Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2614/06.6TBMTS.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
NATUREZA DO CONDOMÍNIO
Data do Acordão: 02/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO I/2010, P. 60
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
As prescrições presuntivas constituem presunções de pagamento, tendo como fundamento e base obrigações que costumam ser pagas em prazo curto e em relação às quais não se costuma exigir recibo de quitação.
Em contrário das prescrições extintivas, as prescrições presuntivas apenas dispensam o beneficiário do ónus de provar o pagamento. A presunção de pagamento por banda do devedor faz deslocar o ónus da prova do não pagamento para o credor. Ou seja, existindo a presunção de pagamento a favor do devedor, competirá ao credor ilidir essa presunção, demonstrando que aquele não pagou. Esta presunção de pagamento não dispensa, porém, o devedor de alegar o pagamento.
A ilisão da presunção de pagamento, só poderá ser feita por confissão expressa do devedor, sendo certo que a confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito (art. 313º do C.Civil), ou por confissão tácita, considerando-se, neste contexto, confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento em tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento (art. 314º do mesmo Código).
O art. 317º al. b) do C.Civil estabelece a prescrição presuntiva relativamente a créditos de comerciantes, sobre coisas vendidas a quem não seja comerciante que se não destinem ao seu comércio (ou porque ele não se dedique a tal comércio ou porque dedicando-se, destine a coisa para uso próprio) e a créditos de industriais desde que a actividade desenvolvida pelo devedor se não destine à sua indústria.
A actividade de um condomínio de um imóvel (no sentido do exercício da compropriedade sobre o imóvel) deve circunscrever-se à gestão e administração do prédio, mais especialmente às partes comuns, o que se efectuará através de actos da assembleia de condóminos e do administrador, pelo que o desempenho de uma actividade comercial ou industrial foge, claramente, à concepção e à finalidade de um condomínio.
Por isso, não podendo um condomínio exercer qualquer actividade industrial, não existe qualquer hipótese de ser aplicado, no caso, a reserva constante na última parte do art. 317º al. b).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I- Relatório:
1-1- AA, Serviços de Limpeza Ldª, com sede na Rua de M..., ..., Leça do Balio, Matosinhos, propôs a presente acção com processo ordinário contra Condomínio da BB, com sede na Rua A... F... C... nº …/…, Porto pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 15.676,68, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre a quantia de 10.126,51 € desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que prestou os serviços de limpeza à R. constantes das facturas que junta, que deviam ser pagos no prazo de 30 dias, o que não fez, apesar de ter sido interpelada para o efeito.
A R. contestou alegando, em resumo, que os trabalhos de limpeza a que dizem respeito as facturas, realizados no período compreendido entre Junho de 2000 e Fevereiro de 2001, foram pagos à A., pagamento que se presume, nos termos do art. 317º al. b) do C.Civil.
Termina pedindo se julgue improcedente a acção.
A A. respondeu sustentando que a R. não pagou as limpezas, sendo que o art. 317º al. b) do C.Civil não presume qualquer pagamento da dívida. Por outro lado a R., expressamente e por escrito, confessa a dívida.
Termina pedindo se julgue improcedente a excepção invocada pela R.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.
Nesta julgou-se procedente a excepção da prescrição presuntiva do pagamento invocada pela R. e, em consequência, considerou-se a acção improcedente, absolvendo-se a R. do pedido.
Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 9-07-2009, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Salvo o devido respeito que é muito o douto acórdão violou o disposto no artigo 317°, Alínea b) do Código Civil e os artigos 1° e 7° do Código Comercial.
2ª- O douto acórdão faz uma errada interpretação dos artigos 317°, al. b), 314°, 355° e 357º, nº 2, 1436° e 1437° do Código Civil e dos artigos 502° e 552° do Código de Processo Civil.
3ª- A presente acção foi julgada improcedente dado que quer o meritíssimo juiz de primeira instancia quer os Excelentíssimos Desembargadores julgaram procedentes a excepção de prescrição invocada pela Ré.
4ª- Pode-se resumir em duas questões a fundamentação do Douto Acórdão:
A) Que a qualidade de não comerciante de um condomínio é facto notório, não necessitando tal facto de ser alegado nem provado: “é o que resulta directamente da natureza jurídico-legal do condomínio que o julgador não pode ignorar” (sic)
B) O documento nº 1 junto com a réplica, não impugnada pela Ré, não constitui confissão judicial da dívida.
5ª- Ora esta argumentação com todo o devido respeito que é muito labora em erro.
6ª- Louva-se o acórdão no artigo 1436° do Código Civil, onde são definidas as funções do administrador, para fundamentar o decidido.
7ª- Ora, entende a recorrente que este artigo nada pode ter a ver com a qualificação de comerciante ou não da Ré, ou ainda, sobre se a Ré recebeu a prestação da Autora como particular ou como destinada a uma actividade comercial.
8ª- Como é sobejamente sabido, e isso sim um facto notório, existem muitos condomínios onde se exerce o comércio.
9ª- Esses condomínios, que estiveram em voga nos anos 80 e 90, são construídos exclusivamente por fracções autónomas destinadas ao comercio, em que a Administração do Condomínio, normalmente entregue a empresas especializadas, é responsável pela limpeza das partes comuns, por fazer publicidade para atrair clientes, para gerir certos espaços comuns como espaços para atrair clientes, por exemplo com áreas de divertimento par crianças.
10ª- Exemplos conhecidos desses centros comerciais são os muito conhecidos Shoping Center Brasília e Dallas na Cidade do Porto
11ª- Shoping Center Amoreiras na cidade de Lisboa.
12ª- E um sem número mais de centros comerciais de pequena, médio e grande dimensão que proliferaram por todo o País nas décadas de 80 e 90.
13ª- Ora os serviços de limpeza contratados pelas administrações desses Centros Comerciais, são destinados em exclusivo ao comércio.
14ª- Todos estes exemplos, sobejamente conhecidos, são exemplos de prédios constituídos em propriedade horizontal em que a administração de condomínio contrata serviços, não como um simples particular, mas para os destinar a uma actividade comercial.
15ª- Pelo que não se pode considerar, sem mais, e como facto notório que os serviços de limpeza contratados por um condomínio sejam de não comerciante.
16ª- Na vida quotidiana, os condomínios praticam actos de comércio.
17ª- Mesmo não considerando o exemplo flagrante dos centros comercial constituídos em propriedade horizontal, é normal e correntes muitos prédios (constituídos em propriedade horizontal) terem uma parte habitacional e uma parte denominada comercial, onde existem lojas, normalmente situadas nos pisos térreos.
18ª- Nas denominadas partes comerciais onde só existem loja, o condomínio contrata a limpeza desses espaços.
19ª- Ora esse contrato não pode deixar de se considerar como um acto de comércio.
20ª- Relembrando aqui o que dispõe o artigo 1° do Código Comercial: “A lei comercial rege os actos de comércio sejam ou não comerciantes as pessoas que nele intervêm”.
21ª- Dispõem ainda o artigo 7° do Cód. Comercial que: “Toda a pessoa, nacional ou estrangeira, que for civilmente capaz de se obrigar, poderá praticar actos de comércio …
22ª- Ora dúvidas não podem existir que um condomínio é civilmente capaz de, logo pode praticar actos comerciais.
23ª- Logo, e salvo mais uma vez o devido respeito, errou o douto acórdão ao considerar que resulta da natureza jurídico-legal de um condomínio que o mesmo não é comerciante.
24ª- No caso em apreço não sabemos se o Condomínio BB é apenas um condomínio habitacional, ou se é um condomínio exclusivamente de lojas, ou se tem parte comercial e parte habitacional.
25ª- Não sabemos de que forma a Recorrida usufruiu dos serviços da Recorrente.
26ª- Não sabemos porque esses factos não foram alegados pela recorrida.
27ª- Logo não estão preenchidos todos os pressupostos do artigo 317°, alínea b) do Código Civil, não se pode aplicar esta disposição legal.
28ª- Por não estarem provados todos os factos constitutivos da prescrição presuntiva, desde logo qual a qualidade da Ré, comerciante ou não, ou se praticou um acto de comércio ao destinar os serviços de limpeza ao desenvolvimento de uma actividade comercial.
29ª- Assim, os créditos dos comerciantes ou industriais (profissionais de certo ramo de actividade económica lucrativa) só prescrevem no espaço de dois anos se as coisas vendidas ou os serviços prestados se não destinaram à actividade económica do devedor, ou porque ele não se dedique a tal actividade, ou porque, dedicando-se, destine a coisa ou o serviço para o seu uso pessoal.
30ª- Temos, então, que elementos constitutivos da prescrição presuntiva prevista no art. 317°, al. b) são: o decurso do prazo de dois anos após a venda e não ser o devedor comerciante, ou, sendo-o, não ter destinado tais objectos ao seu comércio.
31ª- É ao devedor que compete alegar e provar esses dois elementos, na medida em que a prescrição presuntiva constitui defesa por excepção, cuja matéria se dirige a impedir ou extinguir o direito do credor — art. 342°, nº 2, do CC.
32ª- Contudo não resultou provado, nem mesmo foi alegado pela Ré nada em relação ao segundo elemento constitutivo da prescrição presuntiva.
33ª- Não resultou provado, nem sequer foi alegado pela Ré, que a mesma não é comerciante ou que sendo não destinou esses serviços prestados ao seu comércio.
34ª- Nada tendo ficado provado ou alegado quanto a este aspecto errou o meritíssimo juiz a quo ao julgar procedente a excepção invocada, violando desta forma o estatuído no artigo 317°, aliena b), do Código Civil.
35ª- Seguindo neste ponto de perto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (Processo 0523106, N.° Convencional JTRP00038367, de 04-10-2005) disponível em wwww. dgsi,pt.
Quanto à confissão extra-judicial (doc. nº 1 junto com a réplica):
36ª- O documento como está demonstrado nos Autos foi emitido pela empresa I… - Gestão de Condomínios, Lda.
37ª- Esta empresa foi, e era à data da emissão do documento, a legal representante do condomínio dado que era a Administradora do Condomínio legalmente eleita.
38ª- O Administrador do Condomínio é pois legal representante do Condomínio com as funções atribuídas pelos artigos 1436º e 1437º do Cód. Civil.
39ª- O Administrador tem pois, nos termos dos artigos citados, legitimidade para agir em juízo (como aliás se verifica na presente acção que é contestada (e bem) pela nova administração).
40ª- Tem de cobrar as receitas e efectuar as despesas (artigo 1436º alinea d)).
41ª- Logo quem deveria ter pago à Autora era precisamente a anterior Administração, a mencionada I… .
42ª- Dado que faz parte das suas funções efectuar as despesas comuns.
43ª- Contudo ao invés de pagar o devido enviou à Recorrente o documento que constitui o documento nº 1 junto com a réplica.
44ª- Onde expressamente confessa a divida pelo menos até ao dia 06/02/2001, o que exclui apenas duas facturas em causa nos Autos.
45ª- Esse documento é emitido por quem a data era legalmente representante da Recorrida, esse documento não foi impugnado,
46ª- Pelo que estão preenchidos todos os pressupostos do artigo 313° do Cód. Civil.
47ª- Labora em erro, salvo o devido respeito, o douto acórdão, em fundamentar que o documento é inócuo pelo facto de não ser subscrito pelo condomínio mas sim pelo seu administrador.
48ª- Por esta linha se pensamento, se um gerente de uma sociedade comercial (seu legal representante) confessa por escrito uma divida, esta confissão seria inócuo dado que não é a sociedade a confessar.
49ª- Se as funções do Administrador estão incluídas as funções de efectuar as despesas, tudo quanto este faça nesse sentido, incluindo confessar a divida e pedir tempo para a liquidar, tem necessariamente de se repercutir na esfera do condomínio.
50ª- A presunção estabelecida no artigo 317º, aliena b) do Cód. Civil, poderá ser ilidida por confissão judicial ou extra judicial.
51ª- Sendo apenas possível confissão extrajudicial que seja escrita.
52ª- A Ré, na pessoa do seu legal representante e Administrador, expressamente e por escrito confessa a divida conforme documento que se juntou como documento nº 1 junto com a réplica.
53ª- Conforme se infere do documento a administração da Ré expressamente reconhece a divida.
54ª- Pelo que a presunção de prescrição (se existisse) sempre estaria ilidida.
A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Se se encontram provados os elementos constitutivos da excepção da prescrição presuntiva de pagamento.
- Se o documento indicado pela recorrente pode ser entendido como confessório da dívida e se, consequentemente, a presunção de pagamento deve ser considerada ilidida.

2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
a) A A. dedica-se, com fins lucrativos, à actividade de prestação de serviços de limpeza.
b) No exercício da sua actividade, a solicitação da R., a A. prestou-lhe serviços de limpeza nas datas e com os valores constantes nas seguintes facturas, cujas cópias foram juntas aos autos com a petição inicial como documentos nºs 1 a 9, cujo teor se dá como reproduzido:
Factura nº 8500, de 15-02-2001, no valor de 322,51 €
Factura nº 8014, de 15-02-2001, no valor de 1225,5 €
Factura nº 7540, de 15-12-2000, no valor de 1225,5 €
Factura nº 7035, de 15-11-2000, no valor de 1225,5 €
Factura nº 6562, de 16-10-2000, no valor de 1225,5 €
Factura nº 5782, de 15-09-2000, no valor de 1225,5 €
Factura nº 5580, de 21-08-2000, no valor de 1225,5 €
Factura nº 4478, de 11-07-2000, no valor de 1225,5 €
Factura nº 4359, de 30-06-2000, no valor de 1225,5 €.
c) As facturas, como delas consta, deviam ter sido pagas no prazo de trinta dias contados da respectiva emissão.
d) A acção foi proposta em 21-3-2006 e a R. foi citada para os respectivos termos em 10-4-2006.
2-3- A A. propôs a presente acção para recebimento do R., o montante monetário constante das facturas que juntou, derivado do exercício da sua actividade de prestação de serviços de limpeza que efectuou ao R. Condomínio da BB.
Este, na sua contestação, alegou que pagou os trabalhos de limpeza a que dizem respeito as facturas (realizados no período compreendido entre Junho de 2000 e Fevereiro de 2001), invocando a excepção da prescrição presuntiva a que alude o art. 317º al. b) do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem).
As instâncias consideraram ocorrer a excepção, pelo que consideraram improcedente a acção.
Mais uma vez, aqui e agora, a recorrente mostra o seu inconformismo em relação às decisões proferidas.
Vejamos:
O art. 312º, refere que “as prescrições de que trata a presente subsecção fundam-se na presunção de pagamento”.
As prescrições presuntivas constituem presunções de pagamento, tendo como fundamento e base obrigações que costumam ser pagas em prazo curto e em relação às quais não se costuma exigir recibo de quitação. Estas prescrições destinam-se “a proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo muito tempo”(1).
As prescrições presuntivas têm razão diversa das presunções extintivas. Enquanto estas têm a sua explicação em razões de segurança jurídica derivadas da inércia do credor, aquelas justificam-se para proteger o devedor da dificuldade de prova do pagamento, correspondendo, como já se disse, a obrigações que costumam ser pagas em prazo bastante curto em relação às quais não é costume exigir recibo de quitação.
As prescrições presuntivas não têm o mesmo efeito das prescrições extintivas. Nas prescrições presuntivas, decorrido o prazo legal, presume-se o pagamento, ficando o devedor dispensado da prova do pagamento. Isto é, parte-se do princípio que o devedor pagou, dispensando-o do ónus que sobre ele impenderia de provar o pagamento, de harmonia com o disposto no art. 342º nº 2 (facto extintivo do direito invocado). Nas prescrições extintivas o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como decorre do disposto no nº 1 do artigo 304º. Quer dizer, em contrário das prescrições extintivas, as prescrições presuntivas apenas dispensam o beneficiário do ónus de provar o pagamento. A presunção de pagamento por banda do devedor faz deslocar o ónus da prova do não pagamento para o credor. Ou seja, existindo a presunção de pagamento a favor do devedor, competirá ao credor ilidir essa presunção, demonstrando que aquele não pagou. Esta presunção de pagamento não dispensa, porém, o devedor de alegar o pagamento, como tem sido jurisprudência constante deste STJ.(2)
Refere o acórdão deste STJ de 22-1-2009 (3) a este propósito que “como este Supremo Tribunal já observou diversas vezes … e expressamente resulta da lei, a prescrição presuntiva não tem o mesmo efeito da prescrição extintiva; o decurso do respectivo prazo não confere ao “beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (nº 1 do artigo 304º do Código Civil); antes cria, apenas, a presunção de que o devedor cumpriu (artigo 312º do mesmo Código)”.
A ilisão da presunção de pagamento, só poderá ser feita por confissão expressa do devedor, sendo certo que a confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito (art. 313º), ou por confissão tácita, considerando-se, neste contexto, confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento em tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento (art. 314º). Como referem a este propósito Pires de Lima e Antunes Varela (4) “visando as prescrições presuntivas … conferir protecção do devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova. Exige-se, por isso, que os meios de prova do não pagamento provenham do devedor”.
Quer dizer, ocorrendo a presunção de pagamento, fica dispensado o devedor do ónus de provar o pagamento, competindo ao credor ilidir essa presunção, demonstrando que ele não pagou, o que terá que fazer provando a confissão expressa ou tácita do devedor.
Os prazos (curtos) das prescrições presuntivas estão definidos nos arts. 316º e 317º, interessando-nos para o presente caso o disposto no art. 317º al. b), pois foi nesta disposição que as instâncias integraram o caso vertente, concluindo já ter decorrido o prazo de prescrição (de dois anos).
Estabelece este dispositivo que “prescrevem no prazo de dois anos… os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor”.
Estabelece, pois, esta disposição a prescrição presuntiva relativamente a créditos de comerciantes, sobre coisas vendidas a quem não seja comerciante que se não destinem ao seu comércio (ou porque ele não se dedique a tal comércio ou porque dedicando-se, destine a coisa para uso próprio)(5) e a créditos de industriais desde que a actividade desenvolvida pelo devedor se não destine à sua indústria.
Para que o beneficiário desta prescrição possa dela aproveitar, terá que alegar e provar, que está em causa um crédito de um comerciante (ou um crédito de pessoa que exerça profissionalmente uma indústria), que decorreu o prazo de dois anos sobre a venda (ou sobre o exercício da actividade industrial exercida) e que o objecto alienado (ou a actividade industrial exercida) não foi aplicado no comércio (ou na indústria). Provando estas circunstâncias, fica dispensado do ónus da prova do cumprimento da obrigação.
São, assim, elementos constitutivos desta prescrição presuntiva, o crédito ser de comerciante ou de industrial, o decurso do prazo de dois anos sobre a venda de bem (ou o exercício da actividade industrial exercida) e não ser o devedor comerciante (ou industrial), ou sendo-o, não destinar o bem ou a actividade ao seu comércio (ou ao seu exercício industrial).
O douto acórdão recorrido a este respeito considerou que o condomínio, contra o qual a A. interpôs a acção, não é comerciante, não se dedica a qualquer actividade comercial, não destina ao seu comércio o fornecimento de bens e serviços que contrata, não exerce profissionalmente qualquer indústria, não gere negócios alheios e não destinou estes serviços ao exercício industrial. Continuou dizendo que “não necessitando tais factos de ser alegados nem provados, porque é o que resulta directamente na natureza jurídico legal de condomínio que o julgador não pode ignorar”, sendo que “só numa das situações aludidas é que estaria impedido de invocar a prescrição presuntiva, mas aí seria a apelante que teria que alegar tais factos, de harmonia com o disposto no art. 342º nº 2 do Código Civil”. Terminou confrontando o que dispõe o referido art. 317º al. b) com as funções do condomínio, concluindo que “o réu, no caso dos autos, recebeu as prestações de serviço de autora como particular, estando verificados os pressupostos previstos na al. b) do art. 317º do Código Civil”, pelo que pode invocar a prescrição presuntiva.
Para o caso dos autos, face aos factos provados, deveremos considerar essencialmente o que dispõe a norma em relação aos «créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor». Quer dizer, prescrevem em dois anos os créditos dos industriais pelos indicados fornecimentos ou pela execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, a não ser que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.
A nosso ver, o vocábulo «indústria» é aqui empregue num sentido amplo já que, como se verifica pelo enunciado da disposição, abrange não só o fornecimento de mercadorias ou produtos, mas também actividades referentes a execução de trabalhos e a gestão de negócios alheios.
Não se coloca qualquer dúvida (nem as instâncias questionam isso) que a A. agiu como comerciante/industrial já que se provou que se dedica, com fins lucrativos, à actividade de prestação de serviços de limpeza, sendo que foi nesta sua actividade, a solicitação da R., que lhe prestou os serviços de limpeza nas datas e com os valores constantes nas indicadas facturas (arts 7º,13º do C. Comercial e art. 1º da C. Sociedades Comerciais).
Assim sendo, o crédito reivindicado constitui um crédito de comerciante/industrial pelo que o primeiro requisito para aplicação da disposição, se verifica (sem polémica, aliás, por banda das partes). Igualmente não se coloca em causa o decurso do prazo prescricional de dois anos, pois decorreu um período muito superior entre a realização dos serviços e a propositura da acção (e a consequente citação do R.), como os factos provados demonstram.
A questão coloca-se em relação a saber-se se o R., Condomínio da BB, utilizou os trabalhos prestados pela A. em exercício industrial, sendo que só nesta hipótese é que a prescrição de que vimos falando não funciona. Se essa utilização foi efectuada fora do exercício industrial (ou comercial) então a prescrição presuntiva actua.
O acórdão recorrido entendeu que, pela sua própria natureza, um condomínio não pode ser comerciante.
Somos em crer, dado que se não trata propriamente de venda de bens mas sim de uma execução de trabalhos (de limpeza), ser mais correcto falar-se, para os efeitos da disposição legal, no exercício de uma indústria. Assim, ficam sujeitos ao prazo de prescrição de dois anos a realização dos ditos trabalhos de limpeza, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.
Segundo cremos, um condomínio é constituído por todas as fracções autónomas e partes comuns que o compõem (vide a este propósito o Dec-Lei 268/94 de 25/10 que estabeleceu o regime do condomínio e mais especialmente os seus arts. 2º e 6º). As partes comuns têm como órgãos administrativos, a assembleia de condóminos e um administrador, como resulta do art. 1430º nº 1.
Nos termos do art. 1420º nº 1 cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, sendo que o conjunto dos dois direitos é incindível, não podendo qualquer deles ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação e fruição (nº 2 da mesma disposição).
É sobre esta realidade que incide o condomínio de um prédio. Como já se disse, ele é constituído pelas as fracções autónomas, pertencentes aos diversos condóminos e pelas partes comuns que pertencem a todos os condóminos em compropriedade.
Tentando precisar o conceito de condomínio referiu-se no acórdão deste STJ de 9-3-2004 (6) “no condomínio é possível encontrar, com efeito, um grupo de pessoas (os condóminos – substrato pessoal), que prossegue interesse colectivo determinado e duradouro com um conjunto de bens (e fundos) com afectação específica, tudo apoiado numa organização. Daí a aplicabilidade no que for compatível com o estatuto condominial, do regime das associações sem personalidade jurídica”(7).
A actividade de um condomínio de um imóvel (no sentido do exercício da compropriedade sobre o imóvel) deve circunscrever-se à gestão e administração do prédio, mais especialmente às partes comuns, o que se efectuará através de actos da assembleia de condóminos e do administrador.
Visto por este prisma, o desempenho de uma actividade comercial ou industrial foge, claramente, à concepção e à finalidade de um condomínio. Os arts. 1431º (quanto à Assembleia de Condóminos) e 1436º (quanto ao administrador) estabelecem as funções desses órgãos do condomínio, não cabendo aí quaisquer funções de natureza comercial ou industrial.
Em defesa da sua tese defende o recorrente que o condomínio pode exercer actos de comércio sendo que, como é sobejamente sabido, existem muitos condomínios onde se exerce o comércio, apontando como exemplo diversos centros comerciais.
Ora, segundo cremos, um centro comercial instalado num prédio de propriedade horizontal, não passa, em razão desta circunstância, a ser condomínio. Como se diz a este respeito no acórdão deste STJ de 9-3-2004 já referido (8), um centro comercial “constitui uma realidade de natureza económica e comercial não submetida a qualquer regulamentação imperativa ou oponível a terceiros”, por sua vez, “o edifício objecto de propriedade horizontal, vive sujeito a um estatuto real, consubstanciado em imperativas regras do condomínio”.
Dissemos acima que ficam sujeitos ao prazo de prescrição de dois anos a realização dos ditos trabalhos de limpeza, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.
Evidentemente que não podendo um condomínio exercer qualquer actividade industrial, não existe qualquer hipótese de ser aplicado, no caso, a reserva constante na última parte do art. 317º al. b) em análise.
Defende a recorrente que deveria quem invocou a excepção, para que se pudesse colocar a hipótese de aplicação da prescrição presuntiva, alegar e provar que a R. não era comerciante/industrial e que a actividade prestada pela A. se não destinou ao seu comércio/indústria. Demonstrando-se esta circunstância (e as outras indicadas), poderia então beneficiar da prescrição presuntiva a que alude o art. 317º al. b) e, uma vez beneficiária da prescrição, só então estaria dispensada da prova do cumprimento da obrigação.
É certo que o R. não alegou o elemento de que vimos falando. Mas não podendo exercer o R. Condomínio, pela própria natureza e essência, qualquer actividade industrial ou comercial, é claro que a reserva constante na última parte do art. 317º al. b) não pode ter aplicação ao caso e, por isso, temos que concluir que se encontra preenchido o terceiro requisito acima referenciado, pese embora se reconheça que o R. o não alegou.
A posição da recorrente sobre o assunto é, pois, improcedente.
2-4- Defende depois a recorrente que existe confissão extra-judicial da dívida por parte do R., através do documento nº 1 junto com a réplica, escrito que foi emitido pela empresa I... - Gestão de Condomínios, Lda., empresa que foi, e era à data da emissão do documento, a legal representante do condomínio pois era a Administradora do Condomínio legalmente eleita. No documento confessa a dívida pelo menos até ao dia 06/02/2001, o que exclui somente duas facturas em causa nos autos. O documento foi emitido por quem à data era legalmente representante da recorrida, não tendo sido impugnado, pelo que estão preenchidos todos os pressupostos do artigo 313º.
Já acima se disse, a presunção de pagamento só poderá ser ilidida por confissão do devedor, sendo que a confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito (art. 313º).
É baseando-se nesta disposição que a recorrente sustenta que o documento que indica constitui confissão extrajudicial e, consequentemente, a presunção de cumprimento do caso vertente, se encontra ilidida.
No douto acórdão recorrido, sobre o assunto, referiu-se que o documento em causa não foi emitido pela entidade devedora mas sim por terceiro, além disso o mesmo foi exarado quando ainda nem sequer tinham sido prestados todos os serviços descritos nos autos, concluindo-se que o escrito é totalmente inócuo para o efeito pretendido.
Esta posição é certa. Com efeito, compulsando o documento (nos autos a fls. 43)(9) verifica-se que o mesmo é emitido por “I... – Gestão de Condomínios, Lda” e dirigido à A. (AA - Limpeza Industrial Lda), é datado de 29-1-2001 e nele refere-se que “a liquidação dos débitos será efectuada com a maior brevidade possível”.
A primeira constatação a fazer é que o mesmo foi emitido por entidade diversa do R., pelo que o efeito confessório em relação a este, nunca se poderá colocar. Note-se que, como resulta do art. 352º, “confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (sublinhado nosso).
Diz a recorrente que a entidade emissora foi, e era à data da emissão do documento, a legal representante do condomínio pois era a administradora do condomínio legalmente eleita, sendo que o administrador do condomínio, nos termos dos arts. 1436º e 1437º, tem legitimidade para agir em juízo.
Este Supremo Tribunal de Justiça, como se sabe, só julga, em regra, de direito, pelo que não constando essa circunstância no acervo dos factos provados, não poderemos atendê-la.
Mas mesmo que assim não fosse, também o efeito confessório não se poderia colocar porque não se sabe a que débitos se refere o documento, se os reivindicados nos autos, se a quaisquer outros.
Por fim, mesmo que se pudesse entender que a dita empresa poderia validamente produzir confissão em nome do R. e se se pudesse considerar que os débitos indicados no escrito coincidem e dizem respeito aos peticionados, mesmo assim haveria de concluir que o prazo de prescrição presuntiva havia decorrido por completo. Na verdade, a declaração constante do documento é reportada a 21-1-2001, interrompendo-se nesta data o prazo de prescrição, como resulta do art. 325º nº 1. A partir dessa altura, começou a correr novo prazo de prescrição (art. 326º nº 1), pelo que quando a acção foi proposta (21-3-2006) e a R. foi citada (10-4-2006), já há muito que se tinha esgotado o prazo da presunção presuntiva de dois anos, a que alude o referido art. 317º al. b).
Também aqui a recorrente carece de razão.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2010
Garcia Calejo (Relator)
Hélder Roque
Sebastião Póvoas

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(1) Antunes Varela na Rev. de Leg. e Jur., ano 103º, pág. 254
(2) Entre outros vide o Acórdão deste STJ já referido o os Acórdão de 24-6-2008 e 24-4-2005, ambos acessíveis em www.djsi.pt/jstj.nsf
(3) Em www.djsi.pt/jstj.nsf
(4) Em Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 282
(5) Vide a este propósito Pires de Lima e Antunes Varela na obra indicada, pág. 285.
(6) Colectânea de Jurisprudência, 2004, Tomo 1, pág. 115.
(7) No acórdão, a respeito do assunto mencionou-se com fontes do entendimento exarado, Sandra Passadinhas in Assembleia de Condóminos e o Administrador da Propriedade Horizontal, págs. 180 e segs. e Armindo Ribeiro Coelho, ROA, 1970, Ano 30, pág. 69.
(8) Colectânea de Jurisprudência indicada, pág. 116.
(9) Exame do documento a realizar nos termos do art. 646º nº 4 do C.P.Civil.