Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
372/23.9GAALQ-C.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: HABEAS CORPUS
FUNDAMENTOS
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
ACUSAÇÃO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIMINALIDADE VIOLENTA
DETENÇÃO ILEGAL
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :
Constitui, manifestamente, motivo infundado para requerimento da providência de habeas corpus o facto de, não tendo sido ainda deduzida acusação, ter decorrido o período de 4 meses à data do pedido mas sem ter atingido ainda os 6 meses, visto ter sido o arguido colocado em prisão preventiva indiciado como autor material de quatro crimes de violência doméstica, p e p pelo art. 152.º, n.º 1, als. a), c) e d) e n.º 2, al. a), do CP, crimes esses puníveis, cada um, com pena de 2 a 5 anos de prisão, visto tratar-se de tipo penal incluído no capítulo III (Dos crimes contra a integridade física) do Titulo I (Dos Crimes Contra as Pessoas) do Livro II (Parte Especial) do CP e ser pois um crime contra a integridade física, considerado no âmbito da criminalidade violenta na acepção do art. 1.º, al. j), do CPP e, consequentemente, abrangido pelo prazo de 6 meses para a dedução da acusação, nos termos do art. 215.º, n.os 1 e 2 também do CPP.
Decisão Texto Integral:

Processo: Habeas Corpus nº 372/23.9GAALQ-C


Relator - Agostinho Torres


Juízes adjuntos: - Orlando Gonçalves e Leonor Furtado


Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte Juízo de Instrução Criminal de ... - Juiz ...


Requerente: arguido AA


Fundamento alegado: excesso de prisão preventiva por decurso de prazo para prolação de acusação- artº 222º, nº 2 alínea c) do CPP


Acordam em audiência os juízes Conselheiros na 5ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça.


I - No presente processo 372/23.9GAALQ-C a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... Juízo de Instrução Criminal de ... - Juiz ...


veio o arguido AA requerer providência de Habeas Corpus invocando as seguintes razões:


“1.° No dia 03 de Maio de 2023, o arguido (ora recorrente) foi detido para ser presente ao Juiz de Instrução para primeiro interrogatório judicial no juízo de instrução criminal de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte.


2.° Foi presente ao Juiz de Instrução no dia 05 de Maio de 2023.


3.° Neste interrogatório foi-lhe aplicada a medida de prisão preventiva, que está a cumprir desde aquela data no Estabelecimento Prisional ....


4.° Ainda não foi deduzida acusação.


5.° De acordo com a al. a), do n° 1, do art. 215°, do CPP, a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido 4 meses sem que tenha sido deduzida acusação.


6.° Sucede que, nos presentes autos, conforme já referimos, tal prazo está ultrapassado, pois o Requerente foi detido no dia 03/05/2023.


7.° Pelo que a prisão preventiva aplicada ao requerente extinguiu-se.


8.° Não obstante, ainda não foi dada ordem de libertação ao requerente, conforme impõe o n° 1, do art.º 217° do CPP.


Pelo exposto, o Requerente encontra-se ilegalmente preso nos termos da al. c), do n° 2, do art. 222°, do CPP, em clara violação do disposto nos artºs. 27° e 28°, n° 4, da CRP e nos artºs. 215°, nº 1, al. a) e 217°, n° 1, do CPP.


Assim, deve ser declarada ilegal a prisão preventiva e ordenada a sua imediata libertação, nos termos do art. 31°, n° 3, da CRP e dos arts. 222° e 223°, n° 4, al. d), do CPP.


Nestes termos e nos melhores de direito deve ser declarada a ilegalidade da prisão preventiva e ordenada a libertação imediata do requerente.”


II - A Mmª Juíza do processo prestou informação ao abrigo do artº 223º nº1 do CPP dizendo em suma:


“O arguido AA requereu a concessão da providência de habeas corpus com o fundamento de que se encontra ilegalmente preso por violação do disposto nos arts. 27º; 28º, nº 4; da Constituição da República Portuguesa e arts. 215º, nº 1, al. a) e 217º, nº 1 do Código de Processo Penal, alegando em síntese, que ao arguido foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva em 5-5-2023 e que atendendo a que, e de acordo com o arguido, o prazo máximo de prisão preventiva, sem que tenha sido deduzida acusação é de quatro meses, e uma vez que não foi ainda deduzida acusação, o mesmo encontra-se preso ilegalmente por já ter sido ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva.


*


Resulta dos autos que:


- O arguido foi presente a primeiro interrogatório judicial de arguido detido em 5-5-2023, pela fortemente indiciada prática pelo arguido de quatro crimes de violência doméstica, p e p pelo art. 152º, nº nº 1, als. a), c) e d) e nº 2, al. a) do Código Penal e de cinco crimes de detenção de arma proibida, p e p pela conjugação dos arts. 2º, nº 1, al. g); 3º, nº 5 al. g); 7º, nº 1 e 86º, nº 1, al. c) da Lei 5/2006, de 23-02, tendo ficado sujeito à medida de coacção de prisão preventiva; - Tal medida de coacção foi revista e mantida, por despacho judicial de 28-7-2023, nos termos do disposto no art. 213.º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Penal, e notificada ao arguido; - Nos autos não foi ainda deduzida acusação;


- O presente requerimento de habeas corpus, deu entrada em juízo hoje, dia 4 de Setembro de 2023.


*


Face ao disposto no art. 215.º, n.º1, alínea a) e 2 do Código de processo Penal, não tendo sido ultrapassado o prazo de duração máxima da prisão preventiva aplicada ao arguido, na fase processual em curso (que é de seis meses), não se vislumbra a procedência do fundamento invocado.


Entendo, assim, que o arguido se encontra legalmente preso, carecendo de fundamento o requerimento de habeas corpus para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, não estando, de todo em todo, preenchido o requisito previsto no art. 222.º, n.º2, alínea c) do Código de Processo Penal.”


III- Foi designada audiência de julgamento nos termos do artº 223º, nº 2 do CPP com a tramitação prevista no n.º 3 do artº supra, com produção de alegações finais do MPº e defensor(a) do arguido, tendo o MPº considerado que o pedido não merece provimento.


Por sua vez a defesa (oficiosa) alegou pedindo justiça.


Cumpre então deliberar e decidir.


IV- O Direito


4.1- Os dados do processo [efectuou-se consulta na plataforma Citius]


Vistos os autos, confirma-se a exactidão da narrativa processual constante da informação da Mmª Srª Juíza do processo e que já anteriormente se reproduziu.


Assim:


O arguido foi presente a primeiro interrogatório judicial de arguido detido em 5-5-2023, pela fortemente indiciada prática pelo mesmo, com dolo, como autor de quatro crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº nº 1, als. a), c) e d) e nº 2, al. a) do Código Penal e de cinco crimes de detenção de arma proibida, p e p pela conjugação dos arts. 2º, nº 1, al. g); 3º, nº 5 al. g); 7º, nº 1 e 86º, nº 1, al. c) da Lei 5/2006, de 23-02, tendo ficado sujeito à medida de coacção de prisão preventiva;


Tal medida de coacção foi revista e mantida, por despacho judicial de 28-7-2023, nos termos do disposto no art.º 213.º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Penal, e notificada ao arguido;


O requerimento de habeas corpus deu entrada em juízo (1ª instância) no dia 4 de Setembro de 2023.


Nos autos não foi ainda deduzida acusação até à presente data;


*


De seguida relembraremos, em considerações gerais, os pressupostos fundamentais da providência de Habeas Corpus.


Como tem sido sublinhado na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, a providência de habeas corpus não se destina a apreciar erros, de facto ou de direito, nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade (cfr., v.g, o acórdão de 04.01.2017, no processo n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada, in www.dgsi.pt).


Tem sedimentado ainda a interpretação de que nela não se cuida da reanálise do caso trazido à sua apreciação mas que tão só se pretende almejar a constatação de uma ilegalidade patente, em forma de erro grosseiro ou de manifesto abuso de poder.


E, como se sublinha na anotação 4 ao artº 222.º, do CPP (in “Código de Processo Penal – Comentado”, Almedina, 2014, pág. 909), “o que importa é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro directamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correcção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso ordinário”.


Podemos ainda afirmar ser consensual que, no âmbito da providência de habeas corpus não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça verificar a existência ou não de fortes indícios da prática dos factos imputados ao arguido (artº. 202.º do CPP) e dos requisitos gerais de aplicação da medida de coação (artº. 204.º), ou se foram corretamente ponderados os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (artº. 193.º).


O controlo efetuado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na providência de habeas corpus, tem como objeto a situação existente tal como promana da decisão que aplica a medida de coação, taxada de extinta pelo requerente por decurso de prazo e não envolvendo a valoração dos elementos de prova com base nos quais a mesma foi proferida.


O STJ pode e deve verificar se a medida de coação de prisão preventiva foi aplicada por juiz competente, e foi-o no caso; se a aplicação ocorreu em relação a facto praticado pelo requerente que em abstracto admite essa medida (de igual modo tal foi aferido), e se foram respeitados os limites temporais da privação da liberdade fixados pela lei ou em decisão judicial (vide entre outros, ac. STJ 5.9.2019 -Carlos Almeida).


A providência de habeas corpus também não decide sobre a regularidade de actos do processo, não constitui um recurso das decisões em que foi determinada a prisão do requerente, nem é um sucedâneo dos recursos admissíveis.
Nesta providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira à situação processual do requerente, se os actos do processo produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos referidos no artº. 222.º, n.º 2, do CPP.



Como não se substitui nem pode substituir-se aos recursos ordinários, o habeas corpus não é o meio adequado a pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão, porquanto está reservado para os casos indiscutíveis de ilegalidade que impõem e permitem uma decisão tomada com a celeridade legalmente definida. O habeas corpus não é pois, meio adequado para impugnar as decisões processuais ou arguir nulidades e irregularidades processuais, que terão de ser impugnadas através do meio próprio (cfr Ac. STJ de 16-03-2015)


Derradeiramente, a providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente, com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: as primeiras previstas nas quatro alíneas do n.º 1 do artº. 220.º do CPP e as segundas, nos casos extremos de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.º 2 do referido preceito ( (cfr. Ac. STJ de 13-02-2008 ; idem Ac. STJ de 18-10-2007 )


O habeas corpus não conflitua com o direito ao recurso, pois que (…) visa, reagir, de modo imediato e urgente - com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, decorrente de abuso de poder concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual «grave, grosseiro e rapidamente verificável» integrando uma das hipóteses previstas no artº 222º nº 2, do Código de Processo Penal”.-[ cfr AC. STJ de 12-12-2007 ]


A medida de habeas corpus não se destina pois a formular juízos de mérito sobre a decisão judicial de privação de liberdade ou a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades, cometidas na condução do processo. Para esses fins servem os recursos, os requerimentos e os incidentes próprios, na sede apropriada. Nesta sede cabe apenas verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante enquadrável em alguma das alíneas do n.º 2 do artº. 222.º do CPP.


O artº. 222.º, n.º 2, do CPP, constitui a norma delimitadora do âmbito de admissibilidade do procedimento em virtude de prisão ilegal, do objecto idóneo da providência, nela se contendo os pressupostos nominados e em numerus clausus, que podem fundamentar o uso da garantia em causa.( Ac. STJ de 9-11-2011 )


Os fundamentos de Habeas Corpus devem ser apenas os enunciados nos artºs 220 e 222º do CPP. Relativamente a outras vicissitudes terá de se utilizar formas de reacção distintas, destarte, de índole processual, como a arguição de invalidade, reclamação ou recurso (…) é um instituto de natureza extraordinária (cfr Milheiro, Tiago Caiado in Comentário Judiciário do CPP, Tomo III, pagª 547, § 13 , 14 e 16.


Não obstante a sua inserção sistemática no CPP a providência de Habeas Corpus não é um verdadeiro modo de impugnação visto que o seu objecto se prende com a situação de objectiva ilegalidade e não com a decisão que lhe deu causa.- (cfr Ac STJ de 7.3.2019 (Júlio Pereira, procº 72/15.3GAAVZ-K.S1 5ª Sec; idem, Maia Costa, 2016, Habeas Corpus, passado, presente e futuro, Julgar, 29, pag 48).


A apreciação de habeas corpus pelo STJ coloca-se, assim, em patamar supra processual e a apreciação de indícios ou sua insuficiência para aplicar o manter medida de coação não lhe pode servir de fundamento (ibidem, Comentário citº, §26)- cfr Ac STJ 9.6.2020 (Helena Moniz) bem como assim será não ser de apurar se a prova foi ou não válida, se houve nulidades processuais (v.g. do auto de interrogatório ou outras, erro de valoração de prova, etc (cfr Ac. STJ de 31.1.2018 (M. Matos), Ac STJ de 3.1.2018 (Raúl Borges)


Assim, enquanto ao tempo do Decreto-lei n.º 35 043, de 20 de outubro de 1945, «o habeas corpus era um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não houvesse qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade», após as alterações de 2007, com o aditamento do n.º 2 ao artº. 219.º do CPP, o instituto não deixou de ser um remédio, mas coexiste com os meios judiciais comuns, nomeadamente com o recurso (artºs. 219.º/2, 212.º, no respeitante a medidas de coação)- (citº do Ac STJ de 19.11.2020 ( A. Gama).


Além do mais, os fundamentos do «habeas corpus» são, apenas, aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos susceptíveis de colocarem em causa a regularidade ou a legalidade da prisão-(cfr Ac. STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196)


4.2- Posto isto e expostas aquelas considerações gerais, retomemos agora o caso em concreto.


4.2.1- A questão que o arguido coloca é a de, em seu entender, estar detido ilegalmente porquanto, não tendo sido ainda deduzida acusação, ter sido excedido o prazo para o efeito, que entende ser de 4 meses nos termos conjugados dos artº 222º nº 2, alínea c) e 215º nº1 alínea a) do CPP.


A Mmª Srª Juíza titular do processo considerou não haver sido excedido esse prazo, por ser de 6 meses nos termos do nº 2 do artº 215º nº1 a) e nº2 do CPP e não de 4 meses ( alínea a) do nº1), dada a qualificação dos crimes (subentendemos que queira ter-se referido aos de violência doméstica) considerada no despacho que fixou a medida de coação de prisão preventiva.


O requerente tem legitimidade para peticionar a presente providência- artº 222º nº2 do CPP.


A prisão mantém-se actual.


Foi invocado o motivo de excesso de prisão por estar além do prazo legal (artº 222º alínea c) do nº2 do CPP


O despacho que determinou a medida de coação foi prolatado a 5 de Maio de 2023


Ainda não se mostra deduzida acusação no processo.


O arguido foi presente a 5.5.23 a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, pela fortemente indiciada prática pelo mesmo de quatro crimes de violência doméstica, p e p pelo art. 152º, nº 1, als. a), c) e d) e nº 2, al. a) do Código Penal e de cinco crimes de detenção de arma proibida, p e p pela conjugação dos arts. 2º, nº 1, al. g); 3º, nº 5 al. g); 7º, nº 1 e 86º, nº 1, al. c) da Lei 5/2006, de 23-02, tendo ficado sujeito à medida de coacção de prisão preventiva com base nessa qualificação e que é a que consta do despacho que fixou a medida de coação e que, por sua vez, fez nesse segmento remissão para a promoção do MPº, despacho esse conforme infra se reproduzirá;


A 28-07-2023 foi reapreciada oficiosamente a medida de coação e decidido mantê-la qua tale dada a não alteração dos seus pressupostos iniciais.


4.2.2 - O despacho que fixou a medida de coação definiu-a nos seguintes termos que transcrevemos como no original:


“Julgo válida a detenção efectuada porque ao abrigo dos artigos 1.°, alínea j), 141.°, 254º, n.° 1, alínea a), 257.°, 258.°, 202.°, n.° 1, alínea b) e 204.°, alínea c), todos do código de Processo Penal e ainda 30.°, n.° 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, dos mandados de detenção emitidos pelo Ministério Público; mostra-se respeitado o prazo máximo de 48 horas a que alude a alínea a) do n.° 1, do artigo 254.°, do Código de Processo Penal e 31.°, da citada Lei n.° 112/2009, de 16 de Setembro;


Indiciam fortemente os autos, que o arguido praticou os factos e qualificação jurídica, descritos no despacho de apresentação antecedente, que se dá por reproduzido. Fundamentam tal indiciação, o exame crítico dos elementos de prova já carreados para os autos, nomeadamente, o teor do auto de noticia de fls. 4 e 44; nos depoimentos prestados pela ofendida BB e pelos filhos da ofendida e arguido, CC e DD, e no depoimento de EE, bem como na Ficha de avaliação de risco de fls. 20, de onde se extrai que o risco é elevado, Informação do Departamento de Armas e Explosivos da PSP de fls. 76; Auto de busca e apreensão de fls. 82 e 83; Relatório fotográfico de fls. 84 a 89; e Relatório de busca e apreensão de fls. 107 e 108. Do exame dos meios de prova referidos, os quais foram comunicados ao arguido, é possível concluir que o arguido tem sido física e psicologicamente abusivo para com a ofendida BB, e para com os filhos CC e DD, que sentem medo do arguido.


O arguido, pessoa que consome numa base diária, bebidas alcoólicas em excesso, o que faz com que o mesmo se torne mais agressivo do que o habitual, para com os filhos e sobretudo para com a ofendida, sua esposa, a quem agride de forma gratuita, ameaçando que as mata; controla o dinheiro que a mesma aufere com a sua actividade profissional, controla os seus movimentos e telemóvel; proíbe-a de vestir determinado tipo de roupa e de usar maquilhagem, controla a comida que existe em casa, e caso os filhos comam mais do que o estipulado pelo arguido, este iniciava discussões com os filhos, apelidando-os de "calões, montes de merda, veados".


O arguido denota uma personalidade agressiva e violenta, manipuladora, que se agravava após o habitual consumo diário excessivo de bebidas alcoólicas, nessas ocasiões partiu objectos e mobília de casa, agrediu a ofendida e dirigiu-lhe as expressões injuriosas descritas no despacho de apresentação, mesmo na presença dos filhos, os quais o arguido também maltratava física e psicologicamente tal como descrito no despacho de apresentação antecedente, de tal modo que a ofendida se viu obrigada a abandonar a casa de morada de família e foi residir para uma casa abrigo. A tudo isto acresce que, o arguido mantinha na sua posse um verdadeiro arsenal de armamento que lhe foi apreendido e que se encontra discriminado nos autos de busca e apreensão de fls. 82 e 107.


O arguido não se conforma que a ofendida terminasse o casamento, por várias vezes a ameaçou de morte, dizendo que matava toda a gente, referindo-se à ofendida e aos filhos, bem como à irmã; da ofendida a quem o arguido apelidava de "cabra" e "puta" e culpava pelo facto de a ofendida pretender divorciar-se do arguido.


Com a descrita actuação, o arguido vem intimidando a ofendida, fazendo-a temer pela sua, e dos seus filhos, integridade física e vida, verificando-se um efectivo perigo de continuação da actividade criminosa, existindo sérias razões para crer o arguido facilmente atentará contra a integridade física e psíquica da ofendida e dos filhos, uma vez que recusa aceitar a separação, ao que acresce que este tipo de criminalidade causa grande alarme social no local onde os factos ocorreram, não só pelas consequências sociais que provoca, face ao lamentável e hediondo número de vitimas mortais, sendo certo que o arguido ameaçou que mataria a ofendida e "toda a gente", mas também pelo aumento crescente deste tipo de criminalidade, na área desta Comarca.


Existe ainda perigo de perturbação do inquérito, face à personalidade conflituosa e agressiva demonstrada pelo arguido, com risco de que o arguido possa contactar, para intimidar a ofendida e os filhos, para efeitos do desfecho do presente processo judicial.


Encontram-se assim reunidos os pressupostos que legitimam a aplicação ao arguido de uma medida de coacção, para além do TIR, conforme resulta no disposto no artigo 204° al. b) e c) do Código de Processo Penal.


Considerando a gravidade dos factos imputados ao arguido e a facilidade com que o mesmo os praticou, e reiteração dos mesmos no tempo, entende-se que a única medida susceptível de salvaguardar as necessidades cautelares acima descritas será a aplicação ao arguido da medida de coacção mais gravosa, prevista no Código de Processo Penal - a prisão preventiva, o que se determina ao abrigo do disposto nos artigos 191° a 193°, 194° n° 1, 195°, 202° n° 1 al. a) e 204° als. b) e c), todos do Código de Processo Penal.


A OPHVE não é suficiente para salvaguardar as descritas necessidades cautelares, tanto mais que os crimes aqui em apreciação foram praticados no interior da casa de morada de família e a ofendida encontra-se a residir com os filhos numa casa abrigo.


Por isso, não é viável que o arguido permaneça na casa de morada de família. Por outro lado, tendo o arguido exercido o direito ao silêncio mesmo em relação às suas condições pessoais, nada mais é possível aferir. Ficará o arguido ainda, nos termos do disposto no arº 200°, n°1, al. d) do CPP, proibido de contactar por qualquer forma com a ofendida BB, e com os filhos CC, DD e FF. (…)”


4.2.3- Vistos os desenvolvimentos e circunstâncias processuais relatados, é incontornável termos de concluir pela manifesta falta de fundamento do pedido de habeas corpus, nomeadamente com o fundamento invocado, sendo ainda certo que nenhum outro se afigura também verificar-se nomeadamente qualquer um dos também previstos nas alíneas a) e b) do nº1 do artº222º do CPP ( o JIC que decretou a medida é o competente e inexiste motivação por facto pelo qual a lei não permitisse a medida de prisão preventiva)


Por sua vez, o artº 1º, alínea j), do CPP dispõe e define como:


“(…)


j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;


O arguido está fortemente indiciado, além do mais, como autor material de quatro crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artº. 152º, nº 1, als. a), c) e d) e nº 2, al. a) do Código Penal puníveis cada um com pena de 2 a 5 anos de prisão.


O tipo de crime de violência doméstica indiciado está incluído no capítulo III (Dos crimes contra a integridade física) do Título I (Dos Crimes Contra as Pessoas) do Livro II (Parte Especial) do Código Penal.


Por fim, dispõe o artº 215º nºs 1 e 2, que:


“1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:


a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação; (negrito nosso)


(…)


2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime (…)”


Desde logo, o crime de violência doméstica imputado é, pois, um crime contra a integridade física, considerado no âmbito da criminalidade violenta, foi imputado como praticado com dolo, e prevê pena máxima, na modalidade indiciada, de prisão até 5 anos.


Nestes termos e sem necessidade de mais considerações, é de concluir que o prazo para dedução de acusação não é de 4 (quatro) mas de 6 (seis) meses, sendo que manifestamente não se esgotou ainda pois o arguido só está em prisão preventiva desde 5 de Maio de 2023 apenas se concluindo o termo do mesmo a 5 de Novembro de 2023 caso a acusação não seja deduzida até lá.


V- DECISÃO


Dado o exposto, acordam os juízes desta 5ª secção em audiência em considerar manifestamente infundada a providência de habeas corpus requerida pelo arguido AA.


Taxa de justiça em 4 UC a cargo do requerente nos termos da tabela III do RCP


Nos termos do art.º 223º n.º 6 do CPP dada a manifesta falta de fundamento da providência, vai condenado ainda na soma de 7 UC a acrescer àquela.


Lisboa, 14 de Setembro de 2023


[Texto Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artº. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelos restantes Senhores Juízes Conselheiros infra indicados].


Os juízes Conselheiros


Agostinho Torres (relator)


Orlando Gonçalves (1º adjunto)


Leonor Furtado (2ª adjunta)


Helena Moniz (Presidente de Secção)