Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | URBANO DIAS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL ACTO ILÍCITO PRESCRIÇÃO | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 02/09/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Sumário : | Prescreve no prazo de três anos o direito de indemnização por danos causados no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Maia, acção ordinária contra BB – Empreendimentos Imobiliários, S.A, pedindo a sua condenação na realização das seguintes obras: - Na envolvente exterior: - Picagem de todo o reboco existente; - Cerzitar toda a empena; - Rebocar com acabamento areado; - Pintar com tinta plástica; - No muro lateral direito a reposição de pedras desprendidas com gateamento das respectivas juntas. - No edifício da garagem: - Levantamento e reposição do chão com entroncamento, com 20 cm de espessura, e betonilha com acabamento afagado, de 10 cm de espessura; - Reparação das paredes com argamassas de alta resistência, com interposição simultânea de rede plástica. - No edifício dos anexos: - Levantamento do telhado em toda a sua extensão, fazendo-se as necessárias correcções ao nível de vedações existentes; - Pintura de todas as paredes existentes assim como os tectos, estanhados e em estrutura de madeira. - No edifício principal: - Demolição da cobertura e paredes interiores existentes; - Execução de estrutura interior de betão armado para apoio da laje de cobertura; - Execução de alvenarias interiores em tijolo vazado de 11 para repor a compartimentação existente; - Rebocar com acabamento estanhado todas as paredes interiores; - Colocação, nas casas de banho e cozinha, de material cerâmico; - Pintura de todo o interior – paredes e tectos; - Colocação de telha na cobertura, igual à existente. Ou, em alternativa, no pagamento da quantia de 80.000, 00 €, quantia acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. Em suma, alegou que, tendo a R. procedido à construção de um edifício em terreno contíguo a imóvel de sua propriedade, as obras ali realizadas, com utilização de maquinaria pesada, causaram vários estragos nos edifícios existentes no seu prédio. A R. contestou, pugnando pela improcedência da acção, arguindo, para tanto, não só a excepção da ilegitimidade passiva, como também a caducidade do direito invocado. Ao mesmo tempo, requereu a intervenção acessória da sociedade I......... M....... Lª, empreiteira da obra que, admitida, contestou, igualmente, arguindo também a ilegitimidade passiva e, ainda, a prescrição. O A., na réplica, contrariou a defesa excepcional arguida nas contestações apresentadas. Em sede de saneador, foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva e relegado para final o conhecimento da prescrição. Seleccionaram-se os factos, provados e controvertidos, e a acção seguiu, depois, a sua normal tramitação até julgamento. Findo este, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, como assim, a condenar a R. na realização das seguintes obras: - Reposição de pedras, no muro lateral direito, com gateamento das respectivas juntas; - Reparação das paredes do edifício da garagem com argamassa de alta resistência e interposição simultânea de rede plástica; - Correcção dos apoios da estrutura da cobertura no edifício dos anexos, bem como reparação e reposicionamento das caleiras; - Pintura de todas as paredes existentes no anexo, assim como os tectos sejam estes estanhados ou em estrutura de madeira; - Revisão da cobertura e paredes interiores existentes no edifício principal; - Reparação das superfícies interiores no edifício principal; - Substituição dos revestimentos afectados nas casas de banho e cozinha; - Pintura de todo o interior do edifício principal, paredes e tectos; - Substituição de algumas das telhas (partidas) por outras novas. Inconformada, apelou a R., para o Tribunal da Relação do Porto, que, sanando a nulidade por omissão de pronúncia por ela arguida, acabou por, nos termos do disposto no artigo 715º do Código de Processo Civil, conhecer do mérito da causa, julgando a acção improcedente, precisamente com fundamento na verificação da dita excepção de prescrição. Foi a vez do A. mostrar o seu desagrado para com o julgado e pedir revista do acórdão revogatório, apresentando, para tanto, a respectiva minuta que fechou com conclusões nas quais defendeu que a factualidade dada como provada tipifica um crime de dano, resultando claramente a verificação do elemento volitivo do mesmo dos pontos 25, 26 e 27 do factos dados como provados, e, nessa medida, o prazo de prescrição a considerar há-de ser de cinco anos, atento o disposto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil. Respondeu a recorrida em defesa da manutenção do acórdão impugnado. II. As instâncias deram como provados os seguintes factos: A – Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial da Maia, mediante apresentação n.º 37, datada de 19/06/92, a aquisição, a favor de CC, por compra, do prédio urbano sito na Rua ................, n.º ....., em Guardeiras – Maia, descrito sob o n.º 000000000 inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 659. B – Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial da Maia, mediante apresentação nº 19, datada de 25/10/2004, a aquisição, a favor de AA, por compra, do prédio urbano sito na Rua .................., nº ..., em Guardeiras – Maia, descrito sob o n.º 000000000, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 659º. C – A R. dedica-se à construção e promoção de empreendimentos imobiliários. D – A R. promoveu a construção do empreendimento denominado “Centro Empresarial da Maia”. E – O empreendimento aludido em D) é contíguo ao prédio mencionado em A). F – A construção do empreendimento aludido em D) teve início no princípio do segundo trimestre do ano de 2001. G – Na construção do empreendimento aludido em D) foi utilizado equipamento pesado, com o qual foi feito um aterro compactado em várias camadas. H – Em 21 de Julho de 2001, o A. remeteu à R., que o recebeu, o documento junto a fls. 23 dos autos. I – Na sequência da recepção do documento mencionado em H), a R. enviou engenheiros que com ela trabalhavam na obra do Centro Empresarial da Maia, a fim de os mesmos verificaram o imóvel aludido em A). J – O A. remeteu à R., que o recebeu, o documento junto a fls. 24 a 26 dos autos, datado de 12 de Setembro de 2001. L – A R. remeteu ao A., que o recebeu, o documento junto a fls. 27 dos autos, datado de 14 de Setembro de 2001. M – Por proposta, datada de 11 de Maio de 2001, a chamada I..........M.........., Lda. apresentou o seu melhor preço para a execução da empreitada de construção civil do empreendimento Centro Empresarial da Maia, onde estavam incluídos trabalhos de escavações, terraplanagens e compactação de terras no prédio contíguo ao prédio aludido em A). N – A proposta apresentada pela chamada foi aceite pela R.. O – A execução dos trabalhos de terraplanagem e aterro no prédio pertencente à R. ficou a cargo da chamada. P – A chamada iniciou os trabalhos em Julho de 2001 e concluiu os mesmos em finais do ano de 2001. Q – Na execução dos trabalhos de terraplanagem, a chamada ficou vinculada a executar os mesmos com respeito pelas regras de construção, para que os trabalhos ficassem executados sem vícios e não afectassem terceiros. R – Em Agosto de 2001, na sequência das reclamações apresentadas, a chamada solicitou à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto a realização de uma inspecção ao local, tendo sido elaborado o relatório junto a fls. 75 a 83 dos autos. S – Em 14 de Março de 2006, a R. remeteu à chamada, que a recebeu, a carta junta a fls. 84 a 86 dos autos. T – Mediante sentença proferida em 9/8/2004, já transitada em julgado, foi declarado transmitido para o A. AA o direito de propriedade relativo ao prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, com dependência no quintal, sito no Lugar das ..........., da freguesia de ............., concelho da Maia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 659, descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia, sob o n.º 00424, pelo preço de 29.927,87 € já pago, conforme documento junto a fls. 116 a 123 dos autos. U – A realização do aterro aludido em G) provocou diversas vibrações nos terrenos contíguos, nomeadamente do prédio mencionado em A). V – A realização do aterro aludido em G) dos Factos Assentes provocou, pelo menos, o agravamento da extensão e da profundidade de rachadelas nos tectos e paredes laterais do prédio mencionado em A). X – Este mesmo aterro provocou a queda de estuque do tecto em duas divisões. Z – Na sequência dos trabalhos aludidos em D) resultaram ainda furos num dos muros, em consequência da demolição de várias barracas e galinheiros que estavam presos ao aludido muro, pertencente ao A.. AA – As situações aludidas em V) e Z) são consequência da mencionada vibração. AB – Depois de ter tomado conhecimento das situações aludidas em 2) e 3) através da visita dos seus técnicos, a R., de forma voluntária e consciente, continuou a executar a obra sem qualquer cuidado adicional. AC – A R. poderia e deveria ter conhecimento de que as situações aludidas em V) e Z) tinham sido causadas pela sua conduta. AD – Após Julho de 2001, a R. poderia e deveria saber que, se continuasse a efectuar a obra nos mesmos moldes que havia feito até aí, nomeadamente utilizando equipamento pesado, poderia continuar a provocar danos no imóvel mencionado em A). AE – Apesar disso, não se coibiu de o fazer, aceitando como consequência possível da sua conduta o surgimento de novos danos no imóvel aludido em A). AF – Durante o período de execução das obras, o A. solicitou ao arquitecto DD, que conjuntamente com um técnico da sua confiança acompanhasse a situação, para elucidá-lo quanto aos riscos que o imóvel aludido em A) podia correr. AG – Em 16 de Dezembro de 2001, o prédio aludido em A), na habitação principal, apresentava fissuras nas paredes exteriores em toda a sua espessura, bem como na quase totalidade das paredes divisórias interiores. AH – E os tectos encontravam-se degradados, mostrando desprendimentos em cerca de 20% da sua área e ameaçando ruína na área restante. AI – E no anexo, verificavam-se fissuras, de pequenas dimensões, quer em paredes exteriores, quer nas divisórias interiores. AJ – Na garagem verifica-se que o pavimento apresenta diversas fissuras no pavimento. AL – Sendo que as paredes também se apresentavam fissuradas. AM – Verificando-se ainda a destruição das caleiras existentes na empena contígua ao terreno vizinho. AN – O edifício principal do prédio referido em A) é constituído por paredes em perpianho, com cerca de 30 centímetros de espessura, suportando estas a cobertura em madeira. AO – E o edifício da garagem é estruturalmente idêntico ao do edifício principal. AP – E o edifício dos anexos tem a estrutura em betão armado, sendo as paredes exteriores e interiores de alvenaria e tijolo. AQ – Sendo que a laje de cobertura se apoia em pilares e vigas de betão armado. AR – O aterro aludido em G), com cerca de 3 metros, implicou uma enorme movimentação de terras no terreno contíguo ao prédio mencionado em A). AS – Devido ao aterro aludido em G) a moradia existente no prédio aludido em A), que antes estava à mesma cota do terreno natural, ficou devassada. AT – Sendo que no muro lateral direito, verificou-se o desprendimento de algumas pedras, torna-se necessário a sua reposição com gateamento das respectivas juntas. AU – Torna-se necessário reparar as paredes do edifício da garagem com argamassa de alta resistência e interposição simultânea de rede plástica. AV – Torna-se necessário corrigir os apoios da estrutura da cobertura no edifício dos anexos, bem como proceder à reparação e reposicionamento das caleiras. AX – E proceder à pintura de todas as paredes existentes assim como os tectos sejam estes estanhados ou em estrutura de madeira. AZ – No edifício principal torna-se necessário proceder à revisão da cobertura e paredes interiores existentes. ABA – Haverá que proceder à reparação das superfícies interiores. ABB – Nas casas de banho e cozinha há que substituir os revestimentos afectados. ABC – E proceder à pintura de todo o interior, paredes e tectos. ABD – Há que substituir algumas das telhas (partidas) por outras novas. ABE – A R. deu conhecimento à chamada de todas as reclamações formuladas pelo A., designadamente pessoalmente. ABF – As fendas existentes no prédio do A. podem ter tido a sua causa inicial (mas nunca com a extensão e profundidade que agora apresentam) no tráfego intenso e pesado que circula na artéria adjacente a esse prédio, associado a fenómenos de variações de temperatura, bem como à idade do prédio (que tem, pelo menos, 20 anos). ABH – Em 11 de Junho de 1992, o A. celebrou com CC e EE um acordo, denominado “contrato-promessa”, mediante o qual os segundos prometeram vender ao A. que, por seu turno, prometeu comprar, o prédio referido em A). ABI – Tendo o A. entrado logo no uso e fruição do prédio referido em A). III. Quid iuris? A única questão que nos é colocada é a de saber se os factos dados como provados se enquadram na tipicidade do crime de dano, facto que, a verificar-se, obrigaria à contagem do prazo prescricional, nos termos previstos no nº 3 do artigo 489º do Código Civil, o mesmo é dizer à inverificação da excepção da prescrição, atenta a temporalidade entre a realização das obras (finais de 2001) e a instauração da acção (06/02/2006). A Relação considerou que os factos dados como provados não permitem a conclusão da verificação de crime de dano, razão pela qual, estando a responsabilidade da R. baseada na responsabilidade extra-contratual, o prazo prescricional a considerar é de três anos, atento o disposto no nº 1 do artigo 498º do Código Civil. Conquanto não nos afastemos do âmbito do instituto responsabilizador da R. (responsabilidade extracontatual), tal como foi apontado pela Relação, o certo é que não a acompanhamos, no mais por ela ponderado, para chegar à conclusão da verificação da excepção de prescrição arguida. É que, como mui bem nota o Juiz da 1ª instância, estamos aqui perante um dos casos típicos de responsabilização por actos lícitos, concretamente previsto no nº 2 do artigo 1348º do Código Civil (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª edição revista e aumentada, página 183, nota 4, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, páginas 728 a 730, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, páginas 602 e 603, Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 3ª edição, página 217): apesar da licitude do acto (realização das obras em terreno próprio), não pode o seu autor (neste caso a R./recorrida, ainda que por intermédio de comissária) deixar de ser responsabilizado pelos danos causados aos proprietários vizinhos (neste caso o A.). E sendo este o campo delimitador da responsabilidade da R., enquanto realizadora das obras, muito embora através de comissária (a chamada), a única conclusão a tirar é a de que, efectivamente, se verifica a excepção de prescrição, oportunamente arguida, por aplicação directa do já citado nº 1 do artigo 498º do Código Civil. Situando-nos neste campo, de actos lícitos a originar danos que devem ser indemnizados (a factualidade dada como provada não permite outro enquadramento), afastada está, pela natureza das cousas, qualquer tipo de responsabilidade criminal (de resto a R., enquanto pessoa colectiva, nunca poderia ser criminalmente responsável pelos danos causados: em 1º lugar, porque só com a publicação da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, é que as pessoas colectivas passaram em regra a ser responsabilizadas do ponto de vista criminal e, depois, porque, mesmo com esta última alteração, o crime de dano foi excluído da aplicação às pessoas colectivas, como resulta do nº 2 do artigo 11º do Código Penal. Para além disto, que não é pouco, sempre a sua responsabilização penal implicaria uma actuação dolosa, o que, atenta a factualidade fixada pelas instâncias, se não verifica). Improcede, dest’arte, a tese aqui apresentada pelo recorrente. IV. Nega-se a pretendida revista e condena-se nas custas o recorrente. Supremo Tribunal de Justiça, aos 09 de Fevereiro de 2010 Urbano Dias (Relator) Paulo Sá Mário Cruz |