Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A010
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
EXCLUSIVIDADE DE RELAÇÕES SEXUAIS
EXAME SANGUÍNEO
QUESITOS
Nº do Documento: SJ200304080000101
Data do Acordão: 04/08/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 2360/01
Data: 06/26/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I - O Magistrado do Ministério Público instaurou acção de investigação de paternidade, relativamente ao menor A, contra B, pedindo que se declare que o menor é filho do réu.

Alegou que a mãe do menor teve relações de sexo de cópula completa com o réu e dessas relações nasceu o menor.

Contestando, o réu sustentou não serem verdadeiros os factos alegados.

O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela procedência da acção.

Apelou o réu.

O Tribunal da Relação confirmou a decisão.

Inconformado, recorre o réu para este Tribunal.

Formula as seguintes conclusões:

- O Tribunal da Relação de Évora considerou a seguinte resposta conjunta aos quesitos 1 a 3 da base instrutória;

- "...Provado apenas que a mãe do menor e o R. conheceram-se em data não concretamente apurada de 1996 e mantiveram entre si relações de cópula completa;

- É insuficiente para situar estas relações dentro do período de concepção pelo artigo 1798º do Cód. Civil nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que antecederam o nascimento ocorrido em 30 de Outubro daquele ano;

- Mais considerou aquele Tribunal que estes factos são insuficientes para situar estas relações dentro do período de concepção previsto no art.º 1798 do Cód. Civil nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que antecederam o nascimento ocorrido em 30 de Outubro daquele ano;

- Daí que tendo o Acórdão recorrido negado provimento ao recurso tenha violado os artigos 1798 e 1871 alínea c) do Cód. Civil e art.º 655 do Cód. Processo Civil.;

- Por outro lado, o Apelante nas suas alegações levantou a questão do quesito 7.º não dever ser dado como provado e até mesmo excluído da base instrutória, porque fora aditado na audiência de julgamento, não tendo sido indicada qualquer testemunha para sobre ele prestar declarações, o que viola os artigos 668 n.º 1 alínea d) e 655 do Cód. Proc. Civil;

- O exame hematológico a que se reporta a resposta afirmativa do quesito 6.º não pode, só por si, conferir procedência à acção, por falta de outros elementos probatórios previstos na lei, pelo que foram violados os artigos 1798 e 1871 n.º 1 alínea e) do Cód. Civil e art.º 655 do Cód. Proc. Civil.

Contra-alegando, o Ministério Público defende a manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Vem dado como provado:

O menor A nasceu a 30.10.96 e o seu nascimento encontra-se registado na Con. Reg. Civil de Porto de Mós sob o n.º 220/96 como filho de C, solteira e com paternidade omissa;

Entre a mãe do menor e o réu não existem quaisquer relações de parentesco ou afinidade.

A propositura da presente acção foi julgada viável por despacho de 9/6/98, conforme certidão de fls. 6;

A mãe do menor e o réu conheceram-se em data não concretamente apurada de Janeiro de 1996 e mantiveram entre si relações de sexo de cópula completa;

O réu e a mãe do menor frequentaram bailes públicos;

No âmbito dos autos de averiguação oficiosa de paternidade foi realizado exame hematológico cujo resultado foi 99,99994 de probabilidade de paternidade.

Na sequência de tais relações de sexo de cópula completa C engravidou e no termo da gestação nasceu o menor A.

III - Instaurada acção de investigação de paternidade veio o réu, a ser declarado pai do menor.

Daí o recurso.

Sustenta o recorrente, por um lado, que não se provou que as relações sexuais havidas entre a mãe do menor e o réu se situassem dentro do período legal de concepção e, por outro, que a matéria constante do quesito 7º deverá ser excluída dos factos dados como provados.

São estas as questões a resolver.

O Assento nº 4/83, de 21.06.1983 (hoje com valor de jurisprudência uniformizadora - artigo 17º nº 2 do Dec-Lei nº 329-A/95, de 12.12) estabeleceu que na falta de uma presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no período legal da concepção, só com o investigado manteve relações sexuais.

Uma jurisprudência maioritária cedo defendeu que o assento devia ser alvo de uma interpretação restritiva, no sentido de que, embora não sendo feita a prova da exclusividade das relações sexuais entre o investigado e mãe durante o período legal da concepção, deverá ser reconhecida a paternidade se existir uma indicação segura, forte, de que das relações sexuais havidas entre a mãe e o investigado resultou a procriação do filho. Interpretação essa que se insere no entendimento do Prof. Antunes Varela - RL e Jurisprudência - 117º, pág. 56 e foi defendida em inúmeros acórdãos do Supremo, como por exemplo, Ac. STJ de 27.06.89, BMJ nº 388, pág. 452 e Ac. STJ de 31.10.95, CJ Tomo II, pág. 87.

Na sequência de tal entendimento, ao elenco das presunções de paternidade enumeradas no artigo 1871º foi acrescentada pela Lei 21/98, de 12.05, a alínea e) com a seguinte redacção: a paternidade presume-se "Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção".

A intenção da lei é, claramente, a de facilitar a prova de paternidade biológica, admitindo, contudo, a limitação do nº 2 do referido artigo, ou seja, que a presunção possa ser ilidida quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado.

No caso concreto, a presunção referida aproveita ao autor, face ao disposto no artigo 12º nº 2 do C. Civil - Ac. STJ de 11.03.99, BMJ nº 485, pág. 418; Ac. STJ de 28.05.2002, CJ II, pág. 92.

Tal presunção, como resulta da matéria de facto considerada provada, não foi ilidida. O réu não ilidiu a mencionada presunção, nem sequer, aliás, alegou qualquer facto que pusesse em causa a exclusividade das relações.

Sustenta, contudo, o recorrente que não se apurou que as relações sexuais entre a mãe do menor e o réu tenham ocorrido no período legal da concepção.

Está, a propósito, provado que a mãe do menor e o investigado se conheceram em data não concretamente apurada de Janeiro de 1996 e mantiveram entre si relações de sexo de cópula completa.

Tal não é, efectivamente, bastante para situar tais relações dentro do período de concepção delimitado pelo artigo 1798º do C. Civil, que determina que o momento da concepção do filho é fixado para os efeitos legais, dentro dos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento.

Mas, sendo essa a regra base, a verdade é que o artigo textualmente estipula "salvas as excepções dos artigos seguintes".

Uma das excepções (e única que aqui interessa) é a do 1801º que determina: "Nas acções relativas à filiação são admitidas como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados".

Em concreto, foi realizado exame hematológico, sendo o resultado de 99,99994 de probabilidade de paternidade. Tal exame afasta a necessidade da prova de que as relações sexuais tiveram lugar no período da concepção como é entendido no artigo 1798º do CC.

Provado que existiram as relações sexuais vem também dado como provado que "Na sequência de tais relações de sexo de cópula completa C engravidou e no termo da gestação nasceu o menor A".

Considerada provada tal factualidade, está demonstrada a paternidade biológica. A averiguação da filiação biológica constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias e como tal não sindicável por este Tribunal. Ao Supremo, como Tribunal de revista, cabe em princípio decidir de direito e não julgar matéria de facto (artigos 722º nº 2 e 729º do C. Processo Civil).

Mas a questão não se esgota aqui uma vez que o recorrente sustenta que o quesito 7º não devia sequer ter sido formulado.

A matéria constante de tal quesito corresponde ao teor do artigo 9º da petição, tendo o quesito sido formulado ao abrigo do disposto no artigo 650º nº 2, alínea f) do C. Processo Civil.

Saber se é ou não possível formular um quesito directo sobre a paternidade biológica é controvérsia antiga. Hoje uma jurisprudência firme tem admitido a formulação de tal quesito, sendo uma das razões o facto de o progresso da ciência permitir exames cada vez mais seguros, permitindo-se com base neles uma resposta que, até certo ponto, garante uma certeza cientifica - por todos o Ac. STJ de 19.04.1001 - Revista nº 3866/00 - 6ª Secção; Ac. STJ de 19.04.2001 - Revista nº 519/91 - 7ª Secção; Ac. STJ de 24.05.2001 - Revista nº 987/01 - 7ª Secção em "Sumários" - 2001, pág. 131, 141, 192.

Correspondendo a causa de pedir ao facto concreto da procriação, a resposta ao quesito é permitida e válida, tendo este Tribunal que a considerar assente, por não alterável.

Nenhuma censura é pois possível fazer ao acórdão recorrido.

Pelo exposto, nega-se a revista.

Custas pelo recorrente, tendo-se em conta o apoio concedido.

Lisboa, 8 de Abril de 2003

Pinto Monteiro

Reis Figueira

Barros Caldeira