lado, ter-se-á de tomar em consideração que o A. marido, empresário em nome individual que se dedica à urbanização de terrenos, construção de edifícios, compra e revenda de prédios (al. I) da matéria assente), nestes anos todos, canalizou o seu esforço e os seus rendimentos para o exercício da sua actividade, procedendo a construção de outros edifícios e moradias, naquela urbanização e noutras que existem naquela área geográfica (al. RR) da matéria assente). E, o investimento que o A. marido teria de canalizar para a construção em causa foi também usado noutras actividades, que não a construção civil (al. SS) da matéria assente).

Dizendo-nos também as regras da experiência que em qualquer obra, por melhor que seja a sua execução, surgem sempre defeitos, sendo os AA., enquanto construtores vendedores, responsáveis pelos mesmos durante os cinco anos subsequentes.

Além disso, os AA. não suportaram qualquer esforço físico e psíquico com vista à construção e venda das moradias, não tendo, pois, entre outras coisas, que se preocupar com a contratação de arquitectos e engenheiros, não tiveram que efectuar deslocações às autoridades administrativas, não tiveram que negociar com empreiteiros, não tiveram que acompanhar a execução da obra, nem receber queixas e reclamações de clientes sobre defeitos que fossem surgindo nas moradias, não tendo, assim, que suportar qualquer esforço de construção e venda das moradias, evitando, aliás, os riscos sempre inerentes a tal actividade, como, por exemplo, atrasos na execução, risco de insolvência de empreiteiros, incómodos, arrelias e insónias.”

Esta redução do tribunal a quo, no montante de €377.920,83, equivalente a uma redução de €6.298,68 por habitação, e de €12.597,36 por lote, é, como dissemos, até bastante favorável à apelante, já que o tribunal a quo, não ponderou também, no seu juízo de equidade, que a ré é a maior e mais prestigiada instituição financeira do país, assessorada pelos melhores profissionais de todas as áreas, jurídica, comercial, financeira, económica, de engenharia, de projectos, de publicidade, cultural, etc., não lhe sendo, por isso, admissível que cometa graves erros como o do presentes autos – incumprimento de pacto de preferência, prejudicando simples particulares como os autores que, apesar disso prosseguiram com a sua vida e com a sua actividade.

A ponderação destes factores talvez não tivesse conduzido a tão acentuada diminuição da indemnização aritmeticamente encontrada.

4. É desta decisão que vem interposta a presente revista que a recorrente encerra com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe delimitam o objecto:

1)

O douto acórdão recorrido - como emerge desde logo da citação dos extratos que consta supra -atribuiu à indemnização uma natureza essencial ou exclusivamente punitiva, relevando, para a sua fixação, apenas a ilicitude da sua conduta

2)        

O mesmo concluiu ser inaplicável, para a fixação da mesma, o princípio da compensatio lucri cum damno, recusando e de modo expresso, na fixação da indemnização, considerar os lucros que o antecessor dos AA auferiu pelo facto de ter canalizado para outras atividades e outras construções o investimento que teria de aplicar na aquisição e construção nos lotes de terreno em causa nestes autos

3)

Violando não só o disposto nos art.s 562, 564 e 566 nº 1 do C Civil mas, mais do que isso, o princípio do caso julgado (art 671 nº 1 do C P Civil), face ao teor da douta decisão, transitada em julgado, proferida nestes autos pelo STJ

4)

Ainda que tenha feito referência expressa à equidade, o douto acórdão recorrido, afastando-se dos critérios que vêm sendo adotados, pela doutrina e pela jurisprudência violando, desde logo, o princípio da igualdade com consagração constitucional (art 13 CRP) acabou por não fazer aplicação efetiva da equidade, não se contendo dentro dos limites de discricionariedade permitida pela norma (art 566 nº 3 C Civil) que legitima o recurso à mesma equidade

5)

O STJ no acórdão proferido nestes autos impôs que na liquidação se deveria ter levar em conta para a fixação da indemnização os lucros ou vantagens que o antecessor dos AA auferiu pelo facto de não ter investido na aquisição dos lotes e na construção a levar a cabo nos mesmos e que nessa liquidação se recorresse a uma "ponderação prudência! e casuística das circunstâncias do caso" para fixar a indemnização

6)

A existência de lucros que só se verificaram por causa do facto ilícito não pode ser vista como integrando uma matéria de excepção e cuja alegação e prova competisse à Ré (se assim fosse e uma vez que a mesma não lograra obter prova e, mais do que isso, nem sequer fora invocada pela Ré na contestação ou na tréplica, o STJ não teria decidido, como o fez, remetendo o cálculo da indemnização para liquidação em execução de sentença para que aí se determinassem os lucros que os AA auferiram noutras atividades e que não teriam logrado obter se lhes tivesse sido concedida a preferência)

7)

Ao invés, o direito à indemnização é apenas integrado e avaliado pela diferença entre a situação do lesado à data mais recente que possa ser tida em conta e a situação de que o mesmo gozaria não fora o facto ilícito,

8)

Por isso incumbe ao titular desse direito (o lesado) a invocação e prova de todos os elementos de facto ou parâmetros que permitam ao tribunal fixar a mesma e não apenas invocar o montante que deixou de ganhar porque não é este o valor da indemnização a que tem direito

9)

Assim, o âmbito da aplicação da equidade ao caso sub judice engloba também a fixação do valor dos lucros ou proveitos que, de outro modo, o antecessor dos AA não alcançaria, se tivesse canalizado o investimento para a construção nos lotes aqui em causa

10)

Para a fixação de um valor indemnizatório com recurso à equidade deve ter-se em conta que:

•          os AA teriam lucrado com a construção dos andares moradias nos lotes em causa o montante de 1.133.762,51 €.

•          o investimento global do antecessor dos AA para levar a cabo a construção das 60 moradias perfaria o montante global de 4.518.951 euros (incluindo já o valor de 263.000,00 € referente a custos com constituição de propriedade horizontal e publicidade (pág 11 da sentença de 1^ instância)

•          os lotes em causa foram vendidos à Imocardoso em Maio de 1999 e os juros moratórios, à taxa comercial, a receber pelos AA, começaram a ser contados um ano após, ou seja, a partir de 25 de Maio de 2000, momento em que foi deduzido o pedido, na réplica, contra a CGD

•          demoraria razoavelmente, pelo menos, 4 anos a construir e vender as 60 moradias, tendo por referência a data da prática do facto ilícito- prazo aceite pela douta decisão de Ia instância

•          na indemnização a fixar haverá que abater um determinado valor que, de algum modo, correspondesse à vantagem que o antecessor dos AA, com a atribuição da indemnização, iria beneficiar pelo facto de não ter de suportar os incómodos e custos decorrentes das previsíveis reclamações que, ao longo dos 5 anos de garantia de boa execução das moradias, iria receber de cada um dos compradores e da reparação dos respetivos defeitos reclamados que naturalmente surgiriam como surgem sempre em qualquer obra nova

•          haverá que abater também a tal indemnização uma quantia que pudesse corresponder ao esforço físico e psíquico que o antecessor dos AA não teve de despender e que teria suportado se tivesse construído essas 60 moradias (sucessivos reiterados e prolongados contactos com arquitetos, engenheiros, empreiteiros, para acerto dos respetivos contratos em todas as suas cláusulas; acompanhamento da execução dos trabalhos; escolha da qualidade de materiais, mormente dos acabamentos; deslocações à autarquia, à EDP à PT etc para ligação de água, luz, telefone, obtenção de licença de utilização etc; não correndo os riscos inerentes a qualquer atraso de obra provocado pela demora das autoridades administrativas na concessão dos licenciamentos, ou pelos empreiteiros que atrasassem o andamento dos trabalhos, que incumprissem o contrato de empreitada abandonando a obra (até em consequência de insolvência) ou pelo incumprimento de qualquer contrato promessa, ou pelo atraso dos bancos na concessão de empréstimos aos potenciais clientes etc)

11)

Estes elementos que a própria decisão de lã instância não deixou de relevar e que, nesse âmbito, ou seja, no que se reporta à necessidade de serem tidos em conta para a fixação da indemnização não foi objeto de impugnação, só por si justificavam uma redução bem superior àquela que o tribunal de lã instância operou (ou seja, 1/3).

12)

Como reconhece o tribunal de 1^ instância, as casas seriam construídas e comercializadas em 4 anos;

ora em face da douta decisão, no final desses quatro anos, uma vez que a indemnização foi fixada a

partir de 25/5/2000, ou seja, um ano após a alienação dos lotes a terceiros, o antecessor dos AA, a não

ser feita qualquer redução, teria já enriquecido em 36% do valor da indemnização; ou seja, 272.102

euros, pois que a taxa de juros moratórios naqueles anos de 2000 a 2003 era de 12% ao ano!

13)

Ao invés de ter recebido esse montante no final de 4 anos, após a construção e venda dos andares/moradia, os Autores recebê-lo-ia, logo no 1 ano; ou seja, pelo facto de terem recebido a indemnização três anos antes do prazo em que teriam previsivelmente reembolsado o lucro com a venda dos imóveis os AA aufeririam de uma vantagem indevida que se traduziria num locupletamento á custa da Autora: a antecipação do capital em 3 anos!

14)

Essa antecipação - em 3 anos vai proporcionar aos AA um quantia - correspondente a juros - de 36% da

mesma, ou seja. Já superior a 1/3!

15)      

A par disso, os AA não terão de suportar quaisquer custos com as reparações no prazo de garantia de boa execução de obra, o que só por si justifica uma redução de 195.000,00 € no valor fixado pela 1 instância (17,20% do valor da indemnização) e que que corresponderia a 5% do custo da construção dos andares/ moradias (ou seja, 5% de 3.890.623,00 € - factos FF)

16)

Trata-se da percentagem correspondente ao valor da garantia bancária de boa execução de obra que se exige seja prestada pelo empreiteiro nas empreitadas de obras públicas - DL 55/99 de2/3, art 113, n9 1 e atualmente no Código de Contratos Públicos art 89, 9 1 e valor esse que as empreitadas de obras particulares usualmente também adotam

17)

O que significa que o legislado considerou que, por norma ou em média, o custo da reparação dos defeitos que surjam durante o prazo da garantia (5 anos) atinge ou pode atingir esse montante

18)

Acrescente-se ainda a dispensa, por parte do antecessor dos AA, do esforço físico e psíquico, duradouro e desgastante, decorrente da gestão de um empreendimento deste vulto durante pelo menos 4 anos e que sempre Justificaria de per si uma redução nunca inferior a 20% na indemnização!

19)

Toda essa factualidade - contida nas conclusões 12 a 14; 15 a 17; 18 - justificaria uma redução na indemnização de bem superior aos 1/3 operados pelas instâncias

20)

Mas, para além disso e uma vez que as instâncias consideraram que AA tinha capitais próprios para levar a cabo a construção dessas 60 moradias, não onerando a construção com custos financeiros e naquele período (1999 a 2003) uma verba com a dimensão do valor dos custos do empreendimento, se aplicada por prazo mínimo de 3 a 4 anos proporcionaria seguramente uma taxa de juro ilíquida de 4% ao ano (taxa líquida superior aos 3% ), mesmo que se tivesse mantido inerte sem nada fazer, o valor que o antecessor dos AA teria investido nesse empreendimento 4.518.951 euros (incluindo já o valor de 263.000,00 € referente a custos com constituição de propriedade horizontal e publicidade) ter-lhe-ia facilmente proporcionado, só em juros, nesses anos, 12% daquele montante, considerando só para o efeito uma taxa de juros de 3% líquidos,, 542.272 euros.

21)

Isto, sem se tomar, sequer, em conta que no final de cada ano, o antecessor dos AA teria ao seu alcance o produto dos juros desse ano - 135.568,53 euros - que poderia facilmente depositar em nova conta com juros à mesma taxa ou a uma taxa líquida de 2,4% ao ano

22)

Ou seja, se nada tivesse feito durante esse período, mantenho o dinheiro no banco o antecessor dos AA teria recebido 47,8% do lucro líquido, matematicamente calculado pela 1^ instância e mantido pelo T da Relação do Porto (1.133762 euros)

23)

Só que o antecessor dos AA pelo facto de a R não lhe ter concedido a preferência investiu o respetivo capital na construção de outros edifícios, naquela e noutras urbanizações, sitas naquela área geográfica, e noutras atividades.

24)

Ora, se tivermos ainda em conta que o AA era um empresário da área imobiliária e com larga experiência nesse domínio; o empreendimento em causa se situa numa zona geográfica que nada tem de especial antes é igual a muitas outras do concelho de Santa Maria da Feira ou limítrofes,; o empreendimento situava-se numa urbanização já com mais de 30 anos e à data dos factos ainda por concluir tendo o AA, apesar disso, optado por construir noutros locais e dedicar-se a outras atividades e os lotes estiveram "sem nada", desde 1987 a 2000, facilmente se concluirá que tudo aponta no sentido de a utilização que o AA fez do capital que teria de investir no empreendimento a erigir nos lotes objeto do pacto de preferência não cumprido, investindo na construção de outros imóveis nessa e noutras urbanizações e noutras atividades, lhe terá proporcionado o mesmo resultado que teria obtido se tivesse levado a cabo o empreendimento em questão!

25)

Face a tais pressupostos, a redução da indemnização em apenas 1/3 dos lucros líquidos que aufeririam os AA, traduziu-se num puro arbítrio, ultrapassando largamente a margem de discricionariedade permitida pela norma que obriga ao recurso à equidade

26)

Ponderadas todas aquelas circunstâncias envolventes, máxime o facto de o antecessor dos AA ter canalizado o investimento para a construção de outros imóveis ou para o exercício de outra atividade que, tudo indica, à luz da normalidade, ou seja, das regras comuns de experiência, lhe .proporcionaria a mesma rentabilidade que o frustrado investimento aqui em causa, afigura-se--nos que a fixação, como indemnização, de 5% dos lucros referidos na decisão (5% de 1.133.762 euros) pecará, já, claramente, por excesso!

27)

Decidindo da forma que o fez, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos art.s 562, 564 e 566 n9s 1 a 3 do C Civil 671 ne 1 do C P Civil e art 10 da CRP

Deste modo, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por outra que fixe o montante indemnizatório no valor máximo de 56.688 euros acrescidos de juros moratórios comerciais desde a data da apresentação da réplica, farão Vªs Exªs a esperada e costumada

JUSTIÇA

Os recorridos pugnam pela confirmação do sentido decisório alcançado pela Relação.

5. Como é evidente, o objecto da controvérsia centra-se exclusivamente na questão da fixação da indemnização devida como consequência do incumprimento contratual da R., que não respeitou culposamente o direito de preferência de que gozavam os AA. na alienação de determinados terrenos para construção.  

Saliente-se que – na acção que precedeu o presente incidente de liquidação – o STJ, revogando o decidido pelas instâncias, considerou que o cômputo da indemnização alcançado pela sentença para os danos patrimoniais invocados , no valor de €1.336.279,57, assentara num modo de cálculo simplista e inadequado, determinando o aprofundamento da instrução, na fase de liquidação, de modo a apurar os proveitos previsíveis, tendo em conta, nomeadamente, o lucro líquido que o autor marido obteve na sua actividade de construtor civil durante um período de tempo igual àquele que lhe será necessário para implantar as construções nos lotes de terreno que deram origem ao litígio: ora, se o lesado em consequência do facto ilícito gerador dos danos (incumprimento) obteve lucros ou proveitos que, de outro modo, não alcançaria, há que compensar esses lucros ou proveitos com o dano que sofreu ( compensatio lucri cum damno) pois só assim se evita que ele fique em situação mais vantajosa do que aquela em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto ilícito que lhe conferiu o direito de indemnização.

Para obviar a tais insuficiências factuais e probatórias na causa principal, deduziram as partes os presentes artigos de liquidação – sustentando a R. que, na liquidação em curso, haveria que atender a todos os custos suportados pelos AA. na construção dos edifícios em causa, bem como deduzir ao lucro abstractamente auferível do empreendimento frustrado todas as vantagens por eles auferidas pela canalização da sua actividade lucrativa para outras áreas.

Note-se que a sentença proferida neste incidente de liquidação, confirmada pelo acórdão recorrido :

- calculou que, com a venda das 60 moradias em causa, os AA. teriam podido obter um lucro global de €1.133.762,51;

- considerou que, no cômputo indemnizatório a arbitrar, deveria operar-se uma redução de 1/3 desse valor pecuniário, alcançando o montante de €755.841,68, tendo em consideração:

          a antecipação desse lucro, alcançável logo se a indemnização fosse  arbitrada em Maio de 2000, ao passo que a construção dos referidos edifícios levaria , pelo menos, 3 ou 4anos;

         a dispensa do esforço físico e psíquico na construção e venda das moradias, bem como os normais riscos e incómodos inerentes à actividade de construção civil, nomeadamente a remoção de possíveis defeitos da obra;

         teve-se ainda expressamente em consideração que o A. marido, empresário em nome individual que se dedica à urbanização de terrenos, construção de edifícios, compra e venda de prédios, nestes anos todos, canalizou o seu esforço e os seus rendimentos para o exercício da sua actividade , procedendo à construção de outros edifícios e moradias, naquela urbanização e noutras que existem naquela área geográfica. E o investimento que o A. marido teria de canalizar para a construção em causa foi também usado noutras actividades, que não a construção civil.

É contra este resultado da aplicação da teoria da diferença ao cômputo dos danos que se insurge a recorrente, sustentando que a redução de 1/3 – relativamente ao lucro presumivelmente alcançável pelos AA. com o empreendimento, – realizada pelas instâncias,  era claramente insuficiente, já que:

-à indemnização arbitrada teria sido atribuída uma natureza essencial ou exclusivamente punitiva, relevando apenas o incumprimento contratual em que incorreu;

- deveria ser arbitrada aos AA. uma indemnização de montante simbólico, no valor máximo de € 56.588;

- as instâncias, ao concretizarem o valor da indemnização, não teriam aplicado, de forma adequada , os juízos de equidade que se impunham ao julgador;

- que não teria sido aplicado pelas instâncias o princípio da compensatio lucri cum damno, já que se não consideraram, para efeitos da dita redução, os lucros que os AA. auferiram com a canalização para outras actividades e construções do investimento que teriam de aplicar na aquisição e construção nos lotes e terreno em litígio – sendo certo que a aplicação de tal princípio tinha sido imposto pelo STJ, no acórdão anteriormente proferido na causa principal, ao prolatar condenação genérica da demandada, mas mandando atender a uma ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, que tivesse na devida conta , ao fixar o valor pecuniário da indemnização, os lucros ou vantagens auferidos pelo facto de não terem podido investir na construção dos lotes em causa;

- a existência de lucros que só se verificaram por causa do facto ilícito não poderia ser vista como matéria de excepção, cuja alegação e prova  incumbisse à R.

Como se realçou, o que está em causa no presente litígio é apenas o cômputo da indemnização devida em consequência de determinada situação de incumprimento contratual da R., consubstanciada na determinação do lucro cessante futuro da contraparte, alcançado através da aplicação da teoria da diferença, constante da previsão normativa do art. 566º, nº2, do CC.

Como é evidente, a aplicação do critério normativo explicitado por este preceito legal tem por base e assenta decisivamente na factualidade provada, com incidência no apuramento das situações patrimoniais actual e hipotética do lesado: e, embora a estrita aplicação deste critério normativo possa ser sindicada no âmbito de um recurso de revista, por se poder configurar como matéria de direito, é manifesto que já se situa fora dos poderes cognitivos do STJ a definição do quadro factual relevante, que irá servir de base ao apuramento da diferença entre as referidas situações patrimoniais do lesado.

Implica isto que, no caso dos autos, ao aplicar o referido critério normativo, o Supremo terá naturalmente de se basear exclusivamente no quadro factual apurado pelas instâncias, não podendo obviamente na presente revista pretender obter-se o que se não alcançou através da impugnação deduzida contra a matéria de facto, no que respeita nomeadamente, à exacta determinação do valor do lucro que previsivelmente seria auferido pelo lesado se não tivesse ocorrido o incumprimento do pacto de preferência, ao montante dos encargos que teriam normalmente de ser suportados em consequência do investimento projectado e a eventuais oportunidades de negócio, despoletadas precisamente pela frustração da aquisição relativamente à qual se beneficiava do direito de preferência; ou seja: estes lucros previsíveis, encargos e proveitos alcançados hão-de ser naturalmente aqueles que estão documentados na factualidade concretamente alegada e provada pelos litigantes – e não em situações puramente hipotéticas ou conjecturais, delineadas no recurso de revista com apelo a pretensas regras de normalidade ou experiência, mas sem qualquer suporte efectivo no elenco de factos provados e não provados.

Ora, de um ponto de vista estritamente normativo, não se vê minimamente que tenha fundamento a crítica dirigida ao acórdão recorrido, a propósito da aplicação da teoria da diferença à factualidade provada; assim, não parece que se possa imputar ao acórdão recorrido a adopção de uma visão puramente punitiva da obrigação de indemnizar: a circunstância de se relembrar, ao longo do acórdão proferido pela Relação, que na base do litígio está uma situação de incumprimento contratual culposa da R.  surge como contraponto à tentativa de desresponsabilização da entidade demandada, pretendendo obter uma compensação meramente simbólica dos danos sofridos pela contraparte e invocando um propósito de locupletamento dos A.A. à sua custa – mas sem que, no cômputo da indemnização, se tenha ido além de um propósito de compensação do dano que se teve por efectivamente sofrido pelo lesado.

Do mesmo modo, não pode afirmar-se que as instâncias não aplicaram juízos de equidade ao cômputo da indemnização: saliente-se que – perante a normal dificuldade de exacto apuramento dos lucros cessantes futuros – calculando os previsíveis encargos inerentes à realização do investimento imobiliário em causa, não podia o Tribunal recorrido ter deixado de formular um julgamento casuístico e prudencial sobre tal matéria para, em termos equitativos, alcançar um valor pecuniário determinado: e fê-lo, como é evidente, ao abater o valor de 1/3 ao montante do que considerou ser o lucro cessante dos lesados, representando tal redução prudencial do valor do lucro cessante – cuja substância, fundada numa apreciação factual e casuística, é, enquanto tal, insindicável pelo Supremo num recurso de revista - precisamente o resultado de um juízo de equidade que, aliás, se situa plenamente dentro dos parâmetros em que as instâncias se deviam mover para alcançarem o valor indemnizatório devido, nos termos expressamente  previstos no art. 566º,nº3, do CC.

Afigura-se, aliás, que a questão fundamental colocada pela entidade recorrente tem a ver com a afirmação de que o acórdão recorrido teria omitido a consideração das vantagens alcançadas pelo lesado, e que justificariam a aplicação da figura da compensatio lucri cum damno - da qual deveria, na óptica do recorrente, ter resultado uma redução do valor indemnizatório arbitrado superior à proporção de 1/3.

Como se afirma no acórdão de 31/5/11, proferido por este Supremo no P. 851/04. 7BBGC.P1.S1:

O instituto da “compensatio lucri cum damno” não está, clara e expressamente, consagrado no Código Civil, antes resultando do nº 2 “in fine”do artigo 566º,como fundamento adjuvante para se dar por assente a aceitação da teoria da diferença, em sede de indemnização.

Tem como requisitos a unidade do dano e os prejuízos e a vantagem serem o resultado do mesmo evento, não representando um limite à indemnização, mas um critério do cálculo informador desta.

Supõe-se, todavia, que esta crítica da recorrente, se situada num plano normativo, de interpretação e aplicação das figuras jurídicas, não é fundada, já que as decisões proferidas fazem expressamente apelo à necessidade de ter em conta, em termos prudenciais e casuísticos – e como resultava aliás expressamente do acórdão proferido nos autos pelo STJ, na causa principal, - a circunstância de o lesado ter canalizado o seu esforço para outras actividades, geradoras de proveitos que poderiam ter compensado o dano causado pelo incumprimento contratual.

Ou seja., as instâncias não desconsideraram, no plano jurídico, o instituto da compensatio, deixando pura e simplesmente de atender às vantagens auferidas pelos AA. em investimentos substitutivos do que se frustrou por culpa da R. – e com isso violando o que havia sido determinado pelo STJ no acórdão proferido na causa principal ( o que torna evidente a inexistência de qualquer situação de violação de caso julgado): porém - e como é evidente – a existência e o montante dessas vantagens limitadoras do dano há-de depender decisivamente da factualidade provada.

Ora, quanto a este ponto, importa relembrar que a matéria de facto apurada ( com relativa inconsistência quanto a este ponto, dando-se como certo que o lesado canalizou a sua actividade para outros investimentos, mas sem se dar por minimamente apurado o valor ou montante dessas vantagens por ele auferidas) decorre da circunstância de a R. não ter logrado provar o núcleo essencial dos factos que alegou na oposição à liquidação, muito em particular que esses investimentos ou actividades alternativas teriam proporcionado ao A. um rendimento ou rentabilidade  não inferior ao que auferiria se tivesse procedido à construção dos lotes em litígio ( cfr. as respostas negativa e limitativa aos pontos 31º e 33º da base instrutória, respectivamente). Tal como não logrou a R. provar, em termos convincentes, os factos alegados relativamente às capacidades construtiva, em período temporal razoável, e financeira própria dos AA., por as testemunhas indicadas não terem sabido referir se os autores mantêm mais de 100 lotes na urbanização para erigir construções idênticas, quais os ganhos obtidos anteriormente, a capacidade construtiva dos AA. para construírem as 60 moradias, nem a sua concreta capacidade financeira para o fazerem sem terem de recorrer ao crédito ( cfr.a fundamentação do despacho que fixou a matéria de facto,  a  fls. 2614)

Implica isto que a invocada desconsideração do instituto da compensatio, traduzida, na óptica da ora recorrente, em se ter reduzido o montante indemnizatório em proporção inferior ao que ela considerava adequado, não radicou em nenhuma peculiar interpretação das normas ou princípios que regem esta figura jurídica ou em qualquer violação do princípio da igualdade, que não se vislumbra minimamente na concreta situação litigiosa– mas antes e decisivamente no quadro factual apurado, decorrente, nomeadamente, do insucesso da actividade probatória desenvolvida pela R. quanto à demonstração de factos com relevância decisiva para operar a pretendida maior redução do valor indemnizatório arbitrado aos AA.

Sustenta a recorrente que – não se traduzindo a figura da compensatio lucri cum damno numa verdadeira excepção peremptória – lhe não competiria o ónus de prova quanto à factualidade em que a mesma se consubstanciava.

É, porém, evidente que não é assim, já que na determinação do objecto e conteúdo da obrigação de indemnizar – e nomeadamente no funcionamento e aplicação prática da teoria da diferença - é necessário aplicar a repartição do ónus probatório entre lesante e lesado em termos de regra/excepção, em moldes idênticos aos que estão consagrados no art. 342º do CC, relativamente aos factos constitutivos e impeditivos da existência do direito litigioso: assim, embora a figura da compensação de vantagens se não subsuma efectivamente ao elenco das verdadeiras e próprias excepções peremptórias, já que se não configura como facto impeditivo da existência do direito à indemnização invocado pelo lesado, acaba por ter uma relevância decisiva para apurar o valor da indemnização em dinheiro, correspondendo a uma situação factual que interessa ao lesante invocar em seu benefício, com vista a diminuir o montante indemnizatório que seria correspondente aos lucros cessantes futuros de que o A. , na sua versão factual, teria ficado privado.

Deste modo, ao determinar o objecto e o montante em dinheiro da obrigação de indemnizar incumbe ao A. delinear na petição ou requerimento inicial os factos que, sendo favoráveis à sua pretensão,  permitem desenhar a situação patrimonial em que, no seu entender, se encontraria se não fosse o facto danoso ; e ao R. alegar na contestação ou oposição, em seu benefício, as circunstâncias factuais que excepcionalmente podem determinar uma redução do valor real da indemnização correspondente a esse dano/ lucro cessante invocado, recaindo naturalmente sobre si o risco de eventual insucesso probatório quanto aos factos que integram a fattispecie das normas por si invocadas e que, ao contribuírem para a redução do valor normal da indemnização, aproveitam à sua oposição ou defesa.

Note-se que é esta repartição do ónus probatório no que concerne à factualidade relevante – já não para aferir da existência jurídica do direito à indemnização , mas para apurar o conteúdo, natureza e valor da obrigação de indemnizar -  que conduz, por exemplo, ao entendimento de que em acção em que se controverte o montante da indemnização correspondente aos lucros cessantes futuros decorrentes do falecimento, em acidente de viação, do pai do autor/ menor, incumbe à ré seguradora alegar e provar quaisquer factos impeditivos que obstem ao arbitramento do valor do capital peticionado, traduzidos nomeadamente, em acrescidas despesas a cargo do falecido ou no recebimento pelo autor de um montante a título de pensão de sobrevivência, não acumulável com a indemnização( cfr. Ac. de 13/9/12, proferido pelo STJ no P. 1026/07.9TBVFX.L1.S1);

Ou à conclusão segundo a qual é ao lesante que incumbe o ónus probatório quanto à excessiva onerosidade da reparação natural, determinante da fixação da obrigação de indemnizar em dinheiro: ao autor, que viu o seu automóvel danificado em acidente de viação, cabe a prova do em quanto importa a sua reparação, restaurando in natura o veículo danificado; à Ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo - que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa. ( cfr. Acs. de14/12/07, proferidos pelo STJ nos P. 06B4219 e de 31/5/11, proferido pelo STJ no P. 851/04. 7BBGC.P1.S1).

E, nesta óptica, era efectivamente à recorrente que incumbia alegar e provar os factos que estavam na base do funcionamento do instituto da compensação de vantagens, por si alegados e a si inteiramente favoráveis - mostrando que a indemnização correspondente ao lucro cessante previsível deveria ser substancialmente reduzida pelo facto de esses investimentos ou actividades alternativas, por si invocadas, teriam proporcionado ao A. um rendimento ou rentabilidade não inferior ao que auferiria se tivesse procedido à construção dos lotes em litígio.

Ora, a circunstância de, perante a livre apreciação da prova produzida – mantida inteiramente pela Relação, ao rejeitar a impugnação deduzida quanto à matéria de facto – tal factualidade não ter sido integralmente demonstrada ( apurando-se apenas que ocorreram investimentos alternativos, mas de resultados financeiros  concretamente indeterminados) não pode deixar de ter relevância negativa quanto à tese sustentada pela R. , ditando uma redução equitativa do lucro cessante previsível naturalmente bem inferior à que decorreria da integral  demonstração da situação factual alegada pela R. na oposição à liquidação.

Não ocorreu, deste modo, violação das disposições legais invocadas pela entidade recorrente.

6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, nega-se provimento à revista.

   Custas pela recorrente.

Lisboa, 22 de Novembro de 2012

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor