Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05P2861
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA MADEIRA
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
IN DUBIO PRO REO
DISPENSA DE PENA
COLABORAÇÃO DO ARGUIDO
Nº do Documento: SJ200511170028615
Data do Acordão: 11/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :

I - O recurso para a Relação preclude as questões relativas à matéria de facto incluindo o conhecimento dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem prejuízo de o Mais Alto Tribunal, em último recurso poder conhecer por sua iniciativa da eventual residual persistência desses vícios acaso se veja na contingência de decidir sobre matéria de facto notoriamente desfasada da realidade, manifestamente contraditória ou insuficiente para decidir.
II - Na falta de alegação de prova sobre o tipo de droga e das quantidades traficadas em todas e cada transacção em que interveio a arguida, há que presumir sempre o mínimo em cada uma delas, assim como o tipo de droga mais leve. É o que resulta do elementar princípio processual in dubio pro reo, também ele com afloramento constitucional – art.º 32.º, n.º 2, da Constituição.
III - O que subjaz ao prémio do artigo 31.º do D.L. n.º 15/93 citado, é, concerteza, uma atitude activa e decidida, espontânea e voluntariamente assumida pelo agente no sentido de abandonar a actividade ou minimizar os seus efeitos, ou auxiliar na recolha de provas decisivas, para a identificação e captura de outros responsáveis.Uma confissão, embora de algum relevo (não decisivo) mas prestada a reboque dos acontecimentos terá o seu lugar próprio de valoração no âmbito do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, mas não mais do que isso, já que a norma especial do citado artigo 31.º, premeia um comportamento também ele especial, não apenas de abandono activo da actividade em causa, como de colaboração activa e relevante, através de actos que inequivocamente revelem que o agente transpôs a barricada do crime para se assumir como um seu combatente activo.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. Em processo comum (tribunal colectivo) da 2ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção, nº .../02.0TDLSB, por acórdão de 20 de Julho de 2004 foi decidido, além do mais:
a) Julgar a acusação improcedente, por não provada, relativamente aos arguidos (9º) AA e (10ª) BB, dela os absolvendo;
b) Julgar a acusação improcedente, por não provada, na parte referente aos crimes de ofensas à integridade física simples, do art.º 143º, nº 1 do C.Penal imputados aos arguidos (1º) CC, (6º) DD e (8º) EE, deles os absolvendo;
c) Julgar a acusação procedente, por provada, na parte restante e em consequência condenar os arguidos (1º) CC, (2ª) FF, (3º) GG, (4º) HH, (5º) II, (6º) DD, (7º) JJ e (8º) EE, cada um deles, na pena de quatro anos e seis meses de prisão (por um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1, do DL 15/93); o arguido II ainda por um crime de detenção de arma proibida, do art.º 275º, nº 4 do C.Penal, na pena de três meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e sete meses de prisão.
Declarou ainda perdidos a favor do Estado todas as quantias em dinheiro e todos os bens apreendidos nos autos (art.ºs 109º do CP e 35º, 36º e 38º do DL 15/93) – à excepção dos referidos/excluídos em 2.4.3. ( «Restituir-se-ão à arguida HH, os artigos em ouro adquiridos em data anterior à data dos factos dos autos (a Setembro de 2002), de acordo com o que resulta das facturas juntas pela arguida a fls. 1903 a 1921.»)
Ordenou a destruição de toda a droga apreendida.
E condenou os arguidos 1º a 8º nas custas do processo.

Deste acórdão que recorreram à Relação de Lisboa os arguidos EE (o 8º arguido – cfr. fls. 2114 e ss.), JJ (o 7º arguido – com aperfeiçoamento a fls. 2505 e ss.), FF (a 2ª arguida – com aperfeiçoamento a fls. 2501 e ss.), e GG (o 3º arguido – cfr. fls. 2182 e ss.).
Mas aquele tribunal superior, por acórdão de 27/4/2005, negou provimento a todos os recursos.
Ainda irresignados, recorrem agora ao Supremo Tribunal de Justiça os mesmos arguidos culminando assim as respectivas motivações:

A – Os arguidos JJ e FF (peça conjunta)

1. A recorrente que havia sido condenada pelo ilícito p. e p. no art.º 21. ° n°1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, pretendendo a impugnação da matéria fáctica dada como provada.
2. Designadamente: que tivesse alguma vez comercializado produtos estupefacientes, que tivesse guardado na sua casa aquelas substâncias tóxicas e que as tivesse entregue a terceiros que aí se deslocassem a pedido de seu marido, bem como (na parte a si respeitante) “que arguidos CC, HH, II, DD, juntamente com FF, GG, JJ e EE, em comunhão de esforços e de forma concertada, desde Setembro de 2002 e até à detenção de parte deles em 26 de Março de 2003, dedicaram-se à comercialização de estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, que vendiam a terceiros consumidores desses produtos, actividade que decorreu em diversos locais do Bairro da Cruz Vermelha, em Lisboa. E, por vezes, dispunham também de pedaços de haxixe para entrega a terceiros”
3. Apesar do Agente da P.S.P. MM.. em audiência de julgamento ter referido que “a única coisa que vi, foi a FF acompanhar a HH e o NN ao sítio onde estava o marido a vender, mas ela não fez nada de especial”, o Agente LL, nada ter referido sobre a recorrente, só o tendo feito no referente à busca a sua casa e o Agente PP, por outro lado ter mencionado não ter procedido a vigilâncias em que tivesse visionado a recorrente é o que consta na transcrição dos suportes técnicos.
4. O tribunal, deitando mão às escutas telefónicas, improcedeu à impugnação de toda a matéria fáctica invocada pela recorrente.
5. Sendo certo que não se alcança, assim, do valor prático da transcrição da prova produzida em audiência de julgamento.
6. Sendo ainda certo que as escutas telefónicas são (ou deveriam ser) apenas um meio de obtenção de prova e resultarem em prova, desde que corroboradas por outros meios de prova, o que como acima foi referido, não foi o caso.
7. E sempre terá de se ter em conta a pouca fiabilidade das mesmas, como única prova para condenar quem quer que seja, a quatro anos e meio de prisão, sendo que muitas das vezes induzem em erro, quando desacompanhadas da prova produzida em audiência de julgamento.
8. A título de exemplo, veja-se o referido pelo Acórdão de que ora se recorre, quando menciona: (1 parte da pág. 38):
“ (...) bem como lhe solicitava que fosse buscar dinheiro a casa do arguido AA (...)”
Porém, resultou da matéria fáctica dada como não provada, pelo tribunal de 1.ª Instância (pág. 20):
- que o arguido AA, a troco de quantias monetárias, cedesse a sua casa para a descrita actividade onde também guardava as quantias monetárias dela provenientes, que mais tarde, entregava ao arguido CC”
9. No deveriam, pois os pontos acima referidos, que a recorrente pretendia ver impugnados, terem resultado provados, como o foram pelo aliás douto Acórdão recorrido.
10. Também o acórdão recorrido, manteve o enquadramento jurídico do art.º 21° nº 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, ao contrário da recorrente, que propugnava pela aplicação do disposto no art.º 25° do mesmo diploma, com o fundamento de que da matéria dada como provada resultava: “ (...) no presente caso, os factos apurados integram o tipo base do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo citado art.º 21.º, nº 1, do DL 15/93, com referência às tabelas A, l-B e l-C (heroína, cocaína e Cannabis Sativa L), no caso, já que os arguidos CC,HH II, DD (não recorrentes), juntamente com os ora recorrentes FF, GG, JJ e EE, em comunhão de esforços e de forma concertada, desde Setembro de 2002 e até à detenção de parte deles em 26 de Março de 2003, dedicaram-se à comercialização de estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, que vendiam a terceiros consumidores desses produtos, actividade que decorreu em diversos locais do Bairro da Cruz Vermelha, em Lisboa. E, por vezes, dispunham também de pedaços de haxixe para entrega a terceiros.
Daí que logo se deve afastar a alegada diminuição da gravidade da ilicitude do facto, (...) (pág. 42 do Acórdão).
“Como vimos, tal não corresponde à factualidade apurada, nem esta se traduz na aludida diminuição considerável da ilicitude, quer quanto a tal recorrente, como no que respeita aos demais, FF (...)“ (pág. 42 do Acórdão).”
Certo é que o acórdão de 1.ª Instância. (pág. 28) ao invés refere:
“In casu, o grau de ilicitude do facto não se apresenta particularmente acentuado, a atentar na qualidade e na quantidade das drogas apreendidas (...)“
Acrescentando ainda, o Acórdão de 1.ª Instância “O dolo dos arguidos foi directo, de mediana intensidade”
11. Sempre se dirá ainda, ter resultado provado pelo Acórdão da 1.ª Instância (pág. 7) – não tendo sido valorado pelo Acórdão recorrido – que a recorrente sempre agiu “a pedido” do arguido CC seu companheiro e pai das suas duas filhas, portanto sob a sua orientação e dependência.
12. Que por ser consumidor, também ele, de produtos estupefacientes e bebidas alcoólicas em grande escala, se tornava muito agressivo, quando contrariado, daí o facto da recorrente, segundo o que declarou em sede de julgamento, nunca lhe recusar os seus “pedidos” que aquele por telefone lhe fazia, mas não os realizar na prática, desculpando-se posteriormente com os afazeres com as filhas, com a casa ou o trabalho que realizava.
13. Constata-se, assim, a existência dos pressupostos do enquadramento jurídico pelo art.º 25° do DL 15/93 de 22 de Janeiro à recorrente, já que os meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das substâncias, indiciam que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída.
14. Porém, o Acórdão recorrido não o entendeu assim, fazendo “tábua rasa” de todos os factores que impunham à recorrente aquele enquadramento jurídico.
15. Também a pena de quatro anos e seis meses de prisão aplicada à recorrente que se encontra em liberdade, se mostra, especialmente severa e desajustada.
16. A recorrente, conforme o que resultou provado em sede de 1.ª Instância, apresenta condição social e económica muito modesta, em total discrepância com os avultados e fáceis lucros que a actividade de tráfico proporciona, antes vivendo na maior pobreza, vendo-se obrigada a dormir com as filhas na sala sobre colchões, já que praticamente inexistentes móveis na sua casa, pelo que a ter cometido o agir ilícito que lhe é imputado, só o seu companheiro usufruía com isso, para o seu próprio consumo de estupefacientes, bebida e convívio com outras mulheres, (de quem aliás, de uma tem um filho bebé) que certamente, num rasgo de consciência assim o declarou em sede de audiência e discussão de julgamento.
17. É inteiramente primária, tem emprego certo e duas filhas com seis e dez anos que de si - já que o pai se encontra preso - dependem. Não tem qualquer outro processo pendente.
18. Mais justo e equilibrado — atente-se que todos os arguidos foram condenados em igual pena (quatro anos e seis meses de prisão), teria sido, ter-lhe sido aplicado o enquadramento jurídico preceituado no art. 25° do DL 15/93 de 22 de Janeiro e em consequência ter sido condenada em pena não privativa da liberdade, suspensa a sua execução, por a prognose da suspensão se lhe apresentar favorável.
19. Foram, pois, violadas pelo douto Acórdão recorrido as seguintes normas jurídicas:
Art°s 410° n°2, alínea c), 412° nº 3, alíneas a), b) e c) do C.P.P., 50° 70°, 71° nº 1 e nº 2
alíneas a), c) d) e e), 72° nº 1 e n°2, alíneas a) e d), todos do Código Penal e Art°s 21° nº 1, 25° do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
Termos em que sempre com o desejável e necessário suprimento de Vossas Excelências deverá ser dado provimento ao recurso ora interposto, mas a certeza de que como, habitualmente, aplicarão a melhor,
JUSTIÇA

B – EE:

«1 A esmagadora maioria da factualidade considera assente não se relaciona, nem de directa nem indirectamente com o recorrente: Note-se, a este propósito, toda a “matéria de facto provada a que alude o Douto Acórdão recorrido desde a sua página 25 (in fine) até à página 32; nesta extensa descrição de factualidade provada — e que descreve a esmagadora maioria dos factos, condutas e actuações a que se reportam os autos — não existe uma única referência ao envolvimento, directo ou indirecto, do ora recorrente.
2 Tal circunstância não pode pura e simplesmente ser ignorada tal como o fizeram os arestos impugnados;
3 Não é, pois, difícil concluir que o grau de ilicitude dos factos que podem ser imputados ao ora recorrente mostra-se consideravelmente diminuído, porquanto: foram limitados no tempo; traduziram-se, essencialmente, em funções de vigilância; não se provou qualquer lucro financeiro; não detinha qualquer estupefaciente consigo ou na sua residência quando ocorreu a busca domiciliária;
4 Estamos, pois – no que ao ora recorrente diz respeito – perante o que a lei designa por “tráfico de menor gravidade” (artigo 25.º do Decreto Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro), que, in casu, mereceria pena com limites entre 1 a 5 anos – e não, como erradamente julgou o Tribunal “a quo”, o crime tipificado no artigo 21.º, n.º 1, do citado diploma legal;
5 Nesta ordem de ideias, uma pena que se aproximasse do limite mínimo (do artigo 25.º) seria adequada.
6 Efectivamente, quando em 27 de Novembro de 2002, se dá início às intercepções telefónicas, o ora recorrente não é nunca interceptado, porque entretanto já tinha abandonado voluntariamente as actividades em causa;
7 Até nos próprios relatórios de vigilância posteriores a 27 de Novembro de 2002, é nítida a falta de informações sobre as movimentações do ora recorrente;
8 Assim, não restam dúvidas que existe um abandono voluntário por parte do ora recorrente, na alegada actividade de que vinha sendo acusado, fazendo diminuir de forma considerável o perigo que poderia produzir por essa alegada conduta;
9 Tais factos devem assim enquadrar-se no conteúdo do artigo 31° do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, devendo, pois, haver lugar a dispensa de pena;
10 No entanto, caso assim se não entenda, não restam dúvidas que o facto de o ora recorrente deixar de constar nos relatórios de vigilância, não existir uma única intercepção telefónica, nem ter sido encontrado na sua residência qualquer produto, objecto, documento ou qualquer outro elemento que se relacionasse com o tráfico de estupefacientes demonstra, inequivocamente, o seu afastamento;
11 Isto é existe um conjunto de circunstâncias que foram consideradas apenas para acusar, mas que depois não foram consideradas – mais que não fosse – para confirmar que tenha havido por parte do ora recorrente actos demonstrativos de arrependimento sincero que o pudessem indiciar como estando envolvido neste tipo de actividade (artigo 72.º, n.º 2, al. c), do C.P.).
12. Acresce ainda o facto do ora recorrente ter mantido, desde finais de 2002, até à presente data, uma boa conduta (artigo 72.º, n.º 2, al. d) do C.P.);
13. Ora perante tais circunstâncias, poder-se-á considerar que, havendo lugar a atenuação especial da pena, deverá a mesma ser substituída, optando-se pela suspensão da sua execução, nos termos do artigo 73.º do Código Penal;
14 O acórdão ora recorrido errou na determinação da norma aplicável (aplicou o artigo 21.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, quando deveria ter Aplicado o artigo 25.º ou o artigo 31.º do mesmo diploma);
15 Além disso não fez aplicação – e deveria tê-lo feito – das disposições contidas nos artigos 72.º e 73.º do C.P.
16 A douta decisão recorrida deverá ser revogada em conformidade, sendo substituída por outra que condene o arguido num ano de prisão, suspendendo-se a sua execução pelo período considerado adequado.»

C. GG:

«1 - O ora recorrente foi condenado pela prática de pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos termos dos art.s. 21°. do D.L. 15/93, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva
2 - Emerge assim o presente recurso da discordância em relação ao Douto Acórdão com que o Tribunal A Quo decidiu condenar o ora recorrente na aludida pena
4 - A decisão de facto teve por base segundo o Tribunal” a quo” a prova produzida em audiência, globalmente, designadamente (em relação ao recorrente):
a) O depoimento das testemunhas de acusação, agentes da PSP, que confirmaram todos os factos provados sobre os quais depuseram, fazendo - o de forma totalmente isenta e convincente; de destacar que do seu depoimento resultou clara a sua razão de ciência, decorrente do facto de tudo terem presenciado e devidamente percepcionado.
Assim precisando:
- LL, id. a fls. 1193, que em vigilância a casa sita no nº. 10 da rua das ..., observou o recorrente na actividade de venda de droga, da forma constante dos factos provados;
- MM, id. a fls.1195; que, em observação/vigilância observou o recorrente na actividade de venda de droga, da forma constante dos factos provados; fez igualmente vigilância ao arguido no meio da rua Maria Helena; explicou os resultados do cotejo do teor das escutas com as acções de vigilância; tendo igualmente observado o recorrente nos locais de venda;
- OO, id. a fls.1218, que depôs sobre a busca efectuada
a casa do recorrente, confirmando o que consta do respectivo auto;
- PP, id. a fls. 1190, acompanhou as testemunhas M... e P... nas supra descritas acções de vigilância, tendo deposto de forma essencialmente Idêntica a estas;
- QQ id. a fls. 608, não fez qualquer referência ou alusão ao recorrente no seu depoimento;
- RR, id. a fls. 1216, não fez qualquer referência ou alusão ao recorrente no seu depoimento;
- SS, id. a fls. 1186, não fez qualquer referência ou alusão ao recorrente no seu depoimento;
- TT, id. a fls. 1220, não fez qualquer referência ou alusão ao recorrente no seu depoimento;
- UU, id. a fls. 1229, não fez qualquer referência ou alusão ao recorrente no seu depoimento;
-VV, id. a fls. 1334, não fez qualquer referência ou alusão ao recorrente no seu depoimento;
- XX, id. a fls.1210, não fez qualquer referência ou alusão ao recorrente no seu depoimento;
- XX, id. a fls. 1316, não fez qualquer referência ou alusão ao recorrente no seu depoimento;
- ZZ, id. a fls.1306, não fez qualquer referência ou alusão ao recorrente no seu depoimento;
Ainda:
- AAA, id. a fls. 1413, empregada de limpeza, que
adquiriu estupefacientes para consumo no Bairro da Cruz Vermelha, compra
que confirmou e que foi observada por agentes da PSP;
b) — Autos de apreensão de fls. 565-566, 592 a 594, 609 a 611, 640-641 e 660, e o que resulta da respectiva literalidade;
c) — Autos de exame e avaliação de fls. 785, 789, 793, 795, 1034, 1036, 1038, 1040, 1041, 1043, 1045, 1047 e 1049 e o que resulta da respectiva iletralidade; d) — Documentos a fls. 578 a 582, 586, 619 e 654;
e) — Fotografias de fls. 10 a 17, 22, 23, 33 a 42, 350 a 352, 356 a 368, 583 a 585, 595, 596, 612 a 618, 648 a 653, 1307 a 1315 e respectivas legendas explicativas;
f) — Exame do LPC de fls. 1055-1056;
– - Transcrições das intercepções do alvo 18590 de lis. 223 a 251 e de fls. 317 a 319;
– -Transcrições das intercepções do alvo 18590 de fls. 343 a 347;
– -Transcrições das intercepções do alvo 18590 A de fls. 223 a 251 e de fls. 317 a 319;
j) Transcrições das intercepções do alvo 185901 de lis. 804 a 829;
k) - Transcrições das intercepções do alvo 18964 de fls. 321 a 332 e de fls. 831 a 854;
1) -Transcrições das intercepções do alvo 18968 de fls. 334 a 341;
m) - Transcrições das intercepções do alvo 194901 de fls. 856 a 858; n) - Transcrições das intercepções do alvo 19491 de fls. 860 a 862;
o) -Transcrições das intercepções do alvo 19492 de fls. 869 a 894; p) -Transcrições das intercepções do alvo 19493 de fls. 896 a 902;
q) - Todas as transcrições com respectivo suporte técnico: Cd ‘s juntos aos autos;
r) - O depoimento das testemunhas de defesa, que depuseram, no essencial, a respeito da situação pessoal dos arguidos que as ofereceram;
s) - os CRC’s.
3 - Quanto ao acórdão é precisamente do confronto entre a matéria de facto provada e a fundamentação apresentada pelo Douto Tribunal a quo, que o ora recorrente conclui terem sido insuficientes os elementos julgados e que se traduziram na decisão da matéria de facto provada. Como seguidamente explicitará, existem pontos de facto que, na sua perspectiva, foram incorrectamente julgados
4 - O Tribunal “a quo”, ao formar a sua convicção intima, valorou erradamente a prova produzida em audiência, pois uma correcta apreciação e valoração da mesma imporiam, sem dúvida, a aplicação de uma pena, mas não aquela que foi aplicada ao ora recorrente, já que parte da prova é nula.
5 - Não podendo o Douto Tribunal “a quo” dar como provado a matéria aludida, nos termos descritos, pois não foram suficientes os elementos para se atingir aquela conclusão verificando — se a existência de erro na apreciação da prova
6 - Os factos dados como provados e como não provados no acórdão recorrido não estão em consonância com a prova produzida em audiência, designadamente as declarações das testemunhas de acusação e das vigilâncias efectuadas por estas e das declarações das testemunhas de defesa não se faz prova que desde Setembro de 2002 até à detenção de parte dos arguidos, em 26 de Março de 2003, que estes, em conjugação de esforços e de forma concertada, dedicaram — se à comercialização de estupefacientes, designadamente heroína e cocaína, que vendiam a terceiros consumidores desses produtos, actividade que decorreu em diversos locais do Bairro da Cruz Vermelha, onde todos residiam, com excepção do arg°. DD; que os arg°s. CC e DD adquiriam os estupefacientes a terceiros não identificados e guardavam — no entre outros arg°s. na casa do recorrente, com o conhecimento e autorização deste; que nestas casas os arg°s. CC e DD procediam à pesagem, mistura com outros produtos, vulgo “corte”, e embalamento em doses individuais da heroína e cocaína e, depois, transportavam as embalagens para os locais de venda; que no inicio do mês de Fevereiro de 2003 o arg°. foi realojado pela Câmara Municipal de Lisboa noutra residência, sita no Bairro da Ameixoeira, onde passou a guardar o estupefaciente; enquanto decorriam as vendas das embalagens com estupefacientes os arg°s. EE e o recorrente aguardavam no início daquela rua, em atitude de vigilância afim de se aperceberam da eventual presença no local de agentes policiais; que para controlo do decurso das vendas o arg°. CC passava várias vezes pelo local em causa, dialogando com os outros dois; que a partir dos últimos dias do mês de Novembro de 2002 o arg°. CC começou a utilizar a casa da arguida. BB, sita no nº. ... da Rua Maria Helena, para aí se proceder à venda das embalagens com heroína e cocaína; que nessa altura o controlo do decurso das vendas das embalagens era efectuado pelos arg°s. EE e II e as vendas pelo recorrente, que a partir de meados do mês de Janeiro de 2003 as vendas das embalagens com heroína e cocaína decorreram junto a uma laranjeira existente na Rua Maria Emília e junto à casa do arg°. CC, ali situada, e eram levadas a cabo pelos arg°s. CC, GG e JJ, que recebiam dos compradores quantias monetárias e lhes entregavam as embalagens; para o desempenho da descrita actividade o arg°. CC utilizou vários veículos automóveis, seus ou da sua companheira ou de outros, designadamente, do recorrente, tendo conduzido, pelo menos os veículos de matrícula ..., ..., ..., ... e ..., pertença do recorrente; que o arg°. CC também guardava estupefaciente na casa do recorrente, procedendo este ao seu empacotamento a pedido do CC, e transportava — o quer para a casa do CC, quer para os locais de venda; que na busca à casa do recorrente foi encontrado heroína e cocaína e que este estupefaciente fora entregue pelo arg°. CC, para aquele o embalar em doses individuais, o que o recorrente, em parte, já fizera; que a balança e telemóvel apreendidos ao recorrente eram por ele utilizadas na actividade de venda de estupefacientes, da qual obteve como proventos a máquina fotográfica e os objectos em ouro que lhe foram aprendidos, pelo que não podem ser declarados perdidos a favor do Estado;
7- Não resulta esta prova tendo em atenção a prova produzida, em concreto as declarações prestadas pelas seguintes testemunhas acusação que se referiram ao recorrente LL, MM; PP e OO, nenhuma das restantes testemunhas da acusação se referiu ao recorrente pelo que em relação a este nenhuma prova foi produzida por estas testemunhas. E tendo também em atenção as depoimentos prestados pelas seguintes testemunhas de defesa que se referiram ao recorrente, I... F... dos S..., I... M... P... do C..., e S... C... P... do C.... Afirmando todas elas que os objectos em ouro apreendidos ou eram da companheira do arg°., S... do C..., e tinham sido por estas adquiridos ao longo dos últimos 13 anos por esta com rendimentos do seu trabalho, ofertas de familiares ou eram da sua filha tendo sido oferecidos a esta aquando do seu baptizado como se percebe pelas inscrições nessas peças, lembrança de padrinhos, lembrança de tios, lembrança de avós.
8 - Há pois contradição entre a matéria assente e a prova produzida, além de não ter sido fundamentado o motivo pelo qual não se acolheu a versão apresentada pelas testemunhas de defesa.
9 - Assim de acordo com tais declarações, deveriam apenas ter sido dado como provados os seguintes factos.
- Que até data não concretamente apurada mas situada no decurso do mês de Fevereiro de 2003 o arg°. residiu na Rua Maria Margarida, lote..., 1°. C;
- Que no inicio do mês de Fevereiro de 2003 o arg°. foi realojado pela Câmara Municipal de Lisboa noutra residência, sita no Bairro da Ameixoeira;
- Que o arg°. CC utilizou vários veículos automóveis, seus ou da sua companheira ou de outros, designadamente, do recorrente, tendo conduzido, pelo menos os veículos de matrícula ..., ..., ..., ... e ..., pertença do recorrente;
- Que os arg°s. utilizaram telemóveis;
- Que no dia 26 de Março a PSP deu cumprimento aos mandados de busca emitidos nos autos para a residência dos arguidos;
- Que na busca à casa do arg°. CC foram encontrados e apreendidos entre outros objectos a chave da viatura de matrícula ..., esta última pertença do recorrente e que se encontrava estacionada à entrada e que este veiculo foi apreendido por a viatura ser utilizada, quer pelo recorrente, quer pelo CC;
- Que na busca à casa do recorrente entre outros objectos foram encontrados e apreendidos na segunda gaveta da mesa da cabeceira, uma máquina fotográfica e em cima da televisão diversos objectos em ouro, tudo objectos melhor descritos e avaliados a fls. 795-796 e 1041.
- Que na busca à casa do recorrente foi encontrado heroína e cocaína;
- Que os arg°. conhecia a natureza estupefaciente dos produtos que detinha e lhes foram apreendidos;
- Que a balança e telemóvel apreendidos ao recorrente não eram por ele utilizadas na actividade de venda de estupefacientes, e que não obteve como proventos do tráfico de estupefacientes a máquina fotográfica e os objectos em ouro que lhe foram aprendidos;
- Que os arg°. agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
- Que o recorrente vive com a companheira, em casa da mãe desta, e com a filha de dois anos de idade;
- Que não tem antecedentes criminais na área do tráfico de estupefacientes, mas sofreu duas condenações por crime de roubo e duas por condenação sem carta;
10 - Verificando-se, assim, a existência do vicio resultante do art. 410°, nº 2 do Código de Processo Penal, concretamente, erro notório na apreciação da prova A pena em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa, mas é muito difícil, na falta de padrão disponível, “medir” a culpa de que pratica factos criminalmente repreensíveis. O juízo de culpa releva, assim, necessariamente, da intuição do julgador, assessorada pelas regras da experiência
11 - Deste modo, a discordância do ora recorrente com a convicção intima do julgador, espelhada na fundamentação e motivação do Douto Acórdão recorrido, assenta no facto de que, atenta a prova produzida, o Tribunal “a quo” deveria ter valorado a mesma de modo a traduzir-se na aplicação de uma pena mais justa ao arg°. e não aplicar a todos os arg°s a mesma pena dizendo não haver razões para distinguir os arguidos entre si, quando o devia ter feito, face aos diferentes graus de participação no crime pelos arguidos e da importância de uns em relação aos outros, sendo que a do arg°. é de menor participação e importância comparativamente por exemplo ao arg°. CC.
12 - Quanto à pena em concreto aplicada ao arg. ° — 4 anos e seis meses de prisão efectiva — ela foi exagerada, não teve em conta os factores de escolha e graduação da respectiva pena concreta que estão previstos nos arts. 70°. e 71°. do CPenal. Assim essa determinação deve fazer — se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminal mente puníveis, devendo atender — se a Todas As Circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuseram a favor ou contra o arguido
13 - Circunstâncias que militam a favor do arguido:
- In casu, o grau da ilicitude do facto não se apresenta particularmente acentuado, a atentar na qualidade e na quantidade das drogas apreendidas, sendo bem conhecidas a natureza das substâncias e seus efeitos potenciais, na forma de execução do crime, típica do ilícito em causa, não sendo de considerar muito elevadas (dentro da forma simples do crime) as quantidades apreendidas;
- O dolo do arg°. foi directo, de mediana intensidade;
- As condições pessoais do arg°., vive em comunhão de mesa e habitação, com a sua companheira, como marido e mulher fossem, desta união tem uma filha de 2 anos, residem em habitação social pertencente à C.M. Lisboa, é de modesta condição económico-social;
- A conduta anterior ao facto — ausência de antecedentes criminais, neste tipo de crime;
- Considera o recorrente que o tempo que está em prisão preventiva desde 26 de Março de 2003 é mais do que suficiente para acautelar qualquer atitude que se julgue improcedente da sua parte;
14 - O Tribunal Colectivo ao optar por uma pena privativa da liberdade de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, não teve em atenção os art.s. 40.º, 70°. e 71°., todos do CPenal e as circunstâncias que militam a favor e contra o arg°.
Impunha — se que a decisão recorrida obedecesse aos requisitos previstos nestes artigos o que não o fez.
15 - Em conclusão e pelo supra exposto o arg°. devia ter sido apenas condenado numa pena de prisão efectiva de 4 anos e não de 4 anos e seis meses de prisão.
16 - Para além do Douto Acórdão recorrido enumerar os meios de prova produzida, em rigor, deveria o mesmo explicitar a razão de ciência dos depoimentos bem como os factos sobre que incidiram, para que se torne perceptível intuir de que forma chegou o Tribunal à conclusão de “provado” e/ou de “não provado”
17 - Na redacção actual do art. 374.º, no 2 do Código de Processo Penal, a motivação dos factos da sentença consistirá na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal;
18 - Assim, não basta enumerar os meios de prova, antes se impondo a “explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal” (Ac. T.C. no 680/98 de 02/12), de forma a permitir uma compreensão “do porquê da decisão e do processo lógico — mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório” (Ac. STJ 99.05.12, rec. n.º 406/99 — 3a
19- Na sua fundamentação, o douto Tribunal “a quo” não apresenta uma indicação e exame critico das provas que serviram para formar a sua convicção, donde se conclui pela existência de violação ao preceituado no art. 374°, nº 2 do Código de Processo Penal, nulidade que se argui neste recurso e em tempo
20 - O tribunal “a quo”, na formação da sua convicção intima, valorou erradamente a prova produzida em Audiência, pois uma concreta apreciação e valoração da mesma, imporia a aplicação de uma pena mais justa e inferior àquela que lhe foi aplicada pois, pese embora formal, a justiça deve ser compreendida pelos cidadãos, já que a mesma é um direito que lhes está constitucionalmente consagrado
Termos em que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que aplique ao arg°. a pena de prisão efectiva de 4 anos.
Assim sendo, violaram — se os art.s. 40°., 50°., 70°., 71°., 72°. n°.2, todos do
Código Penal e 374°. n.º 2 e 410°. n.º 2 do Código Processo Penal e art.º. 21°.
Do DL 15/93
Razões estas que impõem a aplicação de uma pena mais justa»
Termina pedindo:
«Deve o mesmo ser julgado procedente e reconhecerem que existe erro notório na apreciação da prova e que existe a nulidade invocada e desta forma remeterem os autos para novo julgamento ou revogarem o douto acórdão, e substituírem — no por outro que, fazendo correcta apreciação na valoração da prova produzida, aplique ao ora recorrente uma pena justa e adequada de 4 anos de prisão efectiva atentos os factos provados e não provados e os factos que militam a favor ou contra o arg°.»

Respondeu o Ministério Público junto do tribunal ora recorrido a todos os recursos concluindo em suma:

A. Quanto ao primeiro:

1.º A fundamentação da matéria de facto é de manter, resultando a mesma dos depoimentos de 2 testemunhas, agentes da P. J., e da prova resultante das escutas telefónicas, sendo, aliás, esta de grande relevância, o que, aliás, o art. 187. ° n.º 1 do C.P.P. não impede, antes pressupõe; Sendo o mesmo relator, em ac. também desde ano, acessível na mesma base de dados, sob o n.º 5J 200210240632985, a pena de 6 anos de prisão é de impor, mas a arguido reincidente.
2 Sendo o mesmo relator, em ac. também desde ano, acessível na mesma base de dados, sob o n. ° SJ 200302130001675, o dito art. 25. ° é de integrar segundo o volume de negócios, cujo não apuramento provoca insuficiência.
2.° Dos pontos indicados não resultar vícios, nomeadamente, a apontada contradição não resulta da contradição com o referido facto não provado que não respeita aos recorrentes;
3.° É de admitir o enquadramento dos factos pelo crime p.° e p.° pelo art. 25. ° do DL 15/93, tratando-se, afinal, de mais um caso do chamado tráfico de rua;
4.° No entanto, a pena aplicada ao recorrente parece, ainda assim, adequada, atenta o longo período por que se mantiveram os factos (cerca de 6 meses) e o dolo intenso manifestado pelo recorrente;
5.° Quanto à recorrente concorda-se que seja de admitir a redução da pena para 3 anos de prisão, fundamentalmente, face a um menor dolo e às suas fracas condições pessoais, a admitir face ao que se dispõe no art. 71.º als. b) e d) do C. Penal;
6.° No entanto, não é de admitir, sem mais, a suspensão desta pena, em virtude das ditas condições serem desfavoráveis a ser de admitir que não volte a delinquir, pressuposto para ser aplicado o art. 50. ° n.º 1 do C. Penal.
Nestes termos, parece que o recurso apenas é de proceder quanto ao enquadramento jurídico-criminal dos factos e à medida da pena aplicada à recorrente.

B. Quanto ao segundo

1.º Os factos podem ser subsumidos ao art. 25. ° do DL 15/93;
2.° No entanto, é de manter a pena aplicada de 4 anos e 6 meses de prisão, sendo certo que manifestou um dolo intenso, pois tinha já sofrido condenações anteriores, e os factos decorreram, de Setembro de 2002 a 26 de Março de 2003, nada apontando para que tenha cessado aquela actividade;
3° Não pode, pois, beneficiar de atenuação, nem do disposto no art. 31. ° do DL 15/93, de 22/1.
Nestes termos, parece que o recurso é de improceder.

C. Quanto ao terceiro

1.º Na apreciação feita da matéria de facto não resulta violado o princípio da livre apreciação da prova, conforme previsto no art. 127. ° n.º 1 do C.P.P., sendo de admitir que aquela apreciação seja feita, segundo a convicção do próprio julgador, que não pode ser contrariada pela versão do recorrente, mas apenas pela experiência comum, segundo o que resulta daquela disposição legal;
2.° É de manter a pena aplicada de 4 anos e 6 meses de prisão, sendo certo que manifestou um dolo intenso, pois tinha já sofrido condenações anteriores, e os factos decorreram, de Setembro de 2002 a 26 de Março de 2003, mesmo após o recorrente ter sido realojado;
3.° Não ocorreu violação do art. 374.º n.º 2 do C.P.P., sendo de aceitar como bastante ao exame crítico das provas as referências feitas às mesmas resultarem objectivamente, das observações feitas em vigilâncias efectuadas por agentes policiais e da “literalidade” das escutas e outros documentos.
Nestes termos, parece que o recurso é de improceder.

Subidos os autos, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto promoveu a sua remessa para julgamento em audiência.

As questões a decidir:
A. A decisão sobre a matéria de facto provada (FF, JJ e GG)
B. O enquadramento jurídico dos factos que alegadamente deveriam preencher o tipo do artigo 25.º (tráfico de menor gravidade) e não o do artigo 21.º como o fez o tribunal recorrido (FF, JJ e EE)
C. O recorrente deve ser isento de pena pois está provado o seu abandono voluntário da actividade traficante de que vinha sendo acusado, o que faz diminuir de forma considerável o perigo que poderia produzir por essa conduta. Ou, assim não se entendendo, a pena deve ser especialmente atenuada e substituída por pena suspensa (EE).
D. A medida da pena (todos os recorrentes).
E. Pretensa nulidade da sentença/acórdão recorrido por alegadamente se limitar a elencar as provas produzidas sem a devida apreciação crítica (GG).

2. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.

Vejamos os factos provados [transcrição]

«Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
Os arguidos CC e FF são companheiros; a arguida HH é tia do CC; o arguido JJ é filho daHH.
Os arguidos conheciam-se todos entre si desde há uns anos a esta parte.
Desde Setembro de 2002 até à detenção de parte dos arguidos, em 26 de Março de 2003, os arguidos CC, FF, GG,HH, II, DD, JJ e EE, em conjugação de esforços e de forma concertada, dedicaram-se à comercialização de estupefacientes, designadamente heroína e cocaína, que vendiam a terceiros consumidores desses produtos, actividade que decorreu em diversos locais do Bairro da Cruz Vermelha, onde todos residiam, com excepção do arguido DD.
Por vezes, estes arguidos dispunham também de pedaços de haxixe para entrega a terceiros.
Até data não concretamente apurada mas situada no decurso do mês de Fevereiro de 2003 os arguidos CC e FF viveram na Rua Maria Emília, n°... e frequentaram a casa da mãe do primeiro, sita no n°... da mesma rua; os arguidos HH e JJ residiram na Rua Maria Emília n°...; o arguido GG residiu na Rua Maria Margarida, lote..., 1 ° C; o arguido AA residiu na Rua das Duas Marias, n°... e a arguida BB viveu na Rua Maria Helena, n°....
Os arguidos EE e II viviam nas moradas acima indicadas e sitas, respectivamente, na Rua Maria Margarida, lote ..., 1°D, e Rua Maria Margarida, lote ..., 5°C.
O arguido CC estabelecia, com a colaboração do arguido DD os contactos com fornecedores da droga e os locais onde a mesma, após a sua aquisição, seria guardada, para aí ser embalada, bem como definia os locais onde se procedia, depois, à venda das embalagens com a heroína e a cocaína aos consumidores destes produtos.
Os arguidos CC e DD adquiriam o estupefaciente a terceiros não identificados e guardavam-no ou na casa do primeiro arguido, ou na casa da tia deste, a arguida HH, ou na casa do arguido GG, com o conhecimento e autorização destes.
Nessas casas os arguidos CC e DD procediam à pesagem, mistura com outros produtos, vulgo "corte", e embalamento em doses individuais da heroína e cocaína e, depois, transportavam as embalagens para os locais de venda.
No início do mês de Fevereiro de 2003 os arguidos CC e FF, HH e GG foram realojados pela Câmara Municipal de Lisboa noutras residências, sitas no Bairro da Ameixoeira, acima indicadas, onde passaram a guardar o estupefaciente.
Inicialmente, e até data não apurada a venda das embalagens com heroína e cocaína decorreu na casa do arguido AA, sita no n°... da Rua das Duas Marias, local para onde se dirigiam os compradores, sendo aí efectuada por indivíduos de identidade não apurada.
Enquanto decorriam as vendas das embalagens com estupefaciente os arguidos EE e GG aguardavam no início daquela rua, em atitude de vigilância afim de se aperceberem da eventual presença no local de agentes policiais.
Para controlo do decurso das vendas o arguido CC passava várias vezes pelo local em causa, dialogando com os outros dois.
Por vezes o arguido CC também entregava a terceiros embalagens com heroína e cocaína após receber destes dinheiro.
A partir dos últimos dias do mês de Novembro de 2002 o arguido CC começou a utilizar a casa da arguida BB, sita no n°... da Rua Maria Helena, para aí se proceder à venda das embalagens com heroína e cocaína.
Nessa altura o controlo do decurso das vendas das embalagens era efectuado pelos arguidos EE e II e as vendas pelo arguido GG.
A partir de meados do mês de Janeiro de 2003 as vendas das embalagens com heroína e cocaína decorreram junto a uma laranjeira existente na Rua Maria Emília e junto à casa do arguido CC, ali situada, e eram levadas a cabo pelos arguidos CC, GG e JJ, que recebiam dos compradores quantias monetárias e lhes entregavam as embalagens.
A arguida FF, companheira do arguido CC, guardava na casa de ambos estupefaciente e entregava-o, a pedido do CC, a indivíduos que aí se deslocavam ou ao próprio CC, quando este se encontrava no exterior, no Bairro, a proceder às vendas das embalagens e quando estas acabavam, deslocando-se até junto deste para o reabastecer.
Para o desempenho da descrita actividade o arguido CC utilizou vários veículos automóveis, seus ou da sua companheira ou de outros, designadamente, do arguido GG, tendo conduzido, pelo menos os veículos de matrícula ..., ..., ...-..., ...-..., com propriedade registada em nome da arguida FF, e ..., pertença do arguido GG.
Igualmente para o descrito fim o arguido II utilizou os seus veículos de matrícula ... e ....
Também para o desempenho da indicada actividade ilícita os arguidos CC, FF, DD e II utilizaram telemóveis.
No período compreendido entre finais de Novembro de 2002 e finais de Março de 2003 o arguido CC utilizou diversos telemóveis, recorrendo ao uso de vários cartões, que mudava assiduamente, de forma a dificultar um eventual controlo por parte das autoridades.
Naquele período, o arguido CC utilizou os seguintes cartões de telemóveis, os quais foram interceptados nos autos: nº ...3605666 (alvo18590), nº ...9229199 (alvo 18590 A), nº ...6741348 (alvo 18590 1), nº ...9339592 (alvo 19490 1), e nº ...6745436 (alvo 19491).
Também interceptados nos autos, a arguida FF utilizou o telemóvel com o número ...2887390 (alvo18964), o arguido DD o telemóvel com o nº ...2483098 (alvo 19492) e o arguido II o telemóvel com o nº ...9307991 (alvo 19493).
Foi igualmente interceptado nos autos o telemóvel nº...4375906 (alvo 18968) utilizado por um indivíduo de identidade desconhecida, que mantinha conversas com o arguido CC sobre o negócio dos estupefacientes.
O indicado telemóvel da arguida FF era, por vezes, também utilizado pelo CC para os fins acima indicados.
Usando os telemóveis o arguido CC contactava os seus fornecedores dos estupefacientes, com quem combinava encontros para receber a droga e entregar o dinheiro devido como forma de pagamento.
Também contactava e era contactado por indivíduos que lhe adquiriam a si estupefacientes e com quem combinava também locais de encontro e preços.
Nessas conversas quer o arguido CC, quer os outros arguidos, utilizavam expressões como "aquilo", "cenas", "coisas", "coisinhas", "bocadinhos" ou "tenho lá o outro" para se referirem a estupefacientes.
Nos dias em que dispunha de droga para venda o arguido CC telefonava, de manhã, aos arguidos DD, II, GG e JJ, combinado encontros com estes três últimos nos locais previamente combinados para se proceder à venda do estupefaciente, ficando o DD a proceder ao embalamento da droga.
Quando não se encontrava no local a vigiar ou proceder às vendas o arguido CC controlava o decurso daquele "negócio" através do telemóvel telefonando ao arguido JJ a perguntar-lhe pelo mesmo.
O arguido CC também solicitava ao JJ que este fosse buscar a mencionada droga a casa do GG ou à casa da mãe do JJ, a arguida HH, o que o JJ fazia.
No dia 16 de Dezembro de 2002 o arguido CC encontrou-se, pelas 21H35, nas traseiras do supermercado "I...", sito em Massamá, Sintra, com um indivíduo de identidade desconhecida, de quem recebeu estupefaciente em quantidade não apurada, encontro que decorreu após ter sido combinado por telemóvel.
Nos contactos com os fornecedores dos estupefacientes o arguido CC era auxiliado pelo arguido DD, que recebia também droga para entregar, mais tarde, ao CC ou para entregar directamente a indivíduos que o contactavam para tal fim.
De facto, o arguido DD também recebia, através do telemóvel, encomendas de estupefacientes, designadas pelas quantidades de "dez", "vinte", "trinta", e marcava encontros com os seus interlocutores para as entregas.
Igualmente através do telemóvel o arguido CC telefonava à arguida FF e incumbia-a de ir buscar droga que se encontrava escondida ou dentro do guarda vestidos ou dentro das mesas de cabeceira da casa de ambos, que designam por "aquilo" ou por "um", "dois", bem como lhe solicitava que fosse buscar dinheiro a casa do arguid AA ou que reunisse o dinheiro, que designavam de "chapa" ou "papéis", para o entregar a outros indivíduos.
Noutras ocasiões era a própria FF que telefonava ao arguido JJ a perguntar-lhe pela droga que este guardava e vendia.
A arguida HH guardava na sua casa estupefaciente pertença do CC, a pedido deste, que igualmente embalava a pedido do mesmo, deslocando-se o CC a casa daquela para o recolher quando o necessitava, solicitando-lhe, por telefone, que deixasse a chave do quarto na casa do CC, ao cuidado da FF.
O arguido CC também guardava estupefaciente na casa do arguido GG, procedendo este ao seu empacotamento a pedido do CC, e transportava-o quer para a casa do CC, quer para os locais de venda.
Também o arguido II guardava droga na sua casa que, depois, transportava para os locais de venda, ou ia buscar o estupefaciente a casa do arguido CC e que lhe era entregue pela FF.
Os indicados arguidos também utilizavam os telemóveis para avisarem os restantes da proximidade no local onde estes se encontravam de agentes policiais.
No dia 26 de Março a PSP deu cumprimento aos mandados de busca emitidos nos autos para a residência dos arguidos.
Assim, a partir das 07H15, a PSP procedeu à busca à casa dos arguidos CC e FF, sita no Bairro da Ameixoeira, lote ...-E, 4° B, Lisboa, encontrando-se, aquando da entrada dos agentes, a arguida FF na sala e o arguido CC no corredor.
No quarto do casal foram encontrados, no bolso dumas calças, uma carteira com dois cartões com indicações de PIN e PUK da TMN e respectivos números (...6748594 e ...6741348), um livrete e título de registo de propriedade em nome da arguida FF do veículo de matrícula ...; noutro bolso das calças, 15 Euros e um pedaço com 1,452 gramas de canabis em resina, vulgo haxixe; em cima duma mesa-de-cabeceira um telemóvel de marca ... 5510 com cartão da TMN, um telemóvel de marca ... 3310, com cartão da TMN; numa das gavetas dessa mesa, um talão de carregamento de Multibanco referente ao cartão nº ...2887390 e um recibo do seguro automóvel do veículo ... em nome do arguido CC.
No quarto dos filhos foram encontrados, na gaveta da cómoda, no interior de uma meia, um canto de saco plástico com dezanove embalagens com um total de 1,932 gramas de cocaína.
Na cozinha foram encontrados, numa gaveta do móvel, um telemóvel de marca ... com um cartão da TMN.
No hall de entrada foram encontradas as chaves das viaturas de matrícula ... e ..., esta última pertença do arguido GG e que se encontrava estacionada junto à entrada do referido lote.
Os objectos acima indicados foram apreendidos aos arguidos CC e FF, por lhes pertencerem, com excepção do veículo de matrícula ... e dos respectivos documentos e chaves, que também foram apreendidos por a viatura ser utilizada, quer pelo GG, quer pelo CC, no desenrolar da referida actividade ilícita.
A partir das 07H15 do mesmo dia 26-03-2003 a PSP procedeu à busca à casa do arguido GG, sita no Bairro da Ameixoeira, lote ...F, 5° C, Lisboa, onde o arguido se encontrava.
No quarto do arguido foram encontrados, em cima da mesa-de-cabeceira, um telemóvel de marca M... com cartão da TMN com o nº ...3774350; na primeira gaveta dessa mesa, dentro de uma meia de cor preta, uma balança digital de marca T..., modelo 1479 e quatro cantos de sacos plásticos, contendo três deles trezentas (300) embalagens individuais, com um total de 32,022 gramas de cocaína e o outro 62,608 gramas de cocaína; na segunda gaveta da mesma mesa, uma máquina fotográfica, de marca S..., modelo Fino 20 SE; em cima da televisão, argolas, medalhas, crucifixos, chapa, libra, redondas, pulseiras, fios, alianças, anéis, tudo objectos melhor descritos e avaliados a fls. 795-796 e 1041.
O referido estupefaciente fora entregue ao arguido GG pelo arguido CC, para aquele o embalar em doses individuais, o que o GG, em parte, já fizera.
Na revista efectuada ao arguido foram-lhe encontrados e apreendidos um fio, uma pulseira, um anel e duas medalhas.
A partir das 07H15 do dia 26-03-2003 a PSP procedeu à busca à casa da arguida HH, sita na Rua Maria Emília, n°..., Lisboa, onde esta residira até uns dias antes, não se encontrando ninguém no seu interior.
A arguida encontrava-se numa residência anexa aquela, pertença de um irmão e onde pernoitara, e apercebeu-se da presença no local e na sua casa da PSP.
Por isso a arguida, na posse de quantidade não apurada de embalagens com heroína e cocaína, dirigiu-se à casa de banho da residência onde se encontrava e arremessou para o cano da sanita tais embalagens e procedeu, de seguida, a descargas de água para o cano.
A PSP, autorizada pela arguida e pelo seu irmão a efectuar a busca a essa residência, apercebeu-se daquele facto e, no exterior, seguiu o trajecto do esgoto da habitação até à respectiva caixa, localizada acerca de dez metros da casa, apurando ainda que à caixa em causa ia dar o esgoto daquela casa.
Aberta a tampa da caixa de esgoto logo foram avistadas, flutuando à tona da água, várias embalagens com estupefacientes (heroína e cocaína).
De seguida, efectuaram-se várias e sucessivas descargas de água na indicada sanita que vieram a provocar o aparecimento na referida caixa de esgoto de mais embalagens de heroína e cocaína.
Recolhidas todas as embalagens encontradas verificou-se tratar-se de trinta (30) embalagens com heroína (com um total de 2,634 gramas) e vinte e duas (22) com cocaína (com um total de 1,521 gramas), que pertenciam à arguida HH.
No quarto de dormir da arguida, na indicada residência, foram encontrados três telemóveis de marca A..., modelo Easy One Touch e um cartão de cor amarela com a indicação do número ...6637730 e os códigos PIN e PUK, que lhe foram apreendidos.
Na sala de estar foi encontrada a carteira da arguida que continha a quantia de 75 Euros, que também lhe foi apreendida.
Ao mesmo tempo procedeu a PSP à busca à casa onde a arguida HH tinha sido, recentemente, realojada e sita no Bairro da Ameixoeira, lote ...F, 3° D, Lisboa.
Na casa buscada encontrava-se a mãe da arguida e no quarto da arguida, ao qual apenas esta tinha acesso, encontrando-se fechado à chave, foram encontrados, no interior do roupeiro, dentro de uma toalha, cinco cantos de sacos plásticos com um total de quatrocentas e sessenta e seis (466) embalagens com 43,596 gramas de heroína e dois cantos de sacos plásticos com um total de cento e trinta e duas (132) embalagens com 11,243 gramas de cocaína e ainda a quantia monetária de 50 euros; debaixo do colchão da cama, uma caixa em madeira, com alianças, anéis, brincos, pulseiras, fios, apliques, medalhas, uma cruz, uma argola, e um relógio de marca S....
Numa gaveta de um dos armários da cozinha foram encontrados e apreendidos um rolo de sacos de plástico transparentes e um molho de sacos de plástico também transparentes.
O acima descrito e encontrado no interior desta residência foi apreendido à arguida HH por lhe pertencer.
No decurso da revista feita à arguida HH foram-lhe encontrados e apreendidos três anéis e dois fios.
Todo o estupefaciente apreendido à arguida HH pertencia ao arguido CC que lho entregara para esta guardar.
No dia 26-03-2003, a partir das 07H15, a PSP efectuou a busca à casa do arguido II, sita na Rua Maria Margarida, lote ..., 5° C, Lisboa, onde se encontrava o arguido.
No quarto deste foram encontrados, no interior da primeira gaveta da mesa-de­-cabeceira, um telemóvel de marca S..., modelo MC 820 L Dual, com cartão da TMN, e um telemóvel de marca N..., modelo 3310, com cartão da TMN, um fio e três anéis; em cima do guarda-fatos, no interior de uma caixa de cartão, seis munições de calibre 38 SPL, próprias para revólver, marca W..., de fabrico norte-americano, em estado funcional, e no interior de um bolso de um casaco, vários pedaços com 3,164 gramas de canabis em resina, vulgo haxixe.
Estes objectos foram apreendidos ao arguido por lhe pertencerem.
Também lhe foi apreendido por lhe pertencerem um veículo automóvel de matrícula ..., de marca S..., modelo I... e respectivo livrete e título de registo de propriedade e chaves, e um motociclo de marca Y... Dtº, de matrícula ... e respectivas chaves, que se encontravam estacionados na via pública, junto à residência do arguido.
No mesmo dia 26-03-2003, a partir das 07H15, a PSP procedeu à busca à casa do arguido DD, sita na Rua Correia Garção, lote ..., r/c, C, Codivel, Odivelas, que aí se encontrava.
No seu quarto foram encontrados, no bolso de um blusão, vários pedaços com 7,609 gramas de canabis em resina, vulgo haxixe (cfr. ponto 4) do exame de fls. 10551056), e, no bolso de um outro blusão, ambos pertença do arguido, a quantia monetária de 175 euros; em cima da cama, um telemóvel de marca ..., modelo 8310 e cartão da TMN e um telemóvel de marca ..., modelo CMD-J70 com cartão da Telecel (examinados cfr. auto de fls. 1036, que aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos) e tudo foi apreendido ao arguido por lhe pertencer.
Todos os arguidos (à excepção dos arguidosAA e BB) conheciam a natureza estupefaciente dos produtos que venderam ou em cujas vendas colaboraram da forma já descrita.
Também os arguidos CC, FF,HH, GG, II e DD conheciam a natureza estupefaciente dos produtos que detinham e lhes foram apreendidos, que destinavam à venda a terceiros.
Os documentos, telemóveis e veículos automóveis de matrícula ... e ... apreendidos aos arguidos CC e FF eram por eles utilizados na descrita actividade, da qual obtiveram como proventos a quantia monetária que também lhes foi apreendida.
A balança e telemóvel apreendidos ao arguido GG eram por ele utilizadas na actividade de venda de estupefacientes, da qual obteve como proventos a máquina fotográfica e os objectos em ouro que lhe foram apreendidos.
Os telemóveis, cartão e rolo e molho de sacos plásticos apreendidos à arguida HH eram utilizados por esta na descrita actividade, da qual obteve como proventos as quantias monetárias e objectos de ouro que lhe foram apreendidos, à excepção dos excluídos em 2.4.3.
Os telemóveis e os veículos de matrícula ... e ... e documentos do primeiro apreendidos ao arguido II eram por este utilizados na descrita actividade, da qual obteve como proventos os objectos em ouro que lhe foram apreendidos.
Os telemóveis apreendidos ao arguido DD eram por este utilizados na descrita actividade, da qual obteve como proventos a quantia monetária que lhe foi apreendida.
O arguido II conhecia as características das munições que detinha, bem sabendo que não as podia deter por respeitarem à utilização em revólveres cuja posse também não lhe era permitida.
Os 1° a 8° arguidos agiram deforma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo actuado, no que concerne às vendas de estupefacientes, em conjugação de esforços e mediante acordo prévio.
Todos os arguidos são de condição económica e social muito modestas.
O CC confessou a essencialidade dos factos; não exercia profissão regular e estável, sendo toxicodependente há vários anos; como habilitações literárias tem o 6° ano de escolaridade.
Não tem antecedentes criminais.
A FF vive maritalmente com o arguido anterior e duas filhas; trabalha na venda ambulante; como habilitações literárias tem a 4° classe. Não tem antecedentes criminais.
O GG vive com a companheira, em casa da mãe desta, e com a filha de dois anos de idade.
Sofreu duas condenações por crime de roubo e duas por condução sem carta, conforme CRC de fls. 1419 a 1421.
A HH confessou parte dos factos; vive com o filho, o arguido JJ, e a mãe; encontra-se no fundo do desemprego; como habilitações literárias tem a 4° classe.
Não tem antecedentes criminais.
O II vive com os pais; trabalha como pintor d construção civil, sem carácter regular e estável; como habilitações literárias tem o 6° ano de escolaridade.
Não tem antecedentes criminais.
O DD vive com a mãe e os irmãos; trabalhou como servente da construção civil mas não exercia qualquer profissão à data dos factos. Não tem antecedentes criminais.
O JJ vive com a mãe (arguida HH); trabalhou na construção civil sem carácter regular e estável; foi toxicodependente durante vários anos, aparentando melhoras.
Não tem antecedentes criminais.
O EE vive com a mãe e com a irmã; está desempregado; como habilitações literárias tem o 6° ano.
Não tem antecedentes criminais.
Desconhece-se a situação pessoal do arguido AA. Não tem antecedentes criminais.
A BB vive com o companheiro e três filhos menores; trabalha como empregada de balcão; como habilitações literárias tem o 6° ano de escolaridade.
Não tem antecedentes criminais

MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
«Dos relevantes para a decisão da causa» o tribunal considerou não provados os seguintes factos:
- que o arguidoAA, a troco de quantias monetárias, cedesse a sua casa para a descrita actividade, onde também guardava as quantias monetárias dela provenientes que, mais tarde, entregava ao arguido CC.
- que em 18 de Setembro de 2002, o arguido CC, receoso que ás autoridades lhe pudessem apreender o estupefaciente que na ocasião detinha, em quantidade não apurada, se tenha deslocado para junto da residência sita na Rua Maria Albertina, lote ..., 2°C, naquele Bairro, e aí contactado E... R... G... M... F..., menor de idade, e lhe tenha entregue dois sacos com heroína no seu interior para esta guardar na sua casa, o que a mesma fez.
- que, por circunstâncias não apuradas, tal droga tenha desaparecido e o arguido CC tenha decidido imputar tal facto à referida menor e à mãe desta, M... da G... da S... G....
- que no dia 10 de Outubro, o arguido CC, acompanhado dos arguidos DD e EE, se tenham dirigido às referidas testemunhas, quando estas caminhavam pela Rua das 4 Marias, no Bairro da Cruz Vermelha, e as tenham agredido.
- que o arguido CC tenha desferido estaladas e arranhões na face da M... G..., e o EE e o DD, socos e pontapés em várias partes do corpo da E... F....
- que no dia 12 de Outubro de 2002, no Bairro da Cruz Vermelha, o arguido CC se tenha voltado a encontrar com a M... G..., quando circulava no veículo automóvel de matrícula ..., de marca O...l, modelo C..., que conduzia, e tenha dirigido o mesmo em direcção da ofendida, embatendo com tal veículo nas pernas desta, e, lhe tenha puxado os cabelos e apontado uma arma, de características não apuradas, à cabeça.
- que a arguida BB, a troco de quantias monetárias, cedesse a sua casa para a descrita actividade.
- que prestasse igualmente colaboração ao arguido CC aceitando deste e a seu pedido várias moedas, obtidas pelo arguido nas vendas das embalagens, que trocava no seu local de trabalho por notas que, depois, entregava ao CC.
Consigna-se, a propósito de alguns dos factos articulados na acusação e nas contestações, que não foram aqui considerados os factos inócuos ou irrelevantes para a decisão da causa, os factos fora do tema da prova (v.g., os respeitantes aos próprios meios de prova), bem como os factos negativos dos factos provados.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão de facto teve por base a prova produzida em audiência, globalmente considerada, designadamente:
- as declarações dos arguidos, CC e HH, que confessaram grande parte dos factos que lhes diziam respeito; FF e JJ, que negaram os factos, tendo sido a "versão" da pronúncia abundantemente apoiada com a restante prova, arrasadoramente infirmativa da "negação" destes arguidos; os restantes arguidos não prestaram declarações sobre os factos da acusação; todos eles relataram os factos pessoais provados.
- o depoimento das testemunhas de acusação, agentes da PSP identificados em acta de audiência, que confirmaram todos os factos provados sobre os quais depuseram, fazendo-o de forma totalmente isenta e convincente; de destacar que do seu depoimento resultou clara a sua razão de ciência, decorrente do facto de tudo terem presenciado e devidamente percepcionado.
Assim, precisando:
- LL, id. a fls. 1193, que em vigilância a casa sita no n°... da rua das Duas Marias, observou os arguidos GG, EE, CC, JJ e II na actividade de venda de droga, da forma constante dos factos provados; participou também na busca a casa dos arguidos, CC e FF, depondo por forma a confirmar o auto de busca.
- MM, id. a fls. 1196, que, em observação/vigilância observou os arguidos GG, EE, CC, JJ, DD e II na actividade de venda de droga, da forma constante dos factos provados; fez igualmente vigilância ao n°... da rua Maria Helena; explicou os resultados do cotejo do teor das escutas com as acções de vigilância, tendo igualmente observado a arguida FF acompanhando o marido e restantes arguidos nos locais de venda.
- OO, id. a fls. 1218, que depôs sobre a busca efectuada a casa do arguido GG, confirmando o que consta do respectivo auto.
- PP, id. a fls. 1190; acompanhou as testemunhas M... e P... nas supra descritas acções de vigilância, tendo deposto de forma essencialmente idêntica a estas; observou ainda o II "afazer segurança" ao local de venda, sendo portador de uma arma, que viu entregar ao CC.
- QQ id. a fls. 608, que efectuou busca a casa da HH, tendo deposto de forma a confirmar tudo o que consta de factos provados, esclarecendo a recuperação das embalagens de droga no esgoto, bem como, o aparecimento das restantes embalagens na sequência de ulteriores de descargas do autoclismo da casa desta arguida
- RR, id. a fls. 1216, que depôs sobre os mesmos factos e da mesma forma que a testemunha anterior.
- SS, id. a fls. 1186, que efectuou busca a casa da mãe da HH (e nova casa desta), depondo por forma a confirmar o que consta do respectivo auto, designadamente no que respeita à recuperação da droga, objectos em ouro e dinheiro, no quarto da arguida que se encontrava fechada à chave. TT, id. a fls. 1220, que depôs sobre os mesmos factos e da mesma forma que a testemunha anterior.
- UU, id. a fls. 1229, que efectuou busca a casado arguido II, depondo por forma a confirmar o que consta do respectivo auto.
-VV, id. a fls. 1334, que efectuou busca a casa do arguido II, depondo por forma a confirmar o que consta do respectivo auto. XX, id. a fls. 1210, que efectuou busca a casa do arguido DD, depondo por forma a confirmar o que consta do respectivo auto.
- XX, id. a fls. 1316, que efectuou busca a casa do arguido DD, depondo por forma a confirmar o que consta do respectivo auto.
- ZZ, id. a fls. 1306, que depôs sobre a recuperação do estupefaciente no esgoto proveniente de casa da arguida HH.
Ainda
- AAA, id. a fls. 1413, empregada de limpeza, que adquiriu estupefacientes para consumo no Bairro da Cruz Vermelha, compra que confirmou e que foi observada por agentes da PSP.
- Autos de apreensão de fls. 565-566, 592 a 594, 609 a 611, 640-641 e 660, e o que resulta da respectiva literalidade.
- Autos de exame e avaliação de fls. 785, 789, 793, 795, 1034, 1036, 1038, 1040, 1041, 1043, 1045, 1047 e 1049 e o que resulta da respectiva literalidade.
- Documentos a fls. 578 a 582, 586, 619 e 654;
- Fotografias de fls. 10 a 17, 22, 23, 33 a 42, 350 a 352, 356 a 368, 583 a 585, 595, 596, 612 a 618, 648 a 653, 1307 a 1315 e respectivas legendas explicativas;
- Exame do LPC de fls. 1055-1056;
- Transcrições das intercepções do alvo 18590, de fls. 223 a 251 e de fls. 317 a 319;
- Transcrições das intercepções do alvo 18590 A, de fls. 343 a 347;
- Transcrições das intercepções do alvo 185901, de fls. 804 a 829;
- Transcrições das intercepções do alvo 18964, de fls. 321 a 332 e de fls. 831 a 854;
- Transcrições das intercepções do alvo 18968, de fls. 334 a 341;
- Transcrições das intercepções do alvo 194901 de fls. 856 a 858;
- Transcrições das intercepções do alvo 19491, de fls. 860 a 862;
- Transcrições das intercepções do alvo 19492, de fls. 869 a 894;
- Transcrições das intercepções do alvo 19493, de fls. 896 a 902;
- Todas as transcrições com respectivo suporte técnico: CDs juntos aos autos;
- o depoimento das testemunhas de defesa, que depuseram, no essencial, a respeito da situação pessoal dos arguidos que as ofereceram;
- os CRCs.»

Aqui chegados, cumpre apreciar os recursos interpostos.

Antes porém, importa duas observações preliminares:

A primeira é de que sendo embora o recurso dos arguidos FF e JJ titulado como sendo movido por ambos, o certo é que do respectivo conteúdo conclusivo nada se colhe de privativo do pretenso recorrente. Tal omissão deveria conduzir à rejeição do recurso por falta de motivação, mas porque se pode entender (pela titularidade da motivação do recurso) que ambos querem ver decididas as mesmas questões, é por aí que o Supremo Tribunal vai enveredar.

Não sem antes repetir o entendimento tão impunemente esquecido de que a motivação do recurso, devendo, «resumir as razões do pedido», como o exige o n.º 1 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, não pode albergar o desbragado exagero explicitado em algumas das antecedentes motivações, maxime a respeitantes ao recurso do arguido GG, onde procurar afinal as questões de direito a decidir – e é isso que está essencialmente em causa num recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - se torna mais problemático que a busca de «agulha em palheiro». Motivações afinal bem longe da leveza que o Código de Processo Penal postula no seu artigo 412.º, n.º 1, onde a palavra resumo [das razões do pedido] endereçada como epíteto às finalidades das conclusões é, por si, eloquente, quanto à necessidade de formulação sintética, que se impõe, neste ponto, observar, para não falar já no fim a que se destinam, em suma tornar rápida e facilmente apreensível pelo tribunal ad quem o cerne das razões invocadas pelo recorrente.
Tudo para não falar no especial «dever de colaboração» - art.º 266.º, n.º 1, do diploma adjectivo subsidiário - dos sujeitos processuais interesssados e seus mandatários na boa administração da Justiça, tarefa de íngreme alcance e que espera daquele dever que deva impelir, sobretudo, a que, desnecesariamente, tal tarefa – a de identificar as questões a decidir – seja afinal dificultada por aqueles a quem interesserá a sua decisão rápida, mormente com formulações adiposamente palavrosas muito para além dos cânones legais.
Tal bastaria para que o recurso nessas condições devesse ser rejeitado, não fora o caso de se tratar de recurso de arguido e tal sanção porventura contender com os limites do direito de defesa, constitucionalmente assegurado.
Porém, em vez de um pretenso convite à correcção, pouco compatível com o respeito devido à actuação técnica do subscritor, opta o Supremo Tribunal, tal como tem feito em muitos outros casos semelhantes, por conhecer, assim mesmo, do recurso, «responsabilizando» quem o deve ser pela apontada deficiência, ao respectivo recorrente devendo ser imputadas as eventuais nefastas consequências de a sua pretensão não ser entendida nas melhores condições, que seriam propiciadas acaso a lei processual tivesse sido inteiramente respeitada, nomeadamente na formulação dessas conclusões. Até para que os nefastos efeitos do arrastamento processual que um tal convite sempre acarreta não venham afinal, como sempre acontece, a repercutir-se injustamente sobre a imagem do tribunal, afinal o último responsável pelo andamento célere do processo.
Cada um terá que assumir as suas responsabilidades.

Prosseguindo:
Em sede de aquisição de matéria de facto e seus pretensos vícios, decidiu o tribunal da Relação ora recorrido:

«C) Da impugnação da matéria de facto e vícios do artº 410º nº 2 do CPP.
1. Como se viu acima, em III A) 2. supra, só a recorrente FF cumpre, aparentemente, as exigências dos nºs 3 e 4 do art.º 412º do CPP.
Na verdade, esta recorrente impugna aos seguintes pontos da matéria de facto dada como provada, os quais pretende se dêem como não provados (quanto a ela) – cfr. suas conclusões 6ª a 9ª:
«Desde Setembro de 2002 até à data da detenção de parte dos arguidos, em 26 de Março de 2003, os arguidos CC, FF, GG,HH, II, DD, JJ e EE, em conjugação de esforços e de forma concertada, dedicaram-se à comercialização de estupefacientes, designadamente heroína e cocaína, que vendiam a terceiros consumidores desses produtos, actividade que decorreu em diversos locais do Bairro da Cruz Vermelha, onde todos residiam, com excepção do arguido DD.
Por vezes estes arguidos dispunham também de pedaços de haxixe para entrega a terceiros.»;
E ainda: «A arguida FF, companheira do arguido CC, guardava na casa de ambos estupefaciente e entregava-o, a pedido do CC, quando este se encontrava no exterior, no Bairro, a proceder às vendas das embalagens e quando estas acabavam, deslocando-se até junto deste para o reabastecer.»
Entende a recorrente que estes pontos da matéria de facto foram incorrectamente julgados dando-os como provados, mas que, ao invés, devem ser dados como não provados, quanto a ela: «... uma vez que em audiência de julgamento os Agentes da P.S.P. e que procederam a vigilâncias, no que respeita à recorrente terem referido o seguinte:
Agente LL – Cassete 2, lado A, rotações 0000 a 2409:
Procedeu a algumas vigilâncias, mas nada referiu em relação à recorrente.
Agente MM – Cassete 2, lado A, rotações 2410 a 4910:
Para além das escutas telefónicas, nada apurou sobre a recorrente, apenas a tendo visto com a tia, chegar ao local, onde estava o seu companheiro a proceder à venda estupefaciente.
Agente PP – cassete 2, lado A, rotações 4911 a 5100:
Para além das escutas e das filmagens só viu o CC a vender, a recorrente trazia estupefaciente ao companheiro.
Agente QQ– cassete 2, lado B, rotações 2807 a 3991:
Referiu ter procedido a vigilâncias com os colegas e agentes da P.S.P. LL e MM, todavia, não referiu no seu depoimento a recorrente.
As restantes testemunhas arroladas pelo Ministério Público, não se referiram à recorrente, apenas tendo cumprido a diligência da busca a sua casa.»
No entanto, não tem razão.
Aliás, como se adiantou acima, não invoca nenhum dos vícios do art.º 410º, nº 2 do CPP, pressupostos da pedida modificação da matéria de facto (cfr. citado art.º 431º do CPP).
Por outro lado, como bem se refere na motivação da decisão de facto, muito embora o co-arguido seu companheiro CC tenha pretendido afastar a intervenção da ora recorrente FF – que, por sua vez, negou a sua participação nos factos – o certo é que aquele Tribunal Colectivo deu crédito, além do mais, aos depoimentos das testemunhas, agentes da PSP, sendo certo que os agentes LL– cfr. fls. 2333 e ss. – e MM – cfr. fls. 2341 e ss. – efectuaram vigilâncias, o primeiro ao nº ... da casa sita na Rua das Duas Marias, e o segundo ao nº ... da Rua Maria Helena, observando a recorrente FF, acompanhando o marido, o arguido CC, nos locais de venda. Além disso, o agente LL confirmou o auto de busca na residência destes arguidos, FF e marido, CC.
Aliás, como se deu como provado e resulta das escutas telefónicas juntas aos autos (consideradas válidas, pelo acórdão desta Relação de 26/01/05, não impugnado, cfr. fls. 2536 e ss.), através do telemóvel, o arguido CC telefonava à arguida FF e incumbia-a de ir buscar droga que se encontrava escondida ou dentro do guarda-vestidos ou dentro das mesas de cabeceira da casa de ambos, que designam por “aquilo” ou por “um”, “dois”, bem como lhe solicitava que fosse buscar dinheiro a casa do arguidoAA ou que reunisse o dinheiro, que designavam de “chapa” ou “papéis”, para o entregar a outros indivíduos.
Por outro lado, noutras ocasiões, era a própria FF que telefonava ao arguido JJ a perguntar-lhe pela droga que este guardava e vendia.
Estes factos, para além dos acima referidos, foram dados como provados por aquele Tribunal Colectivo tendo em conta, além do mais, como se pode ver, as intercepções (escutas telefónicas julgadas válidas) relativas aos alvo 18964 – telemóvel ...2887390, da arguida FF – cfr. a fls. 321 a 332 e fls. 831 a 854.
Aliás, tal como não se podem olvidar, por relevantes nesta matéria, além de outras, as intercepções relativas ao seu marido, o arguido CC, mormente ao telemóvel ...3605666, alvo 18590, a fls. 223 a 251, 317 a 319, ao telemóvel ...9229199, alvo 18590 A, a fls. 343 a 347, e ao telemóvel ...6741348, alvo 18590 1, a fls. 804 a 829.
Note-se que isto é coerente, além do mais, com o que se deu como provado: «Naquele período, o arguido CC utilizou os seguintes cartões de telemóveis, os quais foram interceptados nos autos: nº ...3605666 (alvo18590), nº ...9229199 (alvo 18590 A), nº ...6741348 (alvo 18590 1), nº ...9339592 (alvo 19490 1), e nº ...6745436 (alvo 19491).»
Finalmente, faz-se notar que na busca à casa dos arguidos CC e FF, em 26/03/03, sita no Bairro da Ameixoeira, lote ..., 4º B, Lisboa, no quarto do casal, foram encontrados, além do mais, os cartões com as indicações de dois daqueles telemóveis, e das chaves das viaturas ... (da arguida) e ... (pertencente ao arguido GG); e ainda um pedaço de 1,452 gr. de canabis em resina, vulgo haxixe, e no quarto dos filhos, numa gaveta da cómoda, no interior de uma meia, um canto de um saco de plástico com 19 embalagens de 1,932 gr. de cocaína.
Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto pela recorrente FF.
2. Prosseguindo, não se constata nenhum dos vícios do art.º 410º, nº 2 do CPP.
Desde logo, nem a recorrente FF, nem o recorrente EE invoca qualquer destes vícios.
Por outro lado, o recorrente JJ alega o vício da al. a), ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por não se ter apurado a quantidade de produto envolvida em cada transacção ou o quantitativo global das substâncias traficadas. E invoca, neste sentido, o Ac. STJ de 16/01/2003 (conclusões 1ª a 6ª).
Contudo, não tem razão.
Ao invés, a jurisprudência maioritária do STJ é no sentido de não considerar a apreensão de droga como indispensável à tipificação do crime de tráfico – cfr., entre muitos, os Acs. STJ de 9/01/97 e de 15/10/97, respectivamente, na Col. Jur., Ano V-1997, Tomo I, pág. 172 e ss., e Tomo III, pág. 195 e ss.
Acresce que, por outro lado, a matéria de facto dada como provada é suficiente para a decisão de direito proferida, como melhor se verá adiante; no caso, para a condenação deste arguido verifica-se que os factos apurados (a ele respeitantes) integram todos os requisitos da sua comparticipação no crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22/1, com referência às tabelas anexas I-A (heroína), I-B (cocaína) e I-C (Cannabis Sativa L.).
Em suma: não se constata o vício da al. a) do nº 2 do art.º 410º do CPP.
Por outro lado, também não se constata nenhuma contradição e, muito menos, se verifica o alegado vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão – al. b).
Finalmente, o recorrente GG alega a existência de erro notório na apreciação da prova – citada al. c) do nº 2 do art.º 410º do CPP (13ª conclusão).
Todavia, também este recorrente não tem razão.
Na verdade, vem sendo pacífica a jurisprudência no sentido de que:
«Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida.» - cfr. Ac. STJ de 17/12/97 (BMJ 472/407).
Assim sendo, nesta perspectiva, é manifestamente improcedente tal alegação.
Mas mesmo na perspectiva de que existe erro notório na apreciação da prova, por alegada violação do princípio in dubio pro reo, ainda assim, também entendemos que não procede essa alegação.
Nesta última perspectiva, para que se verifique tal vício, «...a sua existência também só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o Colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido...», entre outros, cfr. Ac. STJ de 24/03/99 (C.J., Acs. STJ, Ano VII, Tomo I, p. 247).
Ora, como se pode ver, do texto acabado de transcrever, por si só ou conjugado com as regras de experiência, não se constata tal vício.
Ao invés, aquele Tribunal Colectivo reafirma ter, nesta parte, procedido de acordo com um juízo de certeza ao dar como apurada a conduta deste arguido. Ou seja, não teve dúvida séria nem razoável sobre a mesma.
3. Concluindo:
a) Não se verifica nenhum dos vícios do nº 2 do art.º 410º do CPP.
b) Improcedem as impugnações da matéria de facto, pretendidas pelos recorrentes – cfr. art.º 431º do CPP.
*
D) Da nulidade do acórdão, arguida pelo recorrente GG.
Argui tal vício por alegada falta de exame crítico das provas – cfr. suas conclusões 20ª a 22ª, e artº 374º, nº 2 do CPP (cfr. ainda artº 379º, nº 1, al. a), do mesmo CPP).
Entendemos que é manifestamente improcedente tal arguição.
Na verdade, basta reler a aludida motivação da decisão recorrida para se ver que, ao invés do que vem alegado, aquele Tribunal Colectivo não se limitou a indicar os meios de prova, mas antes, para além de tal indicação, sopesou as declarações prestadas pelos arguidos, ficando-se a saber o seu sentido, os que confessaram e os que negaram os factos, bem como os que, no uso de um seu direito (ao silêncio), não quiseram prestar declarações; precisando o sentido dos depoimentos de cada uma das testemunhas, mormente das arroladas pela acusação (ditas testemunhas de acusação), considerando, ponderando e sopesando devidamente não só os factos e operações policiais em que intervieram, as suas razões de ciência, isenção (ou falta dela) e credibilidade ou verosimilhança dos depoimentos; sem esquecer, obviamente, ponderar os autos de apreensão, de exame e avaliação e documentos juntos aos autos, remetendo para a literalidade do seu teor, bem ainda as fotografias tiradas aquando das vigilâncias policiais e o local onde se mostram juntas, os exames periciais do LPC, das transcrições das escutas telefónicas, com discriminação dos respectivos alvos e locais onde se mostram juntas aos autos, com o correspondente suporte técnico e ainda os respectivos certificados do registo criminal.
Em suma, percebe-se perfeitamente o raciocínio lógico, devidamente objectivado e motivado, pelo que é manifestamente improcedente a arguição de tal vício, já que, como se demonstrou, ali se cumpriu o exigido exame crítico das provas – citados artºs 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a), ambos do CPP.»

Como vem sendo jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça em inúmeros arestos que ora se torna despiciendo explicitar, o recurso para a Relação preclude as questões relativas à matéria de facto incluindo o conhecimento dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem prejuízo de o Mais Alto Tribunal, em último recurso poder conhecer por sua iniciativa da eventual residual persistência desses vícios acaso se veja na contingência de decidir sobre matéria de facto notoriamente desfasada da realidade, manifestamente contraditória ou insuficiente para decidir.
Não sendo como não é este o caso, há que ter como definitivamente adquirida a matéria de facto dada como provada e supra transcrita.
Por outro lado, nada tem a ver com os vícios da matéria de facto, nomeadamente com o vício de erro notório na apreciação da prova, a alegação dos recorrentes, nomeadamente do recorrente GG, segundo o qual alguns dos factos que lhe respeitam foram fixados em divergência do que resultou dos depoimentos de testemunhas e outra prova produzida em audiência. Pois, como resulta do texto legal, o vício só ganha relevante existência quando resulte do texto legal, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, de tal modo que um destinatário medianamente informado logo se aperceba da impossibilidade do facto.

Como assim, têm-se por sumariamente ultrapassadas as impertinentes questões de facto suscitadas nos recursos, importando sem mais passar ao conhecimento das elencadas questões de direito, a começar pela pretensa nulidade do acórdão recorrido que lhe é assacada pelo recorrente GG, segundo o qual o referido acórdão se limitou a elencar os meios de prova de que se serviu para fixar a matéria de facto, sem a respectiva apreciação crítica.
Como se viu, tal questão já foi posta perante a Relação que lhe deu resposta nos termos que supra se transcreveram.
E não se pode dizer que a decisão da relação – e só dela agora cumpre conhecer – está ferida do mesmo alegado vício, já que por um lado, não se vê que aquele tribunal superior defenda em lado algum do acórdão recorrido uma interpretação compatível com a que o recorrente lhe assaca. De resto, só seria de exigir nessa fundamentação da relação, a análise crítica das provas produzidas para além das elencadas na decisão de primeira instância, acaso tivesse havido produção de prova directamente perante aquele tribunal e cujo mérito devesse apreciar.
No mais, importa a fundamentação da decisão que é sobejamente densificada quanto ao ponto em causa, nomeadamente quando ali se afirma:
«Na verdade, basta reler a aludida motivação da decisão recorrida para se ver que, ao invés do que vem alegado, aquele Tribunal Colectivo não se limitou a indicar os meios de prova, mas antes, para além de tal indicação, sopesou as declarações prestadas pelos arguidos, ficando-se a saber o seu sentido, os que confessaram e os que negaram os factos, bem como os que, no uso de um seu direito (ao silêncio), não quiseram prestar declarações; precisando o sentido dos depoimentos de cada uma das testemunhas, mormente das arroladas pela acusação (ditas testemunhas de acusação), considerando, ponderando e sopesando devidamente não só os factos e operações policiais em que intervieram, as suas razões de ciência, isenção (ou falta dela) e credibilidade ou verosimilhança dos depoimentos; sem esquecer, obviamente, ponderar os autos de apreensão, de exame e avaliação e documentos juntos aos autos, remetendo para a literalidade do seu teor, bem ainda as fotografias tiradas aquando das vigilâncias policiais e o local onde se mostram juntas, os exames periciais do LPC, das transcrições das escutas telefónicas, com discriminação dos respectivos alvos e locais onde se mostram juntas aos autos, com o correspondente suporte técnico e ainda os respectivos certificados do registo criminal.
Em suma, percebe-se perfeitamente o raciocínio lógico, devidamente objectivado e motivado, pelo que é manifestamente improcedente a arguição de tal vício, já que, como se demonstrou, ali se cumpriu o exigido exame crítico das provas – citados artºs 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a), ambos do CPP

Improcede, pois, a arguição de nulidade.

Cumpre prosseguir, agora com a questão da qualificação jurídica dos factos
Como se viu, os recorrentes FF, JJ e EE defendem a incriminação pelo artigo 25.º do DL 15/93, de 22/1.

Na efectivação da operação em causa, discorreu assim o tribunal recorrido:
«Os ora recorrentes (excepto o GG) põem em causa o enquadramento jurídico-penal dos factos, o qual, como se pode ver, deu como preenchidos todos os requisitos da autoria do imputado crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1 do DL nº 15/93, por que vieram a ser condenados, (cada um deles) em 4 anos e 6 meses de prisão (cfr. d) do dispositivo, a fls. 2087).
Pretendem os recorrentes que se está perante o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º daquele mesmo diploma legal.
Acontece, porém, que o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º do D.L. 15/93, de 22/01, tipo privilegiado de ilícito, distingue-se do tipo fundamental (base), previsto no art.º 21º, essencialmente, ao nível da ilicitude do facto – que deve ser consideravelmente diminuída – a qual deve ser avaliada por um conjunto concreto de circunstâncias objectivas – neste sentido, entre muitos, vejam-se os Acs. STJ de 18/02/99, de 1/03/01 e de 3/11704 (Col. Jur., Acs. STJ, Ano VII, Tomo I, pág. 220, Ano IX, Tomo I, pág. 234, e Ano XII, Tomo III, pág. 217, respectivamente).
Essa avaliação deve ser feita, como se disse, em função de um conjunto de diversos factores, alguns deles exemplificativamente indicados na norma, a saber: os meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das substâncias, e que indiciem que a ilicitude do facto é consideravelmente diminuída.
Trata-se, assim, de situações excepcionais, em que, objectivamente, aquela ilicitude se mostra consideravelmente diminuída.
Ora, no presente caso, os factos apurados integram o tipo base do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo citado art.º 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, com referência às tabelas anexas I-A, I-B e I-C (heroína, cocaína e Cannabis Sativa L), no caso, já que os arguidos CC,HH, II, DD (não recorrentes), juntamente com os ora recorrentes FF, GG, JJ e EE, em comunhão de esforços e de forma concertada, desde Setembro de 2002 e até à detenção de parte deles, em 26 de Março de 2003, dedicaram-se à comercialização de estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, que vendiam a terceiros consumidores desses produtos, actividade que decorreu em diversos locais do Bairro da Cruz Vermelha, em Lisboa. E, por vezes, dispunham também de pedaços de haxixe para entrega a terceiros.
Daí que logo se deve afastar a alegada diminuição da gravidade da ilicitude do facto, mormente por parte do recorrente EE, quando este pretende que a sua actividade se traduziu, essencialmente, em funções de vigilância e por não ter obtido lucro.
Como vimos, tal não corresponde à factualidade apurada, nem esta se traduz na aludida diminuição considerável da ilicitude, quer quanto a tal recorrente como no que respeita aos demais, FF, JJ e GG, já que, como vimos, apurou-se que agiram em comunhão de esforços e de forma concertada na aludida actividade de detenção, guarda e venda a terceiros daqueles produtos estupefacientes, mormente heroína e cocaína (por vezes, também de alguns pedaços de haxixe).
Por outra via, é manifestamente improcedente a alegação do recorrente JJ de que deve ser tratado como mero traficante-consumidor, crime p. e p. pelo art.º 26º, nº 1, daquele mesmo diploma legal, porquanto, neste caso, falece a exigida finalidade exclusiva de, com tal actividade, conseguir obter produtos estupefacientes para seu uso pessoal.
Repete-se, a actividade apurada de tráfico foi comum, apesar de se prolongar por cerca de seis meses – de Setembro de 2002 a Março de 2003 (note-se, aliás, que não foi imputada nem se considera verificada nenhuma das circunstâncias que qualificam ou agravam o delito, cfr. art.º 24º daquele D.L.15/93).
Em suma, os factos apurados integram todos os requisitos, objectivos e subjectivos, da prática pelos arguidos, mormente dos ora recorrentes, como co-autores do imputado crime de tráfico de estupefacientes, crime base ou fundamental, p. e p. pelo citado art.º 21º, nº 1 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela anexa I-A, I-B e I-C.
Improcedem, assim, estas pretensões dos recorrentes»
Importa voltar aos factos para aquilatar da bondade deste entendimento do tribunal recorrido.
Relativamente à recorrente FF, tirando a droga – aliás em pequena quantidade – que foi encontrada na residência dela e do companheiro CC, o menos que pode dizer-se é que a matéria de facto se fica muito aquém do desejável em sede de quantificação das quantidades de droga em que alegadamente a mesma se envolveu.
Para além de repetidas generalidades sobre a sua intervenção na «rede» traficante, que, pelo que se vê dependia na sua orientação, essencialmente do companheiro da arguida, só se tem um dado objectivo: a droga aprendida na busca domiciliária. É certo que a matéria de facto assegura que ela agiu em conjugação de esforços e vontades com os demais arguidos. Mas essa «conjugação de esforços», na falta de outros elementos de facto, não é necessariamente idêntica para todos os auxiliatores, podendo assumir, como em regra assumirá gradações distintas.
À acusação compete provar as quantidades traficadas não podendo esta esperar que, escondendo-se atrás de cortinas translúcidas como o tempo alegadamente dedicado ao tráfico, ao tribunal cumpra descobrir ou presumir os factos que não conseguiram sequer ser alegados. Impede-o princípio acusatório consagrado na Constituição – art.º 32.º, n.º 5.
Consequentemente, na falta de alegação de prova do tipo de droga e das quantidades traficadas em todas e cada transacção em que interveio a arguida, há que presumir sempre o mínimo em cada uma delas, assim como o tipo de droga mais leve. É o que resulta do elementar princípio processual in dubio pro reo, também ele com afloramento constitucional – art.º 32.º, n.º 2, da Constituição.
Como assim, havendo de partir da ideia de que a arguida traficou as mínimas quantidades de droga leve nos períodos a que se referem os factos, sabendo-se ao certo, apenas que, no dia 26/3/2003, aquando da busca domiciliária à sua residência e do companheiro apenas lhe foram encontradas 1,452 gr de cannabis em resina no bolso de mas calças, assim como 1,932 gr de cocaína numa gaveta do quarto dos filhos, não se podem ter tais quantidades como elevadas. Tanto mais, quanto é certo, repete-se, que do elenco factual apurado se pode concluir com alguma segurança que o verdadeiro chefe, o cérebro do bando era o companheiro CC.
Aliando tudo isto à circunstância de a arguida ser vendedora ambulante, ter exíguas habilitações literárias – 4.ª classe – e não ter antecedentes criminais, dá-se razão à recorrente quando pretende ver subsumida a sua conduta ao crime privilegiado do artigo 25.º do DL n.º 15/93, de 22/1.
O mesmo se diga relativamente ao arguido JJ e EE, relativamente aos quais a acusação não logrou quantificar o peso de uma única transacção.
Já o mesmo se não pode afirmar relativamente aos arguido GG, em cuja casa foram encontradas quantidades já dignas de nota, nomeadamente, e para além dos necessários instrumentos de tráfico, como a balança de precisão “T...”, 300 embalagens individuais com o peso total de 32,022 gramas de cocaína, assim como outra embalagem com 62,608 gramas de heroína.
De resto, o recorrente também não pugna pela alteração da qualificação dos factos por que foi condenado.
Assim, em resumo: os crimes cometidos e por que foram condenados os recorrentes JJ, FF e EE, são o do artigo 25.º e não, como foi decidido no acórdão recorrido, os do artigo 21.º do D L 15/93, citado.
Já o GG é autor do crime do artigo 21. do mesmo diploma.

Defende o EE que deve ser isento de pena pois está provado o seu abandono voluntário da actividade traficante de que vinha sendo acusado, o que faz diminuir de forma considerável o perigo que poderia produzir por essa conduta.
Sem razão o faz, porém.
Com efeito, segundo doutrina seguida neste Supremo Tribunal, nomeadamente pela pena do ora relator, «o que subjaz ao prémio do artigo 31.º do D.L. n.º 15/93 citado, é, concerteza, uma atitude activa e decidida, espontânea e voluntariamente assumida pelo agente no sentido de abandonar a actividade ou minimizar os seus efeitos, ou auxiliar na recolha de provas decisivas, para a identificação e captura de outros responsáveis.
Uma confissão, embora de algum relevo (não decisivo) mas prestada a reboque dos acontecimentos terá o seu lugar próprio de valoração no âmbito do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, mas não mais do que isso, já que a norma especial do citado artigo 31.º, premeia um comportamento também ele especial, não apenas de abandono activo da actividade em causa, como de colaboração activa e relevante, através de actos que inequivocamente revelem que o agente transpôs a barricada do crime para se assumir como um seu combatente activo.»
Ora, em lado algum está provado que o arguido EE tenha abandonado o tráfico, apenas deixando ele de figurar no elenco dos factos. Mas isso não é sinónimo de abandono da actividade ilícita. Pode sê-lo de insuficiência da investigação, por exemplo.
E neste capítulo nada mais de relevante oferecem os factos com capacidade para relevar para efeito da aplicação do benefício do artigo 31.º citado, nomeadamente a colaboração relevante com as autoridades de investigação.

A medida das penas.
Concretizada a nova qualificação jurídica dos factos relativamente aos três indicados recorrentes, importa agora quantificar as respectivas penas, assim como apreciar a que, no âmbito do artigo 21.º foi aplicada ao arguido GG.
Neste capítulo foi esta a decisão recorrida:
«Como se viu já, aquele crime de tráfico de estupefacientes é punível entre o mínimo de 4 anos de prisão e o máximo de 12 anos de prisão (art.º 21º, nº 1 do DL 15/93, red. Lei 45/96).
Ora, as penas concretamente aplicadas, nestes casos, foram de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Ou seja, relativamente a todos os recorrentes é muito próxima do aludido mínimo legal.
Pretende o recorrente EE que deve ser-lhe aplicado o regime especial do art.º 31º do D.L. 15/93, por ter abandonado voluntariamente a sua actividade, em 27/11/02.
Todavia, tal não corresponde à matéria de facto apurada, a ele respeitante.
É, assim, manifestamente improcedente tal pretensão.
Nem se verifica um quadro atenuativo da sua culpa de molde a atenuar-lhe especialmente a pena. Contudo, é delinquente primário.
Mas mesmo se diga relativamente aos demais recorrentes.
Assim, o recorrente JJ pelo facto de ser também consumidor de drogas, não deve beneficiar, sem mais, da pretendida atenuação especial da pena, quanto mais não seja por não beneficiar de outras circunstâncias atenuantes; note-se que nem sequer admitiu a prática dos factos apurados, antes negou-a (o que é um seu direito). Também é delinquente primário.
De igual modo, pretende a recorrente FF que agiu subordinada à vontade do seu marido, o co-arguido CC, mas essa submissão não corresponde à factualidade apurada. Repete-se, agiu em conjugação de vontades e de esforços.
Também não beneficia de mais qualquer outra atenuante, a não ser o facto de ser delinquente primária.
Quanto ao GG identicamente: não tem qualquer atenuante a seu favor.
Aliás, este recorrente sofreu já anteriormente duas condenações, por crimes de roubo e duas por condução sem carta – CRC de fls. 1419 a 1421.
Finalmente, a recorrente FF vivia maritalmente com o arguido CC, trabalhou na venda ambulante;
O recorrente JJ vivia com a mãe, a co-arguida HH, foi toxicodependente e trabalhou na construção civil;
Enquanto o recorrente EE vivia com a mãe e com a irmã, e estava desempregado.
Em suma, em qualquer destes casos (dos ora recorrentes) entendemos que não se excedeu a medida da culpa de cada um dos agentes – cfr. art.º 40º, nº 2 do C. Penal – ponderando-se devidamente as circunstâncias quer contra quer a favor de cada arguido, sem perder de vista o elevado grau da ilicitude dos factos, acima retratada, e sem esquecer a intensidade do dolo (directo) de cada um deles, e não esquecendo que, no caso da heroína e da cocaína se está perante as ditas drogas duras, no sentido de que causam uma elevadíssima dependência por parte dos consumidores, com elevado prejuízo para a saúde pública.
Resumindo, as penas aplicadas no acórdão recorrido, de 4 anos e 6 meses de prisão mostram-se até benévolas – mormente, no que respeita ao recorrente GG, o único que não é delinquente primário – atentos os bens jurídicos protegidos e os fins das penas, quer de prevenção geral quer especial, e sem olvidar a reinserção social dos agentes – cfr. art.ºs 40º e 70º e seguintes do CPP, mormente art.º 71º, nºs 1 e 2.
Improcedem, assim, todas as pretensões dos ora recorrentes.
Na verdade, ao improceder a pretendida redução das penas, mostra-se inaplicável, obviamente, a também pretendida suspensão da sua execução (cfr. art.º 50º do C.P.)»

Coimo se vê, todos os recorrentes foram condenados na mesma pena: quarto anos e seis meses de prisão.
Alterada a qualificação jurídica dos três supra identificados – todos à excepção do GG – e não se tendo alterado os parâmetros dosimétricos restantes, nomeadamente o grau de ilicitude verificado na reiteração da actividade traficante, da culpa e demais circunstâncias do artigo 71.º do Código Penal, como o comportamento anterior e posterior e condição pessoal, tem-se como adequada à prática dos crimes em causa a pena de três anos e seis meses para cada um deles.
Pois, se há exemplo em que «tráfico de menor gravidade» se não confunde com tráfico sem gravidade, este será um deles, em que os arguidos, integrados verdadeiramente num bando, se dedicavam regularmente ao tráfico de drogas, com actuações conjugadas. Tráfico que, embora em quantidades não apuradas, envolvia drogas duras, portanto das mais ofensivas para a saúde das vítimas, os consumidores.
A quantificação concreta das penas impede a substituição da pena de prisão – art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal.
E não se verifica o condicionalismo exigido por lei para atenuação especial da pena reclamado pelo recorrente EE.
Como aqui tem vindo a ser sucessivamente decidido e ora se reafirma, quando o legislador dispõe de uma moldura penal para um certo tipo de crime, tem de prever as mais diversas formas e graus de realização do facto, desde os de menor até aos de maior gravidade pensáveis: em função daqueles fixará o limite mínimo; em função destes o limite máximo da moldura penal respectiva; de modo a que, em todos os casos, a aplicação da pena concretamente determinada possa corresponder ao limite da culpa e às exigências de prevenção.
Desde há muito, porém, se põe em relevo a limitação da capacidade de previsão do legislador para abarcar não só todas as situações contemporâneas da feitura da lei, como acompanhar o constante fluir de novas situações que a vida faz emergir a cada momento.
Daí que, em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, tenha surgido a necessidade de dotar do sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especialda pena (1).
Hipóteses que, em muitos casos, o próprio legislador prevê (2) –, mas que a apontada incapacidade de previsão leva ainda a suprir com uma cláusula geral de atenuação especial. (3)
O funcionamento de uma tal válvula de segurança obedece a dois pressupostos essenciais, a saber:
- Diminuição acentuada da ilicitude e da culpa, necessidade da pena e, em geral, das exigências de prevenção(4)
- A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se relevante para tal efeito, isto é, só poderá ter-se como acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação das circunstâncias atenuantes se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
O que, por outras palavras, significa que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, “lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios” (5)
Não deve esquecer-se todavia, que esta solução de consagrar legislativamente a referida “cláusula geral de atenuação especial” como válvula de segurança, dificilmente se pode ter como apropriada para um Código como o nosso, “moderno e impregnado pelo princípio da humanização e dotado de molduras penais suficientemente amplas”. Ou seja, é uma solução antiquada.
«Daí o bem fundado da nossa jurisprudência, quando pressupõe que tal sistema só se torna político-criminalmente suportável se a atenuação especial, decorrente da cláusula geral apontada, entrar em consideração apenas em casos relativamente extraordinários ou mesmo excepcionais(6-7-8)
Ora, a imagem global do facto não permite de forma alguma enveredar pelo trilho excepcional reclamado, na certeza de que o recorrente tão somente beneficia de atenuantes de pouco relevo, nomeadamente a ausência de antecedentes criminais, devidamente valorada na quantificação da que lhe foi aplicada.

Finalmente, nada a observar quanto à medida da pena aplicada pelas instâncias ao arguido GG – 4 anos e 6 meses de prisão – pela autoria do artigo 21.º do DL n.º 15/93, de 22/1, pena situada apenas ligeiramente acima do limiar abstracto, o que, face às poucas atenuantes de que beneficia, se pode ter, até como uma pena bastante benevolente.

3. São termos em que: no parcial provimento dos recursos dos arguidos FF, FF, JJ e EE, revogam em parte o acórdão recorrido para ficar a valer a qualificação dos respectivos factos como integrando a co-autoria daqueles arguidos na prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. no artigo 25.º do DL n.º 15/93, de 22/1, fixando as respectivas penas individuais em 3 (três) anos e seis meses de prisão.
No, mais, porém, negando provimento, a estes e demais recursos, conformam a decisão recorrida.
Sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário, cada um dos recorrentes pagará pelo decaimento taxa de justiça que se fixa em 5 unidades de conta para cada um daqueles três primeiros, e em 8 para o recorrente GG.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Novembro de 2005

Pereira Madeira (relator)
Simas Santos
Santos Carvalho
Costa Mortágua
_________________________________
(1) Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime §444
(2) “O tribunal atenua especialmente a pena, para além do casos expressamente previstos na lei...
(3) “...Quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente, ou a necessidade da pena”.
(4) Figueiredo Dias, ob. cit., §451
(5) Autor e ob. cit., §454
(6) Ibidem § 465
(7) O sistema, segundo o mesmo Mestre de Coimbra, compreende-se, isso sim, por razões ligadas a uma Parte Especial velha e desactualizada, «em função de molduras penais escusada e injustamente severas características de um tempo em que o princípio político-criminal da humanização do direito penal se não fazia ainda sentir, ou se não fazia sentir, em todo o caso, carregado com as exigências que hoje postula; em função, por outro lado, de molduras penais demasiado exíguas, com limites máximo e mínimo relativamente próximos, consequência ainda do dogma das penas fixas e da desconfiança perante a autonomia da função judicial».
(8) Em bold pelo relator.