Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A046
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
CADUCIDADE
PENHORA
Nº do Documento: SJ2008040100461
Data do Acordão: 04/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - O prazo para deduzir embargos de terceiro hoje contemplado no art. 353.º, n.º 2, do CPC (antes art. 1039.º do mesmo diploma) é um prazo de caducidade; ao invocar que o mesmo foi ultrapassado o exequente/embargado invoca, efectivamente, um facto extintivo/impeditivo do direito do executado/embargante, recaindo sobre ele o ónus da prova, nos termos gerais do art. 342.º, n.º 2, do CC.
II - Nada tendo sido provado relativamente ao momento do conhecimento pelo embargante do facto (penhora) lesivo do seu direito deverão os embargos de terceiro, ao contrário do decidido pelas instâncias, considerar-se tempestivamente propostos, exactamente porque recai sobre o embargado o ónus de prova sobre a extemporaneidade.
III - Mas como, no momento em que teve lugar a penhora, o embargante não era titular do direito de propriedade que veio invocar nem de qualquer outro incompatível com a realização ou âmbito dessa diligência, tendo a alegada aquisição ocorrido em momento posterior à penhora, é de concluir que os embargos estão, independentemente da improcedência da excepção de caducidade deduzida pelo embargado, destinados à improcedência.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Por apenso aos autos de acção executiva que o AA moveu contra BB, Limitada e outros deduziu o aqui recorrente, CC, embargos de terceiro.
Alegou, em síntese, ser proprietário da moradia penhorada na execução referida, acrescentando que apenas em 30/11/2002 teve conhecimento da penhora.

Pelo exequente-embargado foi apresentada contestação na qual releva, para efeitos de apreciação/decisão do presente recurso, a invocação da caducidade do direito de embargar.

Prosseguiu o processo os seus regulares termos, tendo sido proferida sentença que indeferiu os embargos por julgar procedente a invocada excepção do direito de embargar.
Fundamentou-se essa decisão no entendimento que o embargante não provou, como lhe competia, ter instaurado os embargos no prazo de trinta dias, a que alude o nº 2 do artigo 353º CPC.

Recorreu o embargante e, na sequência desse recurso, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual, por idêntica fundamentação, se negou provimento ao recurso.

Inconformado interpôs o embargante o presente recurso de revista.


II. Atentas as decisões das instâncias e o teor das conclusões da alegação do recorrente a questão que se coloca no presente recurso é a de saber se, tendo em conta o disposto no artigo 353 nº 2 CPC, é ao embargante que cumpre o ónus de prova da tempestividade dos embargos (entendimento que foi acolhido nas decisões das instâncias) ou se, pelo contrário, o ónus de alegação e prova da extemporaneidade dos mesmos cabe ao embargado.


III. Está provada a seguinte matéria de facto:

1) Na execução de que estes embargos constituem apenso, por termo lavrado a 19/3/2001 (fls. 135) foi efectuada a penhora de uma moradia unifamiliar … sita
na rua ....., lotes .. e ..., Casa da Falésia, Vale Cavada, freguesia da Charneca da Caparica, omissa na CRP de Almada e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 15092 da referida freguesia;
2) Em 6/4/2001 o embargante adquiriu por compra a … 750/30500 avos de terreno do prédio descrito sob o nº .....da freguesia da Costa da Caparica;
3) A aquisição dos 750/30500 encontra-se registada a favor do embargante pela inscrição nº ........, Ap.../......, registada no livro G178, a fls.54;
4) No terreno adquirido pelo embargante encontra-se implantada a moradia penhorada;
5) Construção essa que é clandestina;
6) A compra efectuada pelo embargante incluiu essa moradia;
7) O embargante come, dorme e recebe amigos na moradia penhorada;
8) E fá-lo sem oposição de quem quer que seja, à vista de toda a gente, agindo como seu proprietário.

IV. As decisões proferidas pelas instâncias julgaram improcedentes os embargos com fundamento na falta de prova pelo embargante da instauração dos embargos no prazo de trinta dias reportado à data do seu conhecimento da diligência de penhora; julgaram, assim, procedente a excepção da caducidade suscitada pelo Banco embargante na sua contestação.
Em nosso entender, decidiram mal.

Como refere Lebre de Freitas (1), a tramitação dos embargos de terceiro inicia-se com uma “fase introdutória” na qual o tribunal emite um juízo de admissibilidade; entre outros elementos a ponderar para a emissão desse juízo contam-se os factos alegados relativamente à data em que o embargante teve conhecimento da penhora, se sobre ela tiverem decorrido já mais de trinta dias.

Admitidos os embargos, porque verificados esses pressupostos de admissibilidade, segue-se uma “fase contraditória” que tem início com a notificação do embargado para contestar seguindo o processo com aplicação subsidiária das normas do processo declarativo comum, sumário ou ordinário, consoante o valor (artigo 357º nºs 1 e 2 CPC).
Ainda referindo o mesmo autor (2), na “fase introdutória” o embargante não terá que fazer prova da dedução tempestiva dos embargos, embora lhe caiba alegar (3) no entanto, defende que, na “fase contraditória” caberá já ao embargado a alegação e prova do facto em que se funde a caducidade de propor a acção, em conformidade com a norma geral contida no artigo 343 nº 2 CCv(4)..
No fundo, sustentam os dois autores citados, cuja posição acompanhamos, que o prazo para deduzir embargos de terceiro hoje contemplado no artigo 353 nº 2 CPC (antes artigo 1039 do mesmo diploma) é um prazo de caducidade; ao invocar que o mesmo foi ultrapassado o exequente/embargado invoca, efectivamente, um facto extintivo/impeditivo do direito do executado/embargante, recaindo sobre ele o ónus da prova, nos termos gerais do artigo 342º nº 2 CCv.
No caso dos autos nada tendo sido provado relativamente ao momento do conhecimento pelo embargante do facto (penhora) lesivo do seu direito deverão os embargos de terceiro, ao contrário do decidido pelas instancias, considerar-se tempestivamente propostos, exactamente porque recai sobre o embargado o ónus de prova sobre a extemporaneidade(5).

Nestes termos deveria ser concedida a revista, julgando-se, consequentemente, improcedente a excepção da caducidade do direito de acção.

Conduzirão, no entanto e apesar disto, os factos provados à procedência dos embargos?

Decididamente não.

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 351º CPC, os embargos de terceiro encontram fundamento na ofensa da posse ou de qualquer outro direito de terceiro (não parte na causa) incompatível com a realização da penhora ou outro
acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens; o terceiro embargante opõe um direito próprio incompatível com a subsistência dos efeitos típicos de tais diligências.
No caso “sub judice” a alegada aquisição (derivada) do direito (de propriedade e posse) do embargante ocorreu a 6/4/2001, em momento posterior ao acto (penhora) pretensamente ofensivo desse direito que teve lugar a 19/3/2001.
Significa isto que no momento em que teve lugar a penhora o embargante não era titular do direito que vem invocar nem de qualquer outro que se mostre incompatível com a realização ou âmbito dessa diligência.
Daí os embargos estarem, independentemente da improcedência da excepção da caducidade deduzida pelo embargado, irremediavelmente destinados à improcedência.

Termos em que, por motivo diverso do sustentado nas decisões das instâncias, se acorda em negar a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa,01 de Abril de 2008

Mário Mendes (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
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(1)- “A acção executiva à luz do Código Revisto”, 3ª Edição, página 207.
(2)- Obra citada, página 249, nota 44.
(3)- Segundo Salvador da Costa “Incidentes da Instância”, 3ª edição, página 207, a petição de embargos deve ser liminarmente indeferida se resultar da petição inicial que não foi apresentada em tempo; para este autor a caducidade do direito de acção é, por força do artigo 354º do conhecimento oficioso, em excepção à regra contida no nº 2 do artigo 333º CCv.
(4)- A mesma posição é defendida por Salvador da Costa, obra citada, página 207.
(5)- Neste sentido se decidiu neste Supremo Tribunal nas Revistas nº 48/99, 2ª Secção, de 23/9/99, 307/05, 1ª Secção, de 15/3/2005, 507/05, 2ª Secção, de 24/5/05, 1239/06, 1ª Secção, de 27/6/2006, 2710/01, 2ª Secção, de 18/10/2001, 4562/02, 2ª Secção, de 18/2/03. Em sentido contrário apenas se conhece o Acórdão proferido na Revista nº 1107/02, 6ª Secção, de 21/5/02.