Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | PIRES DA ROSA | ||
| Descritores: | DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
| Nº do Documento: | SJ20080313003927 | ||
| Data do Acordão: | 03/13/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário : | 1. É um direito das partes arguir eventuais nulidades do acórdão. 2. A Conferência para a qual se reclama da decisão sumária do Relator tem o dever de fundamentar o seu acórdão. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou, em 24 de Outubro de 2006, no Tribunal Judicial da comarca do Cartaxo, contra BB procedimento cautelar de alimentos provisórios. O requerido contestou um tal pedido. Mas, por sentença de 20 de Julho de 2006 ( ver fls.57 a 74 ) a pretendida providência cautelar foi julgada parcialmente procedente e foi fixada uma pensão de alimentos a prestar pelo requerido BB à requerente AA no montante de 385,90 euros. Inconformado, o requerido BB interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Évora, recurso que foi admitido no efeito devolutivo. Por acórdão de fls.89 a 101, de 18 de Janeiro de 2007, esse tribunal julgou procedente o recurso de agravo e, por conseguinte, improcedente o procedimento cautelar e revog|ou| a decisão recorrida. Notificada do acórdão a recorrida AA veio, em 6 de Fevereiro de 2007 ( fls.104 ) arguir a nulidade prevista no art.668, nº1, al. e ) do CPCivil por entender que o acórdão condena em objecto diverso do pedido. O recorrente BB, no processo notificado desse mesmo requerimento, veio em 7 de Março de 2007 ( fls.108 ) dizer que dele não havia sido notificado directamente pela recorrida e que, por isso, a reclamação deveria ser indeferida, desentranhada e entregue ao mandatário que a apresentou, devendo este e a recorrida serem condenados como litigante de má fé, ela por querer protelar o trânsito em julgado da decisão. Por despacho de 15 de Março de 2007 ( fls.113 ) foi indeferida a arguição da nulidade com fundamento em que « não foi a requerente quem alegou no recurso, mas contra – alegou, e as nulidades só podem ser arguidas pelo interessado – no caso, o recorrente que produziu as alegações – em conformidade com o art.203º, nº1 do CPCivil ». No mesmo despacho se deixou para melhor oportunidade a condenação como litigante de má fé. Respondendo em 16 de Março de 2007 ao requerimento de fls.108 ( fls.114 ) a requerente AA veio dizer que esse requerimento deveria ser indeferido na totalidade, absolvendo-se a agravada e o seu mandatário da condenação como litigantes de má fé. Por despacho de fls.127, datado de 29 de Março de 2007, foi indeferida a condenação como litigância de má fé. Do despacho de 15 de Março de 2007 a fls.113 veio a requerente/agravada AA apresentar a fls.130, datada de 24 de Abril de 2007, reclamação para a conferência, nos termos do nº3 do art.700º do CPCivil. A conferência, em 24 de Maio de 2007, proferiu o acórdão de fls.139 que, por inteiro, se transcreve: « Acordam em conferência neste Tribunal da Relação: Em confirmar o anterior despacho do Relator a fls.113 e v. que apreciou a arguição de nulidades ». Notificada deste acórdão a requerente/agravada AA veio, em 12 de Junho de 2007 ( fls.141 ), arguir a nulidade prevista nos artigos 158º e 668º, nº1, alínea b ) ex vi do nº1 do artigo 716º, todos do CPCivil pedindo que o mesmo acórdão seja declarado nulo e, em consequência, seja proferido novo acórdão, devidamente fundamentado, que declare que a ora requerente tem legitimidade para arguir a nulidade do acórdão de 18 de Janeiro de 2007. A fls.150 pronuncia-se o requerido/agravante BB pelo desentranhamento da reclamação e a condenação da requerente em multa e indemnização, requerimento sobre o qual a AA se pronunciou a fls.155 pedindo a absolvição total da sua condenação como litigante de má fé. Entretanto, a fls.154, por despacho datado de 21 de Junho de 2007, foi indeferido o requerimento de arguição de nulidades do acórdão de fls.139 com fundamento em esse acórdão se limitar a confirmar a decisão do Relator ( vide fls.139 ), como aliás tinha sido posto à consideração no seu requerimento de fls.130 a 134. Deste mesmo despacho veio a AA em 31 de Julho de 2007, a fls.167, reclamar para a conferência nos termos do nº3 do art.700º do CPCivil. O agravante/requerido BB, a fls.182, pronunciou-se de novo pelo indeferimento da reclamação e a condenação da requerente/agravada como litigante de má fé. Em conferência, por acórdão de fls.188 a 196, datado de 27 de Setembro de 2007, o Tribunal da Relação de Évora : 1. julgou improcedente a arguição de nulidade. 2. Confirmou a decisão do Relator. 3. Condenou a requerente como litigante de má fé na multa de 5 UCs e na indemnização de 250 euros à parte contrária. É deste acórdão que a agravada AA, inconformada, vem, nos termos do nº3 do art.456º do CPCivil, interpor recurso de agravo para este Supremo Tribunal. E, alegando a fls.209, circunscrevendo o recurso à sua condenação como litigante de má fé, em multa e indemnização à parte contrária, apresenta as seguintes CONCLUSÕES: I A ora recorrente não agiu nem litigou com má-fé; II A recorrente limitou-se, unicamente, a arguir nulidades processuais e a solicitar que sobre as mesmas recaíssem despachos ou Acórdãos minimamente fundamentados. III A recorrente com os requerimentos de arguição de nulidades apresentados limitou-se unicamente a exercer um direito; IV Pelo que, não pode a ora recorrente ser condenada como litigante de má-fé, unicamente, porque não se conformando com os despachos e Acórdãos proferidos, exigiu que os pedidos por si apresentados fossem apreciados e os despachos e Acórdãos fundamentados. V Por douto Acórdão de 27 de Setembro de 2007 o Venerando Tribunal da Relação de Évora, finalmente, pronunciou-se sobre as nulidades arguidas pela recorrente; VI O arrastar do processo sub judice, salvo o devido respeito não ficou a dever-se a culpa da recorrente mas sim única e exclusivamente aos despachos e Acórdãos, eivados de vícios, proferidos pelo Venerando Tribunal "a quo" VII A recorrente só arguiu as nulidades que arguiu porque estava perfeitamente convencida que tinha razão, e o venerando tribunal da Relação, em momento algum, procurou demonstrar que a recorrente não tinha essa razão. VIII Por outro lado, e como acima se referiu, a condenação da ora recorrente como litigante de má fé exigiria que a ora recorrente tivesse agido com dolo ou negligência grave; IX A recorrente ao arguir as várias nulidades, volte a referir-se, fê-lo sinceramente convencida de que tinha razão; X E tanto assim é que, em nenhuma das arguições efectuadas, a recorrente deixou de procurar fundamentá-las, devidamente, recorrendo inclusive a posições doutrinárias e jurisprudenciais; XI Não poderia, portanto, o Venerando Tribunal da Relação ter condenado a recorrente como litigante de má-fé. XII Pelo que o Venerando Tribunal da Relação de Évora ao condenar a ora recorrente como litigante de má-fé violou, nomeadamente, o Artigo 456° do C.P.C. Não houve contra – alegações. Cumpre apreciar e decidir. Começando por dizer o que dito já está, mas vale a pena relembrar – o âmbito do recurso é tão só a condenação da agravante como litigante de má fé porque só nesse ponto a lei processual – concretamente o nº3 do art.456º do CPCivil - lhe abre a porta. No mais, porque estamos no domínio de um procedimento cautelar, não cabe recurso para este Supremo Tribunal – art.387º-A do CPCivil. O que todavia nos não dispensa, aqui, por força da natureza das coisas, de acompanhar todo o trajecto processual subsequente ao acórdão de fls.89 a 101, datado de 18 de Janeiro de 2007, que julgou procedente o recurso interposto pelo agravante BB e, por conseguinte, improcedente a procedimento cautelar requerido pela agravada AA. Porque é exactamente nesse trajecto processual e no modus como dentro dele se movimenta a agravante AA que o acórdão recorrido vai buscar as razões da condenação desta como litigante de má fé, nos termos do art.456º, nº2, al. d ) do CPCivil - ter feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. In casu, o que conduziu à condenação da agravante são as razões que se transcrevem do acórdão recorrido: « é perfeitamente claro que à requerente não interessa a procedência do recurso de agravo com a revogação da decisão de 1ª instância. A repetição de argumentos tem inclusivamente esse significado e é esclarecedora a posição que tomou num requerimento anterior ( v. fls.155 a 160 “ ... enquanto os doutos acórdãos e despachos continuarem a ser nulos, designadamente por falta de fundamentação, para que a lei seja cumprida à agravada apenas resta continuar a arguir as respectivas nulidades” ) ... .... É assim que o processo se tem vindo a arrastar, pois desde a data (18.01.2007 ) do acórdão que julgou o recurso de agravo até à data ( 18.09.2007 ) em que o recorrente respondeu à última arguição de nulidade da requerente decorreram precisamente oito meses, razão porque se justifica que esta seja condenada como litigante de má fé, em conformidade com o art.456º, nº2, al. d ) do CPCivil ... ». Que o processo se tem vindo a arrastar é ... o exposto. Que se arrasta já, agora, há mais de um ano, é o exposto. Que à requerente/agravada não interesse a procedência do recurso de gravo é o óbvio. Que o arrastar do processo lhe interesse sobremaneira é coisa que se aceita facilmente porque, tendo a decisão de 1ª instância sido uma decisão que lhe interessava e tendo sido o recuso admitido com efeito devolutivo, só o trânsito em julgado da decisão da Relação põe termo à obrigação de alimentos que entretanto mensalmente o requerido/agravante está condenado a prestar-lhe. Que esse arrastar se deva um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais feito pela AA, ainda por cima com dolo ou negligência grave é que já se não pode afirmar. Porque – e para esta análise se transcreveram minuciosamente os passos processuais percorridos – é um direito das partes arguir eventuais nulidades do acórdão. E foi o que a AA fez em relação ao acórdão de 18 de Janeiro de 2007. Entendeu – mal ou bem, não está aqui em causa – que « o acórdão condena em objecto diverso do pedido » e veio arguir a nulidade prevista no art.668º, nº1, al. e ) do CPCivil, explicitando aliás por onde passava a diversidade para cuja condenação alertava. E fez essa arguição, se bem que indeferida por despacho de fls.113 porque nele se considerou que « as nulidades só podem ser arguidas pelo interessado – no caso, o recorrente que produziu alegações », de uma forma não censurável. Tanto assim que, apesar de o agravante BB ter solicitado a condenação dela como litigante de má fé, o despacho de fls.127 indeferiu esse pedido porque – transcreve-se – não se afigura haver fundamento para a pretendida condenação, não só porque o que arguiu foi apenas uma nulidade ... e ainda porque não se trata de uma situação compaginável à prevista pelo art.456º, nº1, al. a ) do CPCivil. Mas se é assim, se é assim ab origine, é ainda assim em todos os requerimentos posteriores apresentados pela agravada AA. Porque a AA viu ou julgou ver no original acórdão de 18 de Janeiro de 2007, uma nulidade por vício da alínea e ) do nº1 do art.668º do CPCivil; tinha ou julgou ter o direito de a ver reconhecida e corrigida pelo tribunal colectivo que a produzira; viu o Exmo Desembargador/Relator do processo, à invocação dos poderes conferidos pelo art.705º, conjugado com o art.700º, nº1, al. g ) do CPCivil, apropriar-se do conhecimento da questão concluindo pela ilegitimidade da requerente na invocação daquela nulidade ( sem que importe discutir aqui se o Relator pode, em despacho singular, conhecer da arguida nulidade de uma decisão colectiva ); sentiu-se ou julgou sentir-se prejudicado com esse despacho e, no uso da faculdade conferida pelo nº3 do art.700º do CPCivil, requereu que sobre essa matéria recaísse um acórdão; sentiu-se no direito de que esse acórdão, como qualquer outra decisão judicial, fosse fundamentada, em respeito pelo disposto no art.158º, nº1 do CPCivil e, antes disso, no art.205º, nº1 da Constituição da República; e por isso se sentiu – bem - no direito de arguir a nulidade do acórdão de fls.139 que acima se transcreveu por inteiro e se volta a transcrever agora por inteiro de novo – Acordam ... em confirmar o anterior despacho do Relator de fls.113 e v. que apreciou a arguição de nulidades – que não contem qualquer fundamentação, mínima que seja, seja directa ou mesmo por remissão para o despacho que confirma; viu o Exmo Desembargador/Relator, de novo em despacho individual que aprecia a arguida nulidade de uma decisão colectiva, conhecer dessa arguida nulidade; sentiu-se ou julgou sentir-se de novo prejudicado por esses despacho e reclamou para a conferência, nos termos do nº3 do art.700º, suscitando a prolação do acórdão a que direito. Tudo isto, afinal, à procura da decisão inicial a que tinha ou julgava ter direito: a de que lhe dissessem se sim ou não o original acórdão continha a nulidade prevista na al. e ) do nº1 do art.668º do CPCivil, e no caso afirmativo tal deficiência fosse corrigida. Há claramente um arrastar do processo. Mas não pode imputar-se esse arrastar – ainda que beneficie a agravada/requerente AA – a um uso reprovável do processo por parte desta. Se o colectivo tivesse vindo inicialmente dar a resposta colectiva à arguição da nulidade que ao acórdão do colectivo era imputada; ou se o colectivo tivesse feito recair sobre o despacho do relator, que julgou possível conhecer da arguição, um acórdão cumprindo as exigências de fundamentação asseguradas pela Constituição da República e pelas regras processuais civis, seguramente o processo se não teria arrastado. E não espanta que a agravada/requerente repita em cada um dos seus requerimentos a razão última ( que é a razão original ) desses mesmos requerimentos. Como não espanta que diga que “enquanto os doutos acórdãos e despachos continuarem a ser nulos, designadamente por falta de fundamentação, para que a lei seja cumprida à agravada apenas resta continuar a arguir as respectivas nulidades”. D E C I S Ã O No provimento do agravo, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que condena a requerente AA como litigante de má fé em multa 5 UCs e na indemnização de 250,00 euros à parte contrária. Custas ( sobre valor tributário correspondente ao valor da condenação revogada ) a cargo do requerido BB. Lisboa, 13 de Março de 2008 Pires da Rosa (Relator) Custódio Montes Mota Miranda |