Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A3992
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: SEGURO AUTOMÓVEL
NULIDADE DO CONTRATO
INTERESSE PROTEGIDO
HERANÇA INDIVISA
HERANÇA JACENTE
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: SJ200601310039926
Data do Acordão: 01/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 518/05
Data: 05/16/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : I - O seguro é nulo se aquele por quem ou em nome de quem é feito não tiver interesse na coisa segurada .

II - O interesse no seguro deve ser específico, actual, lícito e de natureza económica.

III - É nulo o contrato de seguro, quando o veículo era propriedade do causador do acidente, pelo menos desde 30 de Outubro de 1995, o tomador do seguro faleceu em data anterior e não se mostra que o segurado, na data do acidente, ocorrido em 3-12-95, tenha qualquer relação jurídico-económica relevante com o objecto do seguro, ligando-o ao veículo exposto ao risco .

IV- A herança ilíquida e indivisa, cujos herdeiros já se encontram determinados, não tem personalidade jurídica, nem judiciária .

V- A lei apenas atribui personalidade judiciária à herança jacente e aos patrimónios autónomos semelhantes .

VI - Os herdeiros são partes legítimas, na acção contra eles instaurada, para os credores da herança verem os seus créditos pagos pelos bens da mesma .

VII - Os herdeiros devem ser demandados e condenados, não a pagar os créditos da herança, mas tão somente a reconhecerem a sua existência ou a verem satisfeitos, pelos bens da herança, os créditos dos credores do de cujus.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :



No 2º Juízo de Paredes, AA e marido BB instauraram contra a ré Empresa-A, a acção principal nº 359/96,
pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 19.120.000$00, acrescida de juros, desde a citação, como indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram, em resultado de um acidente de viação, ocorrido em 3-12-95, em que foram intervenientes o velocípede com motor de matrícula Nº-0, conduzido por CC, filho de DD, e o velocípede com motor Nº-1, conduzido por EE, filho dos autores, de que adveio a morte de ambos os condutores, acidente esse que imputam a culpa exclusiva do condutor do Nº-0 .

A ré contestou, invocando, além do mais, a nulidade do contrato de seguro quanto ao veículo Nº-0, pretensamente celebrado com DD, na qualidade de seu proprietário, para produzir efeitos a partir de 8-11-95:
- quer por este ter falecido em 16-4-95 e, por isso, não dispor de qualquer interesse na coisa segura, à data em que o acidente se verificou;
- quer porque o pedido de alteração do seguro, com efeitos a partir de 8-11-95, continha declarações não verdadeiras, nomeadamente quanto à propriedade e condutor habitual do Nº-2, que a serem conhecidas da seguradora, levariam a que esta não pudesse aceitar a solicitada alteração .

O Centro Nacional de Pensões deduziu pedido de reembolso de prestações da segurança social contra a Companhia de Empresa-A. S.A., peticionando a quantia de 137.430$00, paga a BB, a título de auxílio para despesas do funeral do filho, pedido que foi contestado pela seguradora.

Foi admitida a intervenção principal provocada do Empresa-B, que contestou .

Os autores deduziram o incidente de intervenção principal provocada de :
- FF,
- na qualidade de mãe e única herdeira de CC
- FF
- GG e marido HH ;
- II e marido JJ,
- na qualidade de herdeiras do falecido DD, pretenso dono do Nº-0.
Admitido tal incidente, os intervenientes apresentaram articulado próprio, que mereceu resposta dos autores .

Na sequência do falecimento, na pendência da causa, do co-autor BB, foram habilitados, como seus herdeiros, a sua viúva e filhos:
- AA ( viúva)
- KK ;
- LL;
- MM,
- NN;
- OO ;
- PP ;
- QQ, que apresentaram articulado próprio


Por sua vez, FF ( na qualidade de mãe e única herdeira do falecido CC) instaurou contra o Empresa-B. a acção apensa nº 359-A/96 ,
pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 8.850.000$00, acrescida de juros moratórios desde a citação e até integral pagamento, alegando que o acidente na sequência do qual sobreveio a morte do seu filho, ficou a dever-se à conduta do condutor de um veículo ligeiro de passageiros, de cor branca, de matrícula portuguesa, sendo desconhecida a identidade do respectivo condutor e proprietário .

O réu contestou .


Realizado o julgamento conjunto de ambas as acções, foi proferida sentença, que decidiu :

1- Julgar parcialmente procedente a acção principal 359/96 e, consequentemente :

a) - absolver do pedido a ré Companhia de Empresa-A; S.A. ;
b) - condenar a herança aberta por óbito de CC a pagar á herança aberta por óbito do co-autor BB a quantia de 50 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;
c) - condenar, solidariamente, a herança aberta por óbito de CC e o Empresa-B a pagarem à autora a quantia de 1875 euros, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento ;
d) - condenar, solidariamente, a herança aberta por óbito de CC e o Empresa-B a pagarem à herança aberta por óbito de co-autor BB a quantia de 1975 euros, acrescida de juros de mora, desde a citação e até efectivo pagamento ;
e) - condenar, solidariamente, a herança aberta por óbito de CC e o Empresa-B a pagarem à autora e à herança aberta por óbito do mesmo co-autor BB a quantia de 7.841, 97 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento ;
f) - absolver os intervenientes da parte restante do pedido formulado pelos autores ;
g) - absolver a ré Empresa-A, do pedido de reembolso formulado pelo Centro Nacional de Pensões

2 - Julgar improcedente a acção apensa 359-A/96, absolvendo o Empresa-B do respectivo pedido .

Inconformadas, apelaram as autoras da acção principal e apensa e o Empresa-B.
A Relação do Porto, através do seu Acórdão de 11-4-05, julgou parcialmente procedente apenas o recurso do Empresa-B, na parte do desconto da franquia de 299,28 euros, aos danos patrimoniais e, em tudo o mais, confirmou a sentença recorrida.

Continuando irresignados, pedem revista:
- o Empresa-B, por um lado ;
- FF ( mãe do CC) e filhas GG e II, por outro.

Conclusões do recurso do Fundo :

1- A seguradora Empresa-A nunca invocou a anulabilidade do contrato de seguro respeitante ao velocípede com motor Nº-0, conduzido pelo CC.
2 - Não é pressuposto da validade do contrato de seguro que o tomador seja o proprietário ou o condutor habitual do veículo seguro .
3 - A identidade do proprietário do veículo não é um factor que determine a avaliação do risco decorrente da celebração do contrato .
4 - Não tendo ficado provado que o tomador não teve interesse na celebração do contrato de seguro e que a sua afirmação incorrecta quanto à identificação do proprietário influenciaria a decisão de contratar da seguradora, o contrato de seguro é válido .
5 - A anulabilidade ( e não nulidade ) do contrato de seguro é inoponível ao recorrente, quer porque não se enquadra em nenhum dos casos previstos no art. 14 do dec-lei 522/85, de 31 de Dezembro, quer porque não foi declarada antes do acidente dos autos ter ocorrido.
6 - Os juros sobre a indemnização pelos danos não patrimoniais e pelos danos futuros devem ser contados apenas desde a data da prolação da sentença .
7 - Considera violados os arts 2º, 8º e 14º do dec-lei 522/85, de 31 de Dezembro e os arts 566 e 805, nº3, do C.C.

Conclusões do recurso da FF e filhas :

1- O conceito de "seguro nulo" vertido no art. 429 do Cód. Comercial deve ser entendido como mera anulabilidade .
2- Nem todas as declarações inexactas permitem a anulação do contrato de seguro, mas apenas aquelas que influam na existência /condições do contrato.
3 - Não tendo a seguradora alegado e provado que nunca teria contratado neste circunstancialismo, dada para si a relevância ou excepcionalidade das cláusulas contratuais do seguro em crise, deveria a ré seguradora ser condenada nas indemnizações que eventualmente se viessem a apurar .
4 - Como quer que seja, a herança indivisa é um património autónomo, que tem personalidade judiciária nos termos do art. 6. al. a) do C.P.C.
5 - A decisão é nula, por violar o princípio da estabilidade da instância, ao condenar no pagamento das indemnizações a herança aberta por óbito de CC, que não é parte neste processo, em apenas foi demandada a sua herdeira, FF .

A recorrida Empresa-A, contra-alegou em defesa do julgado .

Corridos os vistos, cumpre decidir.

Remete-se para os factos que foram dados como provados no Acórdão recorrido, e que, pela sua extensão, aqui se dão por reproduzidos, ao abrigo dos arts 713, nº6 e 726 do C.P.C.

Todavia, para a compreensão e apreciação das questões suscitadas nos recursos, destacam-se os factos seguintes :

1 - Em 27-8-92, a ré Empresa-A, celebrou com DD, um contrato de seguro pelo qual assumia a responsabilidade pelo pagamento dos danos causados a terceiros em virtude da circulação do velocípede com motor Nº-3, nos termos da apólice nº 6962357 .

2 - Tal apólice manteve-se em vigor, pelo menos, até 8-11-95 .

3 - No dia 7-11-95, entrou na dependência da ré seguradora, em Penafiel, uma proposta de alteração do âmbito da cobertura do seguro da referida apólice, que constitui documento de fls 46, em que figuram como "proponentes" os nomes de FF e DD .

4 - Mediante tal proposta, a dita apólice deveria passar a conceder cobertura ao velocípede com motor de matrícula Nº-0 .

5 - Nela indicava-se DD como o proprietário e condutor habitual do mencionado Nº-0.

6 - Nessa sequência, a ré seguradora emitiu, com data de 11-3-96, a acta adicional constante de fls 47, cujo teor aqui se dá reproduzido, donde consta como tomador do seguro do velocípede com motor 1- Nº-4 o indicado DD, com início em 8-11-95.

7 - No dia 3-12-95, cerca das 19h30, na Estrada Municipal que liga a Zona Industrial de Lordelo a Campa, no Local-B, Paredes, ocorreu um embate em que foram intervenientes os velocípedes com motor Nº-0, conduzido por CC, e Nº-1, tripulado por EE .

8 - Em 3-12-95, o CC não era titular de licença de condução .

9 - O veículo Nº-0 encontra-se registado em nome do SS desde 30 de Outubro de 1995.

10 - DD faleceu em 16 de Abril de 1995.

11 - A ré Empresa-A, só teve conhecimento deste falecimento em data posterior ao acidente .

12 - O nome "FF" que consta como um dos proponentes da mencionada proposta de alteração do seguro de fls 46 foi manuscrito pela autora FF .

13- FF é mãe de CC, que faleceu, com 20 anos de idade, no estado de solteiro e sem ter deixado descendentes .

14- Na data desse óbito, a FF já era viúva de DD, pai do SS .

São cinco as questões a decidir :

1- Se o contrato de seguro relativo ao veículo Nº-0 é nulo, por falta de interesse na celebração do respectivo seguro, por parte do seu tomador ;
2- Em caso negativo, se esse contrato de seguro é anulável, por conter declarações inexactas, quanto ao proprietário e condutor habitual do Nº-0 ;
3- - Na hipótese de ser anulável, se a anulabilidade pode ser oposta ao Empresa-B, pela ré seguradora .
4- Se os juros de mora sobre a indemnização pelos danos não patrimoniais e pelos danos futuros devem ser contados apenas desde a data da sentença ;
5- Se a herança ilíquida e indivisa de CC, não tendo sido demandada como parte, pode ser condenada no pagamento das indemnizações .

Vejamos :

1.

Nulidade do seguro :

O seguro referente ao velocípede com motor Nº-0 passou a vigorar desde 8-11-95, tendo como tomador do mesmo seguro DD.
Tal aconteceu na sequência da proposta de seguro apresentada em 7-11-95, como sendo subscrita por FF e DD, onde se indicava que o proprietário e condutor habitual do referido veículo era o dito DD .
Todavia, verifica-se que este DD já havia falecido em 16-4-95 .
Por outro lado, também se apurou que o referido velocípede com motor estava registado em nome de CC, desde 30 de Outubro de 1995, pelo que é de considerar que, na data do seguro, era este o proprietário do Nº-0, face á presunção do registo de que beneficia .
Tanto basta para se evidenciar que o seguro do referido veículo é nulo, por falta de interesse do tomador do mesmo seguro, quer na data da constituição do seguro (8-11-95), quer na data do acidente ( 3-12-95).

Com efeito, o seguro pode ser contratado, por conta própria ou por conta de outrem.
Mas, dispõe o parágrafo primeiro, do art. 428, do Código Comercial, que o seguro é nulo, se aquele por quem ou em nome de quem o seguro é feito não tiver interesse na coisa segurada .
Como observa José Bento (Direito dos Seguros, Lições 1994/1995, Universidade Internacional, pág. 157), para que exista um interesse segurável é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos :
- existência de um direito, interesse ou responsabilidade potencial sobre o segurado, susceptível de ser objecto de seguro ;
- que tal direito, interesse ou responsabilidade seja objecto de seguro ;
- que o segurado tenha uma relação juridicamente relevante com o objecto do seguro, pela qual beneficie da segurança do direito, interesse ou desoneração de responsabilidade e se prejudique por qualquer perda, dano, lesão ou criação de responsabilidade
Assim, deve entender-se que existe interesse, para fins do seguro, quando se verifica a possibilidade de um sujeito poder extrair utilidades ou vantagens económicas de uma determinada relação com a coisa, ou, encontrando-se exposto a sofrer alterações negativas no complexo da sua situação patrimonial, corra o risco de sofrer um dano económico, por efeito de um evento que, independentemente da sua vontade, destrua ou altere negativamente a própria relação ou influa negativamente sobre o complexo da sua situação patrimonial .
O interesse no seguro deve ser específico, actual, lícito e de natureza económica .

No nosso caso, não estão verificados tais pressupostos, na medida em que o veículo era propriedade do CC, pelo menos, desde 30 de Outubro de 1995, sendo certo que o DD, tomador do seguro, faleceu em data anterior e não se mostra que o segurado tenha qualquer relação jurídica-económica relevante com o objecto do seguro, ligando-o ao veículo exposto ao risco .
Daí que, perante a evidente falta de interesse no seguro do veículo Nº-0, se declare a nulidade do ajuizado contrato de seguro, nos termos do art. 428, parágrafo primeiro, do Cód. Comercial .
Tal nulidade, que é oponível aos ora recorrentes ( art. 14 do dec-lei 522785, de 31 de Dezembro), já foi invocada na contestação da ré Empresa-A, e pode agora ser conhecida oficiosamente (art. 286 do C.C. e art. 660, nº2, do C.P.C.).

2.

Com a anterior declaração da nulidade do contrato de seguro fica prejudicado o conhecimento das questões atrás enunciadas sob os nºs 2 e 3 .

3.

Juros de mora :

Relativamente à indemnização pelos danos não patrimoniais e pelos danos futuros, houve lugar à condenação em juros de mora desde a citação .
O Empresa-B defende que os juros apenas são devidos desde a data da sentença .
Mas sem razão .
Não se mostra que a indemnização por esses danos tenha sido objecto de decisão actualizadora, reportada á data da sentença .
Daí que os juros sejam devidos desde a data da citação, conforme foi pedido .
Não foi violado o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/02, de 9-5-02. Publicado no D.R., 2ª série, 27-6-02.

3.

Condenação da herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de CC :

A referida herança ilíquida e indivisa, cujos herdeiros já se encontram determinados, não tem personalidade jurídica, nem judiciária ( Ac. S.T.J. de 19-3-92, Bol. 415-658) .
Com efeito, o art. 6, al. a), do C.P.C., apenas atribui personalidade judiciária à herança jacente e aos patrimónios autónomos semelhantes .
A herança jacente é aquela que já se encontra aberta, mas ainda não foi aceita nem declarada vaga para o Estado - art. 2031 e 2046 do C. C.
Os patrimónios autónomos semelhantes, que gozam de igual tratamento, "são constituídos por aqueles bens ou massas unificadas de bens cuja titularidade seja incerta (doações ou deixas testamentárias a nascituros, concebidos ou não concebidos : arts 952, 2033, nº2, al. a) e 2240 do C.C.) ou que pertençam a um conjunto de pessoas, ao qual seja reconhecida personalidade jurídica ( sociedades civis : art. 996 ; e associações sem personalidade jurídica : art. 198, nº3 ; comissões especiais para a realização de certos interesses colectivos de carácter difuso: art. 199 ; condóminos na propriedade horizontal : art. 1433, nº4 e 1437, nº1, todos do Cód. Civil) " - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 111.
Também Miguel Teixeira de Sousa (As partes, o Objecto e a Prova na acção declarativa , 1995, pág. 118) escreve :
"Nos patrimónios autónomos strictu sensu incluem-se nomeadamente , os patrimónios das associações sem personalidade ( art. 159 do C.C.), das comissões especiais ( art. 199 do C.C.) , das sociedades civis sob forma civil (art. 980 do C.C.), as partes comuns dos imóveis em propriedade horizontal ( art. 1421 do C.C.) os bens doados ou legados a nascituros ( arts. 952, nº1 e 2033, nº2, al. a) do C.C.), os bens do Estado geridos ou administrados autonomamente ( art. 20nº2 ) e o estabelecimento individual de responsabilidade limitada, regulado pelo dec-lei 248/86 " .

Pois bem .

Para a resolução da questão que agora nos ocupa, importa atentar no preceituado no art. 2091 do Cód. Civil, que impõe aos herdeiros a representação da herança e a legitimidade para contradizer.
"Os herdeiros são partes legítimas na acção contra eles intentada, para os credores do autor da herança verem os seus créditos pagos pelos bens da mesma.
No entanto, não podem ser condenados a pagar as dívidas (...) : não são devedores.
Mas tem de se ter em consideração que a herança não pode ser demandada
nem condenada, porque não tem personalidade .
Os herdeiros serão demandados e condenados, mas não a pagar os créditos, tão somente a reconhecerem a sua existência ou a verem satisfeitos pelos bens da herança os créditos dos credores do de cujus ( Herança Indivisa - Sua natureza jurídica, Responsabilidade dos herdeiros pela dívida da herança, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 46, págs 567 e segs) .
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-11-77 ( Bol. 273-322), também já decidiu :
" Se os herdeiros se encontram determinados ( embora a herança não esteja partilhada), aqueles são os representantes da herança, porque tal qualidade lhes é conferida pelo art. 2091, do C.C.
E daí que possam ser demandados pelas dívidas do de cujus, sendo, pois, partes legítimas, em acções destinadas à respectiva cobrança .
Outro problema distinto é o de saber como, determinados os herdeiros, se devem liquidar os respectivos encargos .
E aqui têm de se distinguir dois momentos : antes da partilha, os bens respondem colectivamente pela sua satisfação ( art. 2097) ; depois da partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos na proporção da quota que lhe couber na herança, podendo até os herdeiros deliberar sobre a forma d efectuar o seu pagamento (art. 2098 do C.C.) ".
Assim, concordando-se com esta doutrina e jurisprudência, é de concluir que, não sendo demandada, a herança do falecido CC não deve ser directamente condenada .
Os seus herdeiros também não devem ser condenados a pagar as indemnizações constantes das alíneas b), c), d) e e) da parte decisória da sentença da 1ª instância, mas apenas a reconhecer a existência desses débitos, que devem ser satisfeitos pelas forças da mesma herança .
No caso concreto, a única herdeira do SS é a sua mãe, FF .
Só nesta pequena parte procede a revista desta FF, face ao que já ficou decidido quanto à nulidade do contrato de seguro .

Termos em que, embora com diversa fundamentação, decidem :

1 - Negar a revista do Empresa-B .

2 - Conceder parcialmente a revista da FF, alterando o Acórdão recorrido e condenando esta recorrente a reconhecer a existência dos créditos indemnizatórios indicados nas alíneas b), c) d) e e) da parte decisória da sentença da 1ª instância, que serão satisfeitos pelos bens da herança do falecido CC e dentro das forças da mesma herança.

3 - Sem custas, quanto ao recurso do Fundo, por delas estar isento - art. 29. Nº11, do dec-lei 522/85, de 31 de Dezembro .

4 - As custas do recurso da FF ficam a cargo desta .


Lisboa, 31 de Janeiro de 2006
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Afonso Correia