Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B3896
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
MATÉRIA DE FACTO
APRECIAÇÃO DA PROVA
MOTIVAÇÃO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ200412160038962
Data do Acordão: 12/16/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6700/03
Data: 01/27/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. só uma ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais.

II. Não cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça censurar o não uso pela Relação da faculdade de alterar/modificar as respostas dadas aos quesitos pelo Tribunal Colectivo, podendo apenas sindicar o bom ou mau uso (formal) dos poderes de alteração/modificação da decisão de facto que à Relação são conferidos nas restritas hipóteses contempladas nas três alíneas do nº 1 do artº 712º do CPC.

III. As alterações introduzidas pelo DL 39/95 de 15/2 (possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida) visaram não uma reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, a desencadear, de modo irrestrito e a título oficioso, apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

IV. Na apreciação da prova, o n° 3 do artº 659º do CPC apenas comete ao juiz o dever fazer o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, o que sucede apenas quanto às que têm valor probatório fixado na lei (documentos exornados de força probatória plena, factos admitidos por acordo ou confissão das partes) para considerar determinados factos como provados.

V. Não há que confundir o dever de indicação da motivação da matéria de facto, a que se reporta o nº 2 do artº 653º do CPC, com o dever de fundamentação da sentença nos termos e para os efeitos da causa de nulidade contemplada na al. b) do nº 1 do artº 668º do mesmo diploma.

VI. Há que entender o preceito do nº 2 do artº 653º do CPC como meramente indicador, que não obriga o tribunal a descrever de modo minucioso o processo de raciocínio ou o iter lógico-racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e decidir como decidiu.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. "A" e sua mulher B propuseram contra C, D - Sociedade Imobiliária, Lda., e E - Construções, Lda., acção declarativa pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento de 17.855.000$00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por virtude do incumprimento de um contrato de empreitada por eles celebrado com a ré D - Sociedade Imobiliária, Lda..
2. Contestaram os RR, impugnando os factos e sustentando a improcedência da acção e pedindo, em sede de reconvenção, a condenação dos AA a pagarem-lhes a quantia de 17.539.815$00, correspondente a parte do preço da empreitada por eles não satisfeito e a indemnização por danos não patrimoniais que lhes causaram.
3. Depois da réplica dos AA foi proferido despacho saneador, no qual se declarou a ilegitimidade dos RR C e E - Construções, Lda., e se decretou a respectiva absolvição da instância.
4. Por sentença de 10-12-02, o Mmo Juiz da Comarca de Loures, julgando parcialmente procedentes tanto a acção como a reconvenção, condenou:
A- A ré D Lda a pagar aos AA:
a)- o valor das despesas, a apurar em liquidação de execução de sentença, necessárias a reparar, na moradia construída no prédio A-do-Moreira pertencente aos AA: o corrimão da escada interior; o ventilador de wc; o escoamento do muro; várias portas que não fecham porque o fecho não funciona; dimensões dos portões da garagem; infiltrações no tecto da sala por deficiente escoamento e isolamento do telhado e algerozes; soalho do corredor, quartos e escritório levantados; não funcionamento do esgoto por não estar ligado à fossa; mosaicos da área circundante da moradia e da entrada mal colocados, com ressaltos e partidos por falta de cimento; tampa da saída do bidé avariada; mosaicos da garagem partidos e com ressaltos; - muros exteriores rachados; paredes interiores e exteriores rachadas, apresentando grandes fendas e com humidades devido a infiltrações; janela da cave não vedada, deixando entrar água; - falta de escoamento das águas fluviais do terraço; roupeiros com portas de abrir em vez de portas de correr; balaustres de cimento em vez de balaustres de pedra, encontrando-se aqueles rachados, partidos e soltos; vidraças inteiras das janelas em vez de vidros duplos pequenos; fechos estragados nas janelas; armários do wc;
b) o valor, a apurar em execução de sentença, das despesas que estes tiveram com: os acabamentos da cozinha, incluindo móveis, instalações de águas e pedras; mudança de fechaduras da porta de entrada e da garagem; autoclismo do wc; ligação da banheira de hidromassagem; - roupeiro da suite; portal da entrada da quinta; limpeza da obra com remoção de entulhos; - um móvel do wc;
c)- a quantia de 5 985,57 €, a título de indemnização por danos morais;
d)- os custos e juros despendidos por estes no empréstimo contraído a 28-1-99 junto da Caixa Económica Montepio Geral, a apurar em execução de sentença;
B- Os AA a pagarem à ré D Lda a quantia de 15.103,80 €euros, apenas depois de a ré ter pago os valores em que foi condenada nas alíneas a) e b).
5. Inconformada, apelou a Ré, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 27-1-04, julgado a apelação parcialmente procedente, alterando em consequência, a sentença por forma a que, subsistindo as condenações emitidas em b), c) e d) da sua parte decisória, bem como a condenação, não impugnada, proferida contra os recorridos, absolveu a Ré do pedido de condenação no pagamento das reparações aludidas na al. a) da mesma parte decisória.
6. Irresignada a Ré, agora com tal aresto, dele veio a mesma recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
1ª- Não se conforma a recorrente com parte do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, estando o presente limitado apenas à parte em que a apelação não procedeu;
2ª- Entende a recorrente que a Relação, contrariamente ao que devia, não apreciou a matéria de facto, e julgou de modo incorrecto a matéria de direito relativamente aos requisitos da sentença no que à fundamentação e à análise crítica da prova respeita;
3ª- E é dos vícios apontados que mantém o acórdão ora recorrido as condenações referidas em b), c) e d) da sentença proferida em 1ª instância;
4ª- No que à fundamentação das decisões finais dos tribunais respeita, salvo melhor entendimento, teremos de discordar do acórdão ora em crise, já que contrariamente a este somos em crer que é na decisão final (na sua fundamentação) que terão de constar as "explicações" de facto e de direito para que a mesma siga determinado sentido e não outro;
5ª- Fundamentação esta que, salvo melhor entendimento, terá de fazer uma análise crítica da prova, nomeadamente quando aquela que foi produzida não é coincidente e quando, como foi o caso, foram ignorados na decisão depoimentos de quem tinha conhecimentos próprios da profissão, subsistindo e convencendo depoimentos de quem nada de construção civil sabe ou está habilitado;
6ª- É certo que o tribunal tem o poder da livre apreciação da prova, mas compete-lhe sempre que aconteça, como aconteceu, existirem vários depoimentos absolutamente contrários - ver apelação onde foi sumariado o que cada testemunha disse e foi indicado onde o seu depoimento se encontra gravado - ter de informar os destinatários dessa decisão (sociedade em geral e as partes em particular) do porquê de assim decidir e do porque não no sentido contrário - até porque nos autos a prova predominante foi a testemunhal;
7ª- O mesmo é dizer que se impunha a análise crítica da prova, como exigência legal da fundamentação da decisão - art. 205°, n.° 1, da CRP, art. 158°, n.° 1 e 659°, n.°s 2 e 3, ambos do CPC,
8ª- Entendemos que o julgador terá de dizer que determinado facto está provado com base no depoimento da testemunha A ou B porque isto ou porque aquilo, não se considerando nessa parte o depoimento da testemunha C ou D por isto ou por aquilo, e como tal aplica-se a solução jurídica contida em determinado preceito legal, eventualmente referindo o porquê desse preceito e não de outro;
9ª- Não o tendo feito, foram violados os supra indicados preceitos legais;
10ª- Por outro lado, à parte de não se conformar a recorrente com a não procedência dos vícios apontados na apelação no que à falta de fundamentação respeita, entende ainda que o douto acórdão proferido pela Relação de Lisboa violou também o dever de se pronunciar quanto à matéria de facto;
11ª- Isto porque, contrariamente ao entendimento acolhido no acórdão em "sub judice" todos os requisitos legais para a apreciação da matéria de facto estão preenchidos na apelação;
12ª- Porque a sentença de 1ª Instância não cumpriu uma das exigências fundamentais (fundamentação com análise crítica da prova), ficou a recorrente sem saber o porquê da decisão em determinado sentido, o porquê de determinados depoimentos não terem sido considerados, ou sequer se o foram na totalidade;
13ª- Desta forma, a recorrente sumariou cada um dos depoimentos, referiu concretamente onde são contrários e indicou aqueles que entende serem determinantes, incluindo a indicação do suporte magnético assinalado em acta;
14ª- Veja-se que não fosse assim entendido, e seria violada claramente a garantia de recurso efectivo sobre a matéria de facto, já que bastaria não ser convenientemente fundamentada a decisão (como o não foi), bastaria que a sentença não indicasse onde se baseou e o porquê de "acreditar" ou não "acreditar" em determinado(s) depoimento(s), como o não fez, para que não fosse possível recorrer da matéria de facto assente;
15ª- Desta forma, e discordando do douto acórdão ora recorrido, entende a recorrente que deveria e deverá ser apreciada em sede de recurso a matéria de facto, deverão ser apreciados e "criticados" os vários depoimentos gravados, e no final tomada uma decisão de mérito quanto à totalidade do recurso, nomeadamente quanto às condenações referidas em b), c) e d) da sentença de 1ª Instância, já que são essas que fazem o objecto da presente Revista;
16ª- Porque o não fez, o acórdão "sub júdice" violou o art. 712° do CPC;
Nestes termos e nos mais de direito, apreciada que seja a falta de fundamentação e de análise crítica da prova, vícios produzidos na 1ª Instância e mantidos no douto acórdão proferido pela Relação de Lisboa, e determinado que seja a apreciação da matéria de facto, deverá a condenação expressa nas als. b), c) e d) da sentença ser substituída pela sua total absolvição.
7. Contra-alegaram os AA sustentando a correcção do julgado, para o que formularam as seguintes conclusões:
1ª- No que respeita à falta de fundamentação da sentença promanada pelo tribunal de 1ª instância invocada pela recorrente, resulta da sua leitura atenta que aquela está bem estruturada, inferindo-se da sua leitura de forma clara quais as razões que fundamentaram a decisão final.
2ª- A sentença "a quo" deu satisfação ao preceituado no artº 659 do Código de Processo Civil discriminando os factos que considerou provados e indicando, interpretando e aplicando no sentido correcto, as normas jurídicas pertinentes ao caso sub júdice;
3ª- Da análise de ambas as alegações da recorrente, em sede de recurso de apelação e de revista, resulta de forma clara e peremptória, que a recorrente pôde compreender, e bem, as razões em que se alicerçou a sentença de 1ª instância, tendo nesse sentido atacado aquela douta decisão;
4ª- O Tribunal de 1ª instância procedeu à explicitação dos factos que ficaram provados indicando a prova produzida em que baseou a sua convicção e aplicou o direito pertinente aos factos dados como provados.
5ª- Da leitura da sentença do tribunal de 1ª instância resulta uma completa fundamentação de facto e jurídica que, pelo menos em termos formais, foi adequadamente cumprida.
6ª- Pelo exposto deverá ser rejeitado o alegado pela recorrente;
7ª- No que concerne ao exame crítico das provas, cabe dizer que se perfilha a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa porquanto, considerou que o juiz não se serviu de documentos possuidores de força probatória plena nem de acordo ou confissão das partes para considerar factos como provados;
8ª- As provas às quais o julgador não pode deixar de conhecer são aquelas que têm o seu valor probatório previsto na lei;
9ª- Por questões de segurança jurídica impende deste modo sobre o julgador a obrigatoriedade de atender sem excepção ao seu valor probatório, realizando o seu exame crítico com o desiderato da sua natural projecção no bom julgamento da causa;
10ª- Igualmente no que atine a esta questão, deverá o alegado pela recorrente ser rejeitado e improceder;
11ª- A recorrente, nas suas alegações, ancora-se na etérea violação do dever de análise crítica da prova e na falta de fundamentação da sentença proferida em 1ª instância, que como ficou predito não se verifica, para justificar o seu desconhecimento e incompreensão do teor daquela sentença. Afirma, assim, que não sabe o porquê da decisão em determinado sentido, nem a motivação subjacente à valoração que foi dada aos depoimentos prestados;
12ª- No que tange à não apreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, deixa-se firmado que a recorrente penas procedeu a um resumo de 19 depoimentos, analisando-os e comentando-os genericamente;
13ª- A recorrente, tendo como base o resumo por si expendido, discorre páginas com deambulações genéricas invocando contradições entre os excertos dos depoimentos que transcreveu, reiterando as contradições entre os mesmos;
14ª- Todavia, não é invocado pela recorrente um único facto concreto que se apresente contrário a outro facto preciso dado como provado, resumindo-se a enunciá-los de forma vaga;
15ª- Por não ter confrontado os factos em suposta contradição, não apresenta o sentido em que os factos que impugna deveriam ser interpretados e valorados;
16. Ou seja, a recorrente alega que quase todos os depoimentos estão em contradição mas não retira uma conclusão precisa e definida sobre os mesmos;

17ª- Nos termos do ponto 1, alíneas a) e b) do art. 690-A do Código de Processo Civil, deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando os concretos meios probatórios que impunham uma decisão sobre os factos impugnados, diversa da recorrida.

18ª- A recorrente não cumpre nenhum dos dois requisitos de observância cumulativa prescritos nas referidas alíneas a) e b) do normativo citado;
19ª- Neste consecutivo e por imperativo lógico, ao não ter invocado os factos concretos que entendeu por mal julgados, também não pode dar satisfação à obrigação legal de especificar quais os concretos meios probatórios que implicavam a alteração da decisão para uma diversa da recorrida.
20ª- São exemplos expressivos os considerandos realizados sobre os depoimentos de F, G, H e I, em que a recorrente em nenhum lugar indica como é que deveria ser interpretada a matéria de fado resultante daqueles depoimentos por forma a que se apurasse uma decisão diversa da recorrida.
Tendo em atenção o exposto não poderá proceder o alegado pela recorrente sobre a não apreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação de Lisboa.
8. Colhidos os vistos legais e nada obstando, cumpre decidir.
9. Em matéria de facto relevante, remete-se para o elenco que dos mesmos operaram as instâncias ao abrigo do disposto no artº 713º, nº 6, aplicável "ex-vi" do artº 726º, ambos do CPC.
Direito aplicável.
10. Âmbito da revista
A Relação circunscreveu já em sede de apelação os "thema decidenda" que no fundo a recorrente reedita agora em sede de recurso de revista.
Assim, começa a recorrente por insistir em que a sentença de 1ª instância deveria ser declarada nula "nos termos das al. b), c) ou d" ( sic) - do n° 1 do art. 668° do CPC ou, se assim se não entender, que na sequência da apreciação da matéria de facto fosse a mesma revogada e substituída por outra que, de harmonia com a prova produzida, aceitasse a posição por ela defendida.
Vem controvertido saber se:
1ª - a sentença não fez, contra o que devia, o exame crítico de provas a que se refere o art. 659°, n° 3 do CPC;
2ª - a sentença é nula por falta de fundamentação de facto e de direito;
3ª- a entender-se que a sentença remete para a fundamentação das respostas à base instrutória, as mesmas estão ou não devidamente fundamentadas;
4ª- A de saber se a matéria de facto apurada na 1ª instância deveria ser alterada pela Relação.
11. Alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação - hipotético erro de julgamento por banda da Relação ao anão coonestar esse vício - artº 668º nº 1, al. b) do CPC.
São a doutrina e a jurisprudência concordantes no sentido de que só uma ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais - conf., por todos o Prof. Alberto dos Reis, in " Código de Processo Civil Anotado, vol V, págs 139-140.
A deficiente fundamentação ou motivação pode afectar o valor doutrinal intrínseco da sentença ou acórdão, mas não pode nem deve ser arvorada em causa de nulidade dos mesmos.
Ora, basta a simples compulsação do teor da sentença para logo se alcançar o itinerário cognoscitivo e valorativo, quer quanto à fixação dos factos quer quanto à aplicação do direito, (silogismo judiciário) seguido pelo Exmo julgador na emissão dos seus juízos jurídico-substantivos e jurídico processuais.
E isso é manifesto para qualquer leitor ou destinatário médio que é o suposto ser querido pela ordem jurídica.
Assim se encontram plenamente observados os deveres de transparência, serenidade, auto-controlo e reflexão decisórias que devem subjacer a qualquer decisão judicial, deveres esses pressupostos nos artºs 205º da Constituição da República e 158º,nº 1, 659º,, 668º, nº 1 al. b) e 660º, nº 3 do CPC.
A recorrente pode discordar - como realmente discorda - da decisão condenatória a final emitida, mas o que não pode é invocar quanto à mesma a violação do dever da respectiva fundamentação suficiente e congruente, que a mesma claramente externa e evidencia.
Bem andou, pois, a Relação ao considerar improcedente o suscitado vício da decisão.
12. Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto:
No fundo, o que a recorrente pretenderia - é o que as conclusões da respectiva alegação sugerem - era um triplo julgamento da matéria de facto a operar não só pelas instâncias, mas também pelo próprio Supremo tribunal de Justiça.
Mas o Supremo, como tribunal de revista que é, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido - artºs 26º da LOFTJ 99 aprovada pela L 3/99 de 13/1 e 729º nº 1 do CPC; daí que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só possa ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art.ºs 721, nº 2 e 722º, nºs 1 e 2, do CPC); excepções esta últimas que claramente não ocorrem no caso «sub-judice».
Não cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça censurar o não uso pela Relação da faculdade de alterar/modificar as respostas dadas aos quesitos pelo Tribunal Colectivo.
O que o Supremo poderia sindicar, isso sim, era o bom ou mau uso (formal) dos poderes de alteração/modificação da decisão de facto que à Relação são conferidos nas restritas hipóteses contempladas nas três alíneas do nº 1 do artº 712º do CPC; como a Relação não exercitou tal faculdade, a factualidade dada por si como assente - assim confirmando a já elencada como provada pelo tribunal de 1ª instância - terá de permanecer agora como incontroversa.
Diga-se ainda que ao editar o DL 39/95 de 15/2, ao estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida não pretendeu, todavia, o legislador assegurar uma reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, a desencadear, de modo irrestrito e a título oficioso, mas "visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso".
Cabe ao impugnante apontar as concretas contradições em que se baseiem os depoimentos para que a Relação os possa sindicar de modo conveniente.
Ora, que nos mostram os autos ?
A recorrente invocou pretensas contradições entre os excertos dos depoimentos que transcreveu, mas acabou por não indicar um único facto concreto que se apresentasse como contrário a outro facto preciso dado como provado, não referindo ainda o sentido em que os factos que impugnou deveriam ser interpretados e valorados, circunscrevendo-se a enunciá-los de forma vaga, tal como a Relação considerou.

Ónus que sobre si impendia, tal como postula o inciso nº 1, alíneas a) e b) do art. 690-A do Código de Processo Civil, nos termos do qual deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando os concretos meios probatórios que impunham uma decisão sobre os factos impugnados, diversa da recorrida.

E a Relação, passando a exemplificar, indica como expressivos os considerandos realizados sobre os depoimentos de F, G, H e I, em que a recorrente em nenhum lugar indica como é que deveria ser interpretada a matéria de facto resultante daqueles depoimentos por forma a que se apurasse uma decisão diversa da recorrida.
Nada, por isso, a censurar à conduta da Relação quanto a este específico ponto.

13. Exame crítico das provas pela sentença imposto pelo artº 659°, n°s 2 e 3, do CPC

No que respeita à fase de elaboração da sentença, e no que tange à apreciação da prova, esse mencionado n° 3 estatui expressa e claramente que ao juiz compete apenas fazer o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, o que sucede apenas quanto às que têm valor probatório fixado na lei.
Estas últimas serão sempre da exclusiva apreciação do juiz que elabora a sentença, visto que, ainda que tenha havido pronúncia a seu respeito no momento das respostas à base instrutória, tais respostas serão tidas como não escritas, por força do artº 646°, n°4.

E sobre as que não possuem esse valor probatório - salienta a Relação e bem -, que " o juiz nada tem de dizer ou fazer, antes se lhe impondo aceitar os factos que, com base nelas, tenham sido considerados como provados na decisão onde se respondeu à matéria de facto controvertida levada à base instrutória. Não faria, aliás, qualquer sentido que, impondo-se-lhe o acatamento da decisão anteriormente adoptada sobre aquela matéria, lhe coubesse ainda proceder a qualquer análise crítica da prova que a sustentou - exame crítico este que, logicamente, só pode ter lugar antes da conclusão extraída das respectivas provas.

Não lhe cumpria, assim, conhecer de tais provas, cuja análise crítica tem lugar no acórdão do Colectivo ou no despacho que decidam a matéria de facto, por força do disposto no artº 653°, n° 2" (sic).
Mas o certo é que - no caso "sub-specie" - na sentença o Mmo juiz não se serviu de quaisquer documentos exornados de força probatória plena, nem de factos admitidos por acordo ou confissão das partes para considerar determinados factos como provados, pelo que não lhe cabia proceder a exame crítico de quaisquer provas.
E não há que confundir - como faz recorrente, ainda que não de forma declarada - o dever de indicação da motivação da matéria de facto, a que se reporta o nº 2 do artº 653º do CPC, com o dever de fundamentação da sentença nos termos e para os efeitos da causa de nulidade contemplada na al. b) do nº 1 do artº 668º do mesmo diploma; aquele primeiro dever aponta exclusivamente para a justificação da concreta base de apuramento da matéria de facto «qua tale», enquanto que o segundo deixa subentender a justificação ou motivação da decisão final «vis a vis» o direito substantivo concretamente aplicável - conf. quanto a este ponto, os Acs deste STJ de 5-7-01, in Proc 1831/01 e de 21-11-01, in Proc 3293/01, ambos da 2ª Sec.
14. Da fundamentação das respostas à base instrutória:
Torna-se necessário "ex-vi" do disposto no artº 653°, n° 2, do CPC que as respostas do Colectivo têm de ser fundamentadas com a indicação dos elementos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Há, todavia, que entender aquele preceito como meramente indicador, que não obriga o tribunal a descrever de modo minucioso o processo de raciocínio ou o iter lógico-racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e decidir como decidiu, o que foi notoriamente feito no aresto pelas decisões impugnadas
Contudo, conforme destaca a Relação, o seu o controlo sobre um tal dever fundamentação é muito limitado, sendo que um eventual deficiente cumprimento desse dever nunca conduzirá à anulação dessas respostas.
E isto, porque nos termos do n° 5 do artº 712° do CPC, a insuficiência de fundamentação, se respeitar a facto não essencial para o julgamento, não surte qualquer consequência anulatória; se ocorrer relativamente a algum facto essencial, apenas poderá dar lugar a que os autos regressem ao Tribunal de 1ª instância para que aí se proceda à devida fundamentação, o que sempre se mostra dependente de requerimento da parte.
Iniciativa processual essa que a ora recorrente nunca chegou a empreender.
15. Improcedem, assim, as conclusões da alegação da recorrente.
16. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão revidendo.

Custas da revista pela recorrente, mantendo-se o critério de repartição tributária perfilhado pela Relação quanto às custas na instâncias.

Lisboa, 16 de de Dezembro de 2004
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos
Duarte Soares