Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
544/14.7T8VCT.G3.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: TRANSMISSÃO DA UNIDADE ECONÓMICA
DESPEDIMENTO ILÍCITO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA, DETERMINANDO-SE A BAIXA DO PROCESSO.
Sumário :

I- Se os Autores invocam a transmissão de uma unidade económica e a ilicitude de um despedimento por violação das regras imperativas da Diretiva 2001/23/CE é necessário primeiro verificar se houve efetivamente uma transmissão para, em caso afirmativo, averiguar se o despedimento se deve ter por ilícito à luz do disposto no artigo 4.º n.º 1 da referida Diretiva.


II- Não havendo base suficiente para a decisão de direito há que determinar a remessa do processo ao tribunal recorrido para ampliar a decisão de facto, à luz do disposto nos artigos 682.ª n.º 3 e 683.º n.º 1 do CPC.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 544/14.7T8VCT.G3.S1


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ intentaram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra:


1 - Estaleiros Navais de Viana do Castelo, S.A.;


2 - West Sea - Estaleiros Navais, Lda.;


3 - Empordef Engenharia Naval, S.A.;


4 – Fundo de Pensões dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, legalmente representado pelo BPI Pensões - Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.;


5 - BPI Pensões - Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.


Sublinhe-se, desde já, que apenas se mantêm nos autos como Recorrentes os seguintes trabalhadores Autores: AA, BB, CC, DD, FF, GG, HH e II. Com efeito, por sentenças de 11.02.2016 e 9.04.2018, foram homologadas as transações celebradas entre, respetivamente, os Autores EE e e JJ e a Ré Estaleiros Navais de Viana do Castelo, S.A., prosseguindo a ação para apreciação dos pedidos dos demais Autores.


Requereram que se decida o seguinte:


I) Declarar-se ilícito o despedimento dos autores e, em consequência:


a) Condenar-se, solidariamente, a 1ª, 2ª e 3ª Rés na reintegração imediata dos autores, no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade ou de qualquer direito, entretanto, vencido ou vincendo;


b) Ou, em alternativa, condenar-se a 1ª Ré, segundo opção dos autores, a pagar-lhes as seguintes compensações por despedimento ilícito:


1 - Ao 1º autor, AA…………………………………….76.048,50 €


2 - Ao 2º autor, BB……………………………….77.779,80 €


3 - Ao 3º autor, CC………………..…………………….49.556,00 €


4 - Ao 4º autor, DD………………………………….37.677,40 €


5 - Ao 5º autor, EE………………………………….22.585,80 €


6 - Ao 6º autor, FF…………………………………….43.272,50 €


7 - Ao 7º autor, GG………………………………….19.005,10 €


8 - Ao 8º autor, HH…………………………………….18.787,65 €


9 - Ao 9º autor, II………………………………..….14.416,70 €


10 - Ao 10º autor, JJ……………………………….19.603,20 €


c) A cada um dos autores que opte pela indemnização por despedimento ilícito, deve, ainda, a 1ª Ré ser condenada a pagar uma compensação a título de danos patrimoniais:


1 - Ao 1º autor, AA…………………………………….10.000,00 €


2 - Ao 2º autor, BB……………………………….10.000,00 €


3 - Ao 3º autor, CC………………..…………………….10.000,00 €


4 - Ao 4º autor, DD………………………………….10.000,00 €


5 - Ao 5º autor, EE………………………….……….10.000,00 €


6 - Ao 6º autor, FF…………………………….……….10.000,00 €


7 - Ao 7º autor, GG…………………………..……….10.000,00 €


8 - Ao 8º autor, HH…………………….……………….10.000,00 €


9 - Ao 9º autor, II………………………………..….10.000,00 €


10 - Ao 10º autor, JJ……………………………….10.000,00 €


d) A cada um dos autores que opte pela indemnização por despedimento ilícito, devem, ainda, a 1ª Ré, o 4º Réu e a 5ª Ré serem condenadas, solidariamente, no pagamento:


1 - Ao 1º autor, AA, uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 232,54 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 55.000,00 €;


2 - Ao 2º autor, BB uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 309,50 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 72.500,00 €;


3 - Ao 3º autor, CC uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 156,00 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 37.000,00 €;


4 - Ao 4º autor, DD uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 132,00 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 31.000,00 €;


5 - Ao 5º autor, EE uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 75,60 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 18.000,00 €;


6 - Ao 6º autor, FF uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 139,60 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 33.000,00 €;


7 - Ao 7º autor, GG uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 66,00 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 15.500,00 €;


8 - Ao 8º autor, HH uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 65,00 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 15.500,00 €;


9 - Ao 9º autor, II uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 61,12 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 14.500 €.


II) Condenar-se a 1ª, 2ª e 3ª Rés, solidariamente, a pagar:


1 - Ao 1º autor, AA:


a) A quantia global de 7.857,05 €, a título de prestações pecuniárias vencidas desde o dia imediato ao despedimento, 1 de Maio de 2014, até 30 de Setembro de 2014;


b) Nas prestações pecuniárias vincendas, desde 1 de Outubro de 2014 até à data em que for proferida a sentença que declare o despedimento ilícito;


2 - Ao 2º autor, BB:


a) A quantia global de 8.363,15 €, a título de prestações pecuniárias vencidas desde o dia imediato ao despedimento, 1 de Maio de 2014, até 30 de Setembro de 2014;


b) Nas prestações pecuniárias vincendas desde 1 de Outubro de 2014 até à data em que for proferida a sentença que declare o despedimento ilícito;


3 - Ao 3º autor, CC:


a) A quantia global de 7.481,40 €, a título de prestações pecuniárias vencidas desde o dia imediato ao despedimento, 1 de Maio de 2014, até 30 de Setembro de 2014;


b) Nas prestações pecuniárias vincendas desde 1 de Outubro de 2014 até à data em que for proferida a sentença que declare o despedimento ilícito;


4 - Ao 4º autor, DD:


a) A quantia global de 6.982,90 €, a título de prestações pecuniárias, vencidas, desde o dia imediato ao despedimento, 1 de Maio de 2014, até 30 de Setembro de 2014;


b) Nas prestações pecuniárias vincendas, desde 1 de Outubro de 2014 até à data em que for proferida a sentença que declare o despedimento ilícito;


5 - Ao 5º autor, EE:


a) A quantia global de 5.252,50 €, a título de prestações pecuniárias vencidas desde o dia imediato ao despedimento, 1 de Maio de 2014, até 30 de Setembro de 2014;


b) Nas prestações pecuniárias vincendas, desde 1 de Outubro de 2014 até à data em que for proferida a sentença que declare o despedimento ilícito;


6 - Ao 6º autor, FF:


a) A quantia global de 11.623,40 €, a título de prestações pecuniárias vencidas desde o dia imediato ao despedimento, 1 de Maio de 2014, até 30 de Setembro de 2014;


b) Nas prestações pecuniárias vincendas, desde 1 de Outubro de 2014 até à data em que for proferida a sentença que declare o despedimento ilícito;


7 - Ao 7º autor, GG:


a) A quantia global de 5.471,30 €, a título de prestações pecuniárias vencidas desde o dia imediato ao despedimento, 1 de Maio de 2014, até 30 de Setembro de 2014;


b) Nas prestações pecuniárias vincendas, desde 1 de Outubro de 2014 até à data em que for proferida a sentença que declare o despedimento ilícito;


8 - Ao 8º autor, HH:


a) A quantia global de 5.399,00 €, a título de prestações pecuniárias vencidas desde o dia imediato ao despedimento, 1 de Maio de 2014, até 30 de Setembro de 2014;


b) Nas prestações pecuniárias vincendas, desde 1 de Outubro de 2014 até à data em que for proferida a sentença que declare o despedimento ilícito;


9 - Ao 9º autor, II:


a) A quantia global de 5.094,30 €, a título de prestações pecuniárias vencidas desde o dia imediato ao despedimento, 1 de Maio de 2014, até 30 de Setembro de 2014;


b) Nas prestações pecuniárias vincendas, desde 1 de Outubro de 2014 até à data em que for proferida a sentença que declare o despedimento ilícito;


10 - Ao 10º autor, JJ:


a) A quantia global de 9.517,50 €, a título de prestações pecuniárias vencidas desde o dia imediato ao despedimento, 1 de Maio de 2014, até 30 de Setembro de 2014;


b) Nas prestações pecuniárias vincendas, desde 1 de Outubro de 2014 até à data em que for proferida a sentença que declare o despedimento ilícito;


III) Condenar-se a 1ª Ré, 2ª e 3ª Rés, a efetuar os descontos para a Segurança Social relativamente às prestações pecuniárias vencidas e vincendas reclamadas pelos autores, no prazo de oito dias após ter sido proferida a sentença que declare o despedimento ilícito.


Subsidiariamente, para a hipótese de o despedimento dos autores vir a ser declarado lícito,


IV) Declarar-se que:


1 - Que a data da cessação do contrato de trabalho ou o despedimento coletivo dos autores identificados sob os nºs 1 a 9 se verificou em 14 de Julho de 2014 e do autor identificado sob o nº 10, em 30 de Junho de 2014;


2 - Condenar-se a 1ª Ré a efetuar os descontos para a Segurança Social relativamente aos vencimentos vencidos, férias, subsídio de férias e Natal proporcionais, desde 1 de Maio a 14 de Julho de 2014 relativamente aos autores identificados sob os nºs 1 a 9 e até 30 de Junho de 2014, no que respeita ao autor identificado sob o nº 10;


V) Condenar-se ainda a 1ª Ré a pagar:


1 - Ao 1º autor, AA, a importância de 50.699,00 € a título de compensação por despedimento;


2 - Ao 2º autor, BB a importância de 51.851,53 € a título de compensação por despedimento;


3 - Ao 3º autor, CC a importância de 33.037,14 € a título de compensação por despedimento;


4 - Ao 4º autor, DD a importância de 25.118,23 € a título de compensação por despedimento;


5 - Ao 5º autor, EE a importância de 15.057,20 € a título de compensação por despedimento;


6 - Ao 6º autor, FF a importância de 28.848,29 € a título de compensação por despedimento;


7 - Ao 7º autor, GG a importância de 12.670,50 € a título de compensação por despedimento;


8 - Ao 8º autor, HH a importância de 12.525,10 € a título de compensação por despedimento;


9 - Ao 9º autor, II a importância de 9.611,15 € a título de compensação por despedimento;


10 - Ao 10º autor, JJ a importância de 13.068,81 € a título de compensação por despedimento.


VI) Condenar-se, solidariamente, a 1ª Ré, 4º Réu e 5ª Ré, no prazo de oito dias após a prolação da decisão que vier a ser proferida neste processo, a entregar:


1 - Ao 1º autor, AA, uma apólice de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 232,54 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 55.000,00€;


2 - Ao 2º autor, BB uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 309,50 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 72.500,00€;


3 - Ao 3º autor, CC uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 156,00 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 37.000,00€;


4 - Ao 4º autor, DD uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 132,00 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 31.000,00 €;


5 - Ao 5º autor, EE uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 75,60 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 18.000,00 €;


6 - Ao 6º autor, FF uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 139,60 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 33.000,00 €;


7 - Ao 7º autor, GG uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 66,00 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 15.500,00 €;


8 - Ao 8º autor, HH uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 65,00 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 15.500,00 €;


9 - Ao 9º autor, II uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 61,12 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento, 14.500 €.


VII) Nos juros legais de todas as importâncias peticionadas, contados da data dos respetivos vencimentos até àquela em que for efetuado o respetivo pagamento.”


Todos os Réus apresentaram contestações, nas quais, além do mais, foi arguida a exceção de erro na forma do processo insuscetível de convolação.


Por despacho de 21.12.2015, foi considerada procedente a exceção dilatória de erro na forma do processo e absolveram-se os Réus da instância.


Foi interposto recurso de tal despacho, na sequência do qual foi proferido Acórdão em 30.06.2016, no qual se decidiu que “Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, convolando-se a forma processual para processo de impugnação de despedimento coletivo, com aproveitamento da petição inicial, devendo proceder-se à apreciação da coligação à luz dos artigos 36º e 37º do CPC sem prejuízo das demais questões.”.


O processo regressou ao Tribunal de 1º Instância, tendo sido ordenada a notificação dos Réus nos termos e para os efeitos previstos no art. 156.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código de Processo do Trabalho.


A 2.ª Ré, West Sea - Estaleiros Navais, Lda., e a 5.ª Ré BPI Vida e Pensões – Companhia de Seguros, S.A., esta como sucessora nos direitos e obrigações da anteriormente designada BPI Pensões - Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., vieram nas correspondentes contestações, além do mais, arguir a respetiva ilegitimidade passiva e a coligação ilegal dos Réus.


A 5.ª Ré veio ainda alegar que o 4.º Réu Fundo de Pensões dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, que por si fora gerido, foi declarado extinto pelo DL n.º 62/2015, de 23 de abril, e que as respetivas responsabilidades foram transferidas para a Caixa Geral de Aposentações, I.P., pelo que, por despacho de 07.01.2019, foi admitida a intervenção principal provocada desta.


A 1.ª Ré Estaleiros Navais de Viana do Castelo, S.A. e a 3.ª Ré Empordef Engenharia Naval, S.A., foram extintas, tendo-lhes sucedido o Estado Português, representado pelo Ministério Público.


Em 10.03.2022, foi proferido despacho saneador no qual se considerou existir uma manifesta cumulação ilegal de pedidos e consequentemente uma coligação ilegal de Réus, que determinaria uma ineptidão da petição inicial e decidiu pôr fim ao processo nos seguintes termos:


Nestes termos, e porque esta ineptidão da petição dá origem à nulidade de todo o processo, só resta ao tribunal decretar a procedência desta exceção dilatória, com a consequente absolvição dos demandados da instância (cfr. art. 186º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho).


Acrescente-se que se entende que o concreto vício em causa não pode ser sanado no âmbito do poder-dever resultante do art. 27º do CPT, pois que a sua resolução implica a desistência do pedido relativamente aos RR., com exceção do primeiro.


Pelo exposto, julga-se procedente a exceção de ineptidão da petição inicial, absolvendo-se todos os RR. da instância.”.


Os Autores interpuseram recurso de apelação do despacho saneador que colocou termo ao processo.


Por Acórdão de 15.06.2022, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu o seguinte:


Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se o despacho saneador na parte em que absolveu da instância as 1.ª, 2.ª e 3.ª Rés, relativamente aos pedidos formulados na petição inicial sob os pontos I) - a), b) e c), II), III), IV), V) e VII), confirmando-se o mesmo na parte restante, e devendo observar-se o disposto no art. 160.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho e os termos processuais subsequentes que daí decorram.”


A 2ª Ré, West Sea - Estaleiros Navais, Lda., interpôs recurso de revista, o qual não foi admitido por despacho de 27.09.2022.


O processo regressou ao Tribunal de 1ª Instância.


Por despacho saneador-sentença de 27.05.2023 foi decidido o seguinte:


Absolver a R. “West Sea – Estaleiros Navais”


Condenar o Estado Português, como sucessor da R. “Estaleiros”, a reconhecer que a relação laboral com os AA. cessou a 14 de Julho de 2014 e a pagar-lhes os montantes compensatórios por despedimento coletivo que já havia posto à disposição à sua disposição, ou seja:


- ao 1º A. AA - €44.728,16


- ao 2º A. BB - €49.189,26


- ao 3º A. CC - €31.562,90


- ao 4º A. DD - €24.463,99


- ao 6º A. FF - €23.905,82


- ao 7º A. GG - €11.196,90


- ao 8º A. HH - €11.068,84


- ao 9º A. II - €9.095,84.”.


Os Autores interpuseram recurso de apelação.


Por Acórdão do Tribunal da Relação de 28.09.2023 foi decidido negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


Os Autores interpuseram recurso de revista nos termos gerais e, subsidiariamente, revista excecional com fundamento no artigo 672.º, nº 1, alíneas a) e b) do C.P.C..


Foi determinada a subida do recurso.


O recurso de revista apresenta as seguintes Conclusões:


1. Entendem os A.A. que o douto Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que declare que, através daquele contrato de subconcessão, a 1ª Ré transferiu de imediato, a utilização do denominado estabelecimento “E...”, onde, então, se exercia uma atividade económica de reparação e construção naval, envolvendo um conjunto complexo, mas organizado de meios de produção afetos à consecução do seu objeto.


2. Ou, subsidiariamente, deve ser ordenado o prosseguimento do processo para o apuramento de todos os factos alegados, que demonstrem que neste caso não estamos perante o encerramento da atividade da empresa, falsamente invocada, mas, antes por uma situação da sua transmissão com efeitos imediatos, conforme cláusula 6ª nº 1 do respetivo Contrato de Subconcessão.


3. Os procedimentos administrativos e jurídicos utilizados até à celebração do contrato de subconcessão deste estabelecimento, nomeadamente o disposto no Dec. Lei 98/2003 de 24 de Julho, as Atas nº 7/2013 de 29/7 e n.º 11/2013 de 11/10, a constituição da sociedade ora 2ª Ré em 30/12/2013 e o teor do contrato de subconcessão de 10/1/2014, com a definição exata do seu objeto, área do estabelecimento, infraestruturas, equipamentos, redes de distribuição de água, luz, gás e todos os licenciamentos que integravam todo o seu ativo, corpóreo e incorpóreo, nomeadamente o know how e prestígio de uma empresa que funcionava neste sector de atividade desde Maio de 1946, não permitem outra interpretação razoável que não seja a de que, no caso sub judice, estamos perante um estabelecimento comercial e industrial de grande dimensão, valor, com meios de produção variados e complexos e coordenados para o funcionamento da atividade de reparação e construção naval que constituiu o escopo da 1ª Ré.


4. O procedimento concursal levado a efeito para a celebração deste contrato de subconcessão, deixa claro que pelo mesmo se pretendia transmitir o estabelecimento, mas não os seus trabalhadores, valendo-se a 1ª Ré para conseguir esse objetivo do facto do seu único acionista ser o Estado Português e o Governo ter competência legislativa em matéria de Dec. Leis e Resolução de Conselho de Ministros, que permitiram, com acordo da 2ª Ré, a transmissão para esta de todo o estabelecimento da 1ª Ré, com o seu ativo corpóreo e incorpóreo, nomeadamente know how, prestígio e trabalhadores, criando a aparência de que o mesmo não existia e se limitava a uma parte fragmentada do mesmo, conforme erradamente, como todo o respeito, se decidiu no douto Acórdão recorrido.


5. A 1ª Ré, no estrito cumprimento deste compromisso assumido com a 2ª Ré, desde que por deliberação do Conselho de Administração dos E... expressa na Ata 7/2013 de 29/7, face ao relatório final do procedimento concursal, decidiu adjudicar à 2ª Ré, através do contrato de subconcessão deste estabelecimento, devidamente autorizado pelo Dec Lei 98/2013 de 24 de julho, preocupou-se no despedimento dos seus 607 trabalhadores, 595 por acordos de revogação de contrato até Março seguinte e os 12 trabalhadores que não fizeram acordo, entre eles os Autores, pela promoção do seu despedimento coletivo, por carta com data de emissão de 21 de Março de 2014, da qual expressam os respetivos fundamentos e por comunicação do seu despedimento, com esses mesmos fundamentos, em carta recebida pelos Autores em 30 de Abril de 2014, com efeitos imediatos e pagando os 75 dias correspondentes ao aviso prévio que, neste caso, não foi concedido porque do respetivo contrato de subconcessão constava a entrega do estabelecimento à 2ª Ré no dia 2 de Maio seguinte, livre dos respetivos trabalhadores.


6. De igual modo, o teor técnico-jurídico e gramatical do contrato, desde logo alguns dos seus Considerandos, deixam claro que neste caso, houve uma transmissão da unidade económica de reparação e construção naval da1.ª para a 2.ª Ré, entre outros, os seguintes:


e) O objeto da subconcessão, o local, a área, os limites do estabelecimento subconcessionado, a identificação de todos os prédios urbanos licenciados para a indústria (18) - licença nº 150/99 emitida em 03/02/1999,infraestruturas, equipamentos, materiais envolvidos e necessários para o exercício daquela atividade, exaustivamente, descritos nos respetivos anexos ao contrato.


f) Que a transmissão de todos aqueles elementos, que constitui um conjunto organizado de meios de produção, devidamente licenciados que permitam a continuação do exercício naquele local de atividade de reparação e construção naval.


g) Que aquele estabelecimento passou para a tutela jurídica da 2ª Ré, com efeitos imediatos, em 10 de janeiro de 2014, e a posse plena do estabelecimento foi assumida pela Ré, em 2 de maio de 2014.


h) Que a subconcessionária tinha perfeito conhecimento do estado atual (àquela data) da subconcessão e do estabelecimento de concessão e que o recebia nos termos e nas condições em que se encontram àquela data.


7. Como se vê, entre o período que decorreu entre a data da celebração do contrato e a data da entrega do respetivo objeto, o mesmo foi aproveitado pela 1º Ré para despedir os seus 607 trabalhadores e assim cumprir escrupulosamente o plano do concurso para a privatização e subconcessão e de o transmitir para a 2ª Ré, livre de todos os contratos de trabalho então em vigor.


8. Os contornos deste procedimento concursal, o cumprimento pela 1ª Ré de subconceder o seu estabelecimento de reparação e construção naval, designado por “E...” a partir de janeiro de 2014, para que esta pudesse prosseguir, como prosseguiu, com a mesma atividade a partir de 2 de maio de 2014, sem qualquer interrupção, visível ou detetável, outra conclusão legitima não permite extrair, neste caso, que todo este plano e a fórmula jurídica encontrada para transmitir este estabelecimento foi planeada em conjunto por ambas as R.R. , mediante a invocação pela 1ª Ré do encerramento total e definitivo da sua atividade em 2014, por falta de trabalho, o que era falso, para dissimular ou esconder a transmissão do estabelecimento para a 2ª Ré através do contrato de subconcessão celebrado em 10 de janeiro de 2014.


9. De facto, neste contrato expressa-se de forma clara que a 1ª Ré cede, por subconcessão à 2ª Ré o contrato de concessão de que é titular desde 3 de Maio de 1946, celebrado então com a Junta Autónoma dos Portos do Norte, em que sintomaticamente se refere no respetivo Considerando B “A concessão mencionada no considerando anterior, vigora até 31 de março de 2031, permitindo o exercício, nos terrenos concessionados, da indústria de construção e reparação de navios, podendo ser utilizada para a indústria de fabricação de componentes para aerogeradores eólicos e para o exercício da indústria metalomecânica, assim como de atividades complementares ou conexas com todas estas”.


10. A transmissão do contrato de subconcessão é tipicamente um contrato de natureza comercial, sujeito às regras do Cód. Soc. Comerciais, do próprio art. 1109 do Cód. Civil e de harmonia com o estipulado na cláusula 42 nºs 1 e 2 do Contrato.


11. Ao contrário do entendimento expresso no douto Acórdão recorrido e decisão recorridas, este estabelecimento da 1ª Ré não encerrou, antes foi transmitido para a tutela jurídica da 2ª Ré em 10 de janeiro de 2014 e para a plena posse desta em 2 de maio de 2014, para a prossecução e continuação do exercício imediato da atividade de reparação e construção naval que aquela ali sempre exerceu, desde 3 de maio de 1946 e conforme o que ficara combinado entre ambas as partes.


12. Estamos in casu, perante uma situação em que a 1ª Ré fingiu o encerramento total da atividade da empresa e invocou falsamente a total falta de trabalho para o fazer, com o conhecimento da 2ª Ré, quando na realidade esse estabelecimento foi transmitido para a tutela jurídica desta, em 10 de janeiro de 2014 e com efeitos imediatos, o que consubstancia um negócio/acordo relativamente simulado por ambas as partes, a determinar a sua declaração de nulidade nos termos do artigo 240 e 241 do Cód Civil ou, pelo menos obrigar a cumpri-lo, em total conformidade com o que a lei impõe, isto é, a transmissão do estabelecimento acompanhada pelo adquirente cessionário de todos os contratos de trabalho de todos os trabalhadores.


13-A matéria aqui em causa relativa a cessação de contrato de trabalho, neste caso, despedimento coletivo dos A.A., é matéria regulada por normas imperativas que não podem ser afastadas por outro instrumento de regulação coletiva de trabalho ou por qualquer acordo das partes, conf. artigo 339 nº 1 do Cód. Trabalho.


14. Todos os procedimentos utilizados pela 1ª Ré, através do seu acionista, o Estado Português, no sentido de, por procedimentos administrativos, por via de lei publicada com esse objetivo e pelo teor do próprio contrato de subconcessão, tiveram o objetivo de transmitir o estabelecimento objeto da concessão livre dos contratos de trabalho com os seus trabalhadores, invocando ainda o falso encerramento total do estabelecimento, tudo em violação dos artigos 240, 241, 280, 281 e 286 do Cód. Civil aqui aplicáveis por força do citado artigo 339º, nº 1 do Cód. Trabalho.


15. Como se vê ainda daquele procedimento concursal, dos seus tramites, dos procedimentos administrativos e legais adotados, tiveram em vista contornar normas imperativas relativas à segurança dos trabalhadores no seu emprego, concretamente o artigo 53º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 285º nºs 1, 2, 3 e 5 do Cód. Trabalho e o artigo 1º, alínea b) e 3 nº 1 da Diretiva Comunitária 2001/23/CE de 12 de março.


16. Mais resulta deste procedimento concursal, das atas do Conselho de Administração dos E... e do teor do Dec. Lei 98/2013 que autorizou a celebração deste contrato, o teor deste e o despedimento pela 1ª Ré de todos os seus trabalhadores até à data neste prevista para a entrega do estabelecimento objeto da concessão, 2 de maio de 2014, não permite outra interpretação, com todo o respeito, que todo este plano foi concebido para que a 2ª Ré ficasse com o estabelecimento, livre dos contratos de trabalho que teriam de acompanhar, obrigatoriamente, a transmissão deste estabelecimento para a 2º Ré.


17. Assim, neste caso, ao abrigo do disposto nos artigos 374º e 376º do Cód. Civil, 607º nº 4, parte final e parte final do seu nº 5, 674º, nº 1, alineas a) e b), nº 2 e parte final do seu nº 3, todos do Cód. Proc. Civil, artigos 364º e 376º do Cód.Civil, artigos 285º, nºs 1, 2, 3 e 5 do Cód. Trabalho, artigo 1º, alínea b) da Diretiva Comunitária nº 2001/23/CE de 13 de Março e artigo 53º da Constituição da República Portuguesa, deve alterar-se a matéria de facto, por forma a dar como não provado que a 1ª Ré encerrou total e definitivamente a sua atividade, a considerar-se antes que a 1ª Ré transmitiu para a 2ª Ré um conjunto organizado de meios de produção, aptos e idóneos à reparação e construção naval.


18. No entender dos A.A. a matéria de facto que serviu de base à decisão do douto Acórdão recorrido, particularmente na parte em que concluiu que in casu não houve uma transmissão do estabelecimento, mas apenas uma parte fragmentada do mesmo, não atentou nos próprios documentos juntos pela 1º Ré sob os nºs 2 a 13 com a contestação da 1ª Ré e se pode ver pelos requerimentos datados de 17/02/2017 com Referências Citius 1411058,1411089, 1411091, 1411093, 1411094, 1411120, 1411124 e 1411127 e documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 5-A, 5-B, 5-C, 19-A, 19-B, 19-C, 31-A, 31-B, 31-C, 31-D, 43-A, 43-B, 43-C, 55-A, 55-B, 67-A, 67-B, 77-A, 77-B, 89-A, 89-B, 101-A, 101-B, 113-A e 113-B.


19. Pela aquisição de diverso material para a construção e execução dos dois navios asfalteiros nºs 263 e 264, tal como contratualmente acordado com a PDVSA em 29 de maio de 2010, cuja resolução contratual apenas foi promovida pela empresa adquirente (PDVSA) a 1 de junho de 2016 - conforme documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 132, 133, 134, 135 e 137 e documentos nºs 1 e 2 juntos com o relatório complementar de 16/11/2018, com Referência Citius 43210146.


20. Pelo relatório e contas dos E... de 2013, com data de 7 de maio de 2014, (após o invocado encerramento) onde expressamente se refere na sua página 9 que “foi dado início à produção do 1º asfalteiro e que estavam em curso as construções dos navios nºs 239 (NPO), 263 e 264 (asfalteiros);


21. Pelo relatório de contas dos E... de 2014, com data de 19 de março de 2015, no qual se refere que, na sequência de várias reuniões de trabalho realizadas com a P.... ....., foi possível garantir a vigência do contrato e a viabilidade da execução dos navios, conforme documento nº7, junto com o requerimento de 7/03/2019, com referência Citius 31774738.


22. Pelo contrato celebrado entre a 1ª Ré com a E......... Lda., a 15 de julho de 2014, para a aquisição de material (2 kits) o Departamento de Propulsão e Energia para a oficina Eletrónica do MPO e para as construções 238 e 239 e pela minuta dos contratos e a respetiva adjudicação resultantes de deliberações do Conselho de Administração dos E... de 20/06/2014 e 30/07/2014;


23. Pelo procedimento nº2013/009, os E... celebraram em 8/10/2013 com a V... ..... um contrato de empreitada para o fornecimento, até 31 de Janeiro de 2014, de serviços e preparação de aço para fabricação dos tanques de carga para as construções nºs 263 e 264;


24-Pela deliberação do Conselho de Administração dos E... de 25/10/2013, através da qual foi celebrado um contrato com a Ó.... ..... ..... ...... .... para fornecimento até 5 de janeiro de 2014, dos perfis HP para as construções nºs 263 e 264;


25. Pelo contrato de empreitada celebrado em 25/08/2015, entre a 3ª Ré E....... ........... ..... S.A. e a 2ª Ré W......, onde a 2ª Ré se comprometeu a contruir para a 3ª Ré, no prazo de 6 meses, os sub-blocos 3043 e 3052 relativos aos navios para transporte de asfalto e óleos combustíveis, identificados como construções nºs 263 e 264;


26. Pelo procedimento nº 2014/017, através do qual a 1ª Ré celebrou, a 6 de novembro de 2014, com 2ª Ré, por ajuste direto, um contrato de empreitada para trabalhos a realizar no N.. ......... .. ...”.


27. Pelo relatório e contas dos E... de 2014, datado de 19 de março de 2015, em que se refere que na sequência de várias reuniões de trabalho realizadas com P.... ..... se estava a preparar as condições necessárias ao cumprimento das obrigações assumidas perante o subconcessionário, conforme doc. nº 7, junto com o requerimento de 17/03/2019, referência Citius 31774738.


28. Pelo relatório de Gestão Consolidado da E....... . ....... .......... .. ...... ......, S.A de 2014, datado de 19 de Maio de 2015, referente à empresa subsidiária E..., pág.. 88, em que as partes fixaram as condições para a posição da posição contratual dos dois navios asfalteiros de 27.000 DWT., da E...,S.A., para a E.., S.A. E....... .......... ....., S.A. e se diz ainda ipsis verbis “tendo sido dada a continuada aos trabalhos de engenharia, aquisição dos principais equipamentos e materiais”.


29. Pelos contratos referentes à preparação do aço para os asfalteiros à V... ....., a aquisição dos perfis à O...., em 6 de novembro de 2013 e na adjudicação, por ajuste direto, à 2.ª Ré, em 29 de outubro e 6 de novembro de 2014, um contrato de empreitada para trabalhos a realizar no N.. ......... .. ...”, conforme documentos juntos sob os n.ºs 1 a 6 com o requerimento enviado em 16/04/2018, referência Citius 28836766.


30. Pelo relatório dos peritos no qual se refere que, em 30 de abril de 2014, encontravam-se ainda 30 trabalhadores ao serviço da 1ª Ré, entre os quais os trabalhadores objeto de despedimento coletivo, entre eles os A.A.


31. Assim, o facto dado como provado no artigo 45 da douta decisão proferida em 1ª instância deve ser alterado para não provado de harmonia com o disposto nos arts. 374º e 376º do Cód. Civil.


32. O contrato de subconcessão celebrado entre a 1ª e a 2ª Ré, em 10 de Janeiro de 2014, e os contornos dos procedimentos administrativos legais e de gestão utilizados pelo 1ª Ré, com acordo da 2ª Ré, acompanhado do despedimento de todos os trabalhadores da empresa (607) até 30 de Abril de 2014, deixam claro que neste caso não houve encerramento total e definitivo da atividade da primeira Ré, mas antes uma transmissão do estabelecimento de reparação e construção naval de que aquela era concessionaria desde 1946, para a 2º Ré, livre dos contratos de trabalho, com o objetivo de contornar normas imperativas relativas à cessação do contrato de trabalho, em caso de despedimento coletivo, concretamente arts. 285 nºs 1, 2, 3 e 5 e 338 e 339 do Cód. Trabalho, arts. 1º, alínea b) e 3º, nº 1 da Diretiva 2001/23/CE de 13/3 e art. 53 da CRP.


33. Estamos in casu perante matéria relativa à cessação de contratos de trabalho, em despedimento coletivo, cujo regime tem um caracter imperativo que não pode ser contornado, como aconteceu neste caso, por outra lei, o citado Dec. Lei 98/2013, ou por acordo das partes, de harmonia com o disposto no artigo 339, nº 1 do Cód. Trabalho.


34. Por outro lado, estando aqui em causa a segurança dos trabalhadores no emprego, que foram despedidos com violação de normas imperativas que, inclusivamente, não podem ser afastadas por instrumento de regulação coletiva ou por contrato de trabalho, estamos também perante uma violação ao disposto no artigo 53º n1 da CRP e um despedimento de índole marcadamente ideológica, como assumiu o Ministro da Tutela na cerimónia pública da celebração do contrato de subconcessão, em 10 de janeiro de 2014, cujo conteúdo está acessível em (youtu.be/ZZI0QE5JqYc).


35. Por outro lado, o contrato de subconcessão pelo seu teor técnico-jurídico e gramatical não pode ser interpretado de outra forma razoável que não seja a de a 1ª Ré transmitiu para a 2ª Ré uma unidade económica, de construção e reparação naval, com todos os meios à sua disposição, integrando todos os seus meios corpóreos, com o seu know-how, as respetivas licenças e alvarás, para permitir que a 2ª Ré pudesse exercer a mesma atividade, nesse mesmo local, logo a partir de 2 de maio de 2014, o que só foi possível, notoriamente, porque o estabelecimento transmitido oferecia todas as condições para o exercício imediato da construção e reparação naval e não uma parte fragmentada do mesmo estabelecimento, como, com todo o respeito, erradamente se conclui no douto Acórdão recorrido.


36. Estes factos assentes e documentalmente provados deixam claro que apenas foi possível à 2ª Ré prosseguir no exercício da atividade de reparação e construção naval, a partir de 2 de maio de 2014, porque lhe foi transmitido pela 1ª Ré uma unidade económica apta a esse fim, de exigente envergadura técnica, financeira e administrativa e de conhecimentos específicos, apenas porque o recebeu como um conjunto de meios organizados de produção, com o seu know-how, alvarás e licenças e mediante a contratação a posteriori de alguns trabalhadores despedidos.


37. Neste caso, apenas se verificou uma mudança do titular deste estabelecimento, através do aludido contrato de subconcessão da 1ª para a 2ª Ré, com efeitos a partir de 10 de Janeiro de 2014, de resto conforme consta expressamente da respetiva cláusula 6.1, tudo se passando in casu, como se não houvesse alteração dos contratos de trabalho e apenas uma mudança subjetiva do titular do estabelecimento, neste caso, a 2ª Ré, conf. douto Acórdão da Relação de Guimarães proferido no âmbito deste processo em 15/6/2022.


38. Finalmente, resulta dos factos apurados no processo que, in casu, a 1ª Ré para transmitir o seu estabelecimento para a 2ª Ré livre dos seus trabalhadores, fê-lo quando já havia transmitido o seu estabelecimento para esta, em 10 de janeiro de 2014, e no período imediatamente anterior àquele em que a 2ª Ré entrou na posse do estabelecimento, 2 de maio de 2014, o que, como se referiu, consubstancia a violação dos artigos 285.º, números 1, 2, 3 e 5, 338.º e 339.º nº 1 do Cód. Trabalho, artigo 1º, alínea b) da Diretiva Comunitária nº 2001/23/CE de 13 de Março e artigo 53º da Constituição da República Portuguesa, além de constituir uma clara opção ideológica assumida pelo Ministro da Tutela, à data da celebração do contrato de subconcessão, em discurso público proferido no ato da celebração do contrato concessão, em 10 de janeiro de 2014.


39. A douta decisão recorrida violou, assim, por errada interpretação e aplicação o disposto nos arts. 364, 374º e 376º do Cód. Civil, 607º nº 4 parte final e parte final do seu nº 5, 674º, nº 1, alíneas a) e b), nº 2 e parte final do seu nº 3, 679 nº 1. als. a) e b, 2 e 3 todos do Cód. Proc. Civil, artigos 285º, nºs 1, 2, 3 e 5 do Cód. Trabalho, artigo 1º, alínea b) da Diretiva Comunitária n.º 2001/23/CE de 13 de março e artigo 53º da Constituição da República Portuguesa.


E concluía pedindo:


- A alteração da matéria de facto, designadamente do facto 45 que deveria ser alterado de facto provado para não provado;


E mesmo que não se proceda a tal alteração,


- A revogação do douto acórdão recorrido e da douta decisão proferida em 1.ª instância, declarando-se em consequência a ilicitude deste despedimento coletivo e a sua nulidade com as legais consequências;


- Caso assim não se entenda, deve o douto acórdão recorrido e a decisão proferida em primeira instância serem revogados e substituídos por uma outra que ordene uma mais aprofundada averiguação dos factos aqui em causa, dado serem essenciais à descoberta da verdade material e ao apuramento de todos os contornos em que o Estado, usando o seu poder legislativo para este caso concreto, violou não só norma imperativa inderrogável, mas também o artigo 53.º da CRP relativo à proteção e segurança dos trabalhadores.


Fundamentação


De Facto


Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada nas instâncias:


1 - A primeira R. era uma sociedade anónima, cujo capital social dos E... era detido a 100% pela 3º R. e tinha por objecto a construção e a reparação navais, bem como o exercício de todas as actividades comerciais e industriais com ela conexas.


2 - A segunda R., constituída em 30 de Dezembro de 2012, tem como objecto a realização de actividades económicas alusivas à indústria de construção e reparação de navios, bem como actividades referentes à indústria metalo-mecânica.


3 - A terceira Ré tinha como objecto a compra e venda e arrendamento de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a administração e gestão de imóveis; engenharia naval, gestão de projectos de construção e reparação naval e prestação dos serviços necessários às actividades de construção e reparação naval, designadamente nas áreas de procurement, suply chain management e formação.


4 - O 1º A. (AA) foi admitido ao serviço da primeira R., em 4 de Abril de 1977, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de electricista.


5 - Tinha a categoria profissional de electricista, chefe de equipa, e auferia uma remuneração base mensal de €1.257,01.


6 - O 2º A. (BB) autor foi admitido ao serviço da 1ª R. em 6 de Junho de 1983, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de engenheiro especialista.


7 - Tinha a categoria profissional de engenheiro especialista e auferia a remuneração base de €1.672,63, acrescida de uma diuturnidade por antiguidade, no montante de €180,06.


8 - O 3º A. (CC) foi admitido ao serviço da 1ª R., nos períodos de 8 de Fevereiro de 1984 a 31 de Julho de 1985, e de 20 de Junho de 1988 a 30 de Abril de 2014, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de montador de construções metálicas pesadas.


9 - Tinha a categoria profissional de montador de construções metálicas pesadas e auferia a remuneração base mensal de €1.197,47.


10 - O 4º A. (DD) utor foi admitido ao serviço da R. nos períodos de 17/05/1984 a 30/06/1985, de 17/02/1986 a 07/03/1986, de 28/06/1988 a 26/09/1993 e de 13/02/1995 a 30/04/2014, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de montador de construções metálicas pesadas.


11 - Tinha a categoria profissional de montador de construções metálicas pesadas e auferia a remuneração base de €1.014,30.


12 - O 6º A. foi admitido ao serviço da 1ª Ré, em 3 de Janeiro de 1999, desempenhando a sua actividade profissional de engenheiro especialista por conta, ordem e no interesse daquela.


13 – Tinha ultimamente a categoria profissional de engenheiro nº 4, especialista, e auferia a remuneração base de €1.861,18.


14 - O 7º A. foi admitido ao serviço da 1ª Ré, em 12 de Janeiro de 2000, 57/242 exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de montador de construções metálicas pesadas.


15 - Auferia a remuneração base de €873,81.


16 - O 8º A. foi admitido ao serviço da R. em 12 de Janeiro de 2000, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de preparador auxiliar de trabalho.


17 - Tinha ultimamente a categoria profissional de preparador auxiliar de trabalho e auferia a remuneração base de €863,80.


18 - O 9º A. foi admitido ao serviço da R. em 1 de Outubro de 2002, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de montador de construções metálicas pesadas,


19 – Auferia ultimamente a remuneração base de €815,08.


20 - Em 21 de Março de 2014, a R. E... iniciou o procedimento de despedimento colectivo, promovendo a entrega de uma carta a cada um dos trabalhadores que não haviam celebrado acordo de revogação do contrato de trabalho, aqui se incluindo os AA. (cartas juntas aos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).


21 – A 1º R., em 23 de Abril de 2014, convocou todos os trabalhadores integrados no processo de despedimento colectivo, incluindo os aqui AA., para comparecerem, no dia 24 de Abril de 2014, pelas 11h30, nas instalações da empresa, com vista à notificação – directa e pessoal – da decisão de despedimento colectivo.


22 – Nessa data, compareceram os dois membros da comissão representativa dos trabalhadores, os quais informaram que, em seu nome e demais trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo, não aceitavam receber em mão a comunicação formal do despecdimento, solicitando essa comunicação fosse remetida para cada um deles em carta registada com a/r.


23 - A 24 de Abril de 2014, a R. E... remeteu via correio postal a cada um dos trabalhadores integrados no processo de despedimento colectivo, incluindo os aqui AA., a decisão de, naquele âmbito, fazer cessar os respectivos contratos de trabalho (cartas juntas aos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).


24 – Os AA. receberam, via correio postal, as referidas comunicações, a 29 e 30 de Abril de 2014.


25 - Aquando do despedimento, ao 1º A. foram enviadas, pela 1ª R., as seguintes importâncias:


- Compensação por despedimento - €44.728,16


- Retribuições de créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €1.103,75


- Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 (não gozadas) - €1.097,68


- Subsídio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não pagas - €1.136,59


- Férias de anos anteriores, ainda não gozadas - €51,06


- Férias proporcionais do ano de 2014, até à cessação do contrato de trabalho - €357,38


- Subsídio de férias proporcional, até à data da cessação do contrato de trabalho - €367,21


- Compensação do subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €75,09


- Compensação por não concessão do aviso prévio em falta (75 dias) - €3.142,52


- Férias proporcionais ao aviso prévio - €251,40


- Subsídio de férias proporcional ao aviso prévio - €251,40


- Subsídio de natal proporcional ao aviso prévio - €258,39


- Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50


- Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50


- Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00


26 - Aquando do despedimento, ao 2º A. foram enviadas, pela primeira Ré, as seguintes importâncias:


- Compensação pelo despedimento - €49.189,26


- Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €1.383,40


- Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas - €1.471,92


- Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €1.471,92


- Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €475,55


- Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €475,55


- Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €96,80


- Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €4.181,57


- Férias proporcionais (aviso prévio) - €334,52


- Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) - €334,52


- Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €343,82


- Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50


- Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50


- Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00


- Crédito referente a formação profissional não efectuada - €770,99 .


27 - Aquando do despedimento, ao 3º A. foram enviadas, pela 1ª R. as seguintes importâncias:


- Compensação por despedimento - €30.981,21


- Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho: - Retribuição (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €1.056,47


- Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não gozadas - €924,10


- Subsídio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 ainda não pago - €1.089,46


- Férias (proporcionais até 23 de Abril de 2014) - €340,45


- Subsídio de férias (proporcionais até 23 de Abril de 2014) - €351,98


- Subsídio de natal (proporcional de 1 a 23 de Abril de 2014) - €71,86


- Compensação por não concessão do aviso prévio em falta (75 dias) - €2.993,28


- Férias (proporcionais aviso prévio) - €239,50


- Subsídio de férias (proporcional aviso prévio) - €239,50


- Subsídio de natal (proporcional aviso prévio) - €246,15


- Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50


- Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50


- Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00


28 – Aquando do despedimento, ao 4º A. foram enviadas, pela 1ª R. as seguintes importâncias:


- Compensação por despedimento - €24.469,99


- Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €933,73


- Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas – €906,33


- Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €940,46


- Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €303,84


- Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €288,38


- Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €61,70


- Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €2.535,75


- Férias proporcionais (aviso prévio) - €202,86


- Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) €202,86


- Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €208,50


- Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50


- Subsídio de refeição (aviso prévio) €213,50


- Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00


29 - Aquando do despedimento, ao 6º A. foram enviadas pela 1ª Ré as seguintes importâncias:


- Compensação por despedimento - €23.905,82


- Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €1.505,29


- Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas - €1.625,27


- Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €1.637,83


- Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €529,16


- Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €529,17


- Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €106,13


- Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €4.652,96


- Férias proporcionais (aviso prévio) - €372,24


- Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) - €372,24


- Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €382,58


- Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50


- Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50


- Subsídio de cantina (aviso prévio) €73,00


- Crédito referente a formação profissional não efectuada €725,39


29 - Aquando do despedimento, ao 7º A. foram enviadas pela 1º R. as seguintes importâncias:


- Compensação por despedimento - €11.196,90


- Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €828,72


- Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas - €697,82


- Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €821,82


- Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €250,49


- Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €265,51


- Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €53,71


- Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €2.184,53


- Férias proporcionais (aviso prévio) - €174,76


- Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) - €174,76


- Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €179,62


- Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50


- Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50


- Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00


- Crédito referente a formação profissional não efectuada - €132,99.


30 - Aquando do despedimento, ao 8º A. foram enviadas 1ª R. as seguintes importâncias:


- Compensação por despedimento - €11.068,84


- Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €805,39


- Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas - €749,84


- Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €813,27


- Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €249,94


- Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €262,75


- Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €53,13


- Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €2.159,49


- Férias proporcionais (aviso prévio) - €172,76


- Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) - €172,76


- Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €177,56


- Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50


- Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50


- Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00


31 - Aquando do despedimento, ao 9º A. foram enviadas pela 1ª R. as seguintes importâncias:


- Compensação por despedimento - €9.095,84


- Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €806,32


- Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas - €629,01


- Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €771,14


- Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €231,74


- Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €249,15


- Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €50,31


- Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €2.037,71


- Férias proporcionais (aviso prévio) - €163,02


- Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) - €163,02


- Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €167,54


- Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50


- Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50


- Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00


- Crédito referente a formação profissional não efectuada - €346,46.


32 – Os AA. comunicaram à 1ª R. que não aceitavam o despedimento e devolveram as quantias supra referidas.


33 – Em consequência, a 1ª R. efectuou novas transferências para os AA., excluindo o montante da compensação pelo despedimento.


34 – No dia 13 de Maio de 2014, a 1ª R. remeteu via postal a cada um dos AA. as comunicações que constituem os documentos 51 a 62 da sua contestação (e que aqui se dão por integralmente reproduzidos), e enviou-lhes cheques com as seguintes quantias:


- ao A. AA, €196,27, uma vez que a comunicação foi recebida por este a 30 de Abril;


- ao A. BB, €178,97, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril;


- ao A. CC, €212.51, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril;


- ao A. DD, €197,47, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril;


- ao A. FF, €235,89, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril;


- ao A. GG, €152,99, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril;


- ao A. HH, €113,69, uma vez que a comunicação foi recebida a 29 de Abril;


- ao A. II, €128,17, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril.


35 – No que se refere ao mercado em que a actividade da 1ª R. se inscrevia, a situação de crise económica e financeira a nível internacional, apresentou, em 2008, como primeiros sintomas, uma forte contracção dos mercados financeiros e, consequentemente, uma progressiva redução do tráfego marítimo e da actividade de construção naval.


36 – O sector da construção civil foi conhecendo, mesmo antes de 2011 e sobretudo no mercado asiático, um aumento significativo da capacidade de produção instalada, que se foi traduzindo numa oferta excedentária; este desequilíbrio do mercado era agravado pela concorrência por parte de vários operadores em actividade neste sector, com níveis de preços muito baixos e insuficientes para fazer face aos custos estruturais da operação.


37 – Nos anos de 2011 a 2014, a evolução do volume de negócios da 1ª R. foi o que consta do quadro 2 do relatório do colégio de peritos (que aqui se dá por integralmente reproduzido).


38 – Nos anos 2011 a 2014, o valor dos gastos da 1ª R. com pessoal foi aquele que consta é aquele que consta do quadro 6 do relatório do colégio de peritos (que aqui se dá por integralmente reproduzido).


39 – O número de trabalhadores da 1ª R. entre 2011 e 2014 é o que consta do quadro 7 do relatório do colégio de peritos (que aqui se dá por integralmente reproduzido).


40 – A evolução da margem bruta, gastos com pessoal e resultado operacional entre 2011 e 2014 relativamente à 1º R. é a que consta do quadro 10 do relatório do colégio de peritos (que aqui se dá por integralmente reproduzido).


41 – Os prejuízos da 1ª R. foram os seguintes:


2011 - €22.675.248


2012 - €8.795.788


2013 - €52.420.00


2014 - €29.036.919


42 – A 1ª R. apresentou os seguintes capitais próprios negativos:


2011 - €129.630.919


2012 - €142.447.205


2013 - €193.463.772


2014 - €223.877.386


43 – O fundo de maneio da 1ª R. apresentou os seguintes resultados negativos:


2011 – 135.960.581


2012 – 148.108.786


2013 – 219.906.501


2014 - €254.606.076


44 - No primeiro semestre do exercício de 2013, os E... acumulavam um passivo total de € 264.094.000,00, onde se incluía um passivo financeiro no valor de € 168.815.000,00 – encontrando-se, desde 2012, sem capacidade para se autofinanciar por recurso ao sistema financeiro, permanecendo muito limitada no exercício da sua actividade, e com uma exploração profundamente deficitária, objectivamente traduzida numa situação económica difícil


45 – Em consequência da sua situação económica e financeira, a 1ª R. promoveu o encerramento total da sua actividade de construção e reparação naval, que veio efectivamente a acontecer no ano de 2014.


46 – Em 2014 a 1ª R. tinha ao seu serviço 607 trabalhadores; em 30 de Abril de 2014, apenas se encontravam ao serviço da 1º R. 30 trabalhadores, incluindo os abrangidos pelo despedimento colectivo; era um quadro de trabalhadores sem funções ou com funções visando a finalização dos processos de alienação de activos.


47 – No dia 10 de Janeiro de 2014, a 1ª R. celebrou com a 2ª R. um contrato de subconcessão (documento 125-A e 125-B, e respectivos anexos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).


De Direito


Na presente ação, os Autores invocam ter havido transmissão de unidade económica e terem sido objeto de um despedimento ilícito. Importa ter presente que caso se afirme a existência da referida transmissão será aplicável a Diretiva 2001/23/CE e, designadamente, o seu artigo 4.º n.º 1. Este preceito estabelece que “[a] transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efetuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho” e terá que ser interpretado e aplicado atendendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça. E, sem prejuízo do que adiante se dirá a este respeito, não é por existir uma razão, designadamente económica, para o despedimento que automaticamente tal despedimento será lícito. Assim, se e só se houver transmissão é que terá que se atender ao artigo 4.º n.º 1 da Diretiva 2001/23/CE pelo que o percurso lógico a seguir na aplicação do direito relevante seria discutir primeiro se há transmissão e, depois, se a resposta for afirmativa, decidir se o despedimento dos Autores à luz do referido artigo 4.º n.º 1 foi ou não lícito.


Não foi esse o caminho trilhado pelas instâncias.


Na sentença de 1.ª instância pode ler-se o seguinte:


“No que se refere à circunstância de, no dizer dos AA., o despedimento coletivo ter tido como intenção preparar a empresa para ser alienada de forma favorável, diga-se, tão-só, que julgamos irrelevante saber se era ou essa a intenção final dos proprietários da R.


Por um lado, é natural que os responsáveis da R., caso tivessem intenção de proceder à alienação da empresa, procurassem antes de mais “arrumar a casa”, ou seja, resolver os problemas que esta apresentava, tornando-a apelativa para um eventual comprador.


Por outro lado, e como já se disse, as intenções de estratégia empresarial não são sindicáveis pelo tribunal, na medida em que a lei não tem a veleidade de regulamentar essa matéria, mas tão-só estabelecer os limites dentro dos quais ela pode ser exercida. Assim sendo, a circunstância da intenção última ser a alienação da empresa, não tem qualquer significado em si, desde que o empregador não tenha ultrapassado os limites que a lei impõe para o recurso ao despedimento coletivo. Ou dito de forma mais singela: o que cumpre averiguar é apenas se ocorriam os motivos de mercado que legitimavam o recurso àquele instituto jurídico (…).


E também não vemos em que medida é que se pode trazer aqui à colação o instituto jurídico da transmissão do estabelecimento, para se afirmar que ocorre um despedimento ilícito.


Sejamos claros neste ponto: a problemática da transmissão do estabelecimento para a 2ª ou 3ª RR. só é relevante se e na medida em que previamente se constate que o despedimento foi ilícito, por serem falsos os fundamentos invocados pela entidade empregadora para proceder ao despedimento colectivo.


Só nesta situação – uma inverídica invocação de circunstâncias que permitem o recurso àquela forma de cessação das relações laborais – é que terá então que se proceder à análise de uma possível de transmissão total ou parcial do estabelecimento.


Mas não é possível falar de uma invocação fraudulenta do despedimento colectivo quando este cumpre substancialmente os requisitos legalmente previstos, só porque posteriormente há uma transmissão de estabelecimento.


Nada impede na lei impede que, após ter a empresa procedido a um despedimento colectivo, venha a alienar parte ou a totalidade da sua actividade produtiva.


Aliás, nos casos em que as empresas procedem à extinção parcial ou total da sua actividade, é normal que procedam à alienação do seu património, e nas melhores condições possíveis, o que normalmente configura uma transmissão nos termos referidos”.


.Em conformidade com este entendimento a sentença não conheceu da questão da eventual transmissão da unidade económica. Mas ao não “trazer à colação” o instituto da transmissão da unidade económica, o Tribunal cometeu um verdadeiro erro de julgamento e não apenas incorreu em nulidade por omissão de pronúncia.


Com efeito, diga-se, desde já, que não é lícito face ao disposto no artigo 4.º n.º 1 da Diretiva despedir quando o verdadeiro fundamento reside na transmissão, tendo como escopo facilitá-la e contornar as regras imperativas da Diretiva 2001/23/CE.


O Tribunal da Relação, por seu turno, adotou uma argumentação diversa e, corretamente, não excluiu liminarmente a relevância de uma eventual transmissão da unidade económica.


Sublinhe-se, em todo o caso, que tendo os Autores invocado uma nulidade por omissão de pronúncia relativamente à questão da transmissão da unidade económica o Tribunal negou a existência da referida nulidade com o seguinte fundamento: “[O] senhor juiz é livre na organização e “arrumação” da sentença na parte de Direito. Entendeu que primeiro haveria que verificar se ocorriam os pressupostos que justificasse o despedimento colectivo e, uma vez que estes, no seu entender procediam (o mérito desta decisão não cabe no campo das nulidades) então seria irrelevante uma posterior e eventual “transmissão de estabelecimento”, denegando razão ao AA. Não há, assim, omissão sobre questões na acepção supra exposta, pelo que improcede a arguição de nulidade”.


Como já se disse, mais do que uma nulidade trata-se de um erro de julgamento, mas diga-se também, de qualquer modo, que a liberdade na arrumação da sentença não deve ir ao ponto de inverter a sequência lógica da argumentação e apresentar o que deveria ser a conclusão como se fosse o ponto de partida.


Em todo o caso, embora discutindo primeiro a questão da licitude do despedimento coletivo e só depois a transmissão de estabelecimento, o Tribunal da Relação teve já em conta a Diretiva 2001/23/CE e o seu artigo 4.º n.º 1.


A respeito da transmissão negou a sua existência afirmando o seguinte:


“A este propósito, o senhor juiz a quo refere que procedendo os fundamentos do despedimento colectivo não se coloca a questão da transmissão de estabelecimento. Assim é, exceto caso se detecte uma situação de fraude à lei como seria o caso de uma “transmissão de empresa encapotada”. Mas, tal redundaria em falsidade do motivo e improcedência do despedimento colectivo. Uma coisa acaba por estar ligada à outra, implica a sua ponderação.


No fundo, a questão da transmissão do estabelecimento defendida pelos Recorrentes, com reporte aos factos conexionados à ocasião do despedimento, alicerça-se essencialmente na celebração em 10-01-2014 entre A e 1ª R do contrato de subconcessão de terrenos do porto e de VC, que está provado no ponto 47 (doc.s 125-A e 125-B).


Vem já sendo evidenciado que a 1ª R exercia a sua actividade de construção e reparação naval no porto de ... e, para o efeito, era ali detentora de um direito de utilização de uma parcela de terreno que incluía infra-estruturas, edifícios e equipamentos, tudo património público, pagando em contrapartida uma renda anual. Este direito de utilização (concessão) remontava a 1946 e permitiria à 1ª R ali exercer, até ao ano de 2031, a indústria naval a que se dedicava.


Ora, face à decisão de abandono do exercício da sua actividade, a 1ª R cedeu este direito à 2ª R, subconcessionou após autorização pública, acompanhada das referidos infra-estruturas, edifícios e equipamentos que eram do domínio público e não seus. Nada mais se apurou em concreto, muito menos se apurou que a 1ª R tivesse transferidas para 2º e 3º RR a posições em contratos/empreitadas que detivesse, mormente a referentes aos dois navios asfalteiros, verificando-se aliás que este contrato foi denunciado pelo armador por incumprimento da 1ª R. (este é aspecto pacífico entre as partes). Nem tão pouco se comprovou que lhe tivesse transmitido outros bens da sua pertença, activos, outros direitos, clientela, know-how. É também certo que na altura do despedimento a esmagadora maioria dos seus recursos humanos, ou seja, 595 dentro de 607 trabalhadores, inexistiam face aos acordos de revogação de contratos firmados no âmbito do processo em curso de desactivação da empresa.


Liminarmente diga-se que este quadro não permite concluir que as RR ficaram com o “estabelecimento” da 1ª R, nem sequer com uma parte dele que constitua a figura nuclear da “unidade económica “, nos termos que invocam e para os efeitos do artigo 285º do CT. Este contrato era apenas uma parte, importante é certo em termos de valor e de funcionalidade, mas não representava um todo unitário capaz de só por si funcionar. Faltando-lhe a transmissão do complexo unitário que faz funcionar o estabelecimento/unidade económica, tal como a clientela, os contratos, empreitadas, bens próprios pertencentes à ª1R e que no caso foram antes vendidos durante o processo em curso, know-how, métodos de organização, recursos humanos, etc. tudo reportado à ocasião do despedimento.


(…)


Ora, no caso dos autos, pelas razões acima já adiantadas, não se pode considerar que a indústria de construção e reparação naval que a 1ª R exercia tivesse sido transferida para algumas da RR, pois o “conjunto unitário” de meios organizados dissolveu-se. Apenas, e tão só, foi transferida para a 2ª R uma parte fragmentada dele, o direito de utilização de um espaço e infraestruturas/equipamento nela instalado tudo pertença do domínio público e não do usuário. O que, só por si, não representa um complexo organizados de meios aptos e idóneos ao prosseguimento imediato da actividade.


A 2ª R teria ainda, logo em primeiro lugar, de angariar clientes e firmar contratos e empreitadas para executar, adquirir know-how, recursos humanos, adquirir materiais, organizar meios, enfim reorganizar e juntar recursos. Portanto, o direito de subconcessão adquirido pela 2ª R, por si só, é insuficiente para que esta, por ocasião do despedimento, pudesse de imediato prosseguir a actividade de construção e reparação naval.


Finalmente, se enquadrarmos a questão no contexto de decisão de desativação da empresa por motivos objectivos económicos que se comprovaram verídicos, bem como a sua conexão com o despedimento, concluímos que o circunstancialismo afasta necessariamente a hipótese de fraude à lei”.


Por outro lado, e a propósito do artigo 4.º n.º 1 da Diretiva o Tribunal da Relação parece ter considerado que atendendo à existência de um genuíno fundamento económico para o despedimento coletivo estava claramente arredada qualquer hipótese de violação do preceito. Não apenas se afirma que “a fraude à lei redundaria em falsidade do motivo”, como ao citar o artigo 4.º n.º 1 da Diretiva o Tribunal realçou em negrito a parte final: “A transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efectuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho.” – negrito nosso”1.


Começando, como se deve, pela questão da transmissão da unidade económica, devemos, desde já, afirmar que o juízo do Tribunal da Relação é, à luz da jurisprudência do TJ excessivamente exigente quanto ao que é necessário para que haja transmissão.


Em primeiro lugar, importa ter em atenção o tipo de atividade desenvolvida pela empresa cuja transmissão (total ou parcial) está em causa. Com efeito, “na sua apreciação das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em questão, [o órgão jurisdicional nacional] deve especialmente ter em conta o tipo de empresa ou de estabelecimento em causa”2. O Tribunal de Justiça já decidiu, por exemplo a respeito de um terminal ferroviário e portuário e de uma escola de música3, que se trata de atividades que assentam essencialmente no equipamento4 e em que pode afirmar-se a transmissão de uma unidade económica mesmo que não se tenha mantido a maioria ou o essencial dos efetivos5. A transmissão do equipamento assume aqui grande importância, sendo certo que não é necessária qualquer transmissão da propriedade dos mesmos do transmitente para o transmissário (e, por conseguinte, carece de relevância que o equipamento e as instalações não fossem propriedade do eventual transmitente). Sublinhe-se que, a este respeito, isto é no que se refere à transmissão do equipamento, se pode ler no recurso de revista:


“De harmonia com o diploma legal e as Actas acima citadas, e em resultado do procedimento concursal, em 10 de Janeiro de 2014, foi celebrado em cerimónia pública no Forte de ..., na zona oeste de ..., em presença do Ministro da Tutela, o contrato de subconcessão do estabelecimento da 1ª Ré, conhecido por E..., cujo conteúdo se encontra expresso no documento junto com a petição inicial sob o nº 125-B e 126, integrando os respectivos 11 anexos, ssignifica gramatica e juridicamente uma transmissão de um conjunto de meios organizados para o exercício da construção e reparação naval, envolvendo o respectivo estabelecimento objecto da concessão, com a área de 245.162 m2, com os limites definidos nos respectivos anexos, com todos os seus activos patrimoniais, imóveis urbanos e rústicos, no total de 22, respectiva licença para a indústria de construção e reparação naval, infraestruturas, equipamentos, redes de água, de gás, electricidade e todos os demais meios indispensáveis à prossecução do exercício da actividade de construção e reparação naval” (sublinhado nosso).


O que os Autores, e ora Recorrentes, pretendem é que esse contrato representou em si mesmo uma transmissão de unidade económica e é a essa data que a apreciação da existência de uma tal transmissão tem que ser referida (poderia, inclusive, ter que ser referida a data anterior se fosse demonstrado que a gestão de facto já tinha passado para outrem, mas não há elementos que apontem para essa realidade fáctica nos autos), sendo certo que a manutenção do equipamento e das infraestruturas é um muito importante indício no sentido de uma resposta afirmativa. Todavia, a matéria de facto apurada nas instâncias é insuficiente para uma resposta, havendo nos termos do artigo 683.º do CPC, que apurar se a atividade de reparação e construção naval prosseguiu após essa data. Sublinhe-se que pode ter havido uma interrupção sem que tal afaste necessariamente a existência de uma transmissão6. E também não é de todo decisivo que não se tenha prosseguido a execução dos mesmos contratos já que a cessão da posição contratual e a manutenção da clientela é um indício claramente secundário em casos como o dos autos, e como o Tribunal de Justiça já decidiu a propósito da navegação aérea. Não faz em todo o caso sentido exigir cumulativamente a presença de todos os indícios para afirmar a existência de transmissão.


É também necessário ter na devida conta que o que está potencialmente em jogo é a transmissão de uma parte de empresa que representa uma unidade económica. Ora, muito embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça exija que a parte da empresa tenha autonomia funcional e que tal autonomia subsista, também tem sublinhado que tal autonomia não tem de ser total7, tendo inclusive decidido num caso em que também estava em causa, entre outras, uma atividade de construção e reparação naval, em que uma parte da empresa tinha sido cedida para ser liquidada, que “a Diretiva 2001/23, nomeadamente o seu artigo 1.o, n.o 1, alínea b), é, em princípio, suscetível de se aplicar numa situação em que o cedente, o cessionário ou ambos conjuntamente pretendem não apenas a prossecução, pelo cessionário, da atividade da entidade transferida mas também a liquidação futura do próprio cessionário”8 e que “um conjunto de fatores de produção que visa, desde a transferência, gerar um desequilíbrio entre os fatores e os rendimentos da produção, correndo assim o risco de conduzir ao abafamento da produção e de culminar, progressiva mas inevitavelmente, na cessação da atividade transferida, não só não pode ser considerado conforme com a exigência de estabilidade como pode nomeadamente refletir uma intenção abusiva dos operadores económicos em causa que pretendam subtrair‑se às repercussões financeiras negativas ligadas à futura liquidação da entidade transferida que incumbiriam normalmente ao cedente e que o cessionário não está em condições de assumir”9, e “pode igualmente ser esse o caso se a atividade da entidade transferida se limitar à finalização de alguns contratos ou projetos determinados, sem que seja instituído, na empresa do cessionário, um conjunto de meios organizados como os mencionados no n.o 55 do presente acórdão (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 1995, Rygaard, C‑48/94, EU:C:1995:290, n.os 20 a 22)”10, mas, nesse caso, “há que recordar o princípio geral de direito da União segundo o qual a aplicação da regulamentação da União não pode ser alargada ao ponto de cobrir operações realizadas com o objetivo de beneficiar fraudulenta ou abusivamente das vantagens previstas no direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.os 96 a 97 e jurisprudência referida)”11.


Se da prova produzida resultar que houve transmissão de uma unidade económica à data da celebração do contrato de subconcessão, haverá – e só nesse caso – que averiguar se o despedimento coletivo foi ilícito à luz do disposto no artigo 4.º n.º 1 da Diretiva.


Importa, antes de mais, ter em conta que o ponto de partida é o de que a proteção da Diretiva só abrange os trabalhadores que à data da transmissão tenham um contrato de trabalho ou relação de trabalho, como o Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado12. No entanto, e como o Tribunal de Justiça decidiu, ainda a respeito da primeira Diretiva sobre transmissão, a Diretiva 77/187/CEE, no seu Acórdão de 15 de junho de 1988, C-101/87, Bork Internacional, “a existência ou não de um contrato ou de uma relação de trabalho nessa data [à data da transferência] deve ser apreciada à luz do direito nacional, sob reserva, todavia, do respeito pelas regras imperativas da directiva relativas à protecção dos trabalhadores contra os despedimentos resultantes de uma transferência. Consequentemente, os trabalhadores ao serviço da empresa cujo contrato ou relação de trabalho tenham cessado com efeitos a uma data anterior à da transferência, em violação do artigo 4.º, n.º 1, da directiva, devem ser considerados como continuando ao serviço da empresa na data da transferência, com a consequência, designadamente, de as obrigações da entidade patronal relativamente a eles se transferirem automaticamente do cedente para o cessionário, em conformidade com o artigo 3.°, n.º 1, da directiva”.


E quando é que um despedimento coletivo efetuado pelo transmitente será lícito, não violando o artigo 4.º n.º 1 da diretiva? Em primeiro lugar, será necessário que tenha uma motivação económica exterior, não intrinsecamente ligada à transferência13. Em suma, e como observou o Advogado-Geral MACIEJ SZPUNAR nas suas Conclusões apresentadas em 23 de janeiro de 2019, no processo C‑509/17 “[r]esulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não basta demonstrar que a extinção do contrato de trabalho se deve a razões económicas, técnicas ou de organização. Deve igualmente ser provado que essas razões não decorrem diretamente da transferência da empresa, em violação do artigo 4.o, n.º 1, da Diretiva 2001/23. Por outras palavras, deve ser provado que o despedimento em causa foi motivado por circunstâncias adicionais que acrescem à referida transferência. São, portanto, essas «circunstâncias adicionais» que são suscetíveis de serem qualificadas de «razões económicas, técnicas ou de organização» na aceção do referido artigo 4.o, n.º 1” (n.º 76 das Conclusões).


Além disso, e mesmo que haja uma razão económica objetiva – no caso o passivo acumulado pela empresa –, importa verificar se a verdadeira motivação do despedimento consiste, antes, em contornar as regras imperativas consagradas na diretiva em caso de transmissão de unidade económica. Para tanto cabe aos tribunais nacionais analisar os factos objetivos do caso para determinar se houve, ou não, intenção fraudulenta. Como decidiu o Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 7 de agosto de 2018, processo C-472/16 (Sigüenza) importa verificar se o despedimento constituiu “uma medida deliberada com vista a privar [os] trabalhadores dos direitos conferidos pela Diretiva 2001/23” (n.º 55 e decisão). No caso entre as circunstâncias objetivas a ter em conta pelos tribunais nacionais o Tribunal de Justiça destacou o elemento temporal: “é especificado na decisão de reenvio que o despedimento de J. L. Colino Sigüenza ocorreu numa data bem anterior à da transferência de atividade para a In‑pulso Musical e que essa rutura da relação de trabalho foi motivada pela impossibilidade de a Músicos y Escuela remunerar o seu pessoal, situação que resulta de uma violação, pelo Município de Valladolid, das disposições do contrato que o vincula à Músicos y Escuela. Assim, estas circunstâncias parecem militar a favor de uma qualificação do despedimento do pessoal da Músicos y Escuela por «razões económicas, técnicas ou de organização», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, na medida em que, contudo, as circunstâncias que levaram ao despedimento de todo o pessoal e a adjudicação tardia do novo prestador de serviços não constituem uma medida deliberada com vista a privar os trabalhadores em causa dos direitos conferidos pela Diretiva 2001/23, o que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar” (n.º 54 do Acórdão).


No caso concreto importará, designadamente, averiguar da proximidade temporal do despedimento coletivo e dos seus efeitos (que parecem ter sido, inclusive, antecipados, pagando o empregador a importância correspondente ao incumprimento do aviso prévio) e da data da transferência. Pode também assumir relevo, se for exata, a asserção feita pelo Recorrente nas Conclusões do seu recurso (Conclusão n.º 36) que alguns dos trabalhadores despedidos vieram depois a ser contratados pela 2.ª Ré.


Em conclusão, nos termos do disposto no artigo 682.º n.º 3 do CPC o processo deve voltar ao tribunal recorrido para ampliar a decisão de facto.


Deve admitir-se toda a prova requerida pelo Recorrente na sua petição inicial quanto à questão da eventual transmissão de unidade económica, a qual por erro de direito não foi admitida na 1.ª instância.


Deverá igualmente ter-se em conta que em atividades como a construção naval que assentam essencialmente sobre o equipamento utilizado, a transferência deste, mesmo sem que haja qualquer transmissão de propriedade, é um indício muito importante de transmissão de unidade económica.


Deverá procurar esclarecer-se se a 2.ª Ré prosseguiu mesmo que por tempo limitado a atividade da 1.ª, sendo certo que o atual facto 45 nada diz de relevante a este respeito.


Caso se decida que houve transmissão de uma unidade económica e só nesse caso haverá que aferir se o despedimento coletivo, apesar de os motivos económicos aduzidos serem verdadeiros, foi realizado com a intenção ou escopo de contornar as normas imperativas da Diretiva n.º 2001/23/CE.


Decisão: Concedida a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e determinando-se a baixa do processo para ampliação da decisão de facto.


Custas a decidir a final.


Lisboa, 21 de fevereiro de 2024


Júlio Gomes (Relator)


Domingos José de Morais


José Eduardo Sapateiro





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1. “Nosso” do Tribunal da Relação.↩︎

2. N.º 33 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de novembro de 2015, processo C-509/14 (ADIF).↩︎

3. Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de agosto de 2018, processo C-472/16 (Sigüenza).↩︎

4. N.º 37 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de novembro de 2015, processo C-509/14 (ADIF): “Com efeito, conforme resulta da decisão de reenvio, no âmbito do contrato de gestão de serviços públicos celebrado com a Algeposa, a ADIF colocou gruas e instalações à sua disposição, que parecem ser elementos indispensáveis para o exercício da atividade em questão no processo principal. Por conseguinte, esta atividade assenta essencialmente nos equipamentos”↩︎

5. N.º 42 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de novembro de 2015, processo C-509/14 (ADIF): “a não integração dos trabalhadores da Algeposa pela ADIF não pode levar a concluir que a entidade económica em causa no processo principal não manteve a sua identidade e, em consequência, a afastar a existência de uma transferência de empresa, na aceção da mesma diretiva”. N.º 36 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de agosto de 2018, processo C-472/16 (Sigüenza): “uma vez que a atividade económica em causa no processo principal não parece poder ser considerada uma atividade que assenta essencialmente na mão de obra, na medida em que requer equipamentos importantes, a mera circunstância de a In‑pulso Musical não ter reintegrado os trabalhadores da Músicos y Escuela não permite excluir a existência de uma transferência de empresa, na aceção da Diretiva 2001/23”.↩︎

6. N.º 42 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de agosto de 2018, processo C-472/16 (Sigüenza): “(…) o facto de a empresa estar, no momento da transferência, temporariamente encerrada e não ter trabalhadores ao seu serviço constitui evidentemente um elemento a ter em consideração para decidir se uma entidade económica ainda existente foi transferida. Todavia, o encerramento temporário da empresa e a consequente ausência de pessoal no momento da transferência não são, por si sós, suscetíveis de excluir a existência de uma transferência de empresa na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 (Acórdão de 15 de junho de 1988, Bork International e o., 101/87, EU:C:1988:308, n.o 16 e jurisprudência referida)”.↩︎

7. Acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de junho de 2019, processo C-664/17 (Ellinika Nafpigeia AE) números 64 e 65: “não é necessário que a referida autonomia seja total. Com efeito, decorre expressamente da redação do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2001/23 que esta é aplicável não apenas à transferência de uma empresa, mas também no caso em que parte da empresa é transferida” e “[p]or conseguinte, uma unidade de produção de uma empresa, como a que está em causa no processo principal, cuja atividade se exercia, anteriormente à transferência, nessa empresa e cuja autonomia era, por esse facto, limitada não pode, à partida, ser excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 2001/23”.↩︎

8. N.º 48 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de junho de 2019, processo C-664/17 (Ellinika Nafpigeia AE).↩︎

9. N.º 56 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de junho de 2019, processo C-664/17 (Ellinika Nafpigeia AE)↩︎

10. N.º 57 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de junho de 2019, processo C-664/17 (Ellinika Nafpigeia AE).↩︎

11. N.º 50 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de junho de 2019, processo C-664/17 (Ellinika Nafpigeia AE, para o qual remete o n.º 58.↩︎

12. Cfr., por exemplo, n.º 49 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de agosto de 2018, processo C-472/16 (Sigüenza): “como decorre do próprio teor do artigo 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2001/23, a protecção que a dita directiva visa assegurar só diz respeito aos trabalhadores que tenham um contrato de trabalho ou uma relação de trabalho existente à data da transferência”. Assim já também o n.º 27 do Despacho do Tribunal de Justiça de 15 de setembro de 2010 no processo C-386/09 (Johnny Briot).↩︎

13. N.º 54 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de maio de 2019, C-509/17 (Christa Plessers): “os despedimentos efetuados num contexto de transferência de empresa devem ser motivados por razões económicas, técnicas ou de organização no plano do emprego que não estejam intrinsecamente ligadas à referida transferência”. E já o Acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de outubro de 2008, C‑313/07 (Kirtruna SL, Elisa Vigano) n.º 46: “Em circunstâncias como as do processo principal, a eventual extinção dos contratos de trabalho não é devida unicamente à transferência de empresa. A extinção é causada por circunstâncias adicionais, como a falta de acordo entre o cessionário e os locadores sobre um novo contrato de arrendamento, a impossibilidade de encontrar outro espaço comercial ou a impossibilidade de transferir o pessoal para outras lojas. Estas circunstâncias podem ser qualificadas de razões económicas, técnicas ou de organização, na acepção do referido artigo 4.°, n.° 1”.↩︎