Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
189/11.3TBCBR.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
RESPONSABILIDADE DO GERENTE
PRESSUPOSTOS
DEVER DE DILIGÊNCIA
DEVER DE LEALDADE
CONCORRÊNCIA DESLEAL
APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
CULPA
ÓNUS DA PROVA
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Data do Acordão: 02/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:

DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - DELIBERAÇÕES DOS SÓCIOS / RESPONSABILIDADE CIVIL PELA CONSTITUIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA SOCIEDADE - SOCIEDADES POR QUOTAS / GERÊNCIA E FISCALIZAÇÃO.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO.
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO DE INSOLVÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INCIDENTES DA INSTÂNCIA - SENTENÇA.
Doutrina:
- António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 2ª edição, p. 124.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10ª edição, p. 581.
- Armando Manuel Triunfante, Código das Sociedades Comerciais, pp. 60, 61, 62.
- Coutinho de Abreu, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades, p. 18.
- Menezes Cordeiro, Da Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Comerciais.
- Miguel Pupo Correia, Direito Comercial, 6ª edição, p. 544.
- Raúl Ventura e Luís Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e Gerentes de Sociedades por Quotas.
Legislação Nacional:
CIRE: - ARTIGOS 18.º, 19.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 487.º, N.º1, 563.º, 564.º, N.º1, 799.º, N.º1.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 64.º, 72.º, N.º1, 252.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 378.º, 661.º.
Sumário :
I - No exercício das suas funções os gerentes e/ou administradores são responsáveis pelos danos que, com preterição dos deveres legais ou contratuais (contrato de administração) causem, responsabilidade que se desenvolve numa tríplice vertente: (i) responsabilidade para com a sociedade, (ii) responsabilidade com os sócios e terceiros e (iii) responsabilidade para com os credores sociais.

II - Tal responsabilidade, prevista no art. 72.º, n.º 1, do CSC, é uma responsabilidade contratual e subjectiva, que pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil: facto, ilícito, culpa, dano (danos emergentes e lucros cessantes) e nexo de causalidade.

III - De entre os deveres a que estão adstritos, os gerentes estão vinculados à observância dos deveres de diligência (definido em função de um padrão objectivo, de um gestor criterioso e ordenado), e de cuidado e lealdade, impondo-lhes que, no exercício das suas funções, não só se mostrem diligentes e zelosos, mas que também sejam informados e competentes.

IV - Ao dever de lealdade costuma ser associado a obrigação de não concorrência, de não se aproveitar em benefício próprio eventuais oportunidades de negócio, de não actuação em conflito de interesses com a sociedade protegida.

V - A culpa presume-se, bastando ao autor a prova da violação dos deveres por parte do gerente, ao qual, para afastar tal pressuposto, incumbe provar que actuou tal como, naquelas circunstâncias, faria um gestor criterioso.

VI - Viola os deveres de cuidado e de lealdade o gerente que, exercendo idênticas funções numa sociedade concorrente da autora, procede à integral dissipação da património social desta, vendendo parte à primeira, venda que teve por consequência a cessação de toda a actividade da última.

VII - Tal conduta é duplamente censurável, ainda que a sociedade concorrente tivesse sobre a autora um crédito – que o preço se destinasse a liquidar –, já que a realização do interesse social da autora impunha, por um lado, a satisfação de todos os seus débitos (e não a sua escolha pelo gerente), com a manutenção da sua laboração e, por outro, caso se verificassem os respectivos pressupostos, o dever de apresentação à insolvência, que igualmente recaía sobre o réu.

VIII - Não sendo possível fixar o valor exacto dos danos a indemnizar, tal facto não exclui a efectivação do direito à indemnização, sendo de deixar para liquidação, através da dedução do incidente a que alude o artigo 378º do CPC, o apuramento do seu montante.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

Nesta acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, que AA, L.da intentou contra BB e mulher CC, peticionou a condenação dos réus (i) a pagarem à Autora a quantia de € 148.636,66, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, desde 31 de Agosto de 2010 no valor de e 1.954,67, num total de € 150.591,33 e ainda os juros vincendos à mesma taxa legal sobre o capital em dívida desde a citação até integral pagamento e ainda (ii) a prestarem contas à autora naquele período da sua actividade de 2 anos e 8 meses com a gerência do réu.

Fundamentando a sua pretensão, alegou a autora que efectuou investimentos na sua sede social e em equipamento para a sua actividade, tendo, no ano de 2007, efectuado investimentos, no valor de € 81.500. Nesse ano, tinha ainda na sua sede social e ao seu serviço três veículos automóveis no valor de € 8.100. No final desse ano de 2007, em 31 de Dezembro, os quatro sócios da autora outorgaram com o réu marido - que era gerente da DD L.da, uma concorrente da autora no mercado - um contrato de promessa de compra e venda de cessão de quotas, tendo sido de imediato paga a quantia de € 20.000, a título de sinal, renunciando os promitentes cedentes à gerência da autora, que então passou a ser exercida pelo réu mediante deliberação da assembleia geral daquela. Contudo, decorridos dois anos e oito meses de gestão da autora, em 31 de Agosto de 2010, viria o réu a “denunciar” o aludido contrato e a renunciar à gerência, que tinha assumido aquando da celebração do contrato promessa.

Sucede que o réu, que, ao mesmo tempo, era sócio e gerente da DD L.da, durante o período em que exerceu a dita gerência da autora, fê-lo de forma negligente culposa e ruinosa, delapidando, destruindo e vendendo todo o património da autora, tendo, nomeadamente, feito desaparecer as aludidas viaturas e equipamento, aumentando o passivo da autora em € 10.000 e forçando a nova gerência da autora a solver € 34.036,66 por virtude de IVA que ficara por liquidar. Além disso, entregou à autora a sede fechada e sem quaisquer bens, impossibilitando-a de prosseguir a sua actividade. A ré mulher beneficiou da conduta do marido porquanto a gerência deste à frente da autora serviu para fazer face aos encargos do casal, o que transforma em comum a responsabilidade pelos danos ocasionados por aquele. Mais alega que o Réu marido não lhe prestou contas da sua actividade.

Conclui, alegando que durante a gerência do réu e por causa dela sofreu prejuízos de € 123.636,66 €, ao que acrescem danos não patrimoniais, no montante de € 25.000, perfazendo o total de € 148.636,66.

Os réus contestaram, invocando que o contrato promessa de cessão de quotas não foi cumprido por culpa dos sócios da autora. Mais alegam que a DD tinha sobre a autora um crédito de € 72.300 referente a fornecimentos que lhe fez no período da gerência do réu e dinheiro que lhe adiantou, razão pela qual este, para saldar uma dívida da autora, enquanto seu gerente e no uso dos seus poderes, vendeu pelo seu valor real parte do património existente à empresa DD, de que também era gerente.

Os sócios da autora só não continuaram a actividade que a mesma desenvolvia porque não quiseram adquirir material mais moderno e contratar novos empregados.

Por outro lado, o réu, enquanto gerente da autora, recuperou a imagem desta, nesse período gerando lucros - o que já não acontecia há muitos anos - e modernizando totalmente as suas instalações (o que a anterior gerência da Autora não tinha feito).

Conclui, pedindo a improcedência da acção.

A Autora replicou, concluindo como na petição.

Na sequência do convite que lhe foi dirigido, a autora apresentou um articulado inicial aperfeiçoado.

No despacho saneador foram os Réus absolvidos do segundo pedido formulado (prestação de contas), tendo esta decisão transitado em julgado.

Efectuado o julgamento, foi proferida a sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os réus a pagarem à autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença correspondente ao valor de mercado da sociedade autora à data em que o réu iniciou as funções de gerência.

Inconformados, apelaram os réus para a o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 14/12/2012, na procedência da apelação, declarou nula a sentença e, substituindo-se ao tribunal recorrido, ex vi do artigo 715º, n.º 1 do CPC, julgou a acção improcedente por não provada, absolvendo os réus do pedido que ainda subsiste.

Inconformada agora a autora, recorreu de revista, pretendendo a revogação do acórdão e a confirmação da sentença, formulando para tanto as seguintes conclusões:

1ª - Em 1ª instância por douta sentença foram os réus condenados nos termos aí referidos.

2ª - Não satisfeitos os réus, dela interpuseram recurso, alegando clara violação dos comandos, previstos nos artigos 650º, n° 2 alínea f) (ampliação da base instrutória) artigo 664º, parte final, 663º, n° 2, 661º, nº1, parte final e 268º CPC.

3ª - A autora pugnou pela manutenção da douta sentença recorrida, porém, e em sentido diverso, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu douto acórdão do qual se recorre, onde cuidam na sua opinião de interpretar, e decidir as duas questões vertidas nele e transcritas nos itens A. a) e b) destas Alegações de Recurso.

4ª - A de saber se a condenação foi em coisa diversa do pedido, partindo de uma causa de pedir que não é a que consubstancia a acção e se a base instrutória deveria ser ampliada para englobar matéria alegada pelos réus, reveladora de que a gerência do réu marido foi proveitosa.

5ª - Ora, a Recorrente e os Venerandos Desembargadores estão de acordo em que os factos vertidos nos pontos 1 a 13 do douto acórdão estão provados pois não mereceram impugnação.

6ª - E também estão de acordo que o objecto da condenação na acção não é diverso.

7ª - Porém a autora estruturou a sua ação, apontando para a responsabilização efectiva do gerente durante 2 anos e 8 meses que considerou danosa pois vendeu todo o património da autora para pagar uma suposta dívida criada na sua gerência à DD onde também era sócio.

8ª - A causa de pedir, na opinião da autora, é mista, isto é, visava não só a responsabilização do gerente naquele período, como também o pagamento de uma quantia pecuniária sustentada no valor do património imobilizado da autora que foi vendido, como também no valor de mercado da sociedade referido a 2007, momento em que esta estava a laborar e de portas abertas (quando o réu a recebeu) e sendo certo de que da matéria provada (não contestada) existia e existe um contrato de promessa de cessão de quotas no valor de 160 mil euros valor atribuído por todas as partes à sociedade na sua globalidade.

9ª - Ora a douta sentença de que os réus recorreram e que agora não colheu guarida no Tribunal da Relação de Coimbra traduziu não só a responsabilidade do Réu e sua gerência naquele período, como também os condenou em quantia (inferior ao contrato então rubricado) com base nos factos provados de 1 a 13 do douto acórdão.

10ª - E o douto acórdão de que se recorre sustenta-se nesta matéria e nesta questão, numa tese de probabilidades e incertezas, dizendo que a quantia a liquidar em Execução de Sentença poderá ser superior ao valor de sociedade, ao valor de mercado, ao valor de empresa, admitindo que o objeto não é diverso.

11ª - Pelo que entende a ora recorrente que nesta questão, a primeira, o douto acórdão analisa deficientemente, interpreta e decide fora dos limites impostos pelas alíneas d) e e) do artigo 668º do CPC

12ª - Quanto à segunda questão que a gerência proveitosa do Réu se pretende com a ampliação da base instrutória para na opinião dos réus poder provar matéria alegada tendente a demonstrar a sua gerência naquele período.

13ª - Diziam os latinos, "sibi imputet”, pois os réus socorreram-se agora deste argumento à míngua de outros quando em sede de Saneador dele não reclamaram ou requereram aditamento, sequer contestaram a matéria dada como provada nos itens 1 a 13, atrevem -se a dizer "à boca cheia" que a sua gerência tirou a empresa da “lama", com as consequências que dizem ter obtido nas alíneas a) a f) do item 1.2 destas alegações e entregam a empresa fechada sem nada, com tanto sucesso naquele período, estranha-se o acontecido pura engenharia financeira.

14ª - Não pode este douto acórdão trilhar um caminho tão estreito e restrito nesta matéria e de forma tão "económica e simplista" fixando-se na resposta ao quesito 13 da base instrutória, quedando-se em concluir que só aquilo não prova a má e ruinosa gerência e a resposta ao quesito 8º da mesma peça processual.

15ª -Vejamos, são os réus que alegam e se suportam do argumento que a BI deveria ter sido alargada de forma a permitir a prova da sua "boa gerência ", quando tiveram em sede própria oportunidade para reclamar e não o fizeram e servem-se afinal desse argumento para demonstrar que nem tiveram oportunidade de o fazer, e a douta decisão agora prolatada, alinhando por este diapasão,diz que os factos provados são insuficientes.

16ª - Diz até mais, que era à autora que competia e devia alegar e esclarecer, citamos: "em que estado a sociedade realmente se encontrava quando o réu marido iniciou a gerência".

17ª - Respondeu e alegou a autora de portas abertas a receber clientes, a facturar e a receber, com trabalhadores, a receber fornecedores, e recebeu-a fechada sem nada nas suas instalações, mas mesmo admitindo que não tivesse grande saúde financeira, se o réu naquele período a rejuvenesceu, porque a fechou?

Todos estes factos foram dados como provados.

18ª - Entende assim a recorrente que o douto acórdão violou claramente os seus limites e competências nomeadamente os previstos nos artigos 668 alíneas d) e e); colheu a tese dos réus recorrentes no que diz respeito à 2ª questão, violando igualmente o que prescrevem os artigos 663º, nº 2 e 650º nº 2 alínea f) fazendo deles uma errada interpretação face aos quesitos provados.

19ª - Não pode o douto acórdão sustentar-se em juízos de probabilidades, conjecturas ou incertezas e nos autos estando em causa um pedido de condenação em quantia pecuniária, sustentado em causa de pedir mista, devia o douto acórdão pelo menos condenar os réus a devolver a empresa aberta com todo o seu património, ou os valores que os réus dizem ter sido vendidos ou em devolver os autos à 1ª instância alargando -se a BI para melhor prova dos factos.

Contra – alegaram os réus, concluindo:

1º - O acórdão da primeira instância, esse sim, é que, não tendo factos, decidiu para além do que foi pedido;

2º - O acórdão recorrido, de acordo com a argumentação despendida ao longo do mesmo, andou bem ao considerar nula a decisão da primeira instância;

3º - Só mantendo o acórdão da Relação se fará justiça.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

2

Porque não impugnados, consideram-se assentes os seguintes factos que a 1ª instância deu como provados:

1º - A Autora é uma S.......C........R.....Limitada, que tem por objecto o Comércio de Peças e Acessórios para Automóveis e a sua Reparação com Rectificação de Motores Diesel e tem a sua sede no lugar da........., na Rua............., em Coimbra (alínea A).

2º - No final do ano de 2007, o réu BB, gerente de uma concorrente no mercado, a DD L.da, que mantinha relações comerciais com a autora, interessou-se pela aquisição desta sociedade e pelas suas participações sociais e propôs-se adquiri-las, tendo sido outorgado em 28/12/2007 o contrato de promessa de compra e venda de cessão de quotas pelo valor de 160.000 euros, de que os autores eram titulares no capital social da sociedade AA, L.da (alínea B).

3º - O contrato prometido não foi outorgado (alínea C).

4º - O réu marido, após a formalização do contrato, foi nomeado gerente da autora, cujas funções exerceu durante 2 anos e 8 meses (ap. 7, de 11.01.2008) e veio a renunciar à mesma e a denunciar o contrato promessa em 31 Agosto 2010 (alínea D).

5º - No início da gerência do réu, a autora detinha uma conta caucionada no BES no valor de € 42.500 e quando aquele renunciou à gerência a conta caucionada ascendia a € 52.500 (alínea E).

6º - A autora, em 31/12/2007, tinha no seu património três veículos: um com a matrícula 00-00-00 de marca SEAT, adquirido em 1997, um FORD FIESTA de matrícula 00-00-00, adquirido em 2003 e outro de matrícula 00-00-00, adquirido em 1988 (artigo 6º).

7º - O veículo com matrícula 00-00-00 foi vendido em 2010 por € 3.000, o veículo com matrícula 00-00-00 foi vendido em 2009 por 50 € e o veículo com matrícula 00-00-00 foi vendido em 2010 por 150 euros (artigo 14º).

8º - Quando o Réu iniciou a sua gerência os bens referidos em 6º, bem como o equipamento e o mobiliário que se encontra descrito no mapa de reintegrações e amortizações referente a 31 de Dezembro de 2007 e elencado no mapa constante de fls. 365 estava ao serviço da autora, que se encontrava em laboração, com empregados a trabalhar, a receber e atender clientes (artigo 7º).

9º - Quando o réu renunciou à gerência a sociedade entregou as instalações da autora vazias de todo o seu património imobilizado, com excepção da sua sede social, que se encontrava fechada (artigo 8º).

10º - Após o fim da gerência do réu marido a autora nunca mais teve qualquer actividade (artigo 10º).

11º - Após o fim da gerência do réu marido, a autora tem sido interpelada para proceder ao pagamento de quantias devidas à fazenda pública, a fornecedores, à PT e à EDP, relativos ao período da gerência daquele e que procedeu a alguns desses pagamentos com dinheiro proveniente do património pessoal dos sócios da autora (artigo 11º).

12º - Durante o período de tempo em que o réu foi gerente da autora, os proventos que daí retirou destinaram-se a fazer face a encargos da vida familiar (artigo 12º).

13º - O réu, enquanto gerente, vendeu à DD, de que também era gerente, parte do património equipamento e mobiliário da autora pelo valor global de € 72.828,29 e que a DD tinha sobre a autora um crédito de € 68.220,13 referente a fornecimentos vários que lhe fez no período da gerência do réu e ao apoio à tesouraria que lhe foi prestado (artigo 13).

3.

Sendo as conclusões que delimitam o âmbito e o objecto do recurso, aa questões que importa apreciar e decidir são as seguintes:

1ª – Se o réu, enquanto gerente da autora, lhe causou danos por actos praticados com preterição dos deveres legais a que se encontrava adstrito, devendo aquela ser indemnizada por via disso.

2ª – E, nesse caso, se poderá a ser relegada para execução de sentença a indemnização fixada.

4.

Se o réu, enquanto gerente da autora, lhe causou danos por actos praticados com preterição dos deveres legais a que se encontrava adstrito, devendo aquela ser indemnizada por via disso.

A autora estruturou a sua acção com base na responsabilização efectiva do réu, enquanto gerente desta, durante um determinado período, causando-lhe prejuízos, que teriam ascendido a € 150.591,33, decorrentes do modo negligente, culposo e ruinoso como geriu a sociedade, delapidando, destruindo e vendendo todo o património da autora, após o que renunciou à gerência, entregando aos sócios a sede da autora fechada e sem possibilidade de prosseguir a sua actividade.

Vejamos:

A autora é uma sociedade por quotas, cabendo, por isso, as funções de administração e representação, embora distintas, à gerência (artigo 252º CSC).

Nessa medida, a sociedade é representada por um ou mais gerentes, devendo ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena, nada impedindo que a escolha recaia sobre estranhos à sociedade (vide artigo 252º, n.º 1 CSC).

“As atribuições do órgão de administração assumem, como é óbvio, papel fundamental para a vida social: é a este órgão que cabe, verdadeiramente, a condução dos negócios sociais, a prática corrente dos actos destinados a dinamizar e prosseguir o escopo da sociedade.

Daí que a lei enfatize, como dever central e nuclear dos membros dos órgãos de administração e representação, o de «actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores» (artigo 64º CSC)[1]”.

E é também em consonância com o relevo e implicações deste dever de diligência dos gerentes, bem como dos deveres resultantes para eles dos artigos 6º, n.º 4, 254º, 398º e 428º, entre outros, que eles estão sujeitos a responsabilidade civil (artigo 71º a 73º, 78º e 79º) e criminal (artigo 509º e seguintes) pelos actos que pratiquem ou omissões em que incorram no exercício das suas funções e que infrinjam tais deveres.

Com efeito, no exercício das suas funções, os administradores, por acção ou omissão, com preterição dos deveres legais ou contratuais, podem causar danos, quer à sociedade, quer aos sócios, quer a terceiros.

A responsabilidade dos gerentes funda-se sempre na culpa – é subjectiva – ainda que a culpa se presuma (artigo 72º, n.º 1 do CSC).

Uma vez verificados os pressupostos da responsabilidade civil – facto ilícito, culpabilidade, prejuízos, nexo de causalidade – o gerente é civilmente responsável[2].

A responsabilidade dos gerentes no plano societário é tríplice:

a) – Responsabilidade para com a sociedade;

b) – Responsabilidade para com os sócios e terceiros;

c) – Responsabilidade para com os credores sociais, em particular.

In casu, estamos perante uma alegada responsabilidade do réu, enquanto gerente, para com a sociedade, ora autora.

Sobre a responsabilidade dos membros da administração para com a sociedade, incluindo, portanto, os gerentes de uma sociedade por quotas, dispõe o n.º 1 do artigo 72º que «os gerentes, administradores ou directores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa».

Resulta deste normativo que os gerentes respondem civilmente para com a sociedade relativamente a danos causados a esta por factos próprios violadores de deveres legais e/ou contratuais, a não ser que demonstrem ter agido sem culpa.

A responsabilidade dos gerentes para com a sociedade é, repete-se, subjectiva, isto é, baseia-se na culpa, ainda que esta se presuma, ao contrário da responsabilidade objectiva, em que a culpabilidade é elemento essencial.

Importará, então, indagar se no caso presente se verificam os aludidos pressupostos da responsabilidade do gerente, ora réu, para com a sociedade.

A ilicitude da conduta geradora de responsabilidade pode consistir na violação do contrato ou da lei, por acção ou omissão.

Assim, a par da violação do contrato, a violação da lei pode ainda determinar a responsabilidade contratual, na medida em que o contrato de administração é complementado por disposições legais, quer imperativas, quer supletivas, tanto no Código das Sociedades Comerciais quanto no Código Civil.

Em qualquer caso, a responsabilidade civil dos administradores terá que decorrer da preterição de deveres contratuais e/ou legais, tendo que existir sempre uma desconformidade entre a conduta do administrador e aquela que lhe era normativamente exigível.

São várias as disposições legais que impõem determinados comportamentos aos gerentes, designadamente o artigo 64º CSC, de acordo com o qual «os gerentes (…) de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores».

Mas, para além deste dever de diligência que se encontra especificado na lei, estão os administradores, no exercício das suas funções, adstritos ao cumprimento de outros deveres que decorrem também de obrigações de conduta, impondo-se-lhes, nomeadamente, que observem um dever geral de cuidado e de lealdade (contido no citado artigo 64º), como a sentença muito bem realça.

Neste contexto, citando Coutinho de Abreu[3], “o dever geral de cuidado poderá ser assim formulado: os administradores hão-de aplicar nas actividades de organização, decisão e controlo societários o tempo, o esforço e conhecimento requeridos pela natureza das funções, das competências específicas e das circunstâncias”. Deste modo, “devem revelar (e nesse caso possuir) «a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade» como seria apanágio de «gestor criterioso e ordenado[4]». Por outras palavras, não bastará que ele se mostre diligente e zeloso, sendo indispensável que seja, simultaneamente, informado e competente. Consequentemente, “quando a lei exige um padrão abstracto na apreciação da culpa, não se refere apenas à «diligência de vontade, mas também quanto aos conhecimentos e à capacidade ou aptidão exigíveis das pessoas[5]». Por isso, “não poderá um determinado gerente ou administrador afastar a sua eventual responsabilidade alegando que fez tudo o que estava ao seu alcance quando se apure que esse indivíduo não possuía a competência, a disponibilidade ou tão - somente a informação da própria sociedade exigíveis a alguém que desempenhasse as suas funções”[6].

O dever de lealdade costuma ser associado à obrigação de não concorrência, obrigação de não aproveitar em benefício próprio eventuais oportunidades de negócio, obrigação de transparência, a não actuação em conflitos de interesses, etc[7].

Tratando-se de responsabilidade subjectiva, a culpabilidade é outro pressuposto essencial.

No entanto, na responsabilidade do administrador para com a sociedade, essa culpabilidade, como se disse, presume-se, conforme resulta do artigo 72º, n.º 1 CSC, bastando, por isso, a prova da violação de deveres por parte do gerente, independentemente dessa mesma culpa.

Na determinação do critério de avaliação de culpa que deve prevalecer na ponderação de eventual responsabilidade dos gerentes, resulta do citado artigo 64º estarmos na presença de um critério de apreciação da culpa em abstracto particularmente exigente. Uma eventual responsabilidade só será afastada por ausência de culpa quando o gerente ou administrador tenham actuado tal como faria um gestor medianamente criterioso em face das mesmas circunstâncias.

Verificados os demais pressupostos de responsabilidade civil, é ao gerente ou administrador que competirá o ónus da prova da ausência de culpa. Situação normal da responsabilidade contratual (artigo 799º, n.º 1 do CC), mas excepcional na responsabilidade delitual (artigo 487º, n.º 1 CC).

O dano é sempre um pressuposto em qualquer tipo de responsabilidade civil, subjectiva ou objectiva. A conduta ilícita do gerente só dará lugar a responsabilidade civil se dela tiverem decorrido prejuízos.

Mas os danos a ter em conta na responsabilidade civil são apenas aqueles que não se teriam verificado se não fora a conduta ilícita do gerente, ou, melhor, aqueles que são uma consequência dessa conduta ilícita (artigo 563º do CC).

Os danos a reparar são tanto os danos emergentes – prejuízos causados directamente à sociedade – quanto os lucros cessantes, isto é, benefícios que a sociedade deixar de obter em consequência da conduta ilícita do administrador (artigo 564º, nº 1 CC).

Reportando-nos aos factos provados, resultou provado que, no final do ano de 2007, o réu BB, gerente de uma concorrente no mercado, a DD L.da, que mantinha relações comerciais com a autora, interessou-se pela aquisição da autora e pelas suas participações sociais e propôs-se adquiri-las, tendo sido outorgado em 28/12/2007 o contrato de promessa de compra e venda de cessão de quotas pelo valor de 160.000 euros, de que os autores eram titulares no capital social da sociedade autora.

O réu marido, após a formalização do contrato, foi nomeado gerente da autora, cujas funções exerceu durante 2 anos e 8 meses, tendo renunciado à gerência e denunciado o contrato promessa em 31 Agosto 2010.

No início da gerência do réu, a autora detinha uma conta caucionada no BES no valor de € 42.500 e quando aquele renunciou à gerência a conta caucionada ascendia a € 52.500.

A autora, em 31/12/2007, tinha no seu património três veículos: um com a matrícula 00-00-00 de marca SEAT, adquirido em 1997, um FORD FIESTA de matrícula 00-00-00, adquirido em 2003 e um outro de matrícula 00-00-00, adquirido em 1988.

O veículo com matrícula 00-00-00 foi vendido em 2010 por € 3.000, o veículo com matrícula 100-00-00 foi vendido em 2009 por 50 € e o veículo com matrícula 00-00-00 foi vendido em 2010 por 150 euros.

Quando o Réu iniciou a sua gerência estes bens, bem como o equipamento e o mobiliário que se encontra descrito no mapa de reintegrações e amortizações referente a 31 de Dezembro de 2007 e elencado no mapa constante de fls. 365 estava ao serviço da autora, a qual se encontrava em laboração, com empregados a trabalhar, a receber e atender clientes.

Porém, quando o réu renunciou à gerência a sociedade, entregou as instalações da autora vazias de todo o seu património imobilizado, com excepção da sua sede social, que se encontrava fechada.

Após o fim da gerência do réu marido a autora nunca mais teve qualquer actividade.

Após o fim da gerência do réu marido, a autora tem sido interpelada para proceder ao pagamento de quantias devidas à fazenda pública, a fornecedores, à PT e à EDP, relativos ao período em que aquele exerceu a gerência, tendo procedido a alguns desses pagamentos com dinheiro proveniente do património pessoal dos sócios da autora.

O réu, enquanto gerente, vendeu à DD, de que também era gerente, parte do património equipamento e mobiliário da autora pelo valor global de € 72.828,29 e que a DD tinha sobre a autora um crédito de € 68.220,13 referente a fornecimentos vários que lhe fez no período da gerência do réu e ao apoio à tesouraria que lhe foi prestado.

Durante o período de tempo em que o réu foi gerente da autora, os proventos que daí retirou destinaram-se a fazer face a encargos da vida familiar.

Importa, então, indagar se, atentos os factos demonstrados e os princípios expostos, se encontram demonstrados, a par dos demais pressupostos da responsabilidade civil do réu/gerente relativamente à autora, os danos que em resultado da sua conduta a sociedade sofreu.

Tal como os factos comprovam, constata-se que, quando o réu iniciou a sua gerência todos os bens supra elencados, bem como o equipamento e o mobiliário que se encontra descrito no mapa de reintegrações e amortizações referente a 31 de Dezembro de 2007 e elencado no mapa constante de fls. 365 estava ao serviço da autora, que se encontrava em laboração, com empregados a trabalhar, a receber e atender clientes. Porém, quando renunciou à gerência a sociedade entregou as instalações da autora vazias de todo o seu património imobilizado, com excepção da sua sede social, que se encontrava fechada.

Resultou também provado o valor pelo qual vendeu as viaturas automóveis que se encontravam ao serviço da autora, sem que tivesse adquirido outras, como igualmente se provou que parte do equipamento e mobiliário da autora foi vendido à DD, de que o réu era também gerente, a qual desenvolvia o mesmo tipo de actividade da autora.

A conduta assim descrita teve como consequência a cessação de toda a actividade da autora cujas instalações ficaram vazias de todo o seu património imobilizado.

A conduta do réu consubstanciou-se, deste modo, na alienação de todo o equipamento e mobiliário da autora e na cessação da sua actividade comercial, correspondendo a danos tanto na vertente de danos emergentes quanto na de lucros cessantes.

Refere, criteriosamente, a sentença que os gerentes, no exercício das suas funções, devem praticar os actos necessários ou convenientes ao fim visado pela actividade que desenvolvem, sendo em última instância o objectivo da mesma a obtenção de lucro.

Mas, a partir do momento em que a sociedade apenas tem a sua sede e não desenvolve qualquer actividade, nem tem aptidão para o efeito, em face das alienações efectuadas pelo réu, encontramo-nos perante a integral dissipação do património social, o que traduz uma evidente inobservância do dever de actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade.

Poder-se-á argumentar que, no exercício das suas funções os gerentes devem praticar os actos necessários ou convenientes ao fim visado pela actividade, sendo, em última instância, o objectivo da mesma a obtenção de lucros, o que implica a assunção de riscos.

Isso é verdade mas não se pode esquecer que tais riscos estão condicionados ou limitados pelo quadro de obrigações que devem nortear a actuação do gerente.

Ora, no caso concreto, não se coloca em crise uma decisão do réu, uma alienação de determinado bem corpóreo ou até o aumento da conta caucionada.

O que ocorreu foi a total alienação do património societário, levando a que a sociedade deixasse de exercer qualquer actividade. Entregou a sede da sociedade de portas fechadas e completamente delapidada.

Associada a esta cessação da actividade destaca-se o facto de parte dos bens corpóreos terem sido alienados à sociedade de que o ora réu era também gerente e que desenvolvia o mesmo tipo de actividade.

Não está em causa que tal sociedade detivesse um crédito, (embora nascido no período de gestão do réu), sobre a autora, mas antes a afectação do património societário ao pagamento da dívida, existindo, como se veio a verificar, outros credores.

A decisão do réu é duplamente censurável, pois, por um lado, com tal dação em pagamento, contribuiu para a paralisação da actividade da autora e, por outro lado, escolheu os credores que iriam ser pagos em detrimento dos demais, cuja satisfação ficou inviabilizada pela cessação da actividade da autora.

Ora, tendo em consideração que o réu já desenvolvia idênticas funções numa outra sociedade do mesmo ramo, conclui ajuizadamente a sentença que estamos perante um gerente qualificado que, na situação em apreço, podia ter actuado de modo distinto, não alienando todo o património da autora, não escolhendo os credores cujos créditos haveria de satisfazer, e sem o fazer à custa daquele mesmo património.

Nem se diga que a autora se encontrava numa situação de insolvência. A ser assim, a obrigação que sobre o mesmo recaía era a de requerer a declaração de insolvência da sociedade (artigos 18º e 19º do CIRE).

Aliás, a realização do interesse social que deverá presidir à actuação do gerente terá que se conjugar com a satisfação dos interesses dos demais sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os clientes, credores e trabalhadores.

Face ao que se deixa exposto, não oferece dúvidas que o réu violou os deveres de cuidado e de lealdade, consagrados nas alíneas a) e b) do artigo 64º do CSC, constituindo tal violação um comportamento ilícito e culposo, já que este se presume, como dissemos, sem que o réu tenha logrado ilidir a culpa.

Sendo a conduta do réu ilícita, porque ética e juridicamente censurável, faz impender sobre o seu património próprio a responsabilidade pelos danos derivados da sua actuação que foram causados no património societário (artigo 563º do CC).

E, na verdade, todo o seu comportamento, que se revela censurável por frontalmente violador dos deveres de cuidado e de lealdade que sobre si recaíam, foi gerador de prejuízo para o património da sociedade.

Relembra-se que a autora, quando o réu iniciou as suas funções de gerência, encontrava-se em laboração, com empregados a trabalhar, a receber e a atender clientes, mas quando o réu deixou a gerência, nunca mais teve qualquer actividade, nem tem aptidão para a resolver, já que o réu entregou as instalações da autora vazias de todo o património imobilizado, com excepção da sua sede social, que se encontrava fechada.

Tal circunstância configura, inequivocamente, um dano, pelo qual o réu terá de indemnizar a autora, a par dos danos emergentes.

Tal dano não se contém, porém, no valor do património que foi vendido e no valor das dívidas que foram surgindo, uma vez que a sociedade ficou numa tal situação que não pôde continuar a laborar, o que implica naturalmente prejuízos.

O réu é o responsável por esses prejuízos. Idêntica responsabilidade recai sobre a ré, uma vez que, durante o período de tempo em que o réu foi gerente da autora, os proventos que daí retirou destinaram-se a fazer face a encargos da vida.

5

Indemnização a liquidar em execução de sentença.

Não restam dúvidas que o réu causou danos à autora, como ficou demonstrado.

O montante desses danos não pôde ser averiguado, por não haver elementos para fixar a quantidade.

Muito embora não tenha sido possível fixar o valor exacto dos danos a indemnizar, não deve esse facto excluir a efectivação do direito à indemnização, sendo de deixar para liquidação, através da dedução do incidente a que alude o artigo 378º do CPC, o apuramento do seu montante.

Os limites da condenação, contidos no artigo 661º do CPC, entendem-se referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para demonstração do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo, não podendo, consequentemente, o valor da indemnização, a fixar, exceder o valor global peticionado.

6.

Concluindo:

I - No exercício das suas funções os gerentes e/ou administradores são responsáveis pelos danos que, com preterição dos deveres legais ou contratuais (contrato de administração) causem, responsabilidade que se desenvolve numa tríplice vertente: (i) responsabilidade para com a sociedade, (ii) responsabilidade com os sócios e terceiros e (iii) responsabilidade para com os credores sociais.

II - Tal responsabilidade, prevista no artigo 72º, n.º 1, do CSC, é uma responsabilidade contratual e subjectiva, que pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil: facto, ilícito, culpa, dano (danos emergentes e lucros cessantes) e nexo de causalidade.

III - De entre os deveres a que estão adstritos, os gerentes estão vinculados à observância dos deveres de diligência (definido em função de um padrão objectivo, de um gestor criterioso e ordenado), e de cuidado e lealdade, impondo-lhes que, no exercício das suas funções, não só se mostrem diligentes e zelosos, mas que também sejam informados e competentes.

IV - Ao dever de lealdade costuma ser associado a obrigação de não concorrência, de não se aproveitar em benefício próprio de eventuais oportunidades de negócio, de não actuação em conflito de interesses com a sociedade protegida.

V - A culpa presume-se, bastando ao autor a prova da violação dos deveres por parte do gerente, ao qual, para afastar tal pressuposto, incumbe provar que actuou tal como, naquelas circunstâncias, faria um gestor criterioso.

VI - Viola os deveres de cuidado e de lealdade o gerente que, exercendo idênticas funções numa sociedade concorrente da autora, procede à integral dissipação da património social desta, vendendo parte à primeira, venda que teve por consequência a cessação de toda a actividade da última.

VII - Tal conduta é duplamente censurável, ainda que a sociedade concorrente tivesse sobre a autora um crédito – que o preço se destinasse a liquidar –, já que a realização do interesse social da autora impunha, por um lado, a satisfação de todos os seus débitos (e não a sua escolha pelo gerente), com a manutenção da sua laboração e, por outro, caso se verificassem os respectivos pressupostos, o dever de apresentação à insolvência, que igualmente recaía sobre o réu.

VIII - Não sendo possível fixar o valor exacto dos danos a indemnizar, tal facto não exclui a efectivação do direito à indemnização, sendo de deixar para liquidação, através da dedução do incidente a que alude o artigo 378º do CPC, o apuramento do seu montante.

7.

Por todo o exposto, na procedência da revista, condenam-se os réus a pagar à autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, não podendo o valor da indemnização exceder a quantia peticionada.

Custas pelos recorridos.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2013

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot

____________________


[1] Miguel Pupo Correia, Direito Comercial, 6ª edição, página 544.
[2] António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 2ª edição, página 124; Vide ainda sobre esta matéria, Raúl Ventura e Luís Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e Gerentes de Sociedades por Quotas; Menezes Cordeiro, Da Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Comerciais.

[3] Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades, página 18.
[4] Armando Manuel Triunfante, Código das Sociedades Comerciais, página 61.
[5] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10ª edição, página 581.
[6] Armando Manuel Triunfante, Código das Sociedades Comerciais, página 62.
[7] Vide Armando Manuel Triunfante, Código das Sociedades Comerciais Anotado, página 60.