Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1181/21.5T8SNT-C.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: INSOLVÊNCIA
BENS APREENDIDOS
DUPLA CONFORME
SEGMENTO DECISÓRIO
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
PROVA VINCULADA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Sumário :
I- Numa ação com pluralidade de objetos processuais autónomos, havendo recurso de revista abrangendo várias decisões autónomas, a existência de dupla conforme tem de ser aferida relativamente ao decidido pelas instâncias acerca de cada uma dessas decisões.

II- Não tendo o acórdão recorrido desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, está afastada a possibilidade legal de o STJ alterar a factualidade fixada pelas instâncias, nos termos conjugados dos artigos 662º n.º 4 e 674º n.º 3, 1.ª parte, do CPC.

III- O acórdão recorrido ao ordenar a restituição de bens não incluídos no pedido, violou o disposto nos artigos 609º n.º1 e 615º n.º 1 al. e) do CPC.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 1181/21.5T8SNT. CL.1.SI

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório:

Declarada por sentença proferida em 19.04.2021, já transitada em julgado, a insolvência da sociedade Sogapal - Sociedade Gráfica da Paiã, S.A., vieram, por apenso aos autos, os credores ABANCA CORPORACIÓN BANCARIA, S.A., SUCURSAL EM PORTUGAL, BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. (BCP, S.A.), NOVO BANCO, S.A., e K..., interpor ações que visam o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre determinados bens apreendidos pelo Sr. Administrador de Insolvência, pedindo a sua separação da Massa Insolvente, com a consequente restituição dos mesmos aos Autores.

Procederam-se às legais citações, tendo sido apresentadas contestações em cada um dos apensos, pela massa insolvente e pelos credores diretamente afetados por cada uma das ações.

Atento o princípio da adequação e agilização processual, e uma vez que todas as ações instauradas por estes credores visavam a separação da massa insolvente dos bens apreendidos correspondentes às verbas BTC1, BTC 2, BTC 3, BTC 4 e BTC 5, ao abrigo do disposto no artigo 267.º, n.ºs 1 e 4, do CPC, ex vi art.º 17º, n.º 1 do CIRE, foi determinada a apensação dos apensos que não tinham decisão final proferida (sendo apensado a este apenso C os apensos D, F, J e L).

Realizou-se audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio (“Do fundamento para a apreensão dos bens efetuada pelo Sr. Administrador”) e enunciados os temas da prova (“Do direito de propriedade sobre os bens que compõem as verbas BTC1, BTC2, BTC3, BTC4 e BTC5 do auto de apreensão”).

O processo prosseguiu os seus termos e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Nos termos e pelos fundamentos expostos julgando parcialmente procedente por parcialmente provada a presente ação, decide-se:

- Reconhecer à Autora K..., o direito de propriedade sobre os bens constantes das verbas n.ºs BTC3 e BTC5, do Auto de Apreensão de Bens Móveis;

- Determina-se a separação destes bens da lista de bens apreendidos a favor da Massa Insolvente;

- Absolver a massa insolvente Sogapal - Sociedade Gráfica da Paiã, S.A. dos pedidos contra si formulados pelos credores ABANCA CORPORACIÓN BANCARIA, S.A., SUCURSAL EM PORTUGAL, BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. (BCP, S.A.), NOVO BANCO, S.A., julgando improcedentes, por não provados, os pedidos por estes credores formulados.”

O Novo Banco SA e o Banco Comercial Português apelaram.

O acórdão do Tribunal da Relação proferido em 17.10.2023 decidiu:

“a) Julgar totalmente improcedente a apelação apresentada pelo Novo Banco SA.

b) Julgar totalmente procedente a apelação deduzida pelo BCP SA, e, em conformidade:

(i) Alterar a decisão da matéria de facto nos termos providos em B (i), com aditamento aos factos provados dos pontos 6.º A), 6.º B) e 6.º C), e eliminação de parte do ponto b) dos factos não provados;

(ii) Revogar a sentença proferida nessa parte, substituindo-a por outra que reconhece a propriedade das verbas apreendidas à ordem dos autos sob a denominação BTC2 e BTC4 a favor da ora apelante BCP e, consequentemente, ordena a separação dos referidos bens da massa insolvente com a sua restituição àquela.”

O Novo Banco interpôs recurso de revista e terminou a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido no âmbito destes autos, datado de 17.10.2023, com a referência citius 20581298;

2. Ora, o Recorrente não se pode conformar com este entendimento, não tendo a decisão recorrida acolhido devidamente a especificidade da matéria em causa e o âmbito jurídico da mesma.

3. E o presente recurso de revista é admissível ao abrigo do art. 674º do CPC, uma vez que o Acórdão em crise alterou, com fundamentação essencialmente diferente a decisão proferida em 1ª instância.

4. Sendo que a irrecorribilidade especial das decisões de 2ª instância definida nos termos do artigo 14º, nº 1, do CIRE, é circunscrita apenas aos processos de insolvência, aos embargos à insolvência, e aos incidentes que sejam tramitados no âmbito do próprio processo de insolvência, não abrangendo, portanto, os apensos que nele não são tramitados, cfr. jurisprudência citada na motivação de recurso.

5. Em sede de diligência de audiência prévia, ocorrida em 12.10.2022, foi definido como o Objeto do litígio: “Do fundamento para a apreensão dos bens efectuada pelo Sr. Administrador” e como Temas da Prova: “Do direito de propriedade sobre os bens que compõem as verbas BTC1, BTC2, BTC3, BTC4 e BTC5 do auto de apreensão.”

6. Quanto ao objeto do litígio é imperioso referir que, apesar de a Massa insolvente ter apreendidos os bens móveis em apreço (correspondentes aos bens identificados sob a forma de BTC1; BTC2; BTC3; BTC4 e BTC5 no auto de apreensão datado de 06.07.2021) resultou de forma inequívoca, atenta toda a prova documental carreada para os autos e aquela que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, que os aludidos bens foram vendidos (até em duplicado e triplicado!) pela insolvente Sogapal a terceiros, ou seja, à data da apreensão efetuada os bens em apreço (BTC1; BTC2; BTC3; BTC4 e BTC5) não eram propriedade da massa insolvente!

7. Razão pela qual a massa insolvente reconheceu que o aqui credor Recorrente é o legitimo proprietário das verbas L1 a L8 do auto de apreensão datado de 06.07.2021.

8. O mesmo não aconteceu com as verbas (bens de titularidade controvertida) BTC1; BTC2; BTC3; BTC4 e BTC5 do auto de apreensão datado de 06.07.2021, porquanto sobre os mesmos bens diversos credores assumiram-se como proprietários dos mesmos.

9. Em face da titularidade controvertida da propriedade desses mesmos bens, correspondentes às verbas BTC1; BTC2; BTC3; BTC4 e BTC5, a massa insolvente apreendeu os mesmos.

10. Foi esse o espírito que presidiu ao entendimento do Exmo. Senhor administrador de insolvência: Era pacífico que tais bens não eram/são da insolvente, só não sabia quem era os legítimos proprietários dos mesmos: se o aqui Recorrente Novo banco, S.A., se o Banco Comercial Português, S.A., se à K... (doravante designado por K...), se a Abanca, S.A., se a Caixa Geral de Depósitos, S.A.

11.Aliás, das declarações prestadas pelo administrador da insolvente – Sr. AA – (declarações prestadas na sessão de julgamento no dia 23.01.2023 e que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, com início às 11 horas e 23 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 51 minutos) resulta de forma inequívoca que os bens referentes às verbas BTC1; BTC2; BTC3; BTC4 e BTC5 no auto de apreensão datado de 06.07.2021 não são da massa insolvente, que todos foram vendidos pela insolvente.

12.Na verdade, sendo pacífico que tais bens não eram propriedade da insolvente e, consequentemente da massa insolvente, a questão sub judice nestes autos apenas consistia em saber quem eram/são os legítimos proprietários de tais bens que foram identificados sob a forma de BTC1; BTC2; BTC3; BTC4 e BTC5 no auto de apreensão datado de 06.07.2021 e que, de certa forma corresponde aos temas da prova e sobre o qual o douto Tribunal de 1ª instância e o Tribunal a quo deveriam ter de decidir nessa conformidade, o que não fizeram.

13.Em 1º lugar inexiste qualquer presunção que a titularidade que tais bens pertencem à insolvente, até porque o seu legal representante, em sede de audiência de julgamento, disse que não eram da aqui Insolvente e, consequentemente, da massa insolvente.

14.Depois, em sede de audiência de discussão e julgamento, em sessões que ocorreram em 07.11.2022 e 23.01.2023, prestaram, respetivamente, o seu depoimento a testemunha BB, funcionária do Novo Banco, S.A. e CC, reformado e ex-funcionário do Novo Banco que, em suma, confirmaram o teor dos contratos de locação financeira mobiliária celebrados por aquele banco com a devedora e anterior locatária Sogapal juntos aos presentes autos, bem dos equipamentos aí locados.

15.Também em sede de audiência de discussão e julgamento ocorrida em 23.01.2023, o Sr. AA, legal Representante da aqui insolvente Sogapal, prestou declarações de parte, tendo, em suma, confirmado que deu de locação financeira mobiliária diversos equipamentos aos credores/autores Novo Banco, S.A. e ao Banco Comercial Português, S.A.., não os conseguindo identificar in concreto, mas asseverando que todas as máquinas de impressão rotativas KBA e respetivas linhas de acabamento GÄMMERLER tinham sido vendidas as instituição bancárias, através de uma operação de lease back, para, posteriormente, serem realocadas à Sogapal, através de contratos de locação financeira mobiliária.

16.Atento todo o exposto, com a narração descritiva dos factos em apreço e da prova que foi carreada para estes autos, temos por certo o seguinte:

17.A insolvente Sogapal e, consequentemente, a respetiva massa insolvente, não é proprietária dos bens que foram identificados sob a forma de BTC1; BTC2; BTC3; BTC4 e BTC5 no auto de apreensão datado de 06.07.2021.

18.Relativamente à verba correspondente à BTC 1 – i.e. Máquina de impressão rotativa Compacta 215, com o n.º de série 60509200 a mesma é propriedade do aqui credor/autor Novo Banco, S.A., uma vez que a devedora assim o confessou, a aqui Recorrente juntou documentação/fatura que comprova a aquisição de tal equipamento à aqui insolvente e mais nenhum dos restantes credores/Autores se arrogou proprietário de tal equipamento – cujas faturas constam dos autos - vide Docs. 3, 5 e 7 da pi do Novo Banco, S.A. e Doc. 1 do Req. do NB datado de 06.01.2023.

19.Acresce ainda que só existem duas Máquinas de impressão rotativas Compacta 215 (esta sob a verba BTC1 e a que corresponde a parte da verba BTC5) apreendidas nos autos, a que acresce que a K... só vendeu 3 (três) Máquinas de impressão rotativa Compacta 215 à insolvente (sendo que uma delas ardeu, tendo ido para a sucata e, consequentemente não foi apreendida nestes autos – conforme foi referido em sede de audiência de julgamento).

20. O mesmo raciocínio e a prova produzida nos autos se aplica a: 1 (um) painel de controlo e 1 (um) posto de saída da marca da marca GÄMMERLER, composta por tapetes, sistema de cortes em linha modelo modelo “RS134” e um stacker modelo “KL52” (Parte dos equipamentos apreendidos relativamente à verba BTC 3) – que estão parqueados num imóvel do aqui Recorrente Novo banco, S.a. sito em ..., cujas faturas constam dos autos - vide Docs. 3, 5 da pi do Novo Banco, S.A. e Doc. 1 do Req. do NB datado de 22.01.2023, cujo conteúdo não foi impugnado pela massa insolvente e por nenhum credor/autor/Réu e a uma Linha corte da marca GÄMMERLER e um stacker, modelo KL 520, com o n.º 7577/2006 (Parte dos equipamentos apreendidos BTC 4), ambos os equipamentos com o n.º de série 7577 – que estão parqueados em ...) - cujas faturas constam dos autos - vide Docs. 3, 5 da pi do Novo Banco, S.A. e Doc. 1 do Req. do NB datado de 22.01.2023 cujo conteúdo não foi impugnado pela massa insolvente e por nenhum credor/autor/Reú;

21.Pelo que resulta inequívoco que tais equipamentos da marca GÄMMERLER e os dois stacker acima identificados são propriedade do aqui credor/autor Novo Banco, S.A., uma vez que a devedora assim o confessou, a aqui Recorrente juntou documentação/faturas que comprovam a aquisição de tais equipamento à aqui insolvente e mais nenhum dos restantes credores/Autores se arrogou proprietário de tal equipamento e/ou impugnou tal documentação, centrando as suas contestações apenas nas máquinas rotativas cuja titularidade se afigurava controvertida.

22.É verdade, como refere a decisão recorrida, que na ação intentada pela K... (doravante designado por K...) e que corresponde ao apenso L aquela Autora pede o reconhecimento do direito de propriedade sobre os bens que integram as verbas n.ºs BTC 3 e BTC5 e que seja ordenada a sua separação dos bens apreendidos a favor da massa.

23.Todavia, como refere a própria decisão recorrida (páginas 17 e 18), ao descrever a causa de pedir de tal ação, resulta inequívoco que a K... configura na sua ação intentada que a verbas BTC 3 e BTC 5 apenas e só são compostas pelas duas máquinas acima identificadas.

24.Aliás o credor e autor K... só produz e venda máquinas KBA (abreviatura de K...) não produz e vende máquinas da marca GÄMMERLER, da marca “MEGTEC” e da marca “ROTOCUT S”. Nem estes equipamentos destas marcas constam do contrato de compra e venda com reserva de propriedade que determinou o reconhecimento de propriedade e entrega dos equipamentos à K...

25.Estando a ser sonegados (com exceção dos bens da marca GÄMMERLER e os dois stacker´s) bens à massa insolvente, onde o aqui Recorrente é credor e Presidente da Comissão de Credores.

26.Todavia a decisão aqui recorrida, sem que tal fosse peticionado, resolveu, oferecer de mão beijada tais os equipamentos melhor descritos na página 10 da presente motivação de recurso ao credor e autor K..., sem que tal constasse na causa de pedir, nos contratos de compra e venda com reserva de propriedade e também no pedido tendo em conta que apenas foi concebido pela aludida autora que as verbas BTC3 e BTC5 apenas se reportavam às máquinas rotativas acima identificadas.

27.Em face do supra exposto é patente que a decisão aqui recorrida padece das nulidades plasmadas nos arts. 615º e 666º do CPC, nulidades estas que desde já se argui para todos os efeitos legais nos termos do art. 674º n.º 1 c) do mesmo diploma legal.

28.Em relação aos bens que foram identificados no auto de apreensão datado de 06.07.2021 sob a forma de BTC2 (Máquina de impressão rotativa Compacta 618 com o n.º de série 60902000) e BTC4 (Máquina de impressão rotativa Compacta 215 com o n.º de série 60902100), que os credores autores Novo Banco, S.A. e Banco Comercial Português, S.A. se arrogam como proprietários, cumpre referir o seguinte:

29.De toda a documentação que foi carreada para estes autos por parte desde dois credores/autores, uma vez que a prova testemunhal foi inconclusiva quanto à identificação in concreto de tais equipamentos, resulta claro que os mesmos equipamentos (BTC2 e BTC4) foram vendidos em duplicado a estas instituições bancárias, não sendo possível identificar quem adquiriu em primeiro lugar, até porque nas faturas iniciais juntas com os contratos de locação financeira mobiliária celebrados não constam os n.ºs de série associados aos equipamentos em apreço.

30.Todavia a decisão aqui recorrida entendeu alterar a decisão de facto proferida em 1ª instância nos termos constantes das páginas 33 e 34 da decisão recorrida.

31.Ora, o Tribunal a quo a ter alterado a matéria de facto nos termos em que os fez só releva a desatenção ao elaborar a decisão em apreço e não cuidou de ler os documentos datados de 23.09.2016 relativamente às verbas BTC 2 e BTC 4.

32.É que estes documentos consubstanciam uma cessão da posição contratual da locatária a aqui insolvente SOGAPAL – Sociedade Gráfica da Paiã, S.A., com o NIF ...77 para a SOGAPAL COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE ARTES GRÁFICAS, S.A., com o NIF ...64.

33.Ao aceitar e a dar como provado os documentos datados de 23.09.2016 então o Tribunal a quo também deveria considerar que os bens relativos às verbas BTC 2 e BTC 4 (esta só quanto à máquina rotativa da marca KBA, modelo C618 com o n.º de série 60902100) deveriam reverter para atual locatária SOGAPAL COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE ARTES GRÁFICAS, S.A., que é quem tem o gozo dos bens, uma vez que nada consta nos autos que estes contratos de leasing tenham sido resolvidos.

34.Todavia, a verdade dos factos, que foi provada em audiência de julgamento e por toda a documentação que foi carreada para os autos é que quer a insolvente Sogapal e, consequentemente, a respetiva massa insolvente, ou a Sogapal CI não são proprietárias dos bens que foram identificados sob a forma de BTC2 e BTC4 no auto de apreensão datado de 06.07.2021.

35.Em relação aos bens que foram identificados no auto de apreensão datado de 06.07.2021 sob a forma de BTC2 (Máquina de impressão rotativa Compacta 618 com o n.º de série 60902000) e BTC4 (Máquina de impressão rotativa Compacta 215 com o n.º de série 60902100), apenas subsiste a divergência da titularidade da propriedade entre os credores autores e Recorrentes Novo Banco, S.A. e Banco Comercial Português, S.A., uma vez que ambos se arrogam como donos e legítimos proprietários de tais equipamentos.

36.Ora de toda a documentação que foi carreada para estes autos por parte desde dois credores/autores, uma vez que a prova testemunhal foi inconclusiva quanto à identificação in concreto de tais equipamentos, resulta claro que os mesmos equipamentos (BTC2 e BTC4 só quanto à Máquina de impressão rotativa Compacta 215) foram vendidos em duplicado a estas instituições bancárias, não sendo possível identificar quem adquiriu em primeiro lugar, até porque nas faturas iniciais juntas com os contratos de locação financeira mobiliária celebrados quer pelo aqui Recorrente (vide Docs. 3, 5, 8 e 10 da pi do Novo Banco, S.A. e Doc. 3 do Req. do NB datado 06.01.2023), quer pelo Banco Comercial Português, S.A. (vide Requerimento do BCP datado de 22.12.2022) não constam os n.ºs de série associados aos equipamentos em apreço.

37.Nem se pode fazer a associação, como a decisão recorrida fez, que as faturas juntas pelo credor BCP se reportem aqueles contratos de locação financeira mobiliária em concreto.

38.Na documentação carreada para estes autos por parte do aqui Recorrente BCP, os n.ºs de série associados aos equipamentos em apreço (BTC2 e BTC4), apenas surgem em dois contratos de cessão da posição contratual dos alegados contratos de locação financeira mobiliária celebrados entre Banco Comercial Português, S.A. a aqui insolvente e uma empresa detida pelos mesmos administradores da aqui insolvente denominada de SOGAPAL -COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE ARTES GRÁFICAS S.A., datados de 23.09.2016, que foram celebrados na altura que decorria o 2º PER da sociedade aqui insolvente.

39.Pelo que, relativamente a equipamentos (BTC2 e BTC4 sendo que este só quanto à Máquina de impressão rotativa Compacta 215) não se vislumbra outra situação possível que não seja o reconhecimento da propriedade de tais bens a estes dois credores/autores – Banco Comercial Português, S.A. e Novo Banco, S.A. em regime de compropriedade, o que ora se requer, uma vez que a própria insolvente, através declarações prestadas em sede de audiência de julgamento confessou que os vendeu, através de uma operação de lease-back a estas instituições bancárias.

40.Porquanto e repete-se, a própria insolvente confessou que vendeu tais equipamentos, portanto que não são da sua propriedade, ao aqui Recorrente e ao aqui Recorrido.

41.E das faturas juntas pelo aqui Recorrente BCP, S.A. (Docs. 4 e 13 juntos com o requerimento deste Credor Recorrente datado de 22.12.2022) não é possível aferir a que equipamentos se reportam, mormente e em concreto se dizem respeito às máquinas rotativas constantes das verbas BTC2 e BTC4 no auto de apreensão datado de 06.07.2021.

42.Sendo certo que a Linha de corte da marca GÄMMERLER e um stacker, modelo KL 520, com o n.º 7577/2006 (Parte dos equipamentos apreendidos BTC 4), com o n.º de série 7577 são propriedade do aqui credor/autor Novo Banco, S.A., uma vez que a devedora assim o confessou, a aqui Recorrida juntou documentação que comprova a aquisição de tais equipamento à aqui insolvente e mais nenhum dos restantes credores/Autores se arrogou proprietário de tal equipamento e/ou impugnou tal documentação, centrando as suas contestações apenas nas máquinas rotativas cuja titularidade se afigurava controvertida, estando os mesmos acoplados à aludida verba BTC4, o que também, por este facto, resulta que a totalidade desta verba BTC4 nunca poderia reverter para o credor Banco Comercial Português, S.A. e demonstra que a mesma também pertence ao credor aqui Recorrente.

43.Aplicando-se aqui, quanto à Linha de corte da marca GÄMMERLER e um stacker, modelo KL 520, com o n.º 7577/2006 (Parte dos equipamentos apreendidos BTC 4), o mesmo raciocínio aqui plasmado relativamente ao credor K... (vide Docs. 3, 5 da pi e Doc. 1 do Req. do NB datado de 22.01.2023), sendo certo que na pi do recorrente o mesmo não pede a entrega da verba correspondente à BTC 4, mas outrossim e apenas os equipamentos melhor descritos no art. 5º da sua petição inicial, cfr. com Doc. 1 que se junta.

44. Aliás, da análise desta petição inicial do Banco Comercial Português, S.A. é requerida o reconhecimento, separação e subsequente entrega Máquina de impressão rotativa Compacta 618 com o n.º de série 60903800, que não foi apreendida nos autos, porquanto já tinha sido recuperada pelo credor K..., o que leva muito legitimamente a questionar se as faturas que foram juntas pelo credor Banco Comercial Português, S.A. não se reportam a essa mesmo equipamento? Não se sabe, mas como não tinha número de série também dá para as máquinas rotativas BTC 2 e BTC4 onde se discute uma máquina como a mesma marca e modelo.

45.Não obstante e sem que nada viesse prever, veio agora a decisão aqui recorrida, sem que tal fosse peticionado, oferecer de mão beijada tal equipamento da marca GÄMMERLER e um stacker ao credor e autor Banco Comercial Português, S.A., sem que tal conste na causa de pedir, no contrato de locação financeira mobiliária e também no pedido.

46. Ao decidir como decidiu a decisão recorrida violou o vertido nos art. 615º e 666º do CPC, nulidades estas que desde já se argui para todos os efeitos legais nos termos do art. 674º n.º 1 c) do mesmo diploma legal.

47.Para além de também ter violado na sua decisão as alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 3 (2ª parte) do art. 674º do CPC.

Nesta conformidade todo exarado na sentença em crise deverá soçobrar atenta a argumentação aqui exarada e, consequentemente, deverá a tal decisão ser revogada e substituída por outra que:

I- Ordene a separação e restituição do bem/equipamento que foi identificado sob a forma de BTC1 – i.e. Máquina de impressão rotativa Compacta 215, com o n.º de série 60509200, ao seu legitimo proprietário que é o credor/autor Novo Banco, S.A.;

II- Ordene a separação e restituição o bem/equipamento correspondente ao Posto de saída da marca GÄMMERLER, composta por tapetes, sistema de cortes em linha modelo “RS134” e um stacker modelo “KL52” (Parte dos equipamentos apreendidos relativamente à verba BTC3) e Linha de corte da marca GÄMMERLER e um stacker, modelo KL 520, com o n.º 7577/2006 (Parte dos equipamentos apreendidos BTC4), ambos os equipamentos com o n.º de série 7577, ao seu legitimo proprietário que é o credor/autor Novo Banco, S.A.;

III- Determine o destino a dar a 2 (duas) estufas de marca “MEGTEC”, modelo “Dual-Dry III” e a 1 (uma) máquina de folha-a-folha da marca “ROTOCUT S”, tipo “QRO”, n.º 967 do ano de 2006 e respetivas mesas de comando (Parte dos equipamentos apreendidos BTC 1 e BTC5);

IV- Ordene a separação e restituição dos bens/equipamentos que foram identificados sob a forma BTC2 (Máquina de impressão rotativa Compacta 618 com o n.º de série 60902000) e BTC4 (Máquina de impressão rotativa Compacta 215 com o n.º de série 60902100), aos seus legítimos proprietários – credores/autores Banco Comercial Português, S.A. e Novo Banco, S.A. – em regime de compropriedade, porquanto resulta claro que estes mesmos equipamentos foram vendidos em duplicado a estas instituições bancárias, não sendo possível identificar quem adquiriu em primeiro lugar, até porque nas faturas iniciais juntas com os contratos de locação financeira mobiliária celebrados não constam os n.ºs de série associados aos equipamentos em apreço.”

O BCP contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

“A. O Apelante Novo Banco, S.A. vem interpor recurso de revista com fundamento em alegadas nulidades constantes do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, pretendendo pôr em crise a decisão relativa à propriedade dos bens apreendidos sobre as verbas BTC1, BTC2, BTC3, BTC4 e BTC5 do auto de apreensão elaborado.

B. Não tem razão o Apelante Novo Banco, S.A., que, apenas se limitando a sugerir a existência de alegadas nulidades, em momento algum as concretiza.

C. Verifica-se que todos os bens/lotes de titularidade controvertida que foram apreendidos nos autos se encontram devida e definitivamente identificados não tendo tal formação sido posta em causa pelo Apelante Novo Banco, S.A. ou por qualquer outro credor.

D. Inexistem assim os alegados vícios de nulidade invocados pelo Apelante Novo Banco, S.A., devendo por isso improceder tal pretensão do Apelante e manter-se a decisão recorrida.

E. Decidiu e bem o Tribunal a quo ao entender que o ora Apelado logrou efetivamente fazer prova de que os bens apreendidos sob as verbas BTC2 e BTC4 lhe pertenciam, porquanto tal é a única conclusão possível da análise de toda a documentação junta aos autos pelo ora Apelado (contratos celebrados, respetivos aditamentos, faturas emitidas pela Insolvente, autos de entrega assinados pela mesma) e da restante prova produzida.

F. Um aditamento contratual tem como finalidade acrescentar informações a um determinado contrato anteriormente celebrado, podendo, como foi o caso nos presentes autos, contrato em causa com dados em falta no contrato original.

G. Tendo o Tribunal a quo dado como provado que os contratos de locação financeira inicialmente celebrados foram depois objeto de aditamentos, necessariamente teria que ser – como foi - julgado provado o que desses aditamentos resultou, nomeadamente no que respeita à inserção nos referidos contratos de informações complementares sobre os bens aí locados.

H. É o próprio Apelante Novo Banco, S.A. a reconhecer que a documentação junta aos autos pelo ora Apelado é, em relação aos equipamentos agora em discussão (BTC2 e BTC4), a mais antiga, conforme expressamente bem refere o Acórdão recorrido.

I. Acresce que o Apelante Novo Banco, S.A. em momento algum invoca a propriedade plena sobre os referidos bens, tentando suportar a sua alegada pretensão num cenário de compropriedade dos referidos bens, o qual é destituído de fundamento fáctico ou jurídico.

J. Apesar da tentativa do Apelante Novo Banco, S.A. de confundir o Tribunal, o facto é que a cessão da posição contratual operada em cada um dos contratos objeto dos bens em discussão não implicou qualquer alteração na titularidade dos referidos bens e, consequentemente na legitimidade do ora Apelado para lhe ver ser reconhecida – como foi -a propriedade dos mesmos e a sua consequente restituição.

K. Não merecendo o Acórdão recorrido qualquer censura também quanto á decisão de reconhecimento a favor do ora Apelado da propriedade dos bens apreendidos nos autos como BTC2 e BTC4, deve por isso tal decisão manter-se na íntegra, o que expressamente se requer.”

No Tribunal da Relação foi proferido acórdão, em conferência, que entendeu serem improcedentes as nulidades arguidas pelo Recorrente.

Fundamentação

Questões a decidir:

I. Admissibilidade do recurso na parte em que o acórdão recorrido confirmou a sentença proferida na 1ª instância e reconheceu à Autora K..., o direito de propriedade sobre os bens constantes das verbas n.ºs BTC3 e BTC5, do Auto de Apreensão de Bens Móveis e determinou a separação destes bens da lista de bens apreendidos a favor da Massa Insolvente e ainda em que julgou improcedente o pedido de separação de bens do recorrente Novo Banco.

II. Se há fundamento legal para alterar factualidade julgada provada e não provada no acórdão recorrido e revogá-lo em conformidade com essa alteração.

III. Se o acórdão recorrido padece das nulidades previstas nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615º CPC.

De Facto:

Factos julgados provados e não provados nas instâncias, com as alterações introduzidas pelo acórdão recorrido ( aditamento dos pontos 6.A), 6.B) e 6.C) e a alteração da alínea b) dos factos não provados) na sequência de ter julgado procedente o recurso da decisão da matéria de facto do BCP.

Factos provados:

1) Por sentença proferida em 19/04/2021, publicitada por anúncio em 20/04/2021, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade Sogapal - Sociedade Gráfica da Paiã, S.A., p.c. n.º ...77, com sede social na Estrada ..., e fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos;

2) Em 06/07/2021 o Sr. Administrador da Insolvência procedeu à apreensão, entre outras das seguintes verbas:

• BTC 1 - Lote composto por uma máquina rotativa de impressão da marca KBA, modelo C215, nº de serie de circuito 60509200, composta por: alimentador de bobine, do ano 2005; um esticador de papel; 4 corpos de impressão; um captador de papel; uma estufa da marca MEGTEC, modelo Dual Dry III; sistema de rolos de frio, ano 2005; sistemas de rolos de silicone; uma dobradeira da marca KBA, tipo F3-60201 do ano 2005; mesas de comando.

• BTC 2 - Uma máquina rotativa de impressão da marca KBA, modelo C618, desmontada, composta por: sistemas de rolos esticadores; 4 corpos de impressão; alimentador de bobines, uma dobradeira nº K267; sistema de rolos de frio e de rolos de silicone, do ano 2001, mesas de comando, com o nº de circuito 60902000.

• BTC3 - Lote composto por uma máquina rotativa da marca “KBA” de 64 páginas, modelo “COMPACT 818”, composta por: porta bobines da marca “KBA”, quatro corpos de impressão da marca “KBA”, uma estufa da marca “MEGTEC”, modelo “DUAL-DRY III”; uma dobradeira da marca “KBA”; um painel de controlo; um posto de saída da marca “GAMMERLER”, composta por tapetes; sistema de corte em linha modelo “RS134”, stacker modelo “KL52”, n.º de série 61003000.

• BTC 4 - Lote composto por uma maquina rotativa de impressão da marca KBA modelo C618, com a identificação nº 529, nº de circuito 60902100, composto por alimentador de bobine nº529, do ano 2002: esticador de papel, 4 corpos de impressão, uma estufa da marca MECTEC, modelo Dual Dry III, sem numero de serie visível, sistema de rolagem de frio, a marca KBA, numero maquina K304, ano 2002, sistema de rolagem de silicone, uma maquina dobradeira da marca KBA, tipo P5.5.5-1240L, do ano 2002, linha de corte composta por 5 tapetes de curva da marca GAMMERLER ; 5 tapetes rectos, um tapete de descarga, um acalcador, 2 guilhotinas modelo RS154; um elevador com curva, alinhador de papel, um staker da marca GUIMMERLER, modelo KL-520, nº7577/2006; mesas de comando.

• BTC5 – correspondente a “uma máquina rotativa de impressão marca “KBA”, modelo C 215, com o nº de série circuito 60510400, composta por: alimentador de bobines; um esticador de papel; quatro corpos de impressão; sistema de rolos de captura de papel, uma estufa da marca “MEGTEC”, modelo “DUAL – DRY III”, um sistema de rolos de frio, um sistema de rolos de silicone; uma dobradeira nº 6050400, do ano 2006; uma máquina de folha-a-folha da Marca “ROTOCUT S”, tipo “QR=”, n.º 967, ano 2006; mesas de comando.

Do Apenso C, com relevo para a decisão da causa apurou-se que:

3) No exercício da sua atividade creditícia, a credora ABANCA CORPORACIÓN BANCARIA, S.A., SUCURSAL EM PORTUGAL, celebrou, no dia 18 de Julho de 2007, com a sociedade Insolvente SOGAPAL SOCIEDADE GRÁFICA DA PAIÃ, S.A., na qualidade de locatária, e AA, DD e EE, na qualidade de Avalistas, o Contrato de Locação Financeira Mobiliária n.º ...96, e respetivo Aditamento a 31 de Agosto de 2011.

4) No contrato em apreço foi dado em locação uma máquina de Impressão Rotativa KBA Compacta 618.

Do Apenso F com relevo para a decisão da causa apurou-se que:

5) No âmbito da sua atividade o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A BCP celebrou com a Insolvente, a solicitação expressa desta, os seguintes contratos:

• Contrato de locação financeira mobiliária n.º ...32, celebrado em 02.07.2014.

• Contrato de locação financeira mobiliária n.º ...36, celebrado em 02.07.2014.

• Contrato de locação financeira mobiliária n.º ...37, celebrado em 02.07.2014.

• Contrato de locação financeira mobiliária n.º ...40, celebrado em 02.07.2014.

• Contrato de locação financeira mobiliária n.º ...41, celebrado em 02.07.2014.

6) Em 23.09.2016, foi celebrado um aditamento aos contratos através do qual operou a cessão da posição contratual da insolvente a favor da “Sogapal, Comércio e Indústria de Artes Gráficas, SA, NIPC ...64, e sede em Estrada ....

6 -A) No contrato de locação financeira identificado em 5) sob o n.º de contrato ...37, foi consignado que o objeto do contrato era uma máquina de impressão rotativa K618 (usada), que havia já sido objeto de anterior contrato de locação financeira n.º ...44, entre o ali locador e o locatário, com início em 25/12/2007, sendo depois tal contrato objeto do aditamento identificado em 6), em 23/09/2016, nele sendo aposto que o objeto do contrato era uma máquina de impressão rotativa Compacta 618 com o nº de serie 60902000.

6 -B) No contrato de locação financeira identificado em 5) sob o n.º de contrato ...40, foi consignado que o objeto do contrato era uma máquina de impressão rotativa KBA compacta 618 (usada), que havia já sido objeto de anterior contrato de locação financeira n.º ...84, entre o ali locador e o locatário, com início em 25/06/2007, sendo depois tal contrato objeto do aditamento identificado em 6), em 23/09/2016, nele sendo aposto que o objeto do contrato era uma máquina de impressão rotativa KBA Compacta 618 com o nº de serie 60902100”.

6º-C) Com datas de 20/12/2007 e 22/06/2007, a insolvente faturou ao BCP, os bens em causa nas verbas BTC2 e BTC4, que este liquidou.

Do Apenso J com relevo para a decisão da causa apurou-se que:

7) Operou-se a favor do NOVO BANCO, S.A. a transferência de direitos (e ativos) e obrigações do Banco Espírito Santo, S.A ficando investido na posição de credor de cada um dos créditos anteriormente detidos pelo Banco Espírito Santo, S.A. (sendo que este último já tinha incorporado por fusão a BES Leasing e Factoring Instituição de Crédito, S.A.).

8) Em 27.04.2011, o BES, S.A. celebrou com a Insolvente SOGAPAL um contrato de locação financeira mobiliária com o n.º ...06.

9) Mediante o referido contrato de (re)locação financeira mobiliária, deu a aqui Autora em locação à Insolvente SOGAPAL equipamentos que outrora tinham sido locados ao abrigo de dezassete outros contratos de locação financeira mobiliária outorgados entre os anos de 2006 e 2010.

10) A aqui Autora adquiriu e relocou o referido equipamento à Insolvente SOGAPAL.

Do Apenso L com relevo para a decisão da causa apurou-se que:

11) No exercício da sua atividade comercial, em 09.11.2007, a Autora KBA celebrou com a Insolvente um contrato de compra e venda de máquina de impressão, com reserva de propriedade, no valor de €8.106.204,64, tendo por objeto a máquina de modelo C818, com o n.º de série 61003000.

12) No referido contrato, o qual se encontrava ainda em execução à data da declaração de insolvência, foi aposta uma cláusula de reserva de propriedade, ao abrigo da qual a Autora reservou para si a propriedade da máquina até integral pagamento do preço.

13) O valor da máquina C818, com o n.º de série 61003000, nunca foi integralmente pago pela Insolvente à Autora.

14) No exercício da sua atividade comercial, a Autora celebrou com a Insolvente em 11.01.2006 um contrato de compra e venda de máquina de impressão, com reserva de propriedade, denominado por “Contrato de Compra e Venda com Reserva de Propriedade”, no valor de €4.522.301,39, que tinha por objeto a máquina de impressão de modelo Compacta C215, com o n.º de série 60510400.

15) No referido contrato, o qual se encontrava ainda em execução à data da declaração de insolvência, foi aposta uma cláusula de reserva de propriedade, ao abrigo da qual a Autora reservou para si a propriedade da máquina até integral pagamento do preço.

16) O valor desta máquina C215, com o n.º de série 60510400, também não foi integralmente pago pela Insolvente à Autora.

17) Por carta datada de 17.12.2021, o Exmo. Administrador de Insolvência foi notificado por carta para informar a Autora se pretendia proceder ao cumprimento dos referidos contratos de compra e venda, liquidando os montantes que ainda se encontram em dívida.

18) Em resposta à referida missiva, o Exmo. Administrador de Insolvência comunicou que não existiam condições para cumprir os contratos em apreço.

*

Factos não provados:

Do Apenso C com relevo para a decisão da causa não se apurou que:

a) A máquina de Impressão Rotativa KBA Compacta 618 objeto do contrato de locação financeira referido em 3) e 4) dos factos provados corresponde à máquina apreendida em BTC 2 ou em BTC 4;

Do Apenso F com relevo para a decisão da causa não se apurou que:

b) Os contratos de locação financeira identificados em 5) tiveram por objeto os seguintes bens móveis:

• O contrato nº ...32 teve por objeto a máquina de impressão rotativa - Compacta 215 com o nº de serie 60510400;

• O contrato nº ...36 teve por objeto a máquina de impressão rotativa - Compacta 818 com o nº de serie 61003000;

• O contrato nº ...41 teve por objeto a máquina de impressão rotativa Compacta 618 com o nº de serie 60903800.

Do Apenso J com relevo para a decisão da causa não se apurou que:

c) O equipamento de impressão rotativa KBA Compacta 215 com o n.º de série: 60509200, correspondente à BTC 1, corresponde ao que foi vendido pela insolvente ao Novo Banco em 26.11.2008.

d) O equipamento de impressão rotativa KBA Compacta 618 com o n.º de série 60902000 correspondente à BTC 2, corresponde ao que foi vendido pela aqui insolvente ao Novo Banco, em 26.11.2008.

e) O equipamento de impressão rotativa KBA Compacta 818 com o n.º de série 6100300 descrito na verba BTC 3 corresponde ao equipamento vendido pela aqui insolvente ao Novo Banco, em 09.12.2007.

f) A máquina de impressão rotativa KBA Compacta 618 com o n.º de série 60902100, descrita na verba BTC 4, corresponde à que foi vendida pela aqui insolvente ao Novo Banco, em 26.11.2008.

g) A máquina de impressão rotativa KBA Compacta 215 com o n.º de série: 60510400, correspondente à verba BTC5, corresponde à máquina que foi vendida pela aqui insolvente ao Novo Banco.

***

I .Admissibilidade do recurso na parte em que o acórdão recorrido confirmou a sentença proferida na 1ª instância e reconheceu à autora K..., o direito de propriedade sobre os bens constantes das verbas n.ºs BTC3 e BTC5, do Auto de Apreensão de Bens Móveis e determinou a separação destes bens da lista de bens apreendidos a favor da Massa Insolvente e ainda no segmento que – absolveu a massa insolvente Sogapal - Sociedade Gráfica da Paiã, S.A. dos pedidos contra si formulados pelos credores Abanca Corporacíon Bancária, S.A. e Novo Banco S.A., julgando improcedentes, por não provados, os pedidos por estes credores formulados.

Recorrente e Recorrido foram notificados para se pronunciarem sobre a questão da inadmissibilidade da revista nessa parte, nos termos do artigo 655º n.º1 do CPC.

O Recorrente Novo Banco pronunciou-se defendendo que o recurso deve ser admitido na totalidade, sustentando não ter apoio na letra do n.º 3 do artigo 671º do CPC, a possibilidade de não admissão parcial da revista e que se está a restringir o seu direito ao recurso o que constitui uma ofensa ao princípio constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

***

O artigo 671º n.º 3 do CPC estabelece que, sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não é admissível revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto vencido e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão proferida na 1ª instância.

Ao contrário do que defende o Recorrente não é a divergência verificada num segmento decisório que pode despoletar a revista normal relativamente a todo o acórdão.

Quando uma causa, como a presente, comporte pluralidade de objetos processuais autónomos, a existência de dupla conforme tem de ser aferida relativamente ao decidido pelas instâncias acerca de cada um desses objetos processuais autónomos.

Como decidiu o acórdão do STJ de 3.10.2019, processo n.º 2020/16.4T8GMR.G1.S2: “Havendo no acórdão da Relação duas decisões distintas, ambas abrangidas pelo recurso de revista dele interposto, esse recurso, na sua modalidade normal, apenas pode ser admitido quanto a uma dessas decisões se apenas em relação a ela ocorrer a inexistência de dupla conforme” ( cf. neste sentido, acórdãos do STJ de 10.04.2014, processo n.º 2393/11.5TJLSB.L1.S1, relator Granja da Fonseca e de 10.10.12, processo n.º 29/09.3TBCPV.P1.SI, relator Lopes do Rego) e na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 304, Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, ( 3ª edição), pág. 204).

No caso, o acórdão recorrido confirmou, sem voto vencido, a sentença proferida na 1ª instância no seguimento em que reconheceu à autora K..., o direito de propriedade sobre os bens constantes das verbas n.ºs BTC3 e BTC5, do auto de apreensão de bens móveis e no segmento que julgou improcedentes os pedidos do recorrente Novo Banco.

Considerando ser entendimento pacífico que a fundamentação do acórdão que confirma, por unanimidade, a sentença do tribunal de 1ª instância, apenas tem fundamentação essencialmente diferente, quando a fundamentação da Relação tenha assentado, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam fundamentado e justificado a sentença da 1ª instância, sendo irrelevantes para esse efeito, discrepâncias marginais e secundárias, verifica-se a dupla conforme.

Na verdade, as decisões da 1ª e 2ª instância, inscrevem-se no mesmo quadro normativo, concretamente quanto aos pedidos formulados pela K... (K...), pelo Novo Banco, pelo Banco Comercial Português e Abanca que respeitam ao direito de propriedade sobre os bens constantes das verbas n.ºs BT1 a BTC5, do Auto de Apreensão de Bens Móveis.

A decisão da sentença quanto à questão do direito de propriedade desses bens teve por fundamento a factualidade que julgou provada e não provada.

Como consta da fundamentação da decisão da matéria de facto, considerou que “as verbas BTC 3 e BTC 5 tinham reserva de propriedade da KBA ainda activa face à existência de valores ainda em divida pela Sogapal a este fornecedor.” E “ quanto às demais verbas BTC 1, BTC 2, BTC 4 não se apurou que fossem pertença dos credores Abanca, BCP, ou Novo Banco conforme foi por estes credores foi reivindicado.”

Na fundamentação de direito, consta: “Face à prova produzida podemos concluir que a acção terá de improceder relativamente aos pedidos formulados pelos credores Abanca, BCP e Novo Banco. Com efeito tinham estes credores o ónus de provar os factos que alegam nomeadamente o seu direito de propriedade sobre as verbas BTC 1 a 5 encontradas nas instalações da Massa Insolvente.

Não o tendo feito, inexistindo prova do direito de propriedade destes credores sobre os bens que compõe aquelas verbas, terão que improceder os pedidos respectivamente formulados.”

A fundamentação para julgar procedente o pedido da Autora K..., foi a seguinte: “ (..) face aos factos apurados nos autos, dúvidas não temos em afirmar que foram efetivamente apreendidas para a massa insolvente as verbas BTC 3 e BTC 5 que tem reserva de propriedade a favor da Autora KBA.

A cláusula de reserva de propriedade a favor da K... é válida e foi reduzida a escrito.

Sendo válida, tendo a insolvente deixado de cumprir as obrigações resultantes dos contratos de compra e venda celebrados com a K..., não pretendendo o Sr. Administrador de insolvência cumprir os contratos celebrado, tem aK... direito à restituição daqueles bens.”

Atentas as conclusões apresentadas pelo apelante Novo Banco, que não impugnou a decisão da matéria de facto, cumprindo os ónus impostos pelo artigo 640º do CPC, o acórdão recorrido conheceu das nulidades arguidas pelo apelante, julgando-as improcedentes e quanto à única que foi concretizada, prevista na al. e) do n.º1 artigo 615º, consta da fundamentação: (…)

“No caso dos autos, nenhuma nulidade por excesso de pronúncia ou por condenação superior ou diferente resulta da sentença recorrida.

Nas alegações/conclusões do recurso de apelação, sem que, registe-se, tenha sido pedida a alteração de qualquer materialidade factual, que não impugnou (à luz do artigo 640.º do CPC), alega a recorrente que a autora K... não pediu o reconhecimento do direito de propriedade sobre a totalidade dos equipamentos que fazem partes das verbas BTC3 e BTC5, mas sim e apenas, das máquina rotativas de impressão marca “KBA”, modelos 818 e 215, que constam dos contratos de compra e venda com reserva de propriedade junto aos autos pela aludida autora com a sua petição inicial.

Não resulta dos autos que assim seja.

Na sentença recorrida, de facto, decidiu-se, pelas razões de direito nela aduzidas, julgar a ação intentada pela credora K..., parcialmente procedente, por parcialmente provada, reconhecendo-lhe o direito de propriedade sobre os bens constantes das verbas n.ºs BTC3 e BTC5, do auto de apreensão de Bens Móveis, determinando-se a separação destes bens da lista de bens apreendidos a favor da Massa Insolvente.

Foi esse mesmo o pedido feito pela autora no apenso respetivo (L), onde finalizou assim a sua petição inicial: «Nestes termos e nos mais de direito aplicável, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser reconhecido o direito de propriedade da autora sobre os bens que integram as verbas n.ºs BTC3 e BTC5, constantes do auto de apreensão de bens móveis e, consequentemente, ser ordenada a sua separação dos bens apreendidos a favor da massa insolvente».

Sendo que no auto de apreensão junto aos autos, que sustenta os factos dados por provado sob o n.º 2, foi consignado que «Em 06/07/2021 o Sr. Administrador da Insolvência procedeu à apreensão, entre outras das seguintes verbas: BTC3 - “lote composto por uma máquina rotativa da marca “KBA” de 64 páginas, modelo “COMPACT 818”, composta por: porta bobines da marca “KBA”, quatro corpos de impressão da marca “KBA”, uma estufa da marca “MEGTEC”, modelo “DUAL-DRY III”; uma dobradeira da marca “KBA”; um painel de controlo; um posto de saída da marca “GAMMERLER”, composta por tapetes; sistema de corte em linha modelo “RS134”, stacker modelo “KL52”, n.º de série 61003000” (…) BTC5 – correspondente a “uma máquina rotativa de impressão marca “KBA”, modelo C 215, com o nº de série circuito 60510400, composta por: alimentador de bobines; um esticador de papel; quatro corpos de impressão; sistema de rolos de captura de papel, uma estufa da marca “MEGTEC”, modelo “DUAL – DRY III”, um sistema de rolos de frio, um sistema de rolos de silicone; uma dobradeira nº 6050400, do ano 2006; uma máquina de folha-a-folha da Marca “ROTOCUT S”, tipo “QR=”, n.º 967, ano 2006; mesas de comando».

Considerando a formulação dos “lotes” e composição das máquinas, nos termos textualizados no auto de apreensão que ninguém pôs em crise, considerando o pedido feito e o teor da sentença proferida, nenhum vício decorre da leitura da mesma, nada permitindo a este tribunal concluir que o tribunal a quo condenou a ré além do pedido ou em objeto diverso deste. Se os lotes foram indevidamente formados, se permitiam a discussão de diferentes verbas nos mesmos, se as máquinas têm diferentes componentes, são questões fáticas que ultrapassam a discussão nos termos em que a mesma foi colocada, de mera nulidade da sentença. Como refere o Exmo. Conselheiro Fernando Baptista, no acórdão do STJ de 30/11/2022, disponível na dgsi «(…) destinando-se as nulidades da decisão a remover aspetos de ordem formal que, eventualmente, inquinem a decisão, não é a arguição das mesmas adequada para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido, designadamente no que se reporta aos factos provados e não provados».

Donde, e sem mais, se impõe concluir que a sentença recorrida não enferma dos vícios de nulidade que lhe são apontados pela recorrente.”

Quanto às restantes conclusões apresentadas pelo apelante Novo Banco, consta, no essencial, da fundamentação do acórdão:

“Não obstante, em sede de recurso, para além de parte das verbas correspondentes à BTC3 e BTC4 (as duas máquinas rotativas 818 e C215, que admite pertencer à K..., dada a existência de reserva da propriedade), argumenta a recorrente que todos os restantes equipamentos integrantes dessas verbas, bem como toda verba BTC1, são sua propriedade, uma vez que a devedora assim o confessou, a aqui recorrente juntou documentação que comprova a aquisição de tal equipamento à aqui insolvente e mais nenhum dos restantes credores/autores se arrogou proprietário de tais equipamentos.

Finaliza alegando que apenas nos bens que foram identificados no auto de apreensão sob a forma de BTC2 (Máquina de impressão rotativa Compacta 618 com o n.º de série 60902000) e BTC4 (Máquina de impressão rotativa Compacta 215 com o n.º de série 60902100), subsiste divergência quanto à titularidade da sua propriedade entre os credores autores Novo Banco e o BCP, sendo que ambos se arrogam como proprietários de tais equipamentos. Assim, fazendo apelo a toda a documentação carreada para os autos por ambas as recorrentes, que a prova testemunhal foi inconclusiva quanto à identificação concreta de tais equipamentos, que foram vendidos em duplicado a ambas as instituições bancárias, não sendo possível identificar quem adquiriu em primeiro lugar, até porque nas faturas iniciais juntas com os contratos de locação financeira mobiliária celebrados não constam os n.ºs de série associados aos equipamentos em apreço, requer que seja reconhecido o direito de propriedade de tais bens a esses dois credores/autores, em regime de compropriedade.

Ora, tal pretensão recursiva não pode vingar.

Em primeiro lugar, e como dissemos já, na ausência de impugnação da decisão de facto e de motivo para proceder à sua alteração, é sobre a matéria de facto fixada que se procederá à reponderação das questões de direito objeto do recurso.

A ser assim, formulando a aqui recorrente pedido de separação de bens, arrogando-se para o efeito proprietária dos mesmos, exigia-se então a alegação e prova da aquisição originária do direito de propriedade invocado, ou a alegação e documentação das aquisições derivadas que formassem uma cadeia ininterrupta de aquisições até ao autor da pretensão (Cfr. Ac. do STJ de 15/06/1994 relatado por Faria de Sousa e sumariado na dgsi).

Nesta senda, restritas que se encontram as causas jurídicas de aquisição do direito de propriedade às previstas pelo aludido artigo 1316.º do CC, pressuposto seria que tivesse logrado provar nos autos uma das formas de aquisição ali previstas; não obstante, do elenco dos factos provados e não provados, que a recorrente não impugnou, não resulta que a mesma o tivesse logrado fazer.

Com efeito, em petição inicial, admitindo que de acordo com diligência efetuada junto das instalações da Insolvente, no dia 17/06/2021, os bens em causa estavam na sede da insolvente, fundamentou o seu pedido num contrato de (re)locação financeira mobiliária, mediante o qual deu em locação à Insolvente SOGAPAL o equipamento em causa no recurso, outrora locado ao abrigo de dezassete outros contratos de locação financeira mobiliária outorgados entre os anos de 2006 e 2010.

Apelando a diversa documentação, afirmava então que os aludidos equipamentos haviam sido vendidos e faturados pela insolvente à recorrente em 09/12/2007, 18/04/2008, 26/11/2008 e 27/04/2009.

Não obstante, não logrou convencer o tribunal dessa alegação, ali se julgando apenas provado que:

«8) Em 27.04.2011, o BES, S.A. celebrou com a Insolvente SOGAPAL um contrato de locação financeira mobiliária com o n.º 2058006.

9) Mediante o referido contrato de (re)locação financeira mobiliária, deu a aqui Autora em locação à Insolvente SOGAPAL equipamentos que outrora tinham sido locados ao abrigo de dezassete outros contratos de locação financeira mobiliária outorgados entre os anos de 2006 e 2010.

10) A aqui Autora adquiriu e relocou o referido equipamento à Insolvente SOGAPAL»

E não provado que:

«c) O equipamento de impressão rotativa KBA Compacta 215 com o n.º de série: 60509200, correspondente à BTC 1, corresponde ao que foi vendido pela insolvente ao Novo Banco em 26.11.2008.

d) O equipamento de impressão rotativa KBA Compacta 618 com o n.º de série 60902000 correspondente à BTC 2, corresponde foi vendido pela aqui insolvente ao Novo Banco, em 26.11.2008.

e) O equipamento de impressão rotativa KBA Compacta 818 com o n.º de série 6100300 descrito na verba BTC 3 corresponde ao equipamento vendido pela aqui insolvente ao Novo Banco, em 09.12.2007.

f) A maquina de impressão rotativa KBA Compacta 618 com o n.º de série 60902100, descrita na verba BTC 4, corresponde à que foi vendida pela aqui insolvente ao Novo Banco, em 26.11.2008.

g) A máquina de impressão rotativa KBA Compacta 215 com o n.º de série: 60510400, correspondente à verba BTC5, corresponde à máquina que foi vendida pela aqui insolvente ao Novo Banco».

Para tanto, o tribunal da 1ª Instância apreciou os depoimentos prestados em julgamento, tendo, no que concerne aos documentos juntos, consignado que «Para fundamentar os factos provados em 8) a 10) e não provados em c) a g) socorreu-se o Tribunal dos documentos 3), 5), 7) a 11) juntos pelo Novo Banco ao Apenso J. Ora, o documento 3 traduz o contrato de locação financeira celebrado entre a Insolvente e o credor onde, mais uma vez, há uma referência genérica ao objeto do contrato como sendo “equipamento diverso conforme fatura pro forma em anexo”. As faturas em anexo são as que constam dos documentos 7 a 11 deste apenso J, e que também aqui se limitam a referir as máquinas sem qualquer concretização em termos de número de serie.

O único documento junto por este credor onde consta a identificação da máquina com o nº de serie é o documento 5 que traduz uma relação de equipamento, mas cuja origem e data se desconhece (segundo a testemunha FF seria a lista de equipamento usada na restruturação dos diversos leasings em 2011). Confirmando a ausência da identificação concreta das máquinas locadas (sem números de serie) estão também os documentos juntos com o requerimento refª ...58 de 06.01.2023. Atente-se a que nenhum dos contratos de locação financeira realizados tem uma identificação da máquina a que se refere, nenhuma das faturas identifica a máquina a que diz respeito (sem ser a identificação genérica do tipo de máquina), o contrato de seguro também nada diz, e os autos de receção dos equipamentos nada dizem».

Nada nos autos belisca a argumentação assim aduzida, que o recurso interposto não tem capacidade para atacar. Aliás, e mais uma vez dizemos, a recorrente não atacou a fundamentação de facto, que não impugnou, limitando-se agora, em termos genéricos, numas longas e prolixas alegações e conclusões de recurso, a dizer que juntou documentação que comprova a aquisição dos equipamentos à aqui insolvente (sem em nada contrariar ou argumentar contra a análise que foi feita na sentença recorrida e que subscrevemos) e mais nenhum dos restantes credores/autores se arrogou proprietário de tal equipamento (o que, como é evidente, não torna a recorrente dele sua proprietária, pois que a afirmação de tal direito não é feita por exclusão de partes), não podendo também o tribunal, aceitando a autora que a prova testemunhal é insuficiente e a documentação também, afirmar o direito de propriedade em regime de compropriedade sobre as verbas BTC2 e BTC4, nos moldes pretendidos pela recorrente, para o que não existe qualquer suporte, quer factual, quer legal (veja-se, aliás, que das suas alegações de recurso resulta que as faturas que por parte do BCP titulariam a compra das aludidas máquinas à insolvente são anteriores às próprias faturas que invoca para justificar a sua própria aquisição).

Resultando apenas da matéria de facto provada que em 27/04/2011, o BES celebrou com a Insolvente um contrato de locação financeira mobiliária com o n.º ...06, contrato que corresponde a uma reestruturação de dezassete contratos de locação financeira mobiliária celebrados entre 2006 e 2010, que remete para faturas proforma e não identifica números de série do equipamento objeto do contrato, terá, claramente, que improceder a pretensão recursiva deduzida nos autos. Tendo em conta que das faturas apresentadas não é possível aferir que máquinas a recorrente adquiriu, dado que nas mesmas não é mencionado nenhum número de série que identifique cada equipamento e o possa distinguir dos demais a ele semelhantes, nenhuma fatura tendo sido emitida pela insolvente Sogapal, que titule os referidos contratos, descriminando o número de série das máquinas, objeto do respetivo contrato de locação, tenderemos a concordar com a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Razão pela qual, e sem mais, confirma-se o juízo feito na sentença recorrida, de que o Novo Banco não logrou demonstrar ser proprietário das verbas apreendidas e aqui reclamadas, assim improcedendo o pedido de restituição de tais bens.»

Como se constata da fundamentação da sentença e do acórdão recorrido acima transcrita, as questões em causa, na parte em que este confirma a sentença não são essencialmente diferentes, pelo contrário são coincidentes.

De referir que o conhecimento das nulidades arguidas pelo recorrente Novo Banco que foram julgadas improcedentes, não afasta a dupla conforme.

Por outro lado, como é também entendimento pacifico a arguição das nulidades do acórdão quanto à decisão que não admite recurso de revista compete à Relação e não prejudica a dupla conformidade de decisões impeditiva da admissibilidade do recurso de revista normal ( cf. neste sentido acórdãos do STJ de 3.10.2019, processo n.º 2020/16.4T8GMR.G1.S2 e de 11.07.2019, processo n.º 843/17.6T8OVR-A.P1.S1).

Assim sendo e dado que o acórdão recorrido confirmou a sentença proferida na 1ª instância, sem voto de vencido e com fundamentação essencialmente conforme, na parte em que reconheceu à autora K..., o direito de propriedade sobre os bens constantes das verbas n.ºs BTC3 e BTC5, do Auto de Apreensão de Bens Móveis e determinou a separação destes bens da lista de bens apreendidos a favor da Massa Insolvente e ainda na parte em que confirmou a sentença na parte que julgou improcedente os pedidos do Recorrente de separação de bens, o recurso de revista nesses segmentos, não é admissível, nos termos do artigo 671º n.º 3 do CPC.

Por conseguinte, não se vai conhecer dos três primeiros pedidos formulados pelo recorrente Novo Banco, com fundamento nas conclusões 7ª a 21ª, nem da nulidade arguida na conclusão 27ª, com fundamento nas anteriores 22ª a 26ª, que respeita ao reconhecimento do direito de propriedade da K..., sobre os bens constantes das verbas n.ºs 3 BTC3 e BTC5.

De referir que as conclusões 1ª a 6ª são irrelevantes, dado que as quatro primeiras se limitam a sustentar a admissibilidade da revista e a 5ª e 6ª referem-se à fixação dos temas de prova e objeto do litígio.

A admissibilidade do recurso de revista está, pois, limitada ao segmento do acórdão que julgou procedente a apelação do Banco Comercial Português e revogou nessa parte a sentença e reconheceu a propriedade das verbas apreendidas à ordem dos autos sob a denominação BTC2 e BTC4 a favor da ora apelante BCP e, consequentemente, ordenou a separação dos referidos bens da massa insolvente com a sua restituição àquela (conclusões 28ª a 47ª) e ao último pedido formulado pelo apelante Novo Banco.

O Recorrente defende que esta interpretação do n.º 3 do artigo 671º do CPC, viola o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

No entanto, está consolidado, na nossa ordem jurídica, o entendimento que o triplo grau de jurisdição em matéria cível não constitui uma garantia generalizada e não viola o disposto no artigo 20º da CRP.

Como consta da fundamentação do acórdão do STJ de 31.03.2022, processo n.º 25/12.0TBAGH-A.LI-A.SI (relator Cura Mariano), que se subscreve: “ (…) parafraseando abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, há que dizer que a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º.

Se é verdade que se tem considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem diretamente direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal, em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.

Impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional – artigo 210.º), terá de admitir-se que o legislador ordinário não poderá suprimir radicalmente os tribunais de recurso e os próprios recursos.

Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões. O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afetar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.

Daí que nada impeça o legislador ordinário de aprovar um regime restritivo de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, obstando a que muitos dos litígios tenham um terceiro grau de jurisdição, ou como, sucede no presente caso, todas as decisões dos tribunais das Relações sejam passíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.” (cf. no mesmo sentido, entre outros, o acórdão do STJ de 24.05.2022, (relatora Catarina Serra), proc. nº20464/95.1TVLSB.L1-A. S1 e os acórdãos do Tribunal Constitucional, nele citados, n.º 431/02, de 22.10.2002 , n.º 100/99, de 10.02.1999 e n.º 657/2013, de 8.10.2013).

Por este motivo, a interpretação do n.º 3 do artigo 671º do CPC, na medida que não admite recurso de revista, em segmento decisório autónomo, em situação de dupla conforme, não ofende qualquer direito constitucional.

II - Se há fundamento legal para alterar factualidade julgada provada ou não provada.

O Recorrente nas conclusões 28ª a 43ª limita-se a esgrimir argumentos tendentes a demonstrar que a alteração da decisão da matéria de facto por parte do acórdão recorrido, na sequência da apelação interposta pelo apelante, ora recorrido, BCP, aditamento dos pontos 6-A), 6-B) e 6-C) e eliminação do al. b) dos factos não provados, foi incorretamente julgada.

Nas conclusões 7ª a 22ª também se limitou a invocar declarações, depoimentos e documentos particulares pretendendo demonstrar ter havido erro na decisão da matéria de facto na sentença, não alterada pelo acórdão recorrido.

No entanto, em regra, à exceção dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de direito (art.º 46.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário – LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26.8).

Em conformidade, o n.º 1 do artigo 682º do CPC, estipula: “Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o STJ aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.” E o n.º 2, acrescenta: “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”

Por outro lado, o n.º 3 do art.º 674.º do CPC, estabelece: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Como decidiu o acórdão de 03.03.2020, proc. 3936/17.6T8PRT.P1.S1, relator Fernando Samões, publicado no site da coletânea de jurisprudência: “ A intervenção do STJ no domínio dos factos está reservada ao campo da designada prova tarifada ou vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige determinado tipo de prova para demonstração de certas circunstâncias factuais ou atribui específica força probatória a determinado meio probatório (citado art.º 674.º n.º 3).

É o que (…) tem sido entendido, de forma unânime, no STJ, como se pode ver nos processos a que se reportam os sumários que aqui se reproduzem na parte relevante, como segue:

“(...)

II - Não cabe recurso para o STJ da matéria de facto, nem pode este dizer se a Relação decidiu bem ou mal quando alterou os factos provados e não provados, sustentando a sua posição em prova testemunhal e prova documental sujeitas à livre apreciação – não sendo situação elencada nos arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, ambos do CPC – e não havendo exigência legal, para a prova dos factos alterados, de meio de prova com força tabelada ou mais exigência do que os tomados em consideração. (...)” (de 26-03-2019 Revista n.º 25293/15.5T8LSB.L1.S1 relatora Fátima Gomes);

“I - A discordância da apreciação crítica e conjugada da prova feita pela Relação e da convicção que, com base nas provas produzidas, a mesma formou não é sindicável pelo STJ, desde que não enquadrável nas excepções previstas no art. 674.º, n.º 3, do CPC (de 06-06-2019 - Revista n.º 3416/14.1T8GMR-A.G1.S1, relator António Joaquim Piçarra);

“I - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de revista por escapar aos poderes de sindicância do STJ (n.º 4 do art. 662.º do CPC), a não ser nas duas hipóteses previstas no n.º 3 do art. 674.º do CPC, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova (...).” (de 01-10-2019 - Revista n.º 379/15.0T8GRD.C2.S1, relator -Acácio das Neves);

“I - A função do STJ, como tribunal de revista, está essencialmente ligada à reapreciação de questões de direito, pressuposta a fixação da matéria de facto pelas instâncias.

II - O STJ, mesmo quando esteja em causa matéria de facto, apenas pode ser confrontado com questões de direito, pois é nesse campo que se justifica o acesso ao terceiro grau de jurisdição.

III - Não é da vocação do STJ entrar na apreciação de aspetos que estão ligados à materialidade, a não ser naqueles casos excecionais em que a delimitação da matéria de facto provada ou não provada esteja viciada por algum erro de direito no que concerne à consideração ou desconsideração do valor tarifado de certos meios de prova.

IV - Tendo a Relação, tanto na fixação da matéria de facto, como na formulação dos juízos probatórios sobre os factos provados, se contido nos estritos limites do princípio da livre apreciação dos meios de prova sem valor pleno, está vedada a intervenção do STJ.” (de 17-10-2019 - Revista n.º 2168/08.9TVLSB.L2.S1, relator Abrantes Geraldes).”

Este entendimento manteve-se intocado, nos acórdãos recentes, como é exemplo o de 04.07.2023, Revista n.º 2991/18.6T8OAZ.P1.S1, relator Jorge Leal, que decidiu:“ o STJ apenas pode interferir na decisão da matéria de facto, se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogicidade ou assente em factos não provados. (cf. ainda neste sentido, acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A. E1.S1, relator Isaías Pádua; 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B. G1.S1, relator Tomé Gomes e de 06.02.2024, proc. n.º 3418/18.9T8LSB.L1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor).

Importa recordar, que o Novo Banco na sua apelação não recorreu da decisão da matéria de facto, não cumprindo os ónus impostos pelo artigo 640º n.º 1 alíneas a), b) e c) do CPC, não estando, por isso, em causa o incumprimento pelo acórdão recorrido do disposto no artigo 662º n.º 1 e 2 do CPC.

Assim sendo, o Recorrente não pode, suprir essa falta de impugnação da decisão da matéria de facto no recurso de apelação, pretendendo que o STJ reaprecie a matéria de facto, com fundamento em meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova.

Como se referiu, do artigo 682º n.ºs 1 e 2 do CPC resulta, como regra geral, que o STJ, não pode a requerimento das partes ou oficiosamente modificar a decisão da matéria de facto.

A lei limita-se a excecionar os casos previstos no artigo 674º n.º 3 do CPC, ofensa de lei expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Assim sendo, o STJ apenas pode alterar a decisão da matéria de facto, julgando provados novos factos, como segundo se depreende pretende o Recorrente, sem sequer os concretizar, se estes estivessem plenamente provados no processo, nomeadamente por confissão ou documento.

Ora, apesar do Recorrente referir a “confissão” da devedora, que vendeu os equipamentos ao aqui Recorrente e aqui Recorrido, essa alegada confissão, não é eficaz, nos termos do artigo 353º n.º 2, 2ª parte do Código Civil, por estarmos perante litisconsórcio necessário. A ação de separação e restituição de bens é obrigatoriamente intentada contra a massa insolvente, os credores e o devedor ( cf. artigo 146º do CIRE).

Por outro lado, o Recorrente não indica qualquer documento autêntico ou particular, cuja força probatória não pudesse ter sido afastada pela prova testemunhal produzida.

Como consta das transcrições da sentença e acórdão recorrido a convicção das instâncias foi formada com fundamento na análise dos documentos que constavam nos autos em conjugação com a prova testemunhal produzida.

Se o Recorrente pretendia a alteração da factualidade julgada provada e/ou não provada devia ter na sua apelação, impugnado a decisão da matéria de facto, com cumprimento dos ónus previstos no artigo 640º do CPC.

Estando subtraído ao STJ reapreciar a matéria de facto, que as instâncias julgaram ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, não pode escrutinar se o que foi dado como provado foi ou não bem dado como provado e se corresponde à exata e correta apreciação da prova produzida, sendo, por isso, irrelevante toda a argumentação nesse sentido constante da alegação e conclusões do Recorrente.

Assim, não se vislumbrando que se tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, está afastada a possibilidade legal de o STJ alterar a factualidade fixada pelas instâncias, nos termos conjugados dos artigos 662º n.º 4, e 674º n.º 3, 1.ª parte, do CPC.

Por conseguinte, está liminarmente afastada a revogação parcial do acórdão recorrido como pretende o Recorrente, no pressuposto da alteração da factualidade julgada provada.

III - Se o acórdão recorrido padece das nulidades previstas nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615º CPC.

O Recorrente refere existir a nulidade a que se refere a al c) do artigo 615º do CPC, parecendo sustentar ocorrer contradição entre os fundamentos e decisão.

Como é entendimento pacifico o vicio da contradição entre os fundamentos e a decisão apenas ocorre quando da fundamentação da sentença segue uma determinada linha de raciocínio, apontando numa determinada conclusão e depois, decide em sentido oposto ou divergente ( cf. neste sentido Lebre de Freitas e outros CPC Anotado, 2001, vol. 2º, pág. 670, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Sires de Sousa (no CPC anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 763 e os acórdãos do STJ de 24.01. 2019 processo n.º 668/15.9T8PVZ.P1.S1e de 22.06.2023, processo n.º 1603/19.5T8EVR.E1.S1)

Ora, no caso, a argumentação do acórdão, na sequência da alteração da decisão da matéria de facto, seguiu uma linha de raciocínio, coerente julgando em conformidade, dando procedência à apelação do BCP.

Não há, pois, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

O Recorrente também arguiu a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 artigo 615.º do CPC, segundo o qual constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A “omissão de conhecimento” ou o “conhecimento indevido”, remete para as questões a resolver a que alude o art. 608.º do CPC.

Em obediência ao comando do n.º 2 do art. 608.º, deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer.

Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica invocada por qualquer das partes).

No entanto, como é entendimento pacifico, só a omissão do conhecimento de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, não tendo juiz que analisar um por um todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes ( cf. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pág. 371).

Por outro lado, só ocorre excesso de pronúncia, quando o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de exceções que não sejam do seu conhecimento oficioso (art. 608.º n.º 2º, 2ª parte do CPC).

Ora, o Recorrente acaba por não concretizar que questão por ele suscitada o acórdão recorrido deixou de decidir ou indevidamente conheceu e as questões por ele suscitadas no recurso de apelação foram efetivamente decididas.

O Recorrente invoca ainda a nulidade prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, sustentando ter o acórdão recorrido ordenado a restituição ao BCP, com a consequente, separação da massa insolvente, bens que o recorrido, não tinha pedido a restituição, no artigo 5º da petição inicial.

A condenação ultra petitum resulta da violação do disposto no artigo 609º n.º 1 do CPC, que estipula, não poder a sentença condenar em quantidade superior ou objeto diverso do que se pedir.

O acórdão recorrido julgou a apelação do BCP procedente e reconheceu que era o proprietário das verbas apreendidas à ordem dos autos sob a denominação BTC2 e BTC4 a favor do BCP e, ordenou a separação dos referidos bens da massa insolvente e a sua restituição ao apelante.

Essas verbas, estão identificadas na factualidade julgada provada, da forma seguinte:

- BTC 2 - Uma máquina rotativa de impressão da marca KBA, modelo C618, desmontada, composta por: sistemas de rolos esticadores; 4 corpos de impressão; alimentador de bobines, uma dobradeira nº K267; sistema de rolos de frio e de rolos de silicone, do ano 2001, mesas de comando, com o nº de circuito 60902000.

- BTC 4 - Lote composto por uma maquina rotativa de impressão da marca KBA modelo C618, com a identificação nº 529, nº de circuito 60902100, composto por alimentador de bobine nº529, do ano 2002: esticador de papel, 4 corpos de impressão, uma estufa da marca MECTEC, modelo Dual Dry III, sem numero de serie visível, sistema de rolagem de frio, a marca KBA, numero maquina K304, ano 2002, sistema de rolagem de silicone, uma maquina dobradeira da marca KBA, tipo P5.5.5-1240L, do ano 2002, linha de corte composta por 5 tapetes de curva da marca GAMMERLER ; 5 tapetes rectos, um tapete de descarga, um acalcador, 2 guilhotinas modelo RS154; um elevador com curva, alinhador de papel, um staker da marca GUIMMERLER, modelo KL-520, nº7577/2006; mesas de comando.

Na petição inicial o BCP pedia a separação imediata dos bens sua propriedade da massa insolvente e no artigo 5º identificava esses bens, com indicação do contrato, descrição do bem, modelo e n.º de série, da forma seguinte:

Contrato n.º ...32- Máquina de impressão rotativa – Modelo, compacta 215 – n.º de serie 60510400

Contrato n. ...36 - Máquina de impressão rotativa – Modelo, compacta 818, - n.º de série 61003000

Contrato n.º ...37 - Máquina de impressão rotativa - Modelo, Compacta 618- n.º de série 60902000

Contrato n.º ...40 - Máquina de impressão rotativa – Modelo, Compacta 618- n.º de série 60902100

Contrato n.º ...41 - Máquina de impressão rotativa – Modelo, Compacta 618, n.º de série 60903800.

Por outro lado, nos pontos n.ºs 6-A) e 6-B), aditados pelo acórdão recorrido e que suportaram a revogação parcial da sentença da 1ª instância e a procedência do pedido do recorrido BCP, consta:

No contrato de locação financeira identificado em 5) sob o n.º de contrato ...37, foi consignado que o objeto do contrato era uma máquina de impressão rotativa K618 (usada), que havia já sido objeto de anterior contrato de locação financeira n.º ...44, entre o ali locador e o locatário, com início em 25/12/2007, sendo depois tal contrato objeto do aditamento identificado em 6), em 23/09/2016, nele sendo aposto que o objeto do contrato era uma máquina de impressão rotativa Compacta 618 com o nº de serie 60902000.

No contrato de locação financeira identificado em 5) sob o n.º de contrato ...40, foi consignado que o objeto do contrato era uma máquina de impressão rotativa KBA compacta 618 (usada), que havia já sido objeto de anterior contrato de locação financeira n.º ...84, entre o ali locador e o locatário, com início em 25/06/2007, sendo depois tal contrato objeto do aditamento identificado em 6), em 23/09/2016, nele sendo aposto que o objeto do contrato era uma máquina de impressão rotativa KBA Compacta 618 com o nº de serie 60902100”.

Da comparação da descrição dos bens na petição, com a identificação dos bens constantes nas verbas BTC 2 e BTC4 e dos pontos 6-A e 6-B, constatamos haver correspondência nos números das máquinas rotativas de impressão ( nº 60902000 e 60902100, 3ª e 4º indicadas na petição como números de série e número de circuito nos autos de apreensão).

O acórdão do Tribunal da Relação que se pronunciou sobre as nulidades arguidas pelo Recorrente nesta revista, adiantou a seguinte fundamentação, para afastar esta nulidade: “a formulação dos “lotes” e composição das máquinas, nos termos textualizados no auto de apreensão que ninguém pôs em crise, impedem, naturalmente, que se possa considerar existir uma condenação além do pedido ou em objeto diverso deste. Se os lotes foram indevidamente formados, se permitiam a discussão de diferentes verbas nos mesmos, se as máquinas tinham diferentes componentes, são questões fáticas que ultrapassam a discussão nos termos em que a mesma é colocada, mais uma vez, ao nível do recurso interposto, como mera nulidade da decisão por nós proferida.”

No entanto, atento disposto nos artigos 3º n.º 1 e 5º n.º1 do CPC, que consagram o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância, são as partes, que circunscrevem o objeto do litígio e a sustentação fática das suas pretensões. Consequentemente a sentença tem de inserir-se no âmbito do pedido e da causa de pedir, não podendo o juiz condenar em quantidade ou objeto diverso do que se pedir.

Assim, tendo o recorrido BCP na sua petição pedido a separação e restituição de determinados bens, recaía sobre ele, o ónus de os identificar adequadamente, esclarecendo, se se justificasse, os elementos que integravam as máquinas rotativas de impressão.

Ora, como atrás de referiu, o BCP na sua petição identifica os bens – como máquinas rotativas de impressão e os aditados n.ºs 6-A e 6-B dos factos provados referem apenas máquinas de rotativas de impressão.

Por isso, não pode ser pela circunstância de as duas máquinas rotativas de impressão que se provou serem propriedade do Recorrido BCP integrarem verbas com outros bens, que não está provado que são componentes dessas máquinas, que o acórdão recorrido podia ordenar a restituição de todos os bens que integravam as verbas BTC 2 e BTC4.

É, pois, de concluir que o acórdão recorrido ao ordenar a restituição de bens não incluídos no pedido, violou o disposto nos artigos 609º n.º1 e 615º n.º 1 al. e) do CPC.

Nos termos do artigo 684º n.º1 do CPC tem de ser suprida a nulidade, reduzindo os bens da condenação do acórdão recorrido ao peticionado pelo Recorrido BCP.

Assim, altera-se o acórdão recorrido limitando-se a reconhecer ao BCP a propriedade da Máquina de impressão rotativa Compacta 618 com o n.º de série 60902000 – incluída na verba BTC2 e a Máquina de impressão rotativa Compacta 215 com o n.º de série 60902100 – incluída na verba BTC4

Os restantes bens constantes dessas duas verbas BTC 2 e BTC4. continuam a integrar a massa insolvente, por não estar provado que sejam propriedade do Recorrente Novo Banco.

Decisão

a) Não se conhecer da revista, por inadmissibilidade, quanto aos três primeiros pedidos formulados pelo Recorrente e à nulidade arguida na conclusão 27ª.

b) Indeferem-se as arguidas nulidades previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615º CPC.

c) Julga-se a revista parcialmente procedente e suprindo a nulidade prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 615 do CPC, altera-se o acórdão recorrido e em substituição na parte em que reconhece a propriedade das verbas apreendidas à ordem dos autos sob a denominação BTC2 e BTC4 a favor do BCP, decide-se reconhecer apenas a propriedade da máquina de impressão rotativa compacta 618 com o n.º de série 60902000 – incluída na verba BTC2 e a máquina de impressão rotativa compacta 215 com o n.º de série 60902100 – incluída na verba BTC4 e , consequentemente, ordena-se a separação dessas máquinas da massa insolvente com a sua restituição ao BCP.

d) Julga-se, no mais, quanto ao último pedido formulado pelo Recorrente a revista improcedente.

Custas da revista e da apelação do BCP, pelo Novo Banco e BCP na proporção de 4/5 e 1/5, respetivamente.

Lisboa, 19.03.2024

Os Juízes Conselheiros

Leonel Serôdio ( Relator)

Ricardo Costa ( 1º Adjunto)

Maria Amélia Ribeiro ( 2ª Adjunta)