Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | FERREIRA DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO DIREITOS PENHORA NOTIFICAÇÃO ADMONITÓRIA SILÊNCIO EMBARGOS DE EXECUTADO | ||
| Nº do Documento: | SJ200410070029862 | ||
| Data do Acordão: | 10/07/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL GUIMARÃES | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 2130/03 | ||
| Data: | 03/24/2004 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
| Sumário : | I. Penhorado um crédito do executado e notificado o terceiro devedor nos termos e para os efeitos do artigo 856°, n° 1, do CPC, na falta de qualquer declaração do mesmo, não pode este, na execução que lhe seja movida ao abrigo do citado nº 3 do artº 860°, impugnar a existência do crédito. II. Surtirá, pois, o silêncio do devedor assim notificado efeitos análogos aos da confissão do pedido ou do princípio do cominatório pleno, como tal o impedindo de impugnar a existência do crédito em embargos à execução que lhe seja movida ao abrigo do disposto no nº 3 do supra-citado 860° do CPC. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe moveu "A - Caixilharia em Alumínio e PVC, Ldª", para deles haver a quantia de € 20.112,18, acrescida de juros vincendos e custas (execução intentada nos termos do artigo 860, n° 3, do CPC) vieram os executados, com data de 24-5-02, B e mulher, C, deduzir embargos de executado. Alegaram, em suma, nunca terem tido qualquer negócio com a "Sociedade de Construções D" do qual pudesse resultar para esta qualquer crédito sobre os mesmos (designadamente o crédito penhorado na execução movida pela exequente-embargada à referida sociedade) e na qual foi penhorado, por nomeação da mesma exequente. Referiram ainda que haviam já declarado noutras execuções que nada deviam à referida sociedade, sendo que numa dessas execuções foi mesmo realizada diligência nos termos do artigo 858°, n° 1, do CPC, estando por isso a exequente-embargada a agir de má fé, pois que propôs a subjacente execução depois de ter sido ouvida, juntamente com os embargantes, sobre a inexistência do crédito. 2. Contestou a exequente, impugnando os factos tendentes à demonstração da inexistência do crédito, alegando ainda que os executados-embargantes foram notificados, na execução por si intentada contra a "Sociedade de Construções D, nos termos do art. 856° do CPC, designadamente para se pronunciarem sobre a existência crédito, nada tendo declarado. 3. Por sentença de 16-5-03, o Mmo Juiz da Comarca de Braga (Vara de Competência Mista) julgou os embargos improcedentes, ordenando, em consequência, o prosseguimento da execução. 4. Inconformados com tal decisão, dela vieram os embargantes apelar, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 24-3-04, concedido provimento à apelação, revogado a decisão recorrida, declarando a inexistência do crédito e ordenando o levantamento da penhora. 5. Irresignada agora a exequente "A-Caixilharia em Alumínio e PVC Lda" com tal aresto, dele veio recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1ª-- Nos termos do disposto no art.° 856° n° 3 do CPC, a falta de declaração do terceiro devedor implica que se considere como definitivamente certa e assente a existência do crédito nomeado à penhora, em virtude da cominação legal aí prescrita; 2-ª- Deste modo, fica o terceiro devedor constituído na obrigação estabelecida no art.º 860.º n° 1 do CPC, estando-lhe vedado, para se eximir à obrigação, contestar a existência do crédito em embargos de executado à execução que lhe seja movida nos termos do art° 860°, n° 3, do CPC; 3ª- -Ao considerar que o disposto no n° 3 do art° 856° do CPC constitui presunção ilidível mediante prova em contrário, o que implica a procedência dos embargos, caso o terceiro devedor venha a provar a inexistência do crédito na execução contra ele movida, como in casu, nos termos do nº 3 do artº 860°, o tribunal a quo fez uma errónea interpretação do direito aplicável; 4-ª- Se o disposto no n° 3 do artº 856º do CPC constituísse tão só uma presunção ilidível mediante prova em contrário, como sustenta o douto tribunal a quo, estaríamos a esvaziar de conteúdo esse mesmo normativo, uma vez que o terceiro devedor que nada declarasse sempre se poderia opor posteriormente, mesmo que advertido para os efeitos do seu silêncio. 5-ª- O prazo de 10 dias de que dispõe o terceiro devedor para fornecer ao tribunal os elementos do n° 2 do artº 856.° do CPC, ao contrário do sustentado na douta decisão em crise, não é assim tão reduzido que não possa produzir o efeito cominatório do n° 3 do art° 856º do CPC, porque ao terceiro devedor apenas se exige que forneça ao tribunal tais elementos através de termo ou simples requerimento, bastando-lhe, caso nada deva, tão somente declarar que o crédito não existe, para evitar o referido efeito; 6ª- -Ao contrário do sustentado pelo douto tribunal a quo, a última reforma do processo executivo veio operar um novo regime através da introdução do n° 4 do art° 860° do CPC, o que implicou que o legislador previsse a possibilidade de o exequente se ver ressarcido dos dano causados pelo silêncio do devedor, o que não acontecia no regime anterior; 7-ª- Não se encontra qualquer entendimento, quer doutrinário quer jurisprudencial, que vá de encontro à decisão do tribunal a quo, pois tanto doutrina como jurisprudência vão unanimemente no sentido de julgar o silêncio do terceiro devedor como de reconhecimento puro e simples da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do crédito à penhora, constituindo o referido normativo uma cominação, ou mesmo uma sanção legal. 6. Contra-alegaram os executados embargantes sustentando a correcção do julgado pela Relação. 7. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre decidir. 8. Em matéria de facto relevante, deu a Relação como assentes os seguintes pontos: 1º- a exequente intentou contra os executados/embargantes execução para pagamento de quantia certa, nos termos do artigo 860° do C.P.C., pois que na execução ordinária que move à "Sociedade de Construções D" foi proferido despacho em 09/01/2002 que ordenou a penhora do crédito de benfeitorias pertencente à ali executada e do qual seriam devedores os embargantes (sob nomeação da exequente, crédito esse que se referia ser referente a benfeitorias devidas à ali executada pelos aqui executados/embargantes, resultantes da construção de prédio urbano que está a ser levada a cabo pela ali executada em parcela de terreno para construção, registada a favor dos aqui executados), sendo os executados/embargantes notificados, nos termos do artº 856° do CPC e com expressa advertência para o disposto no artº 856°, n° 3 do CPC (considerando-se que, na falta de declaração, se entende que o crédito é equivalente ao valor da quantia exequenda - capital e juros - e custas prováveis), nada tendo os executados/embargantes declarado; 2º- a "Sociedade de Construções D" negociou com E a construção de prédio destinado a comércio e habitação, em propriedade horizontal, no lote de terreno propriedade dos embargantes °; 3º- o referido no anterior número foi feito sem qualquer intervenção dos embargantes; 4º- o lote de terreno referido havia sido objecto de contrato promessa de permuta celebrado entre os embargantes e terceiros; 5º- esses terceiros, por sua vez, haviam celebrado contrato promessa de permuta desse lote por outros bens com o E; 6º- na execução ordinária com o n° 262/2001, em que é exequente "A - Caixilharia em Alumínio e PVC, Lda" e executada a "Sociedade de Construções D", a correr termos no 4° Juízo Cível da Comarca de Braga, foi pela exequente nomeado à penhora crédito da ali executada sobre B e mulher, C, tendo estes ido a essa execução negar a existência de qualquer crédito da ali executada sobre eles em consequência da construção efectuada no Lote H4, de sua propriedade, tendo-se realizada em 20/11/2001 diligência na qual os referidos B e mulher, C contestaram a existência do crédito, tendo a ali executada afirmado que estes não eram devedores de qualquer quantia, sendo pela exequente declarado manter o interesse na penhora requerida e efectuada, sendo proferido despacho a considerar o crédito como litigioso, despacho a todos nessa data notificado; 7º- na execução ordinária com o n° 229-A/2001, em que é exequente "A - Caixilharia em Alumínio e PVC, Lda" e executada a "Sociedade de Construções D", a correr termos nesta Vara de Competência Mista, foi pela exequente nomeado à penhora crédito da ali executada sobre B e mulher, C, tendo estes ido a essa execução declarar que o crédito em causa não existe. Passemos agora ao direito aplicável. 9. É sabido que" a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução" - nº 1 do artº 856º do CPC. Se o devedor notificado "nada disser, entende-se que ele reconhece a existência do crédito, nos termos da indicação do crédito à penhora " - nº 2 do mesmo preceito. "Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito" - conf. nº 3 do artº 860º do CPC. Traduz-se o "thema decidendum" em saber se, penhorado um crédito do executado e notificado o terceiro devedor nos termos e para os efeitos do artigo 856°, n° 1, do CPC, na falta de qualquer declaração do terceiro devedor, pode este, na execução que lhe seja movida ao abrigo do citado nº 3 do artº 860°, impugnar a existência do crédito. Surtirá, pois, o silêncio do devedor assim notificado efeitos análogos aos da confissão do pedido ou do princípio do cominatório pleno, como tal o impedindo de impugnar a existência do crédito em embargos à execução que lhe seja movida ao abrigo do disposto no nº 3 do supra-citado 860°? Na ausência de qualquer declaração ficará o terceiro-devedor impedido de invocar a inexistência do crédito ou apenas relevará tal silêncio no âmbito da execução originária para efeitos de penhora ? O tribunal de 1ª instância respondeu afirmativamente no sentido da atribuição de um efeito cominatório pleno em tudo idêntico ao da confissão do pedido. Já para o tribunal da Relação um tal silêncio representa antes uma simples presunção da existência do crédito, ilidível por prova em contrário. Temos para nós que a razão está com o tribunal de 1ª instância. A melhor interpretação do disposto no nº 3 do mencionado artº 856º conduz, com efeito, à conclusão de que a falta de declaração do terceiro devedor implica que se considere como definitivamente certa e assente a existência do crédito nomeado à penhora, em virtude da cominação legal nesse preceito claramente contemplada. O texto da norma é inequívoco: "se o devedor nada disser, (dentro do prazo de 10 dias) entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora. Fica, por conseguinte, o terceiro devedor (através do respectivo silêncio) constituído na obrigação estabelecida no artº 860º, n° 1, do CPC, ou seja na obrigação de pagamento ou depósito da quantia em dívida nos termos do nº 1 do artº 860º do mesmo diploma. Ficar-lhe-á, pois, vedado, para se eximir a tal obrigação, contestar a existência do crédito em sede de oposição (embargos de executado) que lhe seja movida nos termos do art° 860°, n° 3, ainda do mesmo corpo normativo. Os terceiros devedores foram, na hipótese vertente, pessoalmente notificados com escrupulosa observância do ritualismo legal e com expressa advertência para (a cominação) do nº 3 do artº 856º do CPC. A "sanção" para a ausência de oportuna declaração sobre a existência do crédito (e sobre o respectivo conteúdo e garantias) é a de se entender como tacitamente reconhecida pelos devedores silentes a respectiva existência). De nada releva a circunstância de, alegadamente em outras anteriores ocasiões, os devedores haverem questionado a existência do mesmo crédito.Tratar-se-ia sempre de processos executivos autónomos no seio dos quais se procedeu a notificações de carácter cominatório também autónomas. Nada, aliás, aponta para uma certa ideia de "favor debitoris" que perpassa na fundamentação do acórdão revidendo, sendo que, na mais recente reforma do processo executivo (DL 38/2003 de 8 de Março) se veio introduzir (em «favor creditoris») um novo n° 4 ao art° 860° do CPC, aí ficando prevista a possibilidade de o exequente se ver ressarcido dos danos causados pelo silêncio do devedor, se em sede de oposição à execução e no caso do nº 3 do artº 856º, se verificar que (afinal) o crédito não existia. Liquidação a ser feita na própria oposição. 10. Decisão: Em face do exposto, decidem: - conceder a revista; - revogar, em consequência, o acórdão recorrido, ficando a subsistir a decisão de 1ª instância. Custas pelos embargantes ora recorridos no Supremo e nas instâncias. Lisboa, 7 de Outubro de 2004. Ferreira de Almeida Abílio Vasconcelos Ferreira Girão |