Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4607/17.9T8LSB.L2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DEVER DE INFORMAÇÃO
DANO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA DIFERENÇA
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
JUROS REMUNERATÓRIOS
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 06/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - Num contexto fáctico em que o autor só pretendia subscrever produtos com capital 100% garantido e resgate em qualquer momento e em que ficou provado que a informação errónea foi condição essencial da decisão do autor subscrever o produto, consideramos que ficou demonstrada a causalidade naturalística entre o facto e o dano, cabendo ao Supremo conhecer da questão normativa do nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
II - Da análise da matéria de facto, podemos concluir, com segurança, que a essencialidade da condição significa que o autor, caso soubesse a verdade acerca das características do produto financeiro - que era uma obrigação subordinada garantida por terceiros, com risco de perda do capital e com prazo de vencimento a dez anos - não a teria subscrito.

III - O ónus da prova do dano cabe ao autor, por se tratar de um facto constitutivo do seu direito.

IV - Da matéria de facto resulta que na data de vencimento, em 09-05-2016, o Banco não procedeu ao reembolso do capital aplicado, apesar de interpelado pelo autor (facto provado n.º 5), pelo que resulta efetivamente provado, diferentemente do alegado pelo Banco, o dano da perda do capital.

V - Tem sido tratada pela jurisprudência a questão da determinação da extensão do dano indemnizável, a qual depende dos termos do pedido e dos factos provados. Todavia, aqui não será tratada por não ter sido incluída nas conclusões do recorrente.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. AA instaurou a presente ação declarativa comum contra BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., peticionando a condenação de:

a) O Banco R. a reconhecer que se vinculou perante o ora A. a co-assumir as obrigações de reembolso do capital subscrito nos Produto SLN 2006 e respetivos juros que sobre a então SLN SGPS, S.A., enquanto entidade emitente recaia nos mesmos moldes em que sucederia se de um depósito a prazo se tratasse e por conseguinte condenar o Banco R. na obrigação de pagar ao A. a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescido dos respetivos juros contados à taxa civil em vigor desde 9 de maio de 2016 para o capital de € 50.000,00 até efetuar o integral pagamento, bem como em custas de parte e procuradoria.

b) Se assim não se entender, e a título subsidiário, ser convertido o negócio jurídico em causa num contrato de depósito a prazo e por conseguinte ser o Banco R. condenado a proceder à restituição ao A. da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescidos dos respetivos juros à taxa civil em vigor desde 9 de maio de 2016 para o capital de € 50.000,00 até efetivo e integral pagamento, bem como em custas de parte e procuradoria.

c) Caso assim não se entenda e a título subsidiário ser nos termos do disposto no artigo 289.º do Código Civil declarado nulo o negócio jurídico em causa e em consequência o Banco R. condenado a restituir ao A. a quantia global de € 50.000,00 acrescida de juros de mora à taxa civil em vigor desde a citação até integral pagamento, em custas de parte e procuradoria.

d) Por último e se ainda não se entender, a titulo subsidiário, com base no instituto da responsabilidade civil contratual e pré contratual, por violação dos deveres legais a que o Banco R. estava adstrito, e conforme explanado na p.i. o Banco R. ser condenado na obrigação de indemnizar ao A. pelo prejuízo sofrido, nomeadamente condenando no pagamento ao A. da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescida dos respetivos juros de mora civil desde 9 de maio de 2016 para o capital de € 50.000,00 bem como em custas de parte e procuradoria.

Para fundamentar os seus pedidos, alegou, em síntese, ter sido convencido pelos funcionários da Agência ... a subscrever um produto denominado SLN-Rendimento Mais 2006 no valor de € 50.000,00, por lhe ter sido assegurado que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo, sem risco e que podia ser resgatado a qualquer altura, com o que apenas sofreria uma penalização nos juros, o que verificou posteriormente ser falso, não tendo sido reembolsado do capital investido.

2. Citado, o réu contestou, excecionando a incompetência territorial, a ineptidão da petição inicial por coexistência de duas causas de pedir - a colocação do produto com deficiência de informação ou informação incorreta e a colocação do dinheiro do Autor num produto sem que aquele tivesse conhecimento do facto - que são incompatíveis e a prescrição do direito do autor nos termos do artigo 324º do CVM.

Por impugnação, alega que o A. teve perfeito conhecimento do produto em causa, tendo-lhe sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez, bem sabendo que não estava a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente.

Deferida a exceção de incompetência territorial e remetidos os autos ao tribunal competente, foi após designada audiência prévia, na qual, proferido despacho saneador, foi julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial, fixado o objeto do litígio e identificados os temas da prova, relegando-se para final o conhecimento da exceção de prescrição.

3. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, findo o qual, foi proferida sentença que condenou “o réu a pagar ao autor a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento”, com fundamento no facto de o Banco ter garantido o reembolso do capital empregue na aquisição das referidas obrigações.

4. Interposto recurso desta sentença, veio o Tribunal da Relação a proferir acórdão em 07/05/20 no qual se determinou a anulação da sentença proferida para que o tribunal de 1.a instância “profira nova decisão quanto aos pontos 2, 6 e 8 da matéria de facto; profira decisão quanto aos artigos 26, 27, 46 a 52, 56, 90 a 92 da petição inicial, com renovação da prova, se o entender necessário para resposta dos mesmos; fundamente a sua decisão quanto a todos os factos (provados e não provados), nos termos previstos no artº 607 nº 4 do C.P.C.”

5. Baixando os autos à primeira instância veio esta a proferir nova decisão, na qual se condenou novamente o banco R. no pagamento ao “autor a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.”, desta vez com fundamento na violação dos deveres de informação, na não ilisão de culpa pelo R. e, no que se reporta à exceção de prescrição, por ainda não ter “decorrido o prazo de 2 anos a que alude o artigo 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários.”

6. Novamente inconformado com esta decisão, impetrou o R., recurso de apelação da mesma, tendo o Tribunal da Relação decidido o seguinte:

«Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta 6ª secção, em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida».

7. Novamente inconformado, o Banco réu interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.°2 do artigo 672.° do CPC, que foi admitido pela Formação do Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão datado de 24-02-2022.

8. Na sua alegação de revista, o Banco formulou as seguintes conclusões:

«1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da DirecLva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco, não transmitindo a característica da subordinação ou a diferença para o depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

5. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

6. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

7. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!

8. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

9. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

10. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

11. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

12. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

13. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

14. O que retira qualquer relevância à transmissão da característica no momento da decisão de investimento.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação...

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garanta de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do ‘tulo e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a informação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!

24. Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.

25. Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.

26. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

27. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

28. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelo Autor, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

29. Acresce que o Autor tinha formação na área financeira e o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

30. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

31. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

32. A simples omissão de referência à característica da subordinação das Obrigações não constitui de forma alguma uma violação do dever de informação.

33. O teor do dever de informação não consiste, nem pode consistir, num mero elenco, apenas para efeitos formais da dita informação, das características do produto, antes devendo adequar-se às concretas circunstâncias relativas ao cliente ou ao momento histórico.

34. Esta particular característica da subordinação refere-se exclusivamente, e por definição, a um cenário de concurso de credores. Este cenário, contudo, e realisticamente falando, era em 2006 por todos encarados como puramente teórico e académico...

35. A situação do sistema financeiro em geral, em Portugal, e do Banco-R. em particular nunca levariam a que ninguém valorizasse uma tal possibilidade mesmo que comunicada. Esta simples e, quanto a nós, óbvia circunstância implica que a falta daquela concreta menção, desde logo não implicou uma verdadeira falta de informação, porquanto nunca seria valorizada por qualquer cliente como tal...

36. Diga-se ainda que nos parece que é evidente que a relação causal entre esta falta de informação e o dano que sobreveio sempre inexistiria de facto, em face da já explicada irrelevância assumida da dita informação sobre subordinação.

37. Dispunha sobre a matéria do conteúdo dos deveres do intermediário financeiro o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

38. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

39. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

40. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

41. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

42. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

43. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM

44. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

45. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

46. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do ‘tulo (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

47. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

48. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!

49. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

50. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

51. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

52. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

53. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.

54. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

55. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

56. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade

57. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

58. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

59. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o Autor é este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

60. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes

61. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

62. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

63. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

64. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

65. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

66. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

67. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

68. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

69. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

70. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

71. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!

72. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

73. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

74. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

75. E nada disto foi feito!

76. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.

77. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

78. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!

79. A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo...

... JUSTIÇA!»

9. O autor, notificado das alegações de recurso de revista excecional do Banco BIC, nada veio dizer.

10. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, a questão a decidir é a responsabilidade civil do Banco enquanto intermediário financeiro pela violação do dever de informação para com o investidor, incidindo especificamente sobre as questões da ilicitude, da culpa, do nexo de causalidade entre o facto e o dano, sendo também questionada a prova do dano.

11. Em......., foi ordenada a suspensão da instância dos presentes autos, até ser proferido e transitado em julgado o Acórdão Uniformizador do processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1 -A, que incidiu sobre as questões de direito suscitadas no presente processo e que se reveste de prejudicialidade em relação a esta ação.

12. Declarada a cessação da suspensão de instância, após o trânsito em julgado do AUJ n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1 -A, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos, que a Relação não modificou:

1. Em maio de 2006, o autor foi contactado telefonicamente pelo gestor de conta, funcionário do réu, que lhe propôs a subscrição de obrigações da SLN, pelo preço de €50.000,00.

2. No referido telefonema:

a. O gestor de conta disse ao autor que o produto era igual a um depósito a prazo, que se chamava SNL 2006.

b. O gestor de conta sabia que era essencial para o autor que o capital fosse garantido.

c. O gestor de conta disse ao autor que o capital era garantido.

d. O gestor de conta disse ao autor que os juros eram pagos de 6 e 6 meses, 2% acima da Euribor.

e. O gestor de conta disse ao autor que a subscrição era renovável.

f. O gestor de conta não disse que a subscrição era a 10 anos, porque na altura era fácil transacionar para terceiros e porque o gestor de conta sabia que se o dissesse, o autor não compraria.

g. O gestor de conta nada explicou acerca da SLN.

h. O autor aceitou comprar o produto acima descrito.

3. O autor é titular do seguinte valor mobiliário: uma obrigação subordinada SLN 2006, no valor nominal de €50.000,00, com vencimento em 09.05.2016.

4. O dinheiro proveio de depósitos a prazo do autor.

5. Na data de vencimento, em 09.05.2016, o banco não procedeu ao reembolso do capital aplicado, apesar de interpelado pelo autor.

6. Apenas após ter interpelado o banco para o pagamento do capital, o autor teve conhecimento que as características do produto financeiro não eram as que lhe haviam sido referidas telefonicamente pelo gestor de conta.

7. O autor pretendia que a aplicação não comportasse qualquer risco e que a recuperação dos valores fosse segura a 100% e que fosse possível o resgate do capital em qualquer altura do decurso do prazo.

8. Estes factos eram de pleno conhecimento do gestor de conta.

9. O autor confiou na palavra do gestor de conta do Banco Réu, pessoa que bem conhecia e por quem tinha consideração e confiança.

10. O gestor de conta sabia que a condição essencial para o autor era a garantia do produto ao nível do reembolso de capital bem como a oportunidade do resgate em qualquer data posterior.

11.O Autor sempre confiou que poderia reembolsar os valores depositados no Banco em qualquer altura.

12.O autor propôs esta ação em 21.2.2017.

Não se provou que:

13.O réu prestou ao autor todas as informações acerca da obrigação subordinada SLN 2006.

14.O agente de conta do Banco sabia que se fosse explicada a transformação dos depósitos a prazo do autor em obrigações subordinadas, nunca este aceitaria a subscrição de produto com tal índice de risco.

15.Pois, nunca adquiriria um produto desse género se lhe explicassem as condições do resgate, garantia de capital e subordinação.

16.E desta forma foi convencido a fazer este investimento.

17.Funcionários do banco réu explicaram ao autor os elementos que constam da nota informativa de fls. 70V-87V.

18.Em maio de 2006, o Autor foi informado de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (SNL) – e que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

19.Foi ainda informado que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.

20.O autor pretendia subscrever €50.000,00 em obrigações subordinadas SLN 2006.

21.O banco agiu de acordo com as instruções do autor.

22.Até porque este pretendia rentabilizar o seu investimento nesta modalidade de investimento, pois as taxas que o mesmo proporcionava:

23.As taxas das Obrigações SLN 2006 eram as seguintes: 4,5% no primeiro semestre; Euribor a 6 meses + 1,15% nos 9 semestres seguintes; Euribor a 6 meses + 1,50% nos semestres restantes.

24.O autor recebeu no mês seguinte à da operação supra, em casa, por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, bem como o aviso de crédito a cada seis meses relativo a juros.

25. “Concretamente foram dadas instruções aos colaboradores e funcionários da Banco, para que as notas informativas que se juntam sob (o doc. 4) não fossem entregues ou sequer explicadas aos clientes.”

26.“Os quais deveriam ser incentivados à adesão a estes novos produtos como se de depósitos a prazo se tratassem.”

B – O Direito

1. Discute-se no presente processo a responsabilidade civil do Banco, enquanto intermediário financeiro, pela violação do dever de informação acerca das caraterísticas do produto financeiro subscrito (obrigação SLN 2006), em maio de 2006, pelo autor, investidor conservador, que, por conselho do seu gestor de conta, retirou 50.000,00 euros que tinha num depósito a prazo para adquirir obrigações SLN 2006, julgando tratar-se de uma aplicação com a mesma segurança de um depósito a prazo tal como lhe foi garantido pelo Banco.

2. O direito aplicável é o Código de Valores Mobiliários, na redação originária do DL n.º 486/99, de 13 de novembro, as normas de direito comum relativas à responsabilidade civil pré-contratual (artigo 227.º do Código Civil) e à responsabilidade civil contratual (artigos 798 e seguintes do Código Civil), bem como as normas jurídicas que regulam o dever de indemnização (artigo 562.º e 564.º do Código Civil) e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano (artigo 563.º do Código Civil).

3. Sobre as questões de direito aqui suscitadas pelo recorrente, foi proferido um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (doravante designado por AUJ n.º 8/2022), proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A e publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes.

O AUJ n.º 8/2022 pronunciou-se sobre as questões da ilicitude e do nexo de causalidade enquanto pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, rejeitando a tese de que a presunção de culpa consagrada no artigo 799.º do Código Civil incluiria uma presunção de ilicitude e de causalidade, e onerando o investidor com o ónus de provar que o Banco violou o dever de informação que sobre ele recai e que esse facto ilícito, que se presume culposo, atuou como a causa adequada da decisão de investir do cliente, subscritor do produto financeiro.

O AUJ uniformizou jurisprudência de acordo com os seguintes critérios:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

4. No caso vertente, procederemos à aplicação das orientações fixadas no AUJ n.º 8/2022 aos factos do caso concreto, através de uma operação de subsunção dos factos na norma.

Esta é a metodologia decisória que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado” (cfr. Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, p. 201), conforme se deduz do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC, preceito segundo o qual é sempre admissível interpor recurso contra qualquer decisão que contrarie a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Apesar de não estarmos, rigorosamente, perante um precedente judiciário em relação ao acórdão recorrido, que foi proferido antes do AUJ n.º 8/2022, há que considerar que o presente processo esteve com a instância suspensa a fim de lhe ser aplicada a orientação que viesse a ser fixada no AUJ a proferir no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, pelo que estamos, num sentido substancial, perante uma decisão uniformizadora dotada de uma força especial de persuasão.

5. Vejamos, pois, em primeiro lugar, se os recorrentes cumpriram o ónus da prova da violação do dever de informação, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022.

Ficou provado que em maio de 2006, o autor foi contactado telefonicamente pelo gestor de conta, funcionário do réu, que lhe propôs a subscrição de obrigações da SLN, pelo preço de €50.000,00 (facto provado n.º 1). No referido telefonema: a. O gestor de conta disse ao autor que o produto era igual a um depósito a prazo, que se chamava SNL 2006; b. O gestor de conta sabia que era essencial para o autor que o capital fosse garantido; c. O gestor de conta disse ao autor que o capital era garantido; d. O gestor de conta disse ao autor que os juros eram pagos de 6 e 6 meses, 2% acima da Euribor; e. O gestor de conta disse ao autor que a subscrição era renovável; f. O gestor de conta não disse que a subscrição era a 10 anos, porque na altura era fácil transacionar para terceiros e porque o gestor de conta sabia que se o dissesse, o autor não compraria; g. O gestor de conta nada explicou acerca da SLN; h. O autor aceitou comprar o produto acima descrito (facto provado n.o 2). O dinheiro aplicado pelo autor na aquisição da obrigação subordinada SLN 2006, no valor nominal de €50.000,00, com vencimento em 09.05.2016 proveio de depósitos a prazo do autor (factos provados n.ºs 3 e 4). Só depois de interpelado pelo banco para o pagamento do capital, o autor teve conhecimento que as características do produto financeiro não eram as que lhe haviam sido referidas telefonicamente pelo gestor de conta (facto provado n.º 6). O autor pretendia que a aplicação não comportasse qualquer risco e que a recuperação dos valores fosse segura a 100% e que fosse possível o resgate do capital em qualquer altura do decurso do prazo (facto provado n.º 7). Estes factos eram de pleno conhecimento do gestor de conta (facto provado n.º 8). O autor confiou na palavra do gestor de conta do Banco Réu, pessoa que bem conhecia e por quem tinha consideração e confiança (facto provado n.º 9).

Neste quadro fáctico, ficou demonstrado que o banco, através do seu funcionário, teve a iniciativa de propor a compra de obrigações SLN a um cliente conservador, sem ter em conta o perfil deste. Para além da violação do dever de informação prévia, de recolha de elementos sobre o perfil e a experiência do investidor, o Banco prestou informação errónea e obscura ao autor, na medida em que o iludiu quanto ao risco de perda de capital, negando esta possibilidade, quando tinha conhecimento que para o autor era essencial que a aplicação fosse 100% segura e que fosse possível o resgate em qualquer altura, o que também não era verdade, pois a obrigação vencia ao fim de dez anos. O banco omitiu também quem era a entidade emitente da obrigação SLN e afirmando que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo, omitiu explicações que eram devidas quanto ao tipo de investimento em causa, aos riscos da operação e ao regime jurídico das obrigações em caso insolvência da entidade emitente. Todos estes aspetos são considerados pela lei e pelo AUJ n.º 8/2022, caraterísticas essenciais do produto que deviam ter sido esclarecidas ao autor para que este pudesse tomar uma decisão livre e consciente. Veja-se o artigo 312.º, n.º 1, als. a) – c), do CVM/99, que inclui no dever de informação os riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar. É entendimento da lei e da jurisprudência, que o AUJ n.º 8/2022 também adotou, que a relação contratual obrigacional, que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º, n.º 1, do CVM/1999), tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

A lei consagra ainda o princípio da proporcionalidade inversa, de acordo com o qual «A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente» (n.º 2 do artigo 312.º do CVM).

Acresce que, nos termos do AUJ n.º 8/2022, o intermediário financeiro tem o dever de se informar sobre o cliente e proporcionar-lhe informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar e tem de ter a iniciativa de prestar a informação, não tendo o investidor não institucional o dever de a solicitar. Ou seja, o Banco tem de ter um papel proativo na prestação da informação ao investidor não qualificado, em vez de esperar passivamente pela iniciativa do investidor.

Reportando-se a um caso semelhante aos destes autos, o AUJ n.º 8/2022, esclarecendo que, se o intermediário financeiro equipara uma obrigação a um depósito a prazo, e afirma que o capital é garantido, falta aos seus deveres de informar com verdade, rigor e exatidão o investidor:

«Ora, se o intermediário financeiro equipara simplesmente a subscrição de obrigações subordinadas a um depósito a prazo, viola esse dever de informação, porquanto existem diferenças assinaláveis e muito significativas entre os dois produtos, que aqui resumidamente se apontam:

— As obrigações representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348.o do Código das Sociedades Comerciais), o que implica que é a entidade emitente que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista) quer o montante que lhe é mutuado quer os juros respetivos, quando convencionados, restituição que dependerá sempre da solidez financeira da entidade emitente.

A subscrição de uma obrigação é um investimento e, através da sua aquisição, os investidores aplicam as suas poupanças visando uma remuneração do capital investido mais elevada, embora com mais riscos do que aqueles que resultariam de outras aplicações do capital, designadamente, através dos depósitos a prazo.

As entidades emitentes colocam no mercado, pelo melhor preço que consigam obter, os valores mobiliários que emitem no intuito de conseguirem formas alternativas de financiamento da sua atividade sem os custos do recurso ao crédito bancário.

— Os depósitos a prazo são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada (artigo 1.º, n.º 4, do Decreto -Lei n.º 430/91, de 2 de novembro).

Como se refere no acórdão de 5/12/2019, no contrato de depósito bancário, o Banco (depositário) tem a obrigação de restituir quantia idêntica à depositada, findo o prazo do depósito, acrescido de juros, caso hajam sido convencionados. No depósito bancário o valor depositado será sempre disponibilizado quando solicitado pelo cliente, não obstante a eventual perda dos frutos do depósito, mesmo nos casos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente. E quando os depósitos da instituição de crédito se tornam indisponíveis, o reembolso dos depósitos é garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos até ao valor global dos saldos em dinheiro de cada depositante, em conformidade com o limite estabelecido na lei.

— o Fundo de Garantia de Depósitos encontra -se regulado nos artigos 154.o e ss. do Regime Geral das Instituições de Crédito. A garantia de depósitos foi regulada pela Diretiva n.º 94/19/CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de maio de 1994 e foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto -Lei n.º 246/95, de 14 de setembro —(...).

Considera-se, pois, cumprido pelo autor o ónus da prova da ilicitude dos factos. Os factos ilícitos praticados presumem-se culposos nos termos da lei (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil e 314.º, n.º 2, do CVM).

Da matéria de facto provada decorre que esta presunção não foi afastada. A culpa do intermediário financeiro não se afere pelo critério geral e abstrato da pessoa média (ou bom pai de família, na expressão arcaica do artigo 487.º do Código Civil), mas antes, dada a natureza profissional do banco/intermediário financeiro, é-lhe exigível um grau de diligência mais acentuado, devendo este atuar de acordo com padrões de elevada diligência, lealdade e boa fé, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-04-2018, proferido no processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1).

Em conclusão, à luz da lei, que tem por objetivo a proteção da parte mais fraca da relação contratual – os investidores não qualificados – e à luz do AUJ n.º 8/2022, que a interpreta também nesse sentido, é manifesto que, nos factos do caso sub judice, o Banco violou o dever de informação a que está vinculado, facto ilícito que se presume culposo, nos termos dos artigos 799.º, n.º 1, do Código Civil e 314.º, n.º, 2, do CVM.

6. Resta ainda analisar o pressuposto mais obscuro da responsabilidade civil, o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

No que diz respeito à responsabilidade civil do intermediário financeiro, foi afastada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ n.º 8/2022, a solução jurídica que incluía na presunção de culpa do artigo 314.º, n.º 2, do CVM uma presunção de causalidade, pelo que são aqui decisivas as regras quanto ao ónus da prova nos termos definidos no AUJ, em cujo segmento uniformizador se concluiu que «1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro,(...) incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano».

O AUJ n.º 8/2022 prossegue, afirmando o seguinte, nos pontos 3. e 4.

«3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir».

«4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

O artigo 563.º do Código Civil prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, isto é, se não tivesse ocorrido o incumprimento.

Nesta disposição legal encontra-se consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

Segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal, «O juízo de causalidade, numa perspectiva meramente naturalística, insere-se no âmbito da matéria de facto e, por conseguinte, é insindicável; porém, cabe nos poderes de cognição do STJ apreciar se a condição de facto, que ficou determinada, constitui ou não causa adequada do evento lesivo» (cfr., por todos, Acórdão de 26-11-2009, Revista n.º 3178/03.8JVNF.P1.S1).

7. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (artigo 563.º do Código Civil) deve ser analisado através da demonstração, que decorra da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro.

Segundo os fundamentos do AUJ n.º 8/2022, o regime do CVM não só não vem aumentar o ónus probatório a cargo do investidor, em relação aos princípios gerais da responsabilidade civil, como implica até «(...)a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada(...)».

Como se afirma no Acórdão de 26-03-2019 (proc. n.º 2259/17.5T8LRA.C1.S1):

«É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma, acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstracto, ele seja causa adequada desse mesmo dano.

É matéria de facto o nexo causal naturalístico e é matéria de direito o juízo sobre o segundo momento da causalidade, referente ao nexo de adequação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias: «o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis» ([5]).

(...)

Essa aferição global da adequação deve partir de um juízo de prognose posterior objectiva, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano, pois que a causalidade adequada não se refere a um facto e ao dano isoladamente considerados ([6]).»

(...)

Como também considerou o Ac. desta Secção de 13-01-2009 (p. 08A3747), o «facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada “não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano.».

É o que, em suma, nos transmite o ensinamento do Prof. Vaz Serra ([7]) de que a causa em sentido jurídico se deve restringir àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação tal que seja razoável impor ao agente a responsabilidade por esse mesmo resultado, independentemente de este ter sido, exclusivamente, condicionado por tal causa:

«O problema não é um problema de ordem física, ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto dele ser obrigado a indemnizar. Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária.».

A causa (normativamente adequada) pode ser, não necessariamente directa e imediata, mas indirecta, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano.

Todavia, por outro lado, não é suposta a existência de uma causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma tenha, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factos, contemporâneos ou não. Na verdade, a lesão e a consequente produção do dano podem resultar de um concurso real de causas, da contribuição de vários factos, não sendo qualquer deles, singularmente considerado, suficiente para alcançar o efeito danoso, embora se imponha que um deles seja causa adequada do por ele desencadeado, imputável a outro agente.

E «[q]uando ocorre um tal concurso de causas adequadas, simultâneas ou subsequentes, qualquer dos autores é responsável pela reparação de todo o dano, como se infere do que se dispõe nos arts. 490º e 570º C. Civil (cfr. P. Coelho “O Problema da Relevância da Causa Virtual...”, 31-34)», como decidiu o mesmo Ac. de 13-01-2009».

Constata-se, pois, que o AUJ n.º 8/2022 não quis afastar, pelo contrário, adotou todo o lastro doutrinal e jurisprudencial produzido acerca do nexo de causalidade, com o objetivo de facilitar ao investidor não qualificado o cumprimento do ónus da prova, sem restringir o nexo causal, tal como resulta da matéria de facto, à formulação literal do ponto 4. do segmento uniformizador.

No nosso ordenamento civil, vigora o princípio da causalidade adequada ao qual o AUJ n.º 8/2022 também aderiu. Segundo este princípio, nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-10-2012, proc. n.º 5817/09.8TVLSB.L1.S1, “(...) não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito, para que este, sob o ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele: sendo ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável, adequada desse efeito. Não bastando, pois, a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano, sendo, ainda, preciso que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada do dano. Sendo antes necessário, para que um facto seja causa de um dano, que, por um lado, no plano naturalístico, ele seja condição (directa ou indirecta) sem a qual o dano se não teria verificado, e, por outro, que em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo.” (no mesmo sentido, vide, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-09-2018, proc. n°13809/16.4T8LSB.L1.S1; de 6-11-2018, proc. n° 2468/16.4T8LSB.11.S1; de 8-11-18, proc. n° 6164/09.TVLSB.L1.S1, de 30-04-19, proc. no 2632/16.6/8LRA.LLS1).

8. Analisemos os factos do caso no referido quadro legal e jurisprudencial:

Segundo o facto provado n.º 7, o autor pretendia que a aplicação não comportasse qualquer risco e que a recuperação dos valores fosse segura a 100% e que fosse possível o resgate do capital em qualquer altura do decurso do prazo, factos que eram de pleno conhecimento do gestor de conta, em cuja palavra o autor confiou, por ser pessoa que bem conhecia e por quem tinha consideração e confiança (factos n.º 8 e n.º 9). Ficou demonstrado que o Autor sempre confiou que poderia reembolsar os valores depositados no Banco em qualquer altura (facto n.º 11) e apenas após ter interpelado o banco para o pagamento do capital, o autor teve conhecimento que as características do produto financeiro não eram as que lhe haviam sido referidas telefonicamente pelo gestor de conta (facto n.º 6). No facto 10, dá-se como provado que foi condição essencial, conhecida pelo funcionário, para o autor subscrever o produto em causa, a garantia ao nível do reembolso de capital, bem como a oportunidade do resgate em qualquer data posterior.

Assim, num contexto fáctico em que houve uma violação culposa do dever de informação da parte do Banco quanto à garantia de retorno do capital e possibilidade de resgate em qualquer momento, e em que o autor tinha confiança absoluta na palavra do funcionário do Banco, e em que ficou provado que a informação errónea foi condição essencial da decisão do autor subscrever o produto, consideramos que ficou demonstrada a causalidade naturalística entre o facto e o dano, cabendo ao Supremo conhecer da questão normativa do nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Temos conhecimento da vontade do autor – apenas pretendia subscrever produtos com capital 100% garantido e resgate em qualquer momento – e que esta caraterística era condição essencial para decidir subscrever o produto (factos provados n.º 7 e n.º 10). Podemos, pois, concluir, com segurança, que a essencialidade da condição significa que o autor, caso soubesse a verdade acerca das características do produto financeiro – que era uma obrigação subordinada garantida por terceiros, com risco de perda do capital e com prazo de vencimento a dez anos – não a teria subscrito.

Tendo o AUJ n.º 8/2022 aderido à formulação negativa da causalidade adequada, a condição só deixará de ser causa do dano se for inteiramente inadequada ou indiferente para o resultado, que só se teria produzido por força de circunstâncias anómalas ou excecionais, o que significa que, concretizando-se o risco, não se pode afirmar que este era afinal imprevisível e que a omissão de informações foi um ato indiferente ou inadequado à produção do dano do não reembolso.

O mesmo entendeu o acórdão recorrido, conforme decorre do seguinte excerto, que se refere ao ónus da prova do nexo causal pelo autor:

«Tal prova foi feita, uma vez que, demonstrado ficou que: o gestor de conta afirmou ao A. que o produto era igual a um depósito a prazo; não disse que a subscrição era a 10 anos, porque na altura era fácil transacionar para terceiros e porque o gestor de conta sabia que se o dissesse, o autor não compraria; nada explicou acerca da SLN; apenas após ter interpelado o banco para o pagamento do capital, o A. teve conhecimento que as características do produto financeiro não eram as que lhe haviam sido referidas telefonicamente pelo gestor de conta; o A. pretendia que a aplicação não comportasse qualquer risco e que a recuperação dos valores fosse segura a 100% e que fosse possível o resgate do capital em qualquer altura do decurso do prazo; estes factos eram de pleno conhecimento do gestor de conta, que bem sabia que a condição essencial para o autor era a garantia do produto ao nível do reembolso de capital bem como a oportunidade do resgate em qualquer data posterior».

Decorre, pois, da apreciação da globalidade da matéria de facto qual seria o comportamento do investidor se o banco intermediário o tivesse tido informado corretamente acerca das caraterísticas do produto financeiro: não teria subscrito o produto.

Assim, damos como provada a existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

9. O dano enquanto pressuposto da responsabilidade civil

Na conclusão n.º 73, o réu/recorrente alega que não houve qualquer dano para o investidor, pondo em causa a existência de dano, parecendo negar que o dano possa ser aferido pelo valor do capital não restituído, sem mais explicitações.

O ónus da prova do dano cabe ao autor, por se tratar de um facto constitutivo do seu direito.

Da matéria de facto resulta que na data de vencimento, em 09.05.2016, o Banco não procedeu ao reembolso do capital aplicado, apesar de interpelado pelo autor (facto provado n.º 5), pelo que resulta efetivamente provado, diferentemente do alegado pelo Banco, o dano da perda do capital.

Para além desta questão, tem sido tratada pela jurisprudência a questão da determinação da extensão do dano indemnizável, a qual depende dos termos do pedido e dos factos provados. Com efeito, casos existem em que os investidores pedem indemnização equivalente ao reembolso do capital perdido acrescido de juros remuneratórios desde a maturidade da obrigação.

Dada a falta de elementos na matéria de facto provada e omissões na alegação dos investidores, em regra, os tribunais decidem atribuir juros desde a citação até integral pagamento.

No caso vertente o autor, em sede de indemnização por responsabilidade civil do réu, peticionou juro de mora civil desde 9 de maio de 2016 (data do vencimento da obrigação) para o capital de € 50.000,00, tendo as instâncias decidido condenar o Banco no montante do capital perdido, 50.000 euros, acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.

10. Para que o intermediário financeiro se constitua em responsabilidade civil perante o cliente é necessário, segundo as normas contidas nos artigos 562.º e 564.º, nº 1, do Código Civil, que este tenha sofrido danos ou prejuízos patrimoniais. Tais prejuízos tanto se podem traduzir numa desvalorização ou diminuição real do património do cliente (danos emergentes) como numa frustração da valorização ou do incremento desse mesmo património (lucros cessantes).

Dispõe o artigo 562.º do Código Civil que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

Nos termos do artigo 564.º, n.º 1, do Código Civil prescreve que «O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».

Em razão da natureza dos lucros cessantes, a desvantagem considerada deve tomar por referência critérios de verosimilhança ou de probabilidade (Cfr. Henrique Sousa Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, Lisboa, p. 561).

Segundo Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 580) «São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fosse o facto lesivo».

Nos termos do artigo 562.º do Código Civil que consagra o princípio geral sobre a obrigação de indemnização, o devedor tem de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

O sentido desta norma é completado pelo artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, que aderiu à teoria da diferença, estipulando que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data, se não existissem danos.

Assim, os danos patrimoniais serão avaliados em concreto, atendendo à teoria da diferença, para determinar a extensão do dever de indemnizar (artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil).

Dispõe o artigo 314.º, n.º 1, do CVM na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/2007, de 31-10 que os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

Da conjugação das duas normas citadas decorre que a avaliação do dano patrimonial deve ser aferida pelo princípio da compensação ou da equivalência entre o dano e a indemnização, que tem como corolários os sub-princípios de que a indemnização não deve ser inferior ao dano e de que não deve ser-lhe superior (princípio da proibição do enriquecimento do lesado) - cfr. Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 690-691.

A indemnização deve, assim, colocar o lesado na situação em que estaria se o dever de informação tivesse sido regularmente cumprido. Trata-se de reparar o dano causado por uma informação deficiente e não do dano provocado pelo incumprimento de uma obrigação contratual.

11. Sobre o enquadramento dogmático desta indemnização, quer a doutrina, quer a jurisprudência se dividem, em torno da questão de saber se é indemnizável o interesse contratual positivo, ou seja, saber se o lesado deve ser colocado na posição em que estaria se o contrato resolvido tivesse sido pontualmente cumprido (artigo 562.º do Código Civil) ou se a indemnização deve ser limitada ao interesse contratual negativo, ou seja, ao valor correspondente às despesas suportadas por via das negociações, ao tempo perdido e, eventualmente, aos negócios que ficaram por celebrar.

Esclarece Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, vol. IX, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2014, p. 155), que esta dicotomia interesse contratual positivo e interesse contratual negativo nasceu no contexto da responsabilidade civil pré-contratual (culpa in contrahendo) e visou limitar as indemnizações por incumprimento ao denominado interesse negativo, reduzindo substancialmente o seu montante.

A doutrina transpôs esta oposição para a resolução do contrato e costuma distinguir entre os chamados danos positivos ou de cumprimento e os danos negativos ou de confiança.

Como ensina Almeida Costa (Direito das Obrigações, 9ª edição, p. 548), trata-se de «(...) uma classificação particularmente ligada à responsabilidade contratual, pelo que se alude, em correspondência, à violação do interesse contratual positivo e do interesse contratual negativo».

Prosseguindo, o mesmo Autor afirma: «A indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso. Ao passo que a indemnização do dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respectiva conclusão».

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, teríamos que, na hipótese de indemnização pelo interesse contratual positivo, o investidor seria indemnizado pelo capital investido, acrescido da totalidade dos juros remuneratórios que teria recebido até à maturidade da obrigação.

Nos termos no teor do artigo 152.º do CVM, “1 - A indemnização deve colocar o lesado na exata situação em que estaria se, no momento da aquisição ou da alienação dos valores mobiliários, o conteúdo do prospeto estivesse conforme com o disposto no artigo 135.º. 2 - O montante do dano indemnizável reduz-se na medida em que os responsáveis provem que o dano se deve também a causas diversas dos vícios da informação ou da previsão constantes do prospeto.”

Este normativo reporta-se à indemnização pelo interesse contratual positivo, devendo a indemnização colocar o lesado na exata situação em que estaria se, no momento da aquisição ou da alienação dos valores mobiliários, o conteúdo do prospeto estivesse conforme com o disposto no artigo 135.º. A indemnização abrangeria, assim, quer os danos emergentes – aqueles que o investidor sofreu com a subscrição do produto financeiro – quer os lucros cessantes, isto é, os juros que era expetável vir a auferir com a subscrição daquele produto e que deixou de auferir.

Esta solução, se entendida no sentido de implicar que o investidor receberia a totalidade dos juros remuneratórios, surge como excessiva, pois o investidor, se tivesse tido conhecimento da informação correta, não teria aplicado o dinheiro naquele produto financeiro, mas num depósito a prazo, remunerado com uma taxa de juro mais baixa.

Todavia, a indemnização pelo dano negativo ou da confiança, num contexto em que se deu a celebração do contrato, pode ficar aquém daquela que o credor obteria com a aplicação de uma taxa de juro remuneratória, fosse ela a acordada no contrato, fosse a do depósito a prazo.

Assim, atendendo à boa fé do investidor e à confiança que depositou nas informações erróneas que lhe foram fornecidas pela contraparte e no contrato que foi celebrado, todo o valor por este representado poderá ser tido em conta na indemnização, atenuando-se, nestas posições matizadas, a contraposição entre o interesse negativo e o interesse positivo (Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 160-161). O que se afigura relevante não é a adoção da corrente do interesse positivo ou negativo, mas a interpretação das normas do instituto da responsabilidade civil e a sua aplicação aos factos de cada caso concreto, de acordo com uma ajustada ponderação de interesses, importando para o efeito a análise da jurisprudência.

12. Relativamente aos danos patrimoniais, avaliados em concreto, tem sido posição dominante da jurisprudência que o investidor tem direito ao pagamento do capital investido e de juros legais, à taxa civil, desde a maturidade das obrigações (ou desde a citação), até integral e efetivo pagamento.

Assim, a propósito do dano causado pelo intermediário financeiro, nas situações semelhantes à dos autos, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se pronunciado do seguinte modo:

a) - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2016 (Proc. nº 70/13.1TBSEI.C1.S1), sustenta que o valor do dano é equivalente ao capital investido, isto é, o valor do capital perdido, acrescido dos juros remuneratórios garantidos pelo Banco, no período em durou a aplicação, descontando-se os juros recebidos. Esta posição, também adotada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-01-2013, Revista n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1 pressupõe, contudo, nos termos da interpretação das declarações negociais do Banco, de acordo com os critérios fixados no artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, que este assumiu a garantia, perante o cliente, de reembolso do capital e dos respetivos juros remuneratórios.

A este propósito, é de salientar o Acórdão de 11-07-2019, Revista n.º 901/17.7T8VRL.G2.S1, que determinou a baixa do processo ao tribunal recorrido para a ampliação da matéria de facto respeitante à “garantia” de pagamento dada pelo Banco, e no qual se avança o seguinte quanto ao dano:

“De qualquer forma, a decisão recorrida também não poderia ser aceite na parte em que condena o banco a reembolsar o capital das obrigações com a taxa de juro que lhe estava associada pelo contrato de subscrição: se a fonte da responsabilidade do banco fosse a violação do dever de informação, o banco teria de responder pelos danos que não se teriam verificado caso a informação fosse prestada e tivesse sido esclarecedora; ora, pela indicação do A. vê-se que o mesmo não quereria senão um depósito a prazo do valor de 50.000 euros e os DP não tinham, na data em que a subscrição ocorreu, uma rentabilidade igual à das obrigações subordinadas subscritas. Sabendo que o A. recebeu periodicamente o valor dos juros das obrigações até ao momento em que a emitente deixou de os pagar e também não reembolsou o capital, a indemnização a atribuir teria de entrar em linha de conta com aqueles juros percebidos pelo A.

Contudo, os factos provados parecem apontar (ou indiciar) um outro motivo de responsabilização do banco: o de o mesmo ter assegurado um determinado resultado – o reembolso do capital, na data em que o cliente o solicitasse, e respectivos juros contratualizados.

Estaria aqui em causa uma responsabilidade directa por ter assumido uma obrigação de reembolso e remuneração – e não já uma responsabilidade por violação do dever de informação.

Nesta parte, porém, os factos provados não estão suficientemente detalhados para se poder concluir em que sentido há aqui alguma garantia assumida pelo intermediário financeiro.”.

b) - O Acórdão de 19-03-2019 (proc. n.º 3922/16.3T8VIS.C2.S1) entendeu que o investidor, na hipótese de responsabilidade do intermediário financeiro por informação errada, só terá direito aos juros remuneratórios à taxa acordada na subscrição, no caso de ter havido da parte do intermediador financeiro uma assunção de dívida da entidade emitente, mas afasta esta conclusão na generalidade dos casos. Na sua fundamentação afirma-se que se foi dito aos Autores que o produto proposto tinha a garantia do próprio Banco ou que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo ou ainda que o Banco garantia o capital investido, tudo isto apenas significaria, que o Banco prestou informações que não eram exatas ou verdadeiras, sendo apenas daqui que deve nascer a sua responsabilização, fazendo-se a reparação através do pagamento (indemnização) daquilo que os Autores entregaram e perderam (acrescendo juros), e que não teriam entregado e perdido se tivessem sido devidamente informados acerca daquilo que estavam a subscrever realmente (artigo 563.º do Código Civil).

c) - O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-12-2018, Revista n.º 3703/16.4T8VFR.P1.S2, aplica, para determinar a indemnização, a taxa de juro dos depósitos a prazo e não aquela, superior, que tinha sido acordada na subscrição, arbitrando uma indemnização correspondente à quantia investida e ao valor dos juros que esta quantia teria propiciado se aplicada num depósito a prazo, com dedução dos juros já recebidos, relegando o cálculo para execução de sentença.

Neste acórdão, entendeu-se que «não vemos como possa ser exigida ao A. a integral reversão da remuneração do capital investido, considerando um locupletamento injusto e sem causa justificativa a prestação a que o banco, afinal, estava contratualmente adstrito, por se preencherem os pressupostos da responsabilidade contratual decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente. Realmente, a entrega de tal remuneração correspondeu ao cumprimento do acordo celebrado entre o banco, intermediário financeiro, e o ora A, seu cliente, no quadro negocial entre ambos desenvolvido, mediante o qual aquele assumiu o reembolso do capital por este investido e também a respectiva rentabilidade, como se tratasse de um depósito a prazo.

Ora, estando assente que o banco responde pela violação do dever de informação, sem a qual, como resulta dos factos, o cliente não teria subscrito a aplicação, mas, sim, um depósito a prazo, não podem subsistir dúvidas de que o montante da indemnização adequado à respectiva violação deve corresponder ao interesse contratual positivo, por se afigurar ser o mais consentâneo com a realização da justiça material deste caso, uma vez que a questão - tal como o objecto deste recurso a confina - é a da necessidade da proteção da confiança na execução do negócio celebrado.

Assim sendo, a medida da indemnização devida ao A, nos termos do art. 566° n° 2 do CC, deve ser encontrada pela soma da quantia investida (€ 50.000) com o valor dos juros que esta teria propiciado enquanto depósito a prazo, entre a sua entrega e a sua efectiva restituição, deduzida, naturalmente, do montante dos juros já recebidos pelo A (até 7-05-2015)». destaque nosso

d) - O Acórdão de 05-06-2018, Revista n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1 entende, tal como o anterior, que o dano indemnizável não envolve os juros remuneratórios à taxa acordada no contrato subscrito, mas à taxa de um depósito a prazo simples, mas determina que o lesado devolva a parte dos juros recebidos que excede a que resultaria da aplicação da taxa de um depósito a prazo simples. Assim, o Banco réu foi condenado na quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença e que engloba o valor do capital investido, acrescido de juros moratórios à taxa legal contados a partir das datas em que os montantes investidos nas obrigações deveriam ter sido reembolsados, a este valor se descontando não só o valor que as obrigações ainda representam, mas também o valor dos juros remuneratórios que o investidor recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo.

Aí se sumariou que:

«Apurando-se que o autor investiu em obrigações convencido que estava a investir num depósito a prazo, o dano directo por ele sofrido corresponde aos montantes investidos, acrescido de juros de mora à taxa legal (por não se verificar o pressuposto a que alude o art. 102.º do CCom) a contar das datas em que os mesmos dever-lhe-iam ter sido reembolsados (como sucederia se, efectivamente, tivesse sido contratado esse depósito); a essa importância devem ser deduzidos o valor das obrigações da emitente (apesar da insolvência desta) e o valor dos juros remuneratórios que foram por esta pagos, assim se limitando a medida da responsabilidade do recorrente ao prejuízo efectivamente sofrido pelo recorrido».

13. Por aplicação dos princípios legais e jurisprudenciais expostos, afigura-se que o dano sofrido pelo cliente consiste, em primeiro lugar, no valor do capital perdido, que deve ser restituído pela Banco intermediário, acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento, conforme decidido.

Este capital, caso o investidor tivesse sido corretamente informado, não teria sido investido num produto de risco, mas num produto seguro, semelhante a um depósito a prazo com devolução do capital garantida. Há que ter em conta que o investidor, caso tivesse aplicado o dinheiro num depósito a prazo, como era a sua vontade real, nunca obteria um juro remuneratório tão elevado como aquele que foi acordado no produto financeiro de risco efetivamente subscrito, pelo que este montante deverá ser descontado ao valor do capital investido. A teoria da diferença impõe que se considere como perda, no cálculo do valor dos danos, não o juro remuneratório acordado, mas o juro que o capital produziria numa aplicação a prazo normal.

Esta posição funda-se no objetivo do instituto da responsabilidade civil que visa colocar o lesado no status quo ante, procurando reparar integralmente o dano sofrido, tudo se passando como se o facto ilícito e danoso não tivesse sido praticado. Assim, tendo sido o dano provocado pela falta de prestação de informação correta e exata, que, por sua vez causou uma decisão de contratar desconforme com a realidade e com a vontade do investidor, então a indemnização terá de colocar o investidor lesado na situação em que estaria se a sua vontade tivesse sido formada de forma esclarecida. Ou seja, o investidor não teria adquirido os instrumentos financeiros negociados – no caso em apreço, não teria subscrito a Obrigação SLN 2006 – mas teria aplicado o dinheiro num depósito a prazo ou produto equivalente, auferindo um juro remuneratório de menor valor. Assim, o investidor teria direito, apenas, a juros remuneratórios semelhantes aos que teria sido possível auferir caso tivesse feito uma aplicação num depósito a prazo, e não aos juros do produto subscrito, devendo o investidor restituir os juros remuneratórios efetivamente auferidos, durante o período em que a aplicação durou e produziu rendimentos, na parte que excede o valor médio da taxa de juro de um depósito a prazo.

Todavia, não tendo o Banco nas suas conclusões, peticionado o abatimento ao capital do valor dos juros remuneratórios efetivamente auferidos, nem a devolução da obrigação, e não tendo o autor nas contra-alegações questionado o método de cálculo da indemnização, de forma a que sobre o capital incidisse o valor médio da taxa de juro dos depósitos a prazo prevista para aquele período, não é possível determinar o quantum indemnizatório de acordo com esta tese jurisprudencial.

Em conclusão, confirma-se o acórdão recorrido, e o Banco é condenado ao pagamento de uma indemnização que consiste no valor do capital investido, 50.000 euros, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, sem qualquer desconto dos juros remuneratórios recebidos ou aplicação da taxa média dos depósitos a prazo.

14. Anexa-se sumário elaborado pela Relatora, de acordo com o n.º 7 do artigo 663.o do CPC:

I – Num contexto fáctico em que o Autor só pretendia subscrever produtos com capital 100% garantido e resgate em qualquer momento e em que ficou provado que a informação errónea foi condição essencial da decisão do autor subscrever o produto, consideramos que ficou demonstrada a causalidade naturalística entre o facto e o dano, cabendo ao Supremo conhecer da questão normativa do nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

II – Da análise da matéria de facto, podemos concluir, com segurança, que a essencialidade da condição significa que o autor, caso soubesse a verdade acerca das características do produto financeiro – que era uma obrigação subordinada garantida por terceiros, com risco de perda do capital e com prazo de vencimento a dez anos – não a teria subscrito.

III – O ónus da prova do dano cabe ao autor, por se tratar de um facto constitutivo do seu direito.

IV – Da matéria de facto resulta que na data de vencimento, em 09.05.2016, o Banco não procedeu ao reembolso do capital aplicado, apesar de interpelado pelo autor (facto provado n.o 5), pelo que resulta efetivamente provado, diferentemente do alegado pelo Banco, o dano da perda do capital.

V - Tem sido tratada pela jurisprudência a questão da determinação da extensão do dano indemnizável, a qual depende dos termos do pedido e dos factos provados. Todavia, aqui não será tratada por não ter sido incluída nas conclusões do recorrente.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20 de junho de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)