Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P461
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
RECURSO
RELAÇÃO
MOTIVAÇÃO
CONCLUSÕES
CONVITE DO RELATOR
BUSCA DOMICILIÁRIA
INDÍCIOS
PENA DE EXPULSÃO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Área Temática: DIR PROC PENAL * DIR PENAL
Sumário : 1 – Se o recorrente se dirige à Relação limitando-se a indicar alguma prova, com referência a suportes técnicos, mas na totalidade desses depoimentos e não qualquer segmento dos mesmos, não indica as provas que impõem uma decisão diversa quanto à questão de facto, pois o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
2 – Se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação as especificações ordenadas pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação.

3 – Não se verifica omissão de pronúncia quando o Tribunal conhece da questão que lhe é colocada, mesmo que não aprecie todos os argumentos apresentados, como impressivamente, resulta da al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP ao declarar a nulidade da sentença quando o tribunal deixe de se pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

4 – É legal uma busca a um quarto ocupado numa casa de habitação, mesmo que o respectivo mandato judicial não refira o nome do seu ocupante, se nesse mandato se especifica que fica autorizada a busca da respectiva residência extensível à respectiva caixa do correio, possíveis anexos e arrecadações, sem qualquer exclusão ou reserva.

5 – Os indícios a que se refere o art. 174.º do CPP, no que se refere às buscas 8art. 177.º do CPP) são os de que na residência em causa estão quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, o que se basta com a informação recolhida pela polícia e prestada nos autos de que aí guardaria os arguido objectos relacionados com o tráfico de droga de que seria um dos patrões naquela freguesia.

6 – Estando provado que o recorrente é possuidor de “visto anual de permanência em Portugal” já prorrogada por 3 vezes, tendo pendente no SEF (Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo) um pedido de “título de residência”, cujo processo deu entrada em 14.07.04 e, em 27 de Junho de 2005, ainda se encontrava em fase de instrução; que tem 3 filhos nascidos em Portugal em 25.12.04, 27.11.03 e 19.11.98; que se dedica ao comércio em geral através de uma empresa e que tem a 4.ª classe, sendo primário, é verosímil a tese do arguido de que os seus filhos menores residem em Portugual e de que lhe cabe o exercício do poder paternal, o que basta para afastar a aplicação da pena acessória de expulsão.

7 - É susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. A questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.

8 – Deve baixar de 7 para 6 anos de prisão, como pede o recorrente, a pena aplicada em tráfico simples em que o arguido detêm, para comercializar 310,912 grs de heroína e 784,110 grs de cocaína, 89,563 grs de paracetamol e cafeína e 2 caixas com comprimidos “Redrate “.

Decisão Texto Integral: 20
Processo n.º 461/06, 5.ª Secção
Relator: Conselheiro Simas Santos
1.

O Tribunal Colectivo da 8.ª Vara Criminal de Lisboa (3.ª Secção, proc. n.º 144/04.0 PAAMD), por acórdão de 14.7.2005, decidiu:

– condenar os arguidos, CMV e JCG, como autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do DL n.° 15/93, de 22-01, por referência às tabelas 1-A e B, anexas a esse diploma, nas seguintes penas:

– o arguido CMV, a 7 anos de prisão;

– e o arguido JCG, a 4 anos e 6 meses de prisão;

– e nos termos do disposto no art. 34.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, decretar a sua expulsão do território nacional pelo período de 10 anos ao arguido CMV e 8 anos ao arguido JCG e de lhes interditar a entrada no nosso País, pelos mesmos períodos de tempo (art. 106.° do DL n.º 34/2003).

O arguido CMV recorreu do despacho proferido no decurso do julgamento que indeferiu a inquirição de testemunha e do acórdão final, para a Relação de Lisboa, formulando as seguintes conclusões:

Também inconformado, o arguido JCG recorreu desse mesmo acórdão.

A Relação de Lisboa, por acórdão de 5.12.2005 (proc.° 8465/05-9), veio a negar provimento aos recursos, confirmando na íntegra a decisão recorrida.

Ainda inconformado, veio o arguido CMV a recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo se declarasse nulo o acórdão recorrido, ou se declarasse a nulidade do meio de prova – busca – com todas as consequências legais; ou, se reduzisse a pena concretamente aplicada ao recorrente, e se revogasse a decisão que decretou a sua expulsão do território nacional.

Para tal concluiu na sua motivação:

1. O douto acórdão recorrido não conheceu da impugnação da matéria de facto, tendo contudo o recorrente cumprido os ónus previstos no art. 412° n°3 e n°4, quer na motivação, quer suficientemente nas conclusões.

2. O recorrente especificou concretamente os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, indicou a prova que impunha decisão diversa e fê-lo por referência aos suportes técnicos.

3. Dai que o douto acórdão recorrido deveria ter conhecido da impugnação da matéria de facto, incorrendo por isso na nulidade prevista nos art.s 425° n°4 e 379° n°1 e) do CPP.

4. Ainda que se entenda que o recorrente não cumpriu suficientemente esses ónus nas suas conclusões, então deveria ter sido convidado para as aperfeiçoar, antes de ver rejeitado o seu recurso nessa decisiva matéria para o seu direito de defesa.

5. O recorrente solicitou a não aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional, argumentando.

6. O douto acórdão recorrido, limitou-se a reeditar a decisão da 1ª instância, dizendo-se que estão verificados os respectivos pressupostos e que estão bem doseadas as penas.

7. Verifica-se também aqui a nulidade prevista no art. 425° n°3 e art. 3790 n°1 c) do CPP, pois o douto acórdão recorrido não respondeu às questões concretas que lhe foram colocadas no recurso.

8. Decidiu a decisão agora recorrida pela legalidade da busca ao quarto onde foi encontrado o arguido CMV.

9. Contudo, verifica-se que a busca ao quarto do suspeito TimTim, foi pedida pelo OPC, não foi promovida pelo MP e que o despacho que autorizou a busca ao 2° andar, foi proferido atenta a douta promoção que antecede.

10. Cada um dos arguidos vivia num quarto fechado dentro do tal 2° andar, como se provou.

11. Pelo que se exigia um mandado de busca específico para cada um dos quartos dos visados, o que não se verificou no caso do recorrente.

12. O douto acórdão recorrido, entendeu que não pode considerar-se cada quarto como habitação ou mesmo sua dependência fechada.

13. A interpretação dada pelo douto acórdão recorrido aos artigos 126° e 177° do CPP, contende com o estatuído nos artigos 32° n°8 e 34° da CRP, inquinando aquelas de inconstitucionalidade material.

14. O quarto privado ainda que dentro de uma casa particular integra o conceito de domicilio previsto no art. 34° da CRP.

15. A razão da não promoção estará certamente relacionada com a falta de indícios qualificados para a realização de uma busca domiciliária – o OPC apenas tinha a informação anónima de que o TimTim seria o patrão da droga na Cova da moura.

16. O douto acórdão recorrido defendeu que uma fonte anónima — de que o TimTim seria um dos patrões da droga na cova da moura -, seria suficiente para a realização da busca domiciliária, ao ponto de considerar lapso, o facto de o MP não ter incluído o suspeito TimTim na sua promoção.

17. A busca seria sempre nula por falta de indícios suficientemente fortes para a sua realização — total ausência de suporte fáctico.

18. Pelos motivos melhor expostos na motivação, deve a busca realizada ao quarto onde foi encontrado o arguido CMV ser considerada ilegal e as provas obtidas serem consideradas nulas – 126° n°3 do CPP.

19. O arguido foi condenado na pena de 7 anos de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p.e p. no artigo 21º, n° 1 do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro.

20. Não se apurou que o arguido tivesse antes ligado à venda de estupefaciente e droga toda apreendida.

21. A pena concretamente aplicada ao arguido deverá ser reduzida.

22. O douto acórdão recorrido limitou-se a confirmar a pena de expulsão decretada pela 1ª instancia.

23. Da factualidade dada como provada resulta que o arguido se encontra estabelecido em Portugal pelo menos desde 1997, tem família constituída, todos os seus filhos já nasceram em Portugal.

24. Acresce que, o arguido fez prova de que requereu a autorização de residência com base no art. 87°, al. J) do DL 34/2003 de 25 de Fevereiro, isto é, fundamentando o seu pedido com o facto de ter 3 filhos legalmente residentes em Portugal e sobre os quais exercia efectivo poder paternal.

25. Assim, ponderando o direito do arguido a constituir família e o respeito devido à vida privada e familiar consignado no art. 8° da CEDH, e o interesse do Estado de ordem pública e segurança social, e uma vez que, salvo melhor opinião, não se considera no caso dos autos a imperiosa necessidade social de expulsão do recorrente do território nacional, por sobrelevarem os interesses familiares do arguido e a sua manutenção junto da família, não é de decretar aquela expulsão.

Violaram-se as seguintes disposições:

- Artigos 18°, 26°, 32° e 34° da C.R.P.

- Artigo 7

- Artigos 177°, 379° e 425° do C.P.P.

- Artigo 34° do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro

- Artigo 101° n°1 do D.L. 244/98, de 8 de Julho revisto pelo DL 34/2003, de 25 de Fevereiro.

Respondeu o Ministério Público junto da Relação de Lisboa, concluindo:

1.ºO acórdão recorrido conheceu de todas as questões que tinha de conhecer, sendo, desde logo, de aceitar que, quanto ao recurso da “impugnação da matéria de facto”, não tendo o recorrente dado cumprimento ao disposto no art. 413.° n.°s 3 al c) e 4 do C.P.P., fosse possível a rejeição do recurso, uma vez que nem nas conclusões, nem na motivação do recurso o recorrente referia a prova em que fundou a sua impugnação com referência aos pertinentes suportes técnicos;

2.° No entanto, e impondo-se considerar que o recorrente devia ter sido dispensado de demonstrar ter autorização de residência, bem como dos demais requisitos constantes do art. 87.° n.° 1 al. j) do Dec.-Lei n.° 34/03, de 25/2, bastando que tivesse demonstrado ter autorização de permanência, nos termos do art. 87.° n.° 1 al. j) do Dec-Lei n.° 34/03, de 2 5/2, termos em que deve ser mandada reapreciar a matéria de facto que conduziu à aplicação da pena acessória de expulsão;

3.º Não existe nulidade na busca domiciliária efectuada, face aos termos amplos em que se mostra emitido o respectivo mandado, sendo certo que a prova resultante da apreensão de produto estupefaciente efectuada na sequência resulta ainda legal, face ao que se dispõe nos arts. 178.° n.° 4 e 239.° n.° 2, al c) do C.P.P.;

4.° Tendo sido aplicada uma pena de 7 anos de prisão, nos termos do art. 21.° do Dec-Lei n.º 15/93 de 22/1, não repugna que seja aplicada uma pena inferior de 6 anos de prisão, a aplicar-se o critério que tem sido seguido, não constando antecedentes criminais.

Termos em que deve ser mantido o acórdão recorrido, salvo na parte referente à pena acessória de expulsão, relativamente à qual é de determinar o reenvio para novo julgamento, e quanto à pena de prisão aplicada ao recorrente que é de reduzir para 6 anos.

2.

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, a 1.2.2006, teve vista o Ministério Público

Fixado o respectivo prazo, foram produzidas alegações escritas.

Nelas, o Ministério Público pronunciou-se pelo parcial provimento do recurso: quanto à pena acessória de expulsão e à medida da pena. O arguido recorrente louvou-se na posição do Ministério Público e reafirmou a posição sustentada na motivação.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre conhecer e decidir.

E conhecendo.

2.1.

O arguido recorrente suscita as seguintes questões:

— Não conhecimento pela Relação da impugnação da matéria de facto;

— Legalidade da busca efectuada;

— Nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia

— Aplicação da pena acessória de expulsão;

— Medida da pena.

Vejamos, pois, começando pelas que possam implicar a nulidade da decisão recorrida.

2.2.

Não conhecimento pela Relação da impugnação da matéria de facto (conclusões 1.ª a 4.ª).

Sustenta o recorrente que especificou concretamente os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, indicou a prova que impunha decisão diversa e fê-lo por referência aos suportes técnicos (conclusão 2.ª), pelo que deveria o acórdão recorrido ter conhecido dessa impugnação da matéria de facto, incorrendo na nulidade prevista nos art.ºs 425.° n.°4 e 379.° n.° 1, e) do CPP (conclusão 3.ª). A entender-se diferentemente, deveria tê-lo convidado para o aperfeiçoamento (conclusão 4.ª).

O recorrente, dirigindo-se à Relação, concluiu na sua motivação, quanto a esta questão:

«16 - Mal andou o douto acórdão ao julgar provados os factos constantes nos pontos 4 e 5 da matéria dada como assente.

17- Isto porque estavam em causa duas versões contraditórias entre si a do arguido e a de uma testemunha de acusação.

18 - Pelo que entendemos que deveria ter operado o principio in dubio pro reo e, porque favorável ao arguido, dar-se como não provados os factos impugnados.

19 - Também censuramos os pontos 13 e 14 da matéria de factos dada como provada.

20 - Na verdade, as regras da experiência, sem apoio de outros factos provados, devem vergar perante o principio do in dubio pro reo. (…)

27 - Assim para dar cumprimento ao disposto no art.° 412°, n° 4 do CPP se requer a transcrição dos depoimentos:

Arguido, CMV, gravado na cassete n° 1 lado A, rotações 305 Testemunha de acusação, JAC, gravado na cassete n°1 lado A, rotações 2480 até ao fim e lado B, rotações O a 500.

Testemunha de acusação, MA, gravado na cassete n°1, lado B, rotações 530 a 700 e 756 a 1520 do mesmo lado.

Testemunha de acusação, JJC, gravado na cassete n° 1, lado B, rotações 1560 a 2100 e 2152 até ao fim do mesmo lado e cassete n° 2 lado A, rotações 0 a 370.»

Impõe-se, desde logo, a consideração de que, como observou o Ministério Público na Relação, o recorrente, no recurso para a Relação, se limitou a indicar a fls. 545, alguma prova, com referência a suportes técnicos, a prova em que se fundou a condenação. E fê-lo indicando a totalidade desses depoimentos e não qualquer segmento dos mesmos, como se o julgamento do recurso em matéria de facto na relação fosse um novo e completo julgamento, agora com base nas transcrições da (parte da) prova documentada por gravação.

Sucede, porém, que, como vem entendendo pacificamente este Tribunal e lembra o Ministério Público neste Supremo, o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros. Só essas provas e as que o recorrido e o Tribunal entendam que as contrariam é que são transcritas (cfr neste sentido o Ac. de 15-12-05, proc. n.º 2951/05-5, com o mesmo Relator).

Na sua motivação, o recorrente impugnou expressamente os factos constantes dos pontos n°s 4 e 5, mas limitando-se a pôr em dúvida a credibilidade do depoimento de JJC (testemunha de acusação), em que baseara a convicção da 1.ª Instância, por estar em oposição à sua versão dos factos, remetendo, sem mais, para a generalidade do respectivo suporte técnico, sem precisar qual a parte do depoimento abalado, ou melhor, sem precisar qual a prova que impunha a aceitação de uma diferente factualidade, como o exige a al. a) do n.° 3 do art. 412.° do CPP, ficando-se por considerações genéricas sobre a credibilidade relativa dos dois depoimentos controvertidos.

Em síntese, o recorrente procurou substituir a versão acolhida pelo Tribunal Colectivo pela sua versão – como sublinha o Ministério Público –, tecendo considerações sobre a forma como os factos teriam decorrido, formulando hipóteses e interrogações, opinando sobre o que não seria normal e razoável e sobre o mais provável que tenha acontecido, procurando extrair conclusões favoráveis das regras da experiência comum em contraponto àquelas a que chegou o colectivo pondo, assim, em causa também a apreciação da prova pelo tribunal da l.ª instância.

Mas, já o decidiu este Tribunal, no já citado Ac. de 15-12-05, cujo entendimento se mantém, se o recorrente impugna somente a credibilidade da testemunha deve indicar os elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade dos depoimentos, pois a credibilidade, quando estribada elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso.

Ora, como se viu, não indicou quaisquer elementos susceptíveis de abalar a credibilidade atribuída àquele testemunho, cujos fundamentos, aliás, resultam com nitidez do acórdão da 1.ª Instância.

O recorrente também impugna, na sua motivação, os pontos 13 e 14 da matéria de facto, mas não indica a(s) prova(s) que, em seu entender, justificam uma diferente decisão, antes se limita a contestar, invocando regras de experiência que, não enuncia, a fundamentação indicada para esse ponto, o que é manifestamente insuficiente para a procedência da sua pretensão.

O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar inconstitucional, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento (cfr. Acs de 26-9-01, proc. n.º 2263/01, de 18-10-01, proc. n.º 2374/01, de 10-4-02, proc. n.º 153/00, de 5-6-02, proc. n.º 1255/02, de 7-10-04, proc. n.º 3286/04-5, de 17-2-05, proc. n.º 4716/04-5, e de 15-12-05, proc. n.º 2951/05-5, com o mesmo Relator).

Assim decidiu que (5) se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.º 3 e especialmente do n.º 4 do art. 412.º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431.º do CPP. (6) Este último artigo, como resulta do seu teor, não toma partido sobre o endereçar ou não do convite ao recorrente, em caso de incumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos nos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º, antes vem prescrever, além do mais, que a Relação pode modificar a decisão da 1.ª instância em matéria de facto, se, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, não fazendo apelo, repare-se, ao n.º 4 daquele artigo, o que no caso teria sido infringido. (7) - Saber se a matéria de facto foi devidamente impugnada à luz do n.º 3 do art. 412.º é questão que deve ser resolvida à luz deste artigo e dos princípios constitucionais e de processo aplicáveis, e não à luz do art. 431.º, al. b), cuja disciplina antes pressupõe que essa questão foi resolvida a montante. (8) Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é "a improcedência", por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. (Acs de 7-11-02, proc. n.º 3158/02-5 e de 15-5-03, proc. n.º 985/03-5)

E que, face à declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.º, n.º 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas al.s a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (Ac. n.º 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002), não pode manter-se a decisão da Relação que decidiu não tomar conhecimento dos recursos no que se refere à decisão de facto, por não terem os recorrentes dado cumprimento ao imposto nos n.º 3 e 4 daquele art. 412.º.

Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações, sobre a posição assumida pelos recorrentes face à notificação ordenada ao abrigo do n.º 2 do art. 417.º do CPP e ordenar, se for caso disso, a notificação dos recorrentes para corrigirem/completarem as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos. (Acs. de 12-12-2002, proc. n.º 4987/02-5, de 7-10-04, proc. n.º 3286/04-5, de 17-2-05, proc. n.º 4716/04-5, e de 15-12-05, proc. n.º 2951/05-5, com o mesmo Relator)

O Tribunal Constitucional já teve por aplicável às especificações referidas nos n.º 3 e 4 do mesmo artigo 412.º (Ac. n.º 259/03, DR, IIS, de 13.02.02 e n.º 140.04, DR, IIS, de 17-4-04) a declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.º, n.º 2, do CPP já referida

E distingue este último acórdão a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, caso em que o vício seria insanável, da omissão de levar as especificações constantes do texto da motivação às conclusões, situação que impõe o convite à correcção. Aliás na senda do que tem sido o entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça de que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação (cfr os Acs do STJ de 11-1-01, proc. n.º 3408/00-5, de 8-11-01, proc. n.º 2453/01-5, de 4-12-03, proc. n.º 3253/03-5 e de 15-12-05, proc. n.º 2951/05-5, do mesmo Relator).

Ora, como se viu, o recorrente não deu cumprimento, quer no texto da motivação, quer nas respectivas conclusões, às especificações a que se referem aqueles n.ºs 3 e 4.

Pelo que não havia lugar ao aludido convite para correcção, uma vez que tal se traduziria na ultrapassagem do limite que o texto da motivação consiste.

Assim, não merece censura a decisão recorrida, quando considera:

«Não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto nos termos do art. 412°, n°s 3 e 4, do CPP, como o demonstram as conclusões da motivação do recurso, deverá ser rejeitado por manifestamente improcedente nesta parte.

E, assim sendo, o incumprimento daquele ónus acarreta a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto ((al. b), do art. 431.º, do CPP, o Ac. da Relação de Lisboa de 30.10.02, in CJ, Ano XXVII, Tomo IV, pág.140).

Pela constitucionalidade deste entendimento se pronunciou o Ac. do Tribunal Constitucional n° 140/2004, de 10.03.04, in DR, II Série, de 17.04.04, que decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 4 12°. nos 3 alínea b), e 4, do Código de Processo Penal interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências”.»

2.3.

Nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia (conclusões 6.ª e 7.ª)

Pretende o recorrente que, tendo solicitado a não aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional, argumentando (conclusão 5.ª), o acórdão recorrido se limitou a reeditar a decisão da 1.ª instância, dizendo-se que estão verificados os respectivos pressupostos e que estão bem doseadas as penas (conclusão 6.ª), o que acarreta a nulidade dos art.ºs 425.° n.° 3 e 379.º n° 1, c) do CPP, pois não respondeu às questões concretas que lhe foram colocadas no recurso (conclusão 7.ª).

Na parte dispositiva do acórdão recorrido escreve-se:

«1. O acórdão recorrido fez rigorosa apreciação e valoração da prova produzida em audiência de julgamento, não ocorrendo os vícios constantes do art. ° 410.° nos 2 e 3 do C.P.Penal.

2. O Tribunal a quo decidiu correctamente, com observância dos comandos legais, ao indeferir a inquirição da testemunha. MTFV.

3. Não existe qualquer nulidade na busca efectuada ao quarto do arguido CMV.

4. As penas aplicadas mostram-se correctamente efectuadas não merecendo censura.

5. Não merece censura a medida de expulsão do território nacional aplicado aos arguidos.

VII — Termos em que, negando provimento aos recursos, se confirma na íntegra a decisão recorrida.»

É, assim, patente, que o Tribunal recorrido conheceu (decidiu sobre) todas as questões que lhe haviam sido colocadas no recurso.

E, se atentarmos na argumentação do recorrente, vemos que ele tem consciência disso, pois o que na verdade acaba por alegar é que a decisão recorrida não respondeu aos (todos os) seus argumentos, como expressamente é referido no texto da motivação (cfr. fls. 660-2).

Ora, como vem entendendo este Supremo Tribunal de Justiça, entendimento que se mantém por resultar directamente da Lei, não se verifica omissão de pronúncia quando o Tribunal conhece da questão que lhe é colocada, mesmo que não aprecie todos os argumentos apresentados, como impressivamente, resulta da al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP ao declarar a nulidade da sentença quando o tribunal deixe de se pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (cfr. no mesmo sentido, por todos, os Acs. de 14-2-02, proc. n.º 3732/01-5 e de 16-1-03, proc. n.º 3569/02-5, com o mesmo Relator).

Na verdade, quando o tribunal deixa de apreciar todos os argumentos invocados pelo interessado em defesa da sua tese, não omite por isso a pronúncia devida, se vem a decidir todas as questões colocadas, pois argumentos se não confundem com questões.

E quando tal acontece, não se verifica a nulidade de omissão de pronúncia (Acs. de 30-10-03, proc. n.º 3281/03-5 e de 6-5-04, proc. n.º 3566/03-5, com o mesmo Relator).

Como se decidiu no Ac. de 15-12-05 (proc. n.º 2951/05-5, com o mesmo Relator), não se verifica omissão de pronúncia quando o Tribunal conhece da questão que lhe é colocada, mesmo que não aprecie todos os argumentos invocados pela parte em apoio da sua pretensão. A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.

Saber se as decisões tomadas sobre as questões suscitadas foram correctas, ao que voltaremos mais tarde, envolve eventual erro de julgamento, que não nulidade, como sustenta o recorrente.

2.4.

Legalidade da busca efectuada (conclusões 8.ª a 18.ª)

Sustenta o recorrente que é nula a busca domiciliária, no que se refere a si, por não promoção do Ministério Público, por falta de indícios, por um lado (conclusões 15.ª, 16.ª e 17.ª) e pela circunstância de não ser mencionado o seu nome no mandado, quando vivia num dos quartos, fechado, da casa onde a busca teve lugar, o que se deve considerar equiparado a casa própria, o que exigiria um mandado de busca específico (conclusões 10.ª a 18.ª).

Dispõe o art. 174.º do CPP que, quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista (n.º 1); e que, quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca (n.º 2).

Por seu lado, o art. 177.º, do mesmo diploma legal, postula que a busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade (n.º 1).

Estas disposições inserem-se no Capítulo II – Das revistas e buscas – do Título III – Dos meios de obtenção da prova – do Livro III – Da prova, daquele diploma, o que inculca a sua natureza de meios de prova, destinados exactamente a estabelecer a prática dos crimes e a identidade dos seus autores.

Assim, se pressupõe indícios, como se viu, eles referem-se à existência de objectos relacionados com um crime em determinado lugar, pois que a recolha de indícios e de provas do crime e seus autores é exactamente o que se pretende obter com as buscas e não o contrário.

Nessa lógica, a exigência dos indícios a que se refere o art. 174.º destina-se a preservar os direitos individuais que podem ser feridos pela busca ou revista, afastando as diligências gratuitas e arbitrárias. Ora, a informação do OPC constitui suficiente indício, aliás, confirmado pelo êxito da busca, e nela é referido que o recorrente era um dos patrões da droga no bairro da Cova da Moura, o que não é desvalorizado pela omissão do seu nome mais adiante.

A segunda objecção prende-se com a circunstância de o recorrente ter um quarto fechado nessa casa.

A busca e eventuais apreensões na residência sita na R. dos Reis n.º 4 – 2° andar no Bairro da Cova da Moura, Buraca, Amadora, extensível à respectiva caixa do correio, possíveis anexos e arrecadações, sem qualquer exclusão ou reserva, foi autorizada por despacho judicial (cfr. fls. 16), tendo sido passado e devidamente executado o respectivo mandado (cfr. fls. 17).

Nas circunstâncias, mesmo na lógica da argumentação do recorrente, o quarto que ocupava estava abrangido.

A questão que coloca de se tratar de um quarto fechado que faz parte da casa de habitação, cuja busca foi autorizada, pode relevar num outro domínio, onde já tem sido encarada, mas que é alheio à situação presente. Referimo-nos à questão de saber se a autorização para busca numa casa de habitação, por parte do seu titular abrange os quartos aí existentes ocupados exclusivamente por terceiro cujo consentimento não foi obtido.

Mas, no caso sujeito, não se coloca a questão do consentimento, pois foi autorizada por despacho judicial que definiu os seus limites, sendo certo que, como se analisou, a lei não faz depender a busca da relação entre o titular de habitação e os objectos que se procuram, mas da sua existência em determinado local.

Daí que, como se entendeu na decisão recorrida, se mostre válida e conforme ao direito a busca ordenada e efectuada.

2.4.

Isto posto, vejamos a factualidade apurada pelas instâncias:

Factos provados:

1 - O arguido CMV era tratado pela alcunha de “Tim Tim “, o arguido JCG pela de “Patoi” e o arguido JC pela de “Quarenta”.

2 - Os três arguidos viviam no mesmo andar (2°) do prédio sito no n°4 da Rua dos Reis, no Bairro da Cova da Moura, na Buraca, Amadora, cada um no seu quarto, sendo que o arguido CMV ocupava o quarto identificado no “croqui” de fis. 31 pela letra A, o arguido JCG o quarto indicado pela letra D e o arguido JC o quarto indicado pela letra E, todas do mesmo “croquis”.

3 - No dia 26 de Outubro de 2004, pelas 07H45, a PSP cumpriu os mandados de busca emitidos nos autos para o indicado andar, tendo, nessa ocasião, sido encontrados os três arguidos no interior dos respectivos quartos.

4 - Quando os agentes da PSP lograram abrir a porta do quarto do arguido CMV, tendo sido necessário proceder ao seu arrombamento, o arguido encontrava-se junto à janela do mesmo com um saco na mão direita, saco que, nesse instante, arremessou para cima de um telheiro existente em anexo ao prédio.

5 - De imediato deslocaram-se agentes a este telheiro e aí recuperaram o referido saco, que continha no seu interior uma embalagem com 310,912 gramas de heroína, cinco embalagens com um total de 784,110 gramas de cocaína, todas embrulhadas em papel de jornal, um saco com 89,563 gramas de paracetamol e cafeína e duas caixas com comprimidos da especialidade farmacêutica “Redrate “, que foram apreendidos ao arguido por lhe pertencerem.

6 - No interior do quarto do arguido CMV foram encontrados e apreendidos a este a quantia monetária de 34.735 (trinta e quatro mil setecentos e trinta e cinco euros), em notas do Banco Central Europeu, que se encontravam distribuídas por diversos sacos, dispersos pelo quarto, e três telemóveis (todos de marca Nokia, um de modelo 6100, com cartão da TMN, avaliado em 10 é outro de modelo 3310, com cartão da TMN, avaliado em 10 e, e outro de modelo 5210, com cartão TMN)

7 - Também quando a PSP logrou entrar no quarto do arguido JCG, após arrombamento da porta, este encontrava-se junto à janela do quarto.

8 - Tal arguido acabara de arremessar para o exterior uma bolsa em napa, de cor preta, que continha trinta e sete (37) embalagens com um total de 6,092 gramas de heroína, que foram encontradas pelos agentes, caídas no solo, agentes que logo se deslocaram para a rua quando avistaram o arguido junto à janela, pois suspeitaram que o mesmo tinha acabado de arremessar algo para a rua, o que se veio a confirmar.

9 - Tais embalagens e a bolsa foram apreendidas ao arguido JCG, por lhe pertencerem.

10 - Mais lhe foram apreendidos, encontrados dento do quarto do arguido, a quantia monetária de 75 e (setenta e cinco euros), que estava dentro do bolso das calças do arguido, penduradas numa cadeira, e dois telemóveis (que estavam dentro da gaveta da mesa de cabeceira), um de marca Siemens e modelo A 52, avaliado em 10 , e outro de marca Siemens e modelo MC 60 com um cartão da TMN, avaliado em 56.

11 - A PSP teve igualmente necessidade de proceder ao arrombamento da porta do quarto do arguido José Gomes, vindo a ser-lhe encontrada, no bolso de um casaco, e apreendida, a quantia monetária de 9706 (novecentos e setenta euros), distribuída por 126 notas de 5 6’, 3 notas de 20 e 28 notas de 10 .

12 - Por indicação do arguido CMV, e obtida a sua autorização, a PSP procedeu ainda a uma busca a outra casa do arguido, sita na Rua Manuel da Fonseca, n° 1. r/c dt°, em Vila Nova de Santo André, Sines, onde foi encontrada, dentro de uma gaveta da mesa de cabeceira do quarto, e igualmente apreendida ao arguido, a quantia monetária de 5006, em notas do Banco Central Europeu.

13 - Os arguidos conheciam a natureza estupefaciente dos produtos que lhes foram apreendidos e que tencionavam comercializar.

14 - O pó composto por paracetamol e cafeína e os comprimidos de ‘Redrate “, eram destinados pelo arguido CMV à mistura com a heroína e cocaína, de forma a melhor rentabilizar a comercialização deste estupefaciente.

15 - Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

16 - O arguido CMV é possuidor de “visto anual de permanência em Portugal” já prorrogada por 3 vezes, tendo pendente no SEF (Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo) um pedido de “título de residência”, cujo processo deu entrada em 14.07.04 e, em 27 de Junho de 2005, ainda se encontrava em fase de instrução;

a) - tem 3 filhos nascidos em Portugal em 25.12.04, 27.11.03 e 19.11.98;

b) - dedica-se ao comércio em geral através da empresa “Comércio Geral Vieira” com sede em Santa Catarina, Cabo Verde;

c) - tem a 4 classe.

17 - O arguido JCG é possuidor de “visto anual de permanência em Portugal já prorrogada por 4 vezes, não tendo filhos nascidos em Portugal, nem título válido de autorização de residência em Portugal;

a) - em 21.12.2004 celebrou um contrato de trabalho a termo incerto com a empresa “Safricasa - Empresa Trabalho Temporário, com sede na R. João Crisóstomo de Sá, lote 2, r/c Frente, Queluz (fis. 307);

b) - tem a 4 classe.

18 - O arguido JC é possuidor de “visto anual de permanência em Portugal”, já prorrogada por 3 vezes, tendo um filho nascido em Portugal a 24.06.04, não sendo possuidor de título válido de autorização de residência em Portugal;

a) - é servente da construção civil, auferindo entre 500 a 700 6/mês;

b) - tem a 4 classe.

19 - Não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos.

Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa, designadamente que:

1NP - pelo menos desde o mês de Setembro de 2004 que os arguidos se dedicavam, de comum acordo, à venda, na via pública, na Rua Principal do Bairro da Cova da Moura, na Buraca, Amadora, de embalagens com heroína e cocaína;

2NP - o arguido CMV depois de misturar os referidos estupefacientes com outros produtos, vulgo “corte “, os entregava, em embalagens individuais, de montantes não apurados, aos arguidos JCG e JC para estes, por sua vez, os venderam na rua aos consumidores;

3NP - os arguidos JCG e JC quando procediam à venda das embalagens na indicada artéria, recebiam dos compradores das mesmas as quantias monetárias e entregavam-lhes, de seguida, as correspondentes embalagens;

4NP - quanto aos proventos obtidos com as vendas das embalagens, designadamente as quantias monetárias, as mesmas eram entregues pelos arguidos JCG e JC ao arguido CMV, que este guardava no seu quarto ou numa casa sita em Vila Nova de Santo André, perto de Sines;

5NP o arguido JC guardava no seu quarto os proventos monetários que obtinha com a referida actividade;

6NP - as quantias monetárias e telemóveis apreendidos aos arguidos eram provenientes da actividade de comercialização de estupefacientes.

2.5.

Aplicação da pena acessória de expulsão (conclusões 22.ª a 25.ª)

Defende o recorrente que, está provado que o arguido se encontra estabelecido em Portugal pelo menos desde 1997, tem família constituída, todos os seus filhos já nasceram em Portugal (conclusão 23ª), tendo requerido a autorização de residência com base no art. 87°, al. j) do DL 34/2003 de 25 de Fevereiro, com base exactamente naquela circunstância, exercendo o efectivo poder paternal (conclusão 24.ª).

O à luz do art. 8° da CEDH, o interesse do Estado de ordem pública e segurança social não exige aquela expulsão do recorrente do território nacional, por sobrelevarem os interesses familiares do arguido e a sua manutenção junto da família (conclusão 25.ª).

Entendeu o Tribunal recorrido:

«7.2. No que respeita à medida de expulsão do território nacional aplicada aos arguidos

Nos termos do disposto no art. 34/1 do DL 15/93, de 22.01,foi decretada a expulsão do território nacional pelo período de dez anos ao arguido Celestino e oito anos ao arguido Jeremias e interditada a entrada no nosso País, pelos mesmos períodos de tempo (art. 1 06.°, do supra citado DL 34/2003).

Vejamos.

Como se sustenta no acórdão recorrido, e que merece o nosso acordo:

“Aos arguidos CMV e JCG será ainda imposta a pena acessória de expulsão do País.

Na verdade, nenhum deles demonstrou que se encontra habilitado com título válido de autorização de residência em Portugal, apenas dispondo de “vistos de permanência” que têm sido objecto de sucessivas prorrogações anuais, o que significa que não preenchem sequer o conceito de estrangeiros residentes plasmado no art. 3.° do DL 244/98, de 08.07, revisto pelo DL 34/2003, de 25.02, sendo, por isso, considerados cidadãos estrangeiros não residentes no País, que caem sob a alçada do art. 101.º, n.° 1 daquele diploma.

Desta forma, nada obsta à expulsão dos arguidos, nem mesmo o facto de o arguido Celestino ter filhos menores nascidos em Portugal. Esse facto só poderia obstar à. expulsão se o arguido fosse considerado estrangeiro residente (que, como já vimos, não é) e tivesse demonstrado que os referidos filhos residem em território português (o que não demonstrou) e, ainda, que sobre eles exercia efectivamente o poder paternal à data da prática dos factos (o que também não demonstrou).

Acresce que o tipo de crime praticado pelos arguidos (grave para qualquer sociedade, pelos mais que conhecidos efeitos perniciosos que a droga vem causando) e a personalidade por estes revelada em julgamento, não abonam a favor da manutenção da sua permanência em Portugal.

Por tudo isto, tendo por base as disposições legais supra citadas e ainda o art. 34/1 do DL 15/93, de 22.01, é de decretar a sua expulsão do território nacional pelo período de dez anos ao arguido Celestino e oito anos ao arguido Jeremias e de lhes interditar a entrada no nosso País, pelos mesmos períodos de tempo (art. 106.0, do supra citado DL 34/2003) “.

Não se discute a conduta gravemente anti-social dos arguidos ao se dedicarem a uma actividade também descrita, com alguma propriedade, como “assassínio em massa”.

Assim verificados os respectivos pressupostos, como se verificam, estão equilibradamente doseadas as medidas de expulsão do País aplicadas pelo Tribunal a quo não merecendo censura.»

Nos termos do art. 34.º do DL n.º 15/93 invocado na decisão recorrida, em caso de condenação por crimes aí previstos, o Tribunal pode ordenar a expulsão do País do arguido estrangeiro, por período não superior a 10 anos.

Mas deveria fazê-lo no caso concreto?

Está provado que o recorrente é possuidor de “visto anual de permanência em Portugal” já prorrogada por 3 vezes, tendo pendente no SEF (Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo) um pedido de “título de residência”, cujo processo deu entrada em 14.07.04 e, em 27 de Junho de 2005, ainda se encontrava em fase de instrução; que tem 3 filhos nascidos em Portugal em 25.12.04, 27.11.03 e 19.11.98; que se dedica ao comércio em geral através da empresa “Comércio Geral Vieira” com sede em Santa Catarina, Cabo Verde e que tem a 4.ª classe, sendo primário.

Daí que se não subscreva a posição assumida, pela decisão recorrida, quanto à residência dos filhos menores e ao exercício do poder paternal, colocando o ónus da sua prova inteiramente a cargo do arguido recorrente, quando se não mostrou esgotada a possibilidade de investigação desses elementos e os factos instrumentais provados directamente e acima salientados criam uma aparência de que é real a alegação do arguido recorrente, ao tornar verosímil a sua versão.

Por outro lado, a consideração em concreto da gravidade do ilícito, que não ultrapassa os valores médios tidos em atenção no desenho da respectiva moldura penal abstracta, e a circunstância de estar o recorrente inserido profissionalmente e ser primário, não apontam claramente para a ameaça grave para a ordem pública, que está na genes da expulsão.

Daí que se revogue a decisão recorrida quanto à aplicação da pena de expulsão.

Esta decisão coloca ainda uma outra. Como se viu ao co-arguido não recorrente para este Supremo Tribunal de Justiça foi também aplicada a pena de expulsão, mas por 8 anos.

Ora esse co-arguido é também primário, possuidor de “visto anual de permanência em Portugal já prorrogada por 4 vezes, não tendo filhos nascidos em Portugal, nem título válido de autorização de residência em Portugal e a 21.12.2004 celebrou um contrato de trabalho a termo incerto com a empresa “Safricasa - Empresa Trabalho Temporário, com sede na R. João Crisóstomo de Sá, lote 2, r/c Frente, Queluz (fls. 307) e tem a 4ª classe.

O que vale por dizer que tem circunstâncias pessoais próximas das do arguido recorrente, sendo que a sua actuação teve, como resulta dos factos provados, menor gravidade do que a daquele.

Daí que se entenda que o entendimento que este Supremo Tribunal de Justiça teve quanto à pena de expulsão se deva estender ao co-arguido não recorrente, à luz do disposto no n.º 2, al. a) do art. 402.º do CPP, pelo que se revoga igualmente a decisão recorrida quanto à aplicação da pena acessória de expulsão ao co-arguido não recorrente.

2.6.

Medida da pena (conclusões 19.ª a 21.ª)

Sustenta o recorrente que, não se apurando que o arguido tivesse antes ligado à venda de estupefaciente e droga toda apreendida (conclusão 20.ª), a pena concretamente aplicada ao arguido deverá ser reduzida (conclusão 21.ª), não superior a 6 anos (fls. 673), o que é aceite pelo Ministério Público na Relação e neste Tribunal.

Na decisão recorrida, escreve-se a propósito desta questão, além do mais o seguinte:

«A ilicitude dos factos deve ser apreciada de uma forma global ponderando a qualidade da droga, a quantidade em causa e bem assim os “meios, modalidades e circunstâncias da actividade do tráfico, como por exemplo, se é ou não sistemático, sua amplitude, a existência de estruturas organizativas ainda que rudimentares, o papel desempenhado nesse tráfico, a disponibilidade económica correlativa a essa actividade, a quantidade de estupefacientes destinada ao tráfico em comparação com a detida para consumo pessoal” (cfr. Lourenço Martins, Droga — Comentários ás Decisões de 1.ª Instância, 1993, p.27l e nota 4, citando a Rivista Penale).

Quando à droga em questão, trata-se de Cocaína e Heroína que, entre as substâncias estupefacientes, são consideradas como das mais perigosas das drogas clássicas pela dependência que cria, pois trata-se de substâncias de grande toxidade, que produz habituação rápida, com consequências nefastas tanto para o consumidor como para a sua família e a própria sociedade.

(…) É conhecida a severidade do ordenamento jurídico português contra os traficantes de produtos estupefacientes.

As exigências de prevenção geral, não é despiciendo salientá-lo, são elevadas, atenta a natureza do ilícito em causa, que, hodiernamente, dentro da panóplia de tipos legais de crimes, é seguramente dos que maior repulsa social concita em decorrência dos malefícios que potencia, sobejamente conhecidos e referidos pelo acórdão recorrido.

Igualmente são patentes as necessidades de prevenção especial.

(…) Sendo finalidades das penas, a protecção de bens e valores jurídicos e a reintegração do agente delituoso na sociedade (prevenção geral e prevenção especial, respectivamente), há que buscar um ajustado equilíbrio entre elas, equilíbrio esse que não inibe que, perante o caso concreto, uma dessas finalidades possa e deva prevalecer sobre a outra.

(…) Contra os arguidos há a considerar a gravidade objectiva e subjectiva dos factos; a ilicitude é acentuada como o é o grau de culpa.

(…) No caso sub-judice , entende-se que foram bem doseadas as penas aplicadas aos Arguidos recorrentes – nos termos do disposto nos art °s 70.° e 71.0 ,ambos do C. Penal –, de sete anos de prisão e de quatro anos e seis meses de prisão, respectivamente - atendendo-se aos seguintes factos, nomeadamente:

- o dolo directo e mediano; e elevada a ilicitude, especialmente no que respeita ao arguido Celestino;

- os arguidos serem delinquentes primários,

- à ausência de confissão e consequente arrependimento;

- ao montante da droga apreendida, especialmente importante relativamente ao arguido Celestino.

- a situação económica e social dos arguidos não é de molde a justificar qualquer benevolência, especialmente quanto ao arguido Celestino que, tendo uma empresa comercial, não tem qualquer explicação de insuficiência económica para o seu comportamento.»

Vejamos, pois, começando por analisar os poderes de cognição deste Tribunal em matéria de medida concreta da pena.
Mostra-se hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar»: um sistema de penas variadas e variáveis, com um acto de individualização judicial da sanção em que à lei cabia, no máximo, o papel de definir a espécie ou espécies de sanções aplicáveis ao facto e os limites dentro dos quais deveria actuar a plena discricionariedade judicial, em cujo processo de individualização interviriam, de resto coeficientes de difícil ou impossível racionalização.
De acordo com o disposto nos art.ºs 70.º a 82.º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito. Não só o Código de Processo Penal regulou aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369.º a 371.º), como o n.º 3 do art. 71.º do Código Penal (e antes dele o n.º 3 do art. 72.º na versão originária) dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.
Mas importa considerar os limites de controlabilidade da determinação da pena em recurso de revista, como é o caso.
Não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação.
Tendo sido posto em dúvida que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade caibam dentro dos poderes de cognição do tribunal de revista (Cfr. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, § 82 II 3), deve entender-se que a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada (Neste sentido, Maurach e Zipp, Derecho Penal, § 63n.º m. 200, Figueiredo Dias, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197 e Simas Santos e Correia Ribeiro, Medida Concreta da Pena, Disparidades, pág. 39).
Ao crime corresponde a moldura penal abstracta de prisão de 4 a 12 anos.
No domínio da ilicitude, está provado que o arguido detinha num seu quarto uma embalagem com 310,912 gramas de heroína, cinco embalagens com um total de 784,110 gramas de cocaína, todas embrulhadas em papel de jornal, um saco com 89,563 gramas de paracetamol e cafeína e duas caixas com comprimidos da especialidade farmacêutica “Redrate “, bem como 34.735 e 3 telemóveis. Conhecia a natureza estupefaciente dos produtos que lhe foram apreendidos e que tencionava comercializar, destinando aquelas outras substâncias à mistura com a heroína e cocaína, de forma a melhor rentabilizar a comercialização destes estupefacientes.

Determinada a moldura penas abstracta é dentro dela que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena..
O dolo é directo, como é quase inevitável neste tipo de crime.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do STJ de 17-09-1997, proc. n.º 624/97).
A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
A esta luz, e atendendo aos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal assistem, impõe-se concluir que a pena concreta fixada e que o recorrente contesta, se situa dentro da sub–moldura a que se fez referência, mas como igualmente sustenta o Ministério Público na Relação e no Supremo, mostra uma desproporção que justifica uma intervenção deste Tribunal.
É que se trata de delinquente primário, não se ter dado como provado qualquer ganho económico já concretizado, o seu carácter circunscrito no tempo, a intervenção atempada das autoridades e as circunstâncias pessoais do recorrente, justificam que se fixe a pena no quantitativo pedido pelo recorrente: 6 anos de prisão.
3.

Pelo exposto, acordam os juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso trazido pelo arguido recorrente e, em consequência, revogar a aplicação da pena acessória de expulsão e fixar a pena em 6 anos de prisão, no mais confirmando a decisão recorrida.

Custas, no decaimento pelo recorrente, com a Taxa de Justiça de 3 Ucs.

Lisboa, 9 de Março de 2006

Simas santos (Relator)

Santos Carvalho

Costa Mortágua