Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A1253
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
REPRESENTAÇÃO
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
CULPA IN CONTRAHENDO
CONTRATO ATÍPICO
CONTRATO DE ADESÃO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL
NULIDADE
RESOLUÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Nº do Documento: SJ20080520012536
Data do Acordão: 05/20/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Ter a Relação considerado na fundamentação que o Eng. M. representava a Ré é uma questão de convicção probatória, em face da reapreciação da prova gravada, não sendo de todo essencial que a qualidade de representante da Ré tivesse de ser feita documentalmente.
II - Não pode manter-se a resposta a quesito em que a Relação substituiu a palavra “prometido”, que constava na respectiva formulação, pela palavra “garantido”, porque não é lícito ao Tribunal responder além do que é indagado, sob pena de violar o princípio do dispositivo e incorrer em nulidade.
III - O contrato celebrado pelas partes e apelidado de Contrato-Promessa de Utilização de Espaço é um contrato atípico, com manifesta afinidade com os usualmente celebrados por lojistas que integram os seus estabelecimentos comerciais em centros comerciais, sendo estes unidades de dimensão maior que os habituais mercados, com uma gestão planificada coenvolvendo a prestação de serviços mediante uma retribuição, que, por não expressar apenas o valor locativo da área ocupada, não se pode considerar um contrato de arrendamento.
IV - Para que se considere a existência de um contrato de adesão não é bastante a existência de algumas cláusulas pré-ordenadas pelo oferente; importa que o núcleo essencial modelador do regime jurídico assumido constitua um bloco que se aceita ou repudia, sem qualquer possibilidade de negociação, e que o teor das cláusulas careçam de adequada informação para que o aderente saiba, e pondere se é conforme aos seus interesses subscrever o texto impresso que lhe é proposto.
V - Ora, a Autora, inclusivamente, procedeu a estudos com vista a aquilatar da viabilidade económica do negócio, sinal evidente que estava na posse de informação que recolheu, e que lhe permitiu acautelar os seus interesses em pé de igualdade com a Ré, pelo que não se pode considerar que o contrato, pese embora ter sido apresentado em modelo pré-impresso, é um contrato de adesão.
VI - Apesar de a Ré ter apresentado a sua proposta com base numa minuta que poderia servir e serviu de base aos contratos celebrados, o que releva é que o pretenso aderente, “in casu”, a Autora teve liberdade para discutir os termos da sua vinculação, daí que não se possa considerar que as cláusulas são nulas por violação do dever de informação.
VII - A responsabilidade contratual pressupõe que a parte que rompe as negociações traia as expectativas que legitimamente incutiu na parte com quem negociava, de modo a que frustração do negócio exprima uma indesculpável violação da ética negocial, mormente da protecção da confiança e da prevenção do insucesso.
VIII - Provado que a Ré, nos preliminares do negócio assumiu compromissos que não poderia cumprir - eliminar mercados abastecedores num perímetro de 50 km - e, pese embora terem mediado dois anos de vigência de contrato com a Autora, não implementou medidas que seriam idóneas a satisfazer as legítimas expectativas da Autora, brandir agora com a violação das regras comunitárias da concorrência – arts. 85º e 86º do Tratado da Comunidade Europeia – e arts. 99º, 20º, 8º, 3º e 204º da Constituição da República – é assumir que nos preliminares e na execução do contrato a Ré violou as regras da boa-fé.
IX - A Cláusula do contrato onde se estabelece que “O incumprimento, por qualquer das partes outorgantes, das obrigações que para elas resultam deste Contrato de Utilização, não estando o mesmo sanado no prazo de 30 dias após a sua verificação e respectiva notificação, confere à parte não faltosa, direito de resolução dos mesmos, sem que haja lugar a qualquer indemnização ou compensação de qualquer natureza”, é nula, não impedindo a Autora de, resolvendo o contrato, pedir indemnização pelos prejuízos.
X - A obrigação de indemnizar em consequência da resolução do contrato compreende os danos emergentes e os lucros cessantes – arts. 562º e 566º do Código Civil – que tenham com o facto violador do contrato um nexo de causalidade, o qual não existe entre o investimento em equipamentos, de que a Autora, como dona disporá no futuro, e a violação do contrato.
XI - A resolução do contrato, in casu, implica indemnização do interesse contratual negativo e não do interesse contratual positivo, pelo que em consequência da resolução a Autora deve ser indemnizada pelo dano “in contrahendo” – interesse contratual negativo – buscando-se a situação que teria se o contrato não tivesse, sequer, sido celebrado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, Ldª, intentou, em 20.11.2003, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa – 15ª Vara – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

BB – Mercado Abastecedor da Região de Lisboa, S.A.,

Formulou os seguintes pedidos:

a) A declaração de nulidade do contrato-promessa em causa;

b) A não proceder o anterior pedido, a declaração de nulidade das cláusulas 10ª e 11ª do mesmo contrato;

Caso se considere o contrato-promessa válido, deve declarar-se o mesmo resolvido, devendo ainda a Ré ser condenada, independentemente da declaração de nulidade ou de resolução, a pagar à Autora as seguintes quantias:

a) - € 121.701,00 (cento e vinte e um mil setecentos e um euros) referente a equipamentos;

b) - € 21.936,00 (vinte e um mil novecentos e trinta e seis euros) referentes aos juros pagos e a pagar ao Montepio Geral no âmbito do contrato de mútuo celebrado para aquisição dos equipamentos;

c) - € 136.442,83 (cento e trinta e seis mil quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta e três cêntimos) referente às quantias pagas a título de taxa de acesso e caução e juros devidos pelo financiamento contraído junto do Montepio Geral para pagamento da referida taxa de acesso;

d) - € 500.000,00 (quinhentos mil euros) referente à indemnização devida a título de lucros cessantes;

e) - devendo ainda acrescer juros, à taxa legal, sobre todas as quantias peticionadas desde a data da citação até integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese:

- O sócio-gerente da Autora celebrou com a Ré, em 22.12.1999, um contrato-promessa de utilização de espaço no BB;

- Nos termos desse contrato, a Ré prometeu ceder e garantir a utilização dos espaços que identifica e o sócio-gerente da Autora prometeu aceitar para a sociedade por si a indicar, a ora autora, tal cedência;

- A Ré obrigou-se, designadamente, a assegurar a gestão e funcionamento do mercado; garantir a manutenção, fiscalização, segurança e bom estado de conservação das infra-estruturas do mercado; elaborar, implementar e assegurar o bom cumprimento das normas de funcionamento do mercado; manter um sistema de informação permanente sobre as actividades do mercado com base, nomeadamente, em elementos fornecidos pelos diversos operadores/utilizadores do mercado; manter o espaço cedido em actividade nos termos fixados nas normas de funcionamento do mercado;

- O contrato-promessa não foi objecto de qualquer negociação entre as partes, tendo-se o gerente da Autora limitado a apor no mesmo a sua assinatura, não lhe tendo sido explicado o seu teor ou as suas cláusulas;

- Todas as estipulações do contrato em causa são cláusulas contratuais gerais, as quais, por força do disposto no artigo 8°, al. a) do D.L. n°446/85, de 25 de Outubro, se consideram excluídas do contrato;

- E, como todas as cláusulas são excluídas do contrato, este não se mantém, sendo nulo;

- A cláusula 10ª do contrato, onde se exclui a responsabilidade da Ré pela diminuição de facturação, redução de clientela ou outras questões relativas ao aviamento da Autora – e a cláusula 11ª, que regula, de forma desproporcionada, os efeitos da resolução por incumprimento de cada uma das partes, são nulas por violarem o disposto nas als. b) e c) do artigo 18° daquele diploma legal;

- A Autora celebrou o contrato-promessa com a Ré baseada em pressupostos e circunstâncias absolutamente erradas e que não vieram a ter qualquer confirmação, mas que foram determinantes da sua vontade de contratar;

A não verificação dessas circunstâncias essenciais permite à Autora a resolução do contrato, nos termos do art. 252º, nº2, do Código Civil;

- A Ré não conseguiu no espaço temporal de quase 4 anos implementar o funcionamento do mercado de modo a que seja rentável para os diversos operadores manterem os seus espaços a funcionar, sendo o mercado uma “cidade fantasma”.

- A Ré não fez campanhas adequadas de publicidade e de marketing, não criou horários de funcionamento do mercado ajustados às necessidades dos potenciais compradores, não implementou um sistema de informação permanente sobre as actividades comerciais dos diversos operadores, nem assegurou o bom cumprimento das normas de funcionamento do mercado.

- A Autora viu-se obrigada, à semelhança de outros operadores, a encerrar o estabelecimento comercial que instalara no espaço, 22 meses após a sua abertura, dado que as vendas efectuadas não chegavam, sequer, para suportar os encargos com a exploração;

- A Ré nunca procedeu à marcação do contrato definitivo, sendo que estava obrigada a fazê-lo até à data da entrega do espaço prometido ceder;

- O Pavilhão Polivalente, onde se situava o espaço cedido à Autora, ainda não tem licença de utilização, nem foi paga a respectiva licença de construção, o que impossibilita a Autora de ali exercer a actividade comercial que se propôs;

- Face aos reiterados incumprimentos da Ré, não tem qualquer interesse na continuação do negócio, tendo-se o mesmo tornado inviável sob o ponto de vista económico e legalmente impossível;

- Por isso procedeu à entrega do espaço prometido ceder à Autora, remetendo-lhe as respectivas chaves;

- A Ré incumpriu definitivamente o contrato-promessa em causa, o que, nos termos dos artigos 798°, 801° e 808° do Código Civil confere à Autora o direito de resolver tal contrato e de ser ressarcida dos prejuízos derivados do incumprimento, os quais liquidou nos termos que especificou.

Regularmente citada, a Ré contestou e deduziu reconvenção, dizendo, em suma, o seguinte:

- É verdade que se realizaram negociações entre a Autora e a Ré previamente à celebração do contrato.

- É também verdade que a Autora e a Ré acordaram, em 22.12.1999, em celebrar o Contrato-Promessa de Utilização de Espaço e que nesse Contrato constam sete considerandos (de A a G) que foram aceites pelas Partes nos seus precisos termos em que estão redigidos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

- O contrato dos autos não contém cláusulas contratuais gerais, pelo que, não é nulo, nem contém qualquer nulidade;

- A Ré em uma minuta de Contrato que utiliza nas negociações com os seus clientes tendo em vista a celebração dos contratos, mas essas minutas podem ser alteradas, modificadas ou eliminadas em resultado das negociações efectuadas entre a Ré e o seu cliente;

- O negócio só se conclui, normalmente, após difíceis, complexas e longas negociações entre as Partes sobre os termos do contrato, sendo que, não é apenas o preço que é negociado, mas todas as condições podem ser postas em causa, na medida em que representam encargos;

- A minuta contratual da Ré foi entregue com antecedência à Autora e todo o contrato foi explicado, cada cláusula e o seu conjunto;

- Não existe desequilíbrio exagerado, desproporcionalidade, nem violação da boa-fé, nas cláusulas 10ª e 11 ª, que não são nulas;

- O contrato em causa foi celebrado entre comerciantes profissionais, no exercício da sua profissão, pelo que cada um sabia bem o que estava a fazer, conhecendo todas as limitações para o exercício da sua profissão respectiva, tendo celebrado o contrato de forma livre e esclarecida;

- Nunca foi referido qualquer “perímetro de protecção”, nem se falou da extinção de outros Mercados que não os da cidade de Lisboa e não existem lojas âncora.

- Em apenas 3 anos de actividade o BB tem já uma ocupação de quase 100%, movimentando cerca de um milhão de toneladas/ano de produtos agro-alimentares, gerando cerca de 240 milhões de contos /ano de negócios.

- A previsão de pleno funcionamento do BB, estimada para 2010, aponta para um volume de produtos agro-alimentares de cerca de 1.400 mil toneladas/ano e um volume de negócios da ordem dos 300 milhões de contos/ano (convertidos em euros);

- O artigo 252° do Código Civil, é inaplicável ao caso dos autos, pois exige que se tivesse verificado um erro nos motivos na data da celebração do contrato, sendo que, é a própria Autora que vem alegar que o erro, a ter existido, se verificou no futuro;

- A Ré nunca se obrigou perante a Autora em números concretos de volume de negócios ou de utilizadores do Mercado;

- É fácil ver que as coisas não sucederam como previsto, ignorando que tal previsão, na altura, era impossível de ser feita, ficando assim claro que a Autora não assinou o Contrato em erro, sabendo, muito bem, de forma esclarecida, qual o objecto do contrato e não existia qualquer alteração das circunstâncias, porque nenhum dos motivos invocados pela Requerida constituíam circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar;

- Nunca foi considerada pelas partes como condição base do negócio a taxa de ocupação do BB nos primeiros anos de funcionamento do Mercado, ou o volume dos utentes, ou o horário de funcionamento, etc.

- A própria Autora junta como doc. 15 à sua PI, certidão da Câmara Municipal de Loures onde se comprova que a licença se encontra emitida, faltando apenas proceder-se ao pagamento da taxa respectiva, situação que, aliás, só não está concluída por envolver um Protocolo mais amplo com o Município de Loures relativo à construção de uma via rodoviária;

- Não há qualquer “lei imperativa” que comine com a nulidade a promessa de cedência de espaços no BB sem estar emitida a licença de utilização, regendo-se o BB por legislação própria (DL n°258/95, de 30.9, entre outros);

- Também só não se regularizou a situação predial e matricial dos imóveis em resultado da falta de licença da C. M. Loures., tudo dependente apenas, como se disse, de um Protocolo em vias de celebração;

- Nada disso impede o normal exercício das actividades das centenas de operadores que diariamente funcionam no Mercado;

- O Contrato definitivo nunca foi solicitado pela própria Autora, pelo que não existiu, nem existe qualquer incumprimento contratual por parte da Ré;

- Não há qualquer obrigação para a Ré de restituir seja o que for à Autora, muito menos de indemnizar a Autora do que quer que seja, pois não há qualquer incumprimento por parte da Ré;

- A Ré permitiu que as taxas de utilização ficassem suspensas (Doc. 6 à PI), sendo que, só nesta alteração a Autora já poupou € 71.826,90, correspondente à soma simples do valor da taxa mensal (€ 1.496,39) pelo número de meses sem pagamento (48 meses – de Janeiro 2000 a Dezembro de 2003), isto sem contar com os respectivos juros e a actualização do valor da taxa prevista no contrato e que também não se realizou;

- Sendo válido e eficaz o contrato celebrado entre a Autora e a Ré, como provado, verifica-se evidente incumprimento contratual por parte da Autora;

- A Autora violou o disposto na alínea c) do n°2 da cláusula 6ª do Contrato, tendo cessado a actividade no espaço que lhe foi cedido, pelo que, deve ser declarada a resolução do contrato por incumprimento da Autora, nos termos da cláusula 11ª do Contrato, pretensão reconvencional que a Ré formula.

A Autora replicou e a Ré treplicou.

Os autos prosseguiram para julgamento, realizado ao longo de quase um ano, com registo da prova produzida em audiência, traduzido em dezoito cassetes de gravação, concluído com a decisão sobre matéria de facto que consta de fls. 765 a 769.
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Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, com a absolvição da Ré dos pedidos formulados pela Autora, tendo a reconvenção sido julgada procedente, declarando-se a resolução do contrato dos autos, por incumprimento imputável à Autora.
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Inconformada, a Autora recorreu para o Tribunal a Relação de Lisboa que, por Acórdão de 28.6.2007 – fls. 1396 a 1462 – [rectificado pelo de fls. 2035 a 2043, de 24.1.2008] – julgou parcialmente procedente a apelação, alterando a decisão recorrida no sentido de declarar resolvido, nos termos dos arts. 252º, nº2, e 437º do Código Civil, o contrato-promessa dos autos, condenando a Ré a restituir à Autora a quantia em euros equivalente aos 25.070.000$00 que dela recebeu a título de taxa de acesso, IVA incluído, e de caução, acrescida de juros, contados à taxa legal, desde a citação, julgando ainda improcedente a reconvenção, com absolvição do respectivo pedido.

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Inconformadas recorreram a Ré e a Autora.
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A Autora, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. Verifica-se um lapso manifesto do Tribunal “a quo” que não teve em conta o valor que a Autora pagou à Ré em sede de IVA, enquadrável no disposto na alínea b) do n°2, do artigo 669° do Código de Processo Civil.

2. Efectivamente encontra-se provado que a Autora pagou à Ré o valor de 21.500.000$00 acrescido de IVA à taxa legal, a qual era à data de 17%, do que resulta o valor total de 24.570.000$00 a título de taxa de acesso, tendo ainda pago o valor de 500.000$00 a título de caução.

3. Ao abrigo do disposto no n°3 do citado normativo legal, requer-se desde já a reforma do acórdão proferido, devendo ser corrigida a quantia objecto da condenação a título de taxa de acesso, a qual tem de englobar, impreterivelmente, o valor pago a título de IVA. Erro sobre os motivos determinantes da decisão de contratar — resolução contratual.

4. A Autora perfilha o douto entendimento dos M° Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa que sindicaram a resolução do contrato no instituto do erro sobre os motivos determinantes da vontade de contratar plasmado no n°2 do art. 252°, com as consequências previstas no art. 437°, ambos do Código Civil.

5. “A base do negócio é constituída por todas as circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em consideração por elas na celebração do acto negocial e determinaram os termos concretos do acto que foi praticado.

6. “1-Há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias (pretéritas, presentes ou futuras) em que as partes fundaram a decisão de contratar”.

7. A Autora decidiu-se por contratar com base nas garantias que foram dadas pela Ré, nomeadamente as que constam dos pontos 58) a 60) da matéria de facto assente.

8. As aludidas circunstâncias, bem como o estudo económico realizado, foram determinantes da decisão de contratar, ou seja, sem as circunstâncias garantidas e sem o estudo económico que confirmou tratar-se de um bom investimento, o gerente da Autora não tinha contratado.

9. Várias dessas circunstâncias garantidas pela Ré não lograram verificação enquanto a Autora esteve a exercer a sua actividade no BB, como foi o caso, nomeadamente da transferência da Docapesca para o Mercado, a criação do perímetro de protecção de 50Km e o consequente encerramento de todos os mercados abastecedores num raio de 50Km e a construção dos diversos empreendimentos prometidos.

10. Embora concedendo que essas circunstâncias não são de verificação automática, não podia exigir-se à Autora que aguardasse indefinidamente por essa verificação, mantendo em funcionamento um negócio economicamente inviável, sendo que o prazo de dois anos em que a Autora teve o seu estabelecimento a funcionar foi tempo mais do que suficiente para a verificação das aludidas circunstâncias.

11. Assim, a decisão da Autora em contratar foi determinada pela verificação (futura) de um conjunto de circunstâncias que em boa parte não lograram verificação no período de dois anos referido.

12. Assiste à Autora o direito que se arroga à resolução do contrato a efectivar nos termos dos arts. 432° a 436° do Código Civil ex-vi art. 439° do mesmo Código, sendo os efeitos da resolução os que decorrem dos arts. 433° e 434° do Código Civil.

13. Tem a Autora a reaver da Ré os valores que pagou a título de taxa de acesso -21.500.000$00 acrescido de IVA à taxa legal de 17%, do que resulta o valor total de 24.570.000$00 — bem como o valor de 500.000$00 a título de caução (valor total: 25.070.000$00).
O pedido de indemnização no âmbito da resolução contratual com fundamento no erro sobre a base do negócio.

14. Assiste à Autora fundamento factual e legal para as suas pretensões indemnizatórias.

Culpa in contrahendo – art. 227º do Código Civil

15. Nos termos do art. 227°, cada uma das partes é obrigada a comportar-se para com a outra de acordo com os ditames da boa-fé.

16. Contam-se entre os deveres da relação de negociações, nomeadamente, os de informação, lealdade e tutela da confiança, que foram de modo clamoroso incumpridos pela Ré ao não fazer verificar a maioria das circunstâncias garantidas.

17. Foram garantidas pela Ré à Autora um conjunto de circunstâncias com base nas quais esta se decidiu a contratar, outorgando o contrato-promessa dos autos, sendo que grande parte dessas garantias não se vieram a verificar e o negócio revelou-se economicamente inviável, tendo a Autora perdido o interesse (objectivo) no mesmo.

18. No âmbito da situação de confiança criada pela Ré, que garantiu à Autora as circunstâncias que constituíram a base do negócio, esta fez avultados investimentos em equipamentos e materiais, sendo que diversos equipamentos, nomeadamente os de frio, pelas suas elevadas dimensões, serão dificilmente reutilizáveis e/ou adaptáveis noutros locais e outros equipamentos e materiais sofreram desvalorização.

19. Operando a resolução do negócio jurídico com base no instituto do erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, há que imputar à Ré as consequências da não verificação das garantias dadas pela mesma.

20. Entende a Autora que a responsabilidade pré-contratual tem natureza contratual, pelo que a mesma encontra-se sujeita às regras dos artigos 798° e seguintes do Código Civil, sendo-lhe aplicável a regra de incumbir ao devedor a prova da falta de culpa (artigo 799°).

21. A responsabilidade contratual derivada da culpa in contrahendo, resulta de ter sido ofendido o princípio da boa-fé que impõe o respeito pela confiança na situação criada pela Ré e que determinou a Autora a contratar e a efectuar um conjunto de investimentos.


22. A solução da aplicabilidade do regime da responsabilidade contratual, sendo a mais ajustada à ponderação dos interesses em jogo na situação, corresponde, formalmente, ao enquadramento técnico- jurídico respectivo.
No artigo 227° do nosso Código Civil colhe-se o apoio textual necessário para a fundamentação da ideia da existência de vínculos especiais de carácter obrigacional entre os participantes em negociações contratuais. Ora, a responsabilidade nas relações obrigacionais não existe só quando se trata do não cumprimento dos contratos, também se manifesta igualmente por força do incumprimento de obrigações não contratuais.

23. No caso dos autos, uma vez que impende sobre a Ré a presunção de culpa do artigo 799° do Código Civil, que não foi elidida, considera-se haver culpa da Ré na não verificação das garantias prestadas.

24. A culpa na formação dos contratos é uma das fontes da obrigação de indemnização.

25. A obrigação de indemnização existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

26. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

Os danos emergentes.

27. Compreendem-se nos danos emergentes os prejuízos sofridos pela Autora, sendo que estes consistem no valor correspondente à diminuição do seu património, decorrente da não concretização das garantias prestadas.

29. A Autora despendeu a quantia de € 91.296,90 em equipamento de frio, balanças e diversos equipamentos próprios da actividade da Autora, adquiridos especificamente para o estabelecimento instalado no local cedido, os quais foram feitos sob encomenda e à medida das dimensões do espaço, sendo de elevadas dimensões. Dadas as suas especiais características em termos de dimensão, não são facilmente reutilizáveis e/ou adaptáveis em qualquer outro espaço.

30. Dadas as características destes equipamentos e a dificuldade na sua reutilização, de que se infere a inutilização dos mesmos, deve a Autora ser ressarcida da totalidade do valor que despendeu, ou seja, € 91.296,90.

31. Sem conceder, a não se entender assim, deverá a Autora ser indemnizada pelo facto de ter adquirido os supra citados equipamentos para o espaço em causa, sendo os mesmos de difícil utilização e/ou adaptação, pelo valor que vier a ser apurado segundo juízos de equidade.

32. A Autora adquiriu para o estabelecimento em causa dois veículos automóveis, um “chassis” e diverso equipamento, tudo no valor de € 48.426,15.

33. Como a Autora não logrou provar as percentagens de desvalorização dos automóveis, chassis e demais equipamento, tem a Autora de ser ressarcida de parte dos valores de aquisição, a fixar com base em juízos de equidade — art. 566°, n°3, do C. Civil.

34. É de justiça que a Autora seja ressarcida dos danos nesta sede, no valor oportunamente peticionado de € 30.404,54, podendo este valor ser encontrado mediante o recurso aos referidos juízos de equidade, atendendo aos índices de desvalorização normais dos equipamentos (facto notário).

35. Para aquisição e pagamento de parte substancial de todos os equipamentos supra referidos, a Autora contraiu um empréstimo junto da Caixa Económica Montepio Geral, no valor de 19.000.000$00, tendo pago de juros o valor de € 13.161,60, devendo pagar até ao final do contrato, também a título de juros, o remanescente de aproximadamente € 8.774,40.

36. Tal empréstimo foi contraído no pressuposto de que se iriam verificar todas as circunstâncias garantidas pela Ré e que o negócio tinha viabilidade.

37. A Ré é responsável pelo pagamento dos juros pagos pela Autora no âmbito desse financiamento no valor de € 21.936,00, sendo que os mesmos correspondem a um prejuízo pecuniário que a mesma nunca teria sofrido não fora a actuação da Ré.

38. A Autora celebrou ainda com a Caixa Económica Montepio Geral um financiamento do valor de 22.113.000$00 para pagamento à Ré de 90% do valor da taxa de acesso, sendo que no âmbito desse contrato pagou a quantia de € 7.393,23 a título de juros.

39. Também este empréstimo foi contraído no pressuposto de que se iriam verificar todas as circunstâncias garantidas pela Ré e que o negócio tinha viabilidade, bem como para permitir o pagamento da taxa de acesso e consequentemente a realização do negócio.

40. Este contrato foi ainda subscrito pela Ré, como parte outorgante, sendo que a quantia mutuada foi entregue directamente pelo Montepio Geral à Ré.

41. Também os juros pagos pela Autora no âmbito deste contrato de mútuo consubstanciam um prejuízo patrimonial, que a mesma não teria sofrido se não fosse a conduta da Ré, pelo que a Ré deve pagar à Autora o valor de € 7.393,23 relativo aos juros pagos.

Os lucros cessantes

42. De acordo com a ampla matéria de facto assente, extraímos com segurança que a Autora sofreu uma frustração considerável de ganhos.

43. A Autora perspectivava ganhos, nomeadamente pelas garantias dadas pela Ré, pelos avultados investimentos realizados e pelo período de duração do contrato, que dada a conduta da Ré deixou de obter.

44. A fixação desses danos terá de ser efectuada com recurso a juízos de equidade, o que se requer, devendo porém a Ré ser condenada a pagar à Autora o valor oportunamente peticionado de 500.000,00 € que reputamos justo para ressarcimento dos proveitos que não se obtiveram ou outro valor que V. Exas. entendam fixar, nunca inferior ao valor referido.

Resolução com base em incumprimentos contratuais – a perda do interesse.

45. Sem conceder quanto ao enquadramento jurídico efectuado supra – erro sobre a base do negócio e consequente resolução contratual – sempre se dirá que o caso em apreço poderá ser enquadrado numa resolução contratual com base em incumprimentos e perda do interesse objectivo, geradora de incumprimento definitivo.

46. As circunstâncias garantidas pela Autora assumiram a natureza de verdadeiras obrigações contratuais.

47. Se foi decisivo na vontade da Autora contratar a garantia da ocorrência de uma série de circunstâncias, é óbvio e resulta da experiência comum, que para a Autora tais circunstâncias seriam “obrigações contratuais”.

48. Estamos perante um contrato-promessa atípico, porquanto o mesmo não tem regulamentação expressa nem carece de qualquer forma, podendo haver estipulações verbais e estipulações escritas nos termos e em conformidade com o disposto nos arts. 219°, 221° e 222° todos do Código Civil, sendo que mesmo as estipulações verbais anteriores ao contrato são plenamente válidas.

49. O contrato-promessa em crise resultou no documento escrito que estava pré-elaborado pela Ré e num conjunto de condições não escritas.

50. A Autora sempre entendeu e sempre se referiu às circunstâncias garantidas como obrigações contratuais, conforme se pode constatar nas duas cartas que enviou à Ré em 8 de Janeiro de 2003 e 20 de Novembro de 2003.

51. O conjunto de circunstâncias garantidas pela Ré se consubstanciaram a base do negócio numa fase inicial — a fase das negociações – foram erigidas em obrigações contratuais aquando da formalização do negócio através do contrato-promessa dos autos.

52. Se a Ré garantiu à Autora e aliás a outros operadores, nomeadamente, que iria efectuar a gestão do mercado assegurando o seu funcionamento, que seria criado um perímetro de protecção de 50 kms com uma área abrangente de Sines a Leiria, que a Docapesca se transferiria para o BB e que seria a âncora do Mercado, que iriam encerrar os mercadores abastecedores da região de Lisboa, Malveira e Castanheira do Ribatejo, que seria construído no Mercado um conjunto de grandes empreendimentos e que o BB seria frequentado diariamente por um grande número de pessoas e veículos, ficou obrigada a cumprir essas garantias as quais foram convalidadas em verdadeiras obrigações contratuais.

A perda do interesse da Autora

53. Tendo a Ré ficado obrigada contratualmente a fazer verificar um conjunto de circunstâncias, ficou provado que a Ré não logrou fazer cumprir muitas dessas obrigações.

54. Face ao não cumprimento por parte da Ré de grande parte das obrigações pela mesma assumidas, a Autora acabou por ter que fechar o estabelecimento em Agosto de 2002, uma vez que acabou por não facturar mensalmente o que tinha perspectivado, mostrando-se as vendas insuficientes para suportar os custos de exploração do estabelecimento.

55. A Autora tendo efectuado grandes investimentos e tendo diligenciado pela manutenção do negócio, aguardou cerca de quase dois anos pela verificação das circunstâncias garantidas/obrigações contratuais, sendo tal período tempo mais do que suficiente, de acordo com o padrão “homem médio”, para a ocorrência das mesmas.

56. A exigência da manutenção do contrato por mais tempo iria afectar gravemente os princípios da boa fé, uma vez que se estaria a exigir da Autora a manutenção de um negócio que já se havia revelado economicamente inviável.

57. Em consequência directa da conduta da Ré a Autora perdeu o interesse no negócio, nos termos e em conformidade com o disposto no art. 808° do Código Civil.

58. Nos termos do artigo 799° do Código Civil presume-se a culpa da Ré no incumprimento.

59. A perda do interesse objectivo consubstancia uma forma de incumprimento definitivo, que legitima a Autora a resolver o contrato, nos termos do disposto no art. 436° do Código Civil, sendo que a Autora o fez, conforme carta de 20 de Novembro de 2003, sendo válida a declaração de resolução remetida.

Restituição do que foi prestado

60. Em consequência da resolução, tem a Autora a receber tudo o que prestou, nos termos do disposto nos artigos 433° e 434° do Código Civil.

61. Tendo pago à Ré a título de taxa de acesso e de caução o valor total de 25.070.000$00, sendo que nenhuma das quantias foi paga tendo como contrapartida a utilização do espaço, deve a Ré restituir à Autora o referido valor, acrescido de juros à taxa legal desde a citação.

Os danos emergentes e os lucros cessantes

62. A Ré com as garantias que prestou à Autora, as quais não vieram a verificar-se, tem de responder pelos danos que com essa actuação culposamente causou à Autora.

63. Deve a Autora ser ressarcida de todos os valores já supra referidos nos pontos 29 a 41 das presentes conclusões, com a fundamentação neles vertida.

64. Deve também a Autora ser ressarcida dos proveitos que deixou de auferir, conforme exposto nos pontos 42 a 44 das presentes conclusões.

Nulidade das cláusulas 10ªe 11ª do Contrato-promessa

65. As cláusulas 10ª e 11ª do contrato-promessa dos autos são cláusulas contratuais gerais, porquanto o contrato-promessa do qual as mesmas fazem parte encontrava-se pré-elaborado, não podendo a Autora influenciar o conteúdo das mesmas — n°2 do art. 1° do D.L. 446/85 de 25 de Outubro.

66. As cláusulas em apreço excluem de modo directo a responsabilidade por incumprimento, manifestando um intolerável desequilíbrio entre as consequências do incumprimento contratual para cada uma das partes, favorecendo clara e inequivocamente a Ré.

67. Tais cláusulas são em absoluto proibidas — als. b) e c) do art. 18º e art. 15° do citado diploma, sendo nulas.

68. Sem conceder, dir-se-á que o artigo 809° do Código Civil também comina com a nulidade as cláusulas em que o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nos casos de não cumprimento do devedor.

69. A declaração de nulidade das cláusulas 10ª e 11ª importa que as mesmas sejam retiradas do contrato, mantendo-se o mesmo em tudo o mais.

70. Sendo as cláusulas nulas e consequentemente retiradas do contrato, nada existe que seja limitativo ou impeditivo dos quantums restituitórios e indemnizatórios ora pedidos.


Contrato-promessa/contrato definitivo – Nulidade.

71. Sem conceder quanto às conclusões anteriores entendemos que ab initio, ou seja, aquando da assinatura do contrato-promessa dos autos, estamos perante um verdadeiro contrato-promessa em que o objecto do mesmo é a celebração do contrato definitivo.

72. Após a outorga do contrato-promessa as partes puseram em marcha as obrigações decorrentes do mesmo, podendo considerar-se que após a entrega do espaço à Autora (a qual já havia pago a taxa de acesso), o contrato-promessa se transformou num verdadeiro contrato definitivo.

73. O Pavilhão Polivalente não possui licença de utilização, a qual é condição sine qua non para a validade do contrato definitivo.

74. O contrato definitivo é nulo por falta de licenciamento do espaço a que o mesmo se refere.

75. Consequentemente, por virtude dos efeitos da nulidade já acima explanados, para os quais se remete, deverá a Autora ser restituída das quantias entregues no montante total de 25.070.000$00, acrescidas dos respectivos juros legais contados desde a citação.

76. Acresce ao dever de restituir, um dever de indemnizar por parte da Ré, fundado na responsabilidade in contrahendo, por virtude da violação clamorosa dos deveres de informação, lealdade e tutela da confiança que devem existir entre os contraentes.

77. Efectivamente, a actuação da Ré frustrou a confiança da Autora na celebração de um contrato plenamente válido, ao não ter obtido a licença de utilização do Pavilhão Polivalente, onde se situa o espaço cedido a esta.

78. A Ré nem sequer teve o cuidado/diligência de proceder à inscrição matricial dos terrenos, e às actualizações registais devidas e tendo requerido a licença de construção do Pavilhão Polivalente, a qual foi taxada pela Câmara Municipal de Loures, a Ré nunca procedeu ao seu pagamento e consequente levantamento.

79. Assim, aquando da entrega do espaço cedido à Autora e já após a abertura oficial do Mercado, o Pavilhão Polivalente não tinha o licenciamento devido, pelo que a Ré provocou – directamente – a invalidade do contrato definitivo.

80. E a Ré que culposamente provocou a invalidade do contrato terá de responder pelos danos ligados à frustração da confiança da Autora depositada na celebração de um contrato válido.

81. À responsabilidade in contrahendo aplicam-se as regras da responsabilidade contratual, pelo que impende sobre a Ré uma presunção de culpa por virtude do seu incumprimento perpetrado: não diligenciou pela obtenção do licenciamento respectivo — incumbência da Ré, nos termos e em conformidade com o disposto no art. 799º do Código Civil.

82. Pelo que a Autora confiou que iria celebrar um contrato plenamente válido, e actuou em conformidade: efectuou pagamentos avultados a título de taxa de acesso, bem como procedeu a elevados investimentos já factual e amplamente provados.

83. Assim, por virtude da sua actuação culposa, deverá a Ré responder pelos danos que causou à Autora.

84. Deve a Autora ser ressarcida de todos os valores já supra referidos nos pontos 29 a 41 das presentes conclusões, com a fundamentação neles vertida.

85. Deve também a Autora ser ressarcida dos proveitos que deixou de auferir, conforme exposto nos pontos 42 a 44 das presentes conclusões.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, por virtude do supra exposto, deverá ser dado provimento total ao presente recurso, declarando-se procedente por provada a acção, condenando-se a Ré nos pedidos formulados conforme supra exposto, devendo, em consequência ser julgado improcedente, por não provado, o pedido reconvencional formulado pela Ré BB.
***

A Ré, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. A decisão recorrida, ao alterar as respostas dadas aos quesitos supra mencionados, ofendeu normas adjectivas de natureza imperativa,

II. Foi violado o disposto nos artigos 511°, 516°, 688° ex vi do nº3 do 722°, 664° e 264°, todos do Código de Processo Civil, violações essas que constituem nulidades;

III. O Tribunal recorrido ao alterar a matéria de facto, fez posteriormente uma errada aplicação e interpretação da lei substantiva, já de si incorrecta, ao aderir à tese da então Apelante!

IV. Foram assim violados os artigos 264°, 342°, 346°, 362°, 363°, 371°, todos do Código Civil e 664.° do Código de Processo Civil.

V. O Tribunal de 2ª Instância fundamentou a sua decisão contrariando Lei expressa na medida em que decidiu que a Ré, BB-Mercado Abastecedor de Lisboa, S.A., deveria ter conseguido transferir a Docapesca para o pavilhão no BB, e ainda o encerramento dos Mercados Abastecedores da Castanheira do Ribatejo e da Malveira, bem como ter criado um perímetro de protecção (50 km) ao redor do BB — o que constitui ofensa grave a preceitos constitucionais, violando ainda normas constantes do Tratado da Comunidade Europeia, vigentes na ordem jurídica interna.

VI. Tais atribuições eram da exclusiva competência do Governo e não da Ré aqui Recorrente.

VII. A decisão de que agora se recorre viola o Decreto-Lei nº558/99 de 17 de Dezembro que regula o BB-Mercado Abastecedor da Região de Lisboa - sociedade anónima de capitais públicos e subordinada ao direito privado e os Decretos-Leis n.°222/86; Decreto-Lei 93/93; Decreto-Lei n.°1 82/94, Decreto-Lei nº258/95 e o Decreto-Lei nº558/99, violando ainda os artigos 85° e 86° do Tratado da Comunidade Europeia e os artigos 99°, 20°, 8°, 3° e 204° da Constituição da República Portuguesa.

VIII. Constituem todas as questões supra referidas (que não exclusivamente de direito) excepções ao princípio da não apreciação da matéria de facto pelo STJ, nomeadamente por se traduzirem em erro de apreciação e de fixação dos factos materiais pelo tribunal recorrido; em manifesta violação ou ofensa de disposição legal expressa; ao ignorar certa espécie de prova para concluir pela existência do facto; e ainda a força de determinado meio de prova (art. 722° do Código de Processo Civil).

IX. Constituindo igualmente fundamento para a Revista, a violação das regas de repartição do ónus da prova.

X. Tais excepções verificam-se e constituem fundamento para o presente recurso de revista.

XI. Relativamente ao quesito 10º, a Recorrida limitou-se a pedir a rectificação de um erro material e, a correcção da resposta quanto aos destinatários da garantia eventualmente prestada por um interlocutor nas negociações.

XII. O Tribunal Recorrido acedeu às pretensões da Apelada, aqui Recorrida, e foi além das mesmas, e deu também como assente outros factos nunca antes alegados pelas partes, nomeadamente:

a) Os poderes de vinculação do Eng. M... relativamente ao BB;
b) Incluiu na resposta “promessas a todos os operadores”.

XIII. Quanto a este quesito a decisão de que recorre decidiu para além do peticionado, fundamentando-a com factos inexistentes, e para os quais a lei exige determinado meio de prova inexistente nos autos.

XIV. Quanto às respostas dadas aos quesitos 16° e 29° alteradas pela decisão recorrida, as mesmas estão em contradição entre os seus fundamentos e a sua decisão.

XV. Existe matéria de facto provada contrária à decisão proferida pelo tribunal de 2ª instância.

XVI. A decisão de que se recorre pronuncia-se quanto a matéria de facto ou factos inexistentes em sede de matéria assente, violando as regras sobre o ónus de prova.

XVII. No que se refere ao quesito nº22, verifica-se falta de fundamentação da decisão recorrida para as conclusões retiradas, nomeadamente pela inexistência de qualquer nexo de causalidade, e de factos que a sustentem.

XVIII. Verifica-se, ainda, a falta de factos assentes em que se sustentou a decisão, nomeadamente quanto à responsabilização da Ré recorrente pelos factos ocorridos, pois a haver responsabilidade seria da entidade responsável, neste caso, o Estado/Governo e não a Ré.

XIX. Quanto ao quesito nº21: Mercado abastecedor é um conceito de direito não havendo quaisquer factos que permitam qualificar os mercados em causa quanto à sua natureza, concretamente, quanto à Malveira e Castanheira do Ribatejo.

XX. Sendo a matéria provada assente exclusivamente em conceitos, tem de se considerar como não escrita.

XXI. A definição, classificação e licenciamento é feita por via administrativa através das competentes autoridades de direito público, pelo que só por documento autêntico se poderá provar as características do mercado.

XXII. Sendo necessário documento autêntico, não poderá esta questão ser fundamentada em prova testemunhal o que inquina a decisão, nesta parte, de nulidade evidente.

XXIII. Ao alterar a palavra “prometido” por “garantido” sem que tal tenha sido peticionado pela Autora em sede de recurso foi para além, a decisão afora recorrida, dos limites que legalmente estão conferidos assim como tal é, também nesta parte, nula.

XXIV. A decisão recorrida violou as regras do ónus de prova, sua repartição, clarificação, valor e eficácia da prova.

XXV. Não existe qualquer erro nos pressupostos determinantes da celebração do contrato por parte da Recorrida.

XXVI. Mesmo que existisse alguma frustração de expectativas, não são imputáveis à Recorrente.

XXVII. As situações descritas como pretenso fundamento têm consagração legal e como tal não podiam ser desconhecidas pela Autora nem ignoradas pela decisão de que se recorre.

XXVIII. Não houve qualquer incumprimento contratual por parte da Ré aqui Recorrente, sendo certo que as partes não atribuíram relevância aos pressupostos não consignados no contrato, tanto mais que, como consta dos autos, os contratos foram objecto de negociações prévias.

XXIX. Mesmo sendo os pressupostos considerados nunca poderão ser tidos como relevantes — essenciais, ou com a importância suficiente para ser decretada a anulabilidade/resolução do contrato.

XXX. A Ré é uma empresa de capitais públicos subordinada ao direito privado e cujo capital é exclusivamente participado pelos Municípios de Lisboa e Loures, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e SIMAB, como era e é do conhecimento de todos e, como tal, não era associada ao Estado.

XXXI. O perímetro de protecção é uma figura jurídica há mais de 15 anos claramente extinta no ordenamento jurídico (no que respeita aos mercados abastecedores), tendo sido claramente abolida em 1995 (muito antes do inicio das negociações entre os Operados e a BB) por diploma legal, na sequência de toda a legislação comunitária sobre esta questão, por se traduzir numa situação de abuso de posição dominante.

XXXII. Mesmo anteriormente, só poderia ser definido por diploma legal e sempre com carácter transitório – e não o foi – sendo da exclusiva competência do Governo.

XXXIII. Tal tipo de protecção é contrária, não só à lei Portuguesa, como também e essencialmente à Lei Comunitária, por força das regras da concorrência.

XXXIV. Regras essas perfeitamente absorvidas e integradas no direito interno e do conhecimento público, e vigentes.

XXXV. Todas essas normas e questões foram ignoradas na decisão recorrida com manifesta violação, nomeadamente, do art. 8° da CRP, arts. 85° e 86° do Tratado da Comunidade Europeia e art. 3° do CRP, ou seja, com violação do princípio da legalidade.

XXXVI. Sendo a interpretação seguida na decisão recorrida manifestamente ilegal e inconstitucional por violação das citadas normas e preceitos constitucionais.

XXXVII. O pedido reconvencional deverá ser julgado procedente.

XXXVIII. A Decisão recorrida viola todas as citadas disposições legais.

Deve ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a decisão proferida na parte em que julgou a Apelação parcialmente procedente e julgou improcedente a reconvenção.

A Autora contra-alegou, requerendo o desentranhamento dos documentos juntos pela Ré nas suas alegações
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1) Conforme decorre da cláusula 13ª do “Contrato-Promessa” celebrado entre a autora e a ré, que consta de fls. 61 a 79 dos autos, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido, as partes convencionaram que para quaisquer litígios emergentes do aludido contrato, escolhiam como competente o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (cfr. alínea A) da matéria de facto assente);

2) Na sequência de várias operações de marketing e publicidade levadas a cabo pela ré, o sócio-gerente da autora, CC, e a ré acordaram, em 22 de Dezembro de 1999, em assinar um documento que denominaram de “Contrato-Promessa de Utilização de Espaço”, referido em 1) (cfr. alínea B) da matéria de facto assente);

3) Nos termos desse mesmo contrato, a Ré fez consignar, nomeadamente, o seguinte:

a) Que a BB é dona e legítima possuidora de um prédio sito no Lugar do ..., concelho de Loures, onde se desenvolvia a construção de um empreendimento denominado “MERCADO ABASTECEDOR DA REGIÃO DE LISBOA”;

b) Que a BB, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº258/95, de 30 de Setembro, era a entidade responsável pela instalação do aludido mercado, pela sua gestão, funcionamento, fiscalização e exploração de serviços e das partes comuns;

c) Que o referido mercado iria constituir uma universalidade de direito e de facto nele estando integrado um conjunto de instalações, distribuídos de acordo com uma cuidada planificação técnica por diversos pavilhões e entrepostos destinados à actividade de comércio grossista e de outras actividades complementares e por estruturas de outra natureza destinadas a actividades complementares de prestação de serviços;

d) Que à BB competiria elaborar, fazer cumprir e alterar o conjunto de regras que iriam regular a actividade do BB;

e) Que a BB cederia a ocupação desses espaços disponíveis no MERCADO e asseguraria a prestação de serviços de natureza diversa;

f) Que cada um desses espaços não teria autonomia funcional ou individual relativamente ao MERCADO, estando os mesmos sujeitos às limitações e condições das normas de funcionamento do mesmo;

g) Que a BB asseguraria aos operadores uma prestação de serviços remunerada (cf. alínea C) da matéria de facto assente)”.

4) Nos termos do aludido contrato, a ré BB prometeu ceder e garantir a utilização a sociedade a designar pelo referido sócio-gerente da autora CC e este prometeu aceitar para sociedade por si a indicar, tal cedência e utilização do espaço N° R04123, com a área de 121 m2 e escritório com o N° R04023 com a área de 27,7 m2, localizados no Pavilhão com o nº R04 do aludido MERCADO, também denominado Pavilhão Polivalente (cláusula primeira, nº 1, do aludido contrato) – (cfr. alínea D) da matéria de facto assente);

5) Em 16 de Março de 2000, o referido outorgante do contrato-promessa — CC — comunicou à ré que o nome da sociedade designada era AA, Ldª., cfr. documento de fls. 80 a 82 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido – (cfr. alínea E) da matéria de facto assente);

6) Conforme consta do nº3 da cláusula primeira do contrato-promessa em causa, ficou expressamente consignado que o espaço cedido à autora seria para o exercício da actividade de grossista de carnes verdes e derivados – (cfr. alínea F) da matéria de facto assente);

7) Foi convencionado na cláusula segunda, números 1 e 2, nomeadamente, que o contrato definitivo de utilização do espaço, seria celebrado pelo prazo de 12 meses, renováveis automaticamente por iguais períodos de tempo, contados desde a data da entrega do espaço à autora, e por um período máximo de 25 anos, contados da data da inauguração do Mercado – (cfr. alínea G) da matéria de facto assente);

8) Acordaram ainda as partes no nº5 da referida cláusula segunda, que o espaço cedido seria entregue à autora até à data de abertura do mercado, obrigando-se a ré BB, para esse efeito, a notificar a autora por meio de carta registada com aviso de recepção, a enviar com a antecedência mínima de quinze dias – (cfr. alínea H) da matéria de facto assente);

9) De acordo com a cláusula terceira do aludido contrato-promessa celebrado entre a autora e a ré, foi convencionado expressamente entre as partes que o contrato definitivo de cedência do espaço deveria ser celebrado até à data da entrega do mesmo, obrigando-se a ré BB, para o efeito, a notificar a autora do dia, hora e local da outorga do referido contrato definitivo, por meio de carta registada com aviso de recepção, a enviar com a antecedência mínima de quinze dias – (cfr. alínea I) da matéria de facto assente);

10) Como contrapartida da cedência da utilização do referido espaço e serviços a prestar pela ré, a autora pagar-lhe-ia as seguintes quantias:

a) Taxa de acesso no valor global de Esc. 21.000.000$00, acrescido de IVA à taxa legal, devendo o mesmo ser pago através da liquidação de Esc. 2.100.000$00 na data de assinatura do contrato-promessa em apreço e o remanescente de Esc. 18.900.000$00, a liquidar em 4 prestações trimestrais, iguais e sucessivas, até ao dia oito do mês seguinte ao do respectivo trimestre, com início em Janeiro de 2000, sendo a última prestação a ser liquidada com a entrega do espaço;

b) Taxa de utilização no valor de Esc. 300.000$00 por mês, acrescido de IVA à taxa legal, a qual deveria ser paga a partir da data da entrega do espaço – (cfr. alínea J) da matéria de facto assente);

11) Para além dos deveres e das obrigações decorrentes para a BB do contrato-promessa referido, obrigou-se ainda a mesma, especificamente, conforme resulta da cláusula sexta do mesmo, a:
a) Assegurar a gestação e funcionamento do mercado;

b) Garantir a manutenção, fiscalização, segurança e bom estado de conservação das infra-estruturas do MERCADO;

c) Elaborar, implementar e assegurar o bom cumprimento das Normas de Funcionamento do MERCADO;

d) Manter um sistema de informação permanente sobre as actividades do MERCADO, com base, nomeadamente, em elementos fornecidos pelos diversos operadores/utilizadores do MERCADO (cfr. alínea L) da matéria de facto assente);

12) Nos termos da alínea c) do n.º 2 da cláusula 6ª do contrato, a Autora obrigou-se a manter o espaço cedido em actividade nos termos fixados nas Normas de Funcionamento do Mercado e em conformidade com a legislação aplicável ao exercício da respectiva actividade (cfr. alínea M) da matéria de facto assente);

13) De acordo com a cláusula 10ª do aludido contrato, foi convencionado que a BB não poderia, a qualquer título, ser responsabilizada pela diminuição da facturação, redução de clientela ou quaisquer outras questões relativas ao aviamento do utilizador do espaço, não podendo este reclamar da BB qualquer indemnização ou compensação por esse facto – (cfr. alínea N) da matéria de facto assente);

14) Conforme decorre da cláusula 11ª, ficou assente que:

“O incumprimento, por qualquer das partes outorgantes, das obrigações que para elas resultam deste contrato ou do contrato de utilização, não estando o mesmo sanado no prazo de 30 dias após a sua verificação e respectiva notificação, confere à parte não faltosa o direito de resolução dos mesmos, sem que haja lugar a qualquer indemnização ou compensação de qualquer natureza” – (cfr. alínea O) da matéria de facto assente);

15) Por sua vez, no número dois da mesma cláusula consta que:

“No caso de incumprimento das obrigações que para o OPERADOR/UTILIZADOR resultam dos acima referidos contratos, poderá a BB, para além do direito de resolução que lhe assiste, e ouvida a Comissão Consultiva, dispor do respectivo espaço(s) e vedar-lhe o acesso ao MERCADO como operador” - (cfr. alínea P) da matéria de facto assente);

16) O espaço prometido ceder à autora integra-se no Mercado Abastecedor da Região de Lisboa – (cfr. alínea Q) da matéria de facto assente);

17) Este MERCADO está implantado numa área de cerca de 100 hectares aproximadamente e localiza-se no Lugar ..., concelho de Loures, cf.. doc. n°3, junto de fls. 83 a 92, que aqui se dá por integralmente reproduzido – (cfr. alínea R) da matéria de facto assente);

18) O Mercado Abastecedor da Região de Lisboa compõe-se de aproximadamente 16 pavilhões destinados a comércio por grosso de produtos alimentares (carne, produtos lácteos, vinhos, azeite, bacalhau, peixe fresco e congelado e frutas), comércio por grosso de flores e plantas – (cfr. alínea S) da matéria de facto assente);

19) Além dos pavilhões referenciados, o MERCADO possui ainda instalações destinadas a serviços, a restauração, agências bancárias e CTT – (cf. alínea T) da matéria de facto assente);

20) O MERCADO está implantado em duas plataformas complementares:

A plataforma Inferior, designada por Plataforma dos Álamos, onde está situado o sector das frutas e legumes, actividades e serviços, e a Plataforma Superior, ou Plataforma do Rouco, onde se localizam os sectores do pescado, carnes, leite e lacticínios, ovos, flores, “cash & carry” e outras actividades e serviços alimentares (cfr. alínea U) da matéria de facto assente), as quais se encontram divididas por um talude com um grande desnível com mais de 20 metros de altura, que as isola uma da outra – (cfr. alínea V) da matéria de facto assente);

21) A entrada para o MERCADO é feita directamente para a plataforma inferior – (cfr. alínea X) da matéria de facto assente);

22) Cada um dos pavilhões e espaços referidos possui parques de estacionamento com capacidade para centenas de veículos – (cfr. alínea Z) da matéria de facto assente);

23) O BB possui arruamentos de aproximadamente 18 Kms – (cfr. alínea AA) da matéria de facto assente);

24) O Mercado Abastecedor da Região de Lisboa constitui uma unidade comercial integrada, não tendo os respectivos espaços autonomia funcional ou individual relativamente ao mesmo – (cfr. alínea AB) da matéria de facto assente);

25) Decorre da natureza do mesmo e do contrato-promessa referido, que a ré BB se obrigou a efectuar a gestão integrada do MERCADO, prestando serviços aos diversos utilizadores/operadores, nomeadamente de funcionamento, gestão, fiscalização, manutenção e segurança – (cfr. alínea AC) da matéria de facto assente);

26) Decorre do contrato-promessa em causa, que o espaço a ser utilizado pela autora é parte integrante de um dos pavilhões do BB — Pavilhão R04, também conhecido por Pavilhão Polivalente – o qual é composto por 60 espaços (vulgo boxes) cada um deles de composição similar ao do pretendido ceder à autora, destinados a comerciantes grossistas do ramo alimentar (carnes, produtos lácteos, vinhos, azeite, bacalhau e outros produtos alimentares, à excepção do peixe, frutas e legumes) – (cfr. alínea AD) da matéria de facto assente);

27) O Pavilhão Polivalente tem 238 m. de comprimento por 42 m. de largura, possui 6 portas de acesso ao exterior e 8 rampas exteriores para circulação de produtos e pessoas – (cfr. alínea AE) da matéria de facto assente);

28) Houve negociações levadas a cabo pelo sócio-gerente da aqui autora e pela ré tendentes à concretização do negócio – (cfr. alínea AF) da matéria de facto assente);

29) O sócio-gerente da autora manteve com a ré algumas reuniões informativas, no sentido de decidir se face às características de funcionamento de organização do MERCADO lhe interessava a celebração do negócio (cfr. alínea AG) da matéria de facto assente);

30) Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 4, junto de fls. 93 a 120 dos autos (cfr. alínea AH) da matéria de facto assente);

31) Em cumprimento do contrato-promessa celebrado, a ré procedeu à entrega à autora do espaço cuja utilização foi prometida ceder em 8 de Agosto de 2000, ou seja, antes da inauguração oficial do mercado – (cfr. alínea AI) da matéria de facto assente);

32) A autora veio a abrir ao público o estabelecimento que instalou no espaço prometido ceder em Novembro de 2000, o qual veio a encerrar em Agosto de 2002, cessando assim a sua actividade – (cfr. alínea AJ) da matéria de facto assente);

33) Conforme decorre do contrato-promessa celebrado, a ré obrigou-se, como entidade responsável pela instalação do mercado, a efectuar a sua gestão, a garantir o seu funcionamento, fiscalização e exploração de serviços e das partes comuns – (cfr. alínea AL) da matéria de facto assente);

34) Encontra-se contratualmente estabelecido que tais serviços serão prestados à autora, mediante o pagamento de uma contraprestação – a taxa de utilização – (cfr. alínea AM) da matéria de facto assente);

35) A ré criou uma portagem de acesso ao MERCADO, no montante de € 1,00 – (cfr. alínea AN) da matéria de facto assente);

36) Em 2 de Julho de 2001 foi pela ré comunicado à autora (e aos demais operadores do Pavilhão Polivalente) que os operadores ficavam isentos da obrigação de pagamento das taxas de utilização até 31 de Dezembro de 2001 – (cfr. alínea AO) da matéria de facto assente);

37) A isenção veio a ser protelada pela ré até Dezembro de 2002, altura na qual veio a solicitar o pagamento das taxas de utilização, com início em 1 de Janeiro de 2003 – (cfr. alínea AP) da matéria de facto assente);

38) Em resposta a tal solicitação, veio a autora a comunicar à ré que não procederia ao pagamento das aludidas taxas de utilização, atentos os incumprimentos desta – (cfr. alínea AQ) da matéria de facto assente);

39) O BB encontra-se implantado num conjunto de 4 terrenos, todos propriedade da ré, a saber:

a) Prédio rústico, sito em Funchal, ou Almarjão, freguesia de São Julião do Tojal, com a área de 3600 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo 21, da secção D, e descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.° 774;
b) Prédio rústico, denominado «Funchal», sito em Falparro, dita freguesia de São Julião do Tojal, com a área de 62.240 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo 20, da secção D, e descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.° 1116;
c) Prédio rústico, denominado «Alto dos Rangues», sito em São Julião do Tojal, com a área de 12.600 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo 6, da secção F, e descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º 1218; e
d) Prédio misto, sito no Casal do Mirante de S. Pedro, Quintanilha, composto de parte rústica com a área de 933.000 m2, inscrito na matriz sob o artigo 1, Secção E, e parte urbana composto dos seguintes imóveis:
1. Casa abarracada para habitação, com a área de 84 m2, inscrita sob o artigo 100;
2. Casa térrea para habitação, com a área de 36 m2, inscrita sob o artigo 103;
3. Rés-do-chão para habitação, com a área coberta de 54 m2 e telheiro com 15 m2, inscrito sob o artigo 461;
4. Rés-do-chão para habitação, com a área de 92 m2 e inscrito sob o artigo 462;
5. Rés-do-chão para habitação, com a área de 81 m2, inscrito sob o artigo 463;--
6. Rés-do-chão para palheiro e habitação, com a área de 88 m2, inscrito sob o artigo 465;
7. Rés-do-chão para habitação e uma parte em ruínas, com a área de 143 m2, inscrito sob o artigo 464; descrito na referida 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n° 819 (cfr. alínea AR) da matéria de facto assente);

40) Apesar do que se referiu anteriormente, os prédios onde se encontra instalado o BB, continuam a ter a natureza de prédios rústicos, com excepção do referido em último lugar, o qual é de natureza mista, estando os mesmos em total desacordo com as construções existentes – (cfr. alínea AS) da matéria de facto assente);

41) No que concerne ao Pavilhão Polivalente, o mesmo foi objecto de um projecto de construção devidamente aprovado pela Câmara Municipal de Loures, tendo sido emitida a respectiva licença de construção, a qual foi taxada por aquela edilidade, mas que o BB nunca levantou nem pagou – (cfr. alínea AT) da matéria de facto assente);

42) O Pavilhão Polivalente também não possui licença de utilização, nem a poderia ter, dada a falta do pagamento da licença de construção – (cfr. alínea AU) da matéria de facto assente);

43) A autora procedeu à entrega do espaço prometido ceder, remetendo à ré as respectivas chaves – (cfr. alínea AX) da matéria de facto assente);

44) Tal espaço – a box N° R04 123, que incluía o escritório N° R04 023, do Pavilhão Polivalente – foi entregue à autora nas condições descritas no Anexo 1 ao contrato-promessa – (cfr. alínea AAA) da matéria de facto assente);

45) A autora pretendia exercer no espaço em causa, a actividade grossista de carnes verdes e derivados – (cfr. alínea AAB) da matéria de facto assente);

46) Em cumprimento do disposto na cláusula quarta, alínea a) i e ii, do contrato, a autora pagou à ré o valor total acordado de Esc. 21.000.000$00 (vinte e um milhões de escudos), acrescido de IVA à taxa legal, a título de taxa de acesso – (cfr. alínea AAC) da matéria de facto assente);

47) Tal pagamento foi efectuado do seguinte modo:

a) 10% do valor total, ou seja, Esc. 2.100.000$00 acrescido de IVA, pagos na data de assinatura do contrato-promessa;
b) Os restantes 90%, ou seja, Esc. 18.900.000$00 acrescidos do IVA à taxa legal – o que perfaz o valor de Esc. 22.113.000$00 – foram pagos em 4 “tranches”, no valor de Esc. 5.528.280$00 cada, directamente à BB pelo Montepio Geral, ao abrigo do contrato de mútuo celebrado entre a autora, aquela instituição bancária e a ré — cfr. doc. N° 33, que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. alínea AAD) da matéria de facto assente);

48) As prestações referidas no contrato de mútuo são acrescidas de juros, pagos trimestral e postecipadamente – (cfr. alínea AAE) da matéria de facto assente);

49) Em 08/08/2000, a autora pagou ainda à ré a quantia de Esc. 500.000$00, correspondente à caução referida na cláusula quinta, n°s 1, do contrato-promessa – (cfr. alínea AAF) da matéria de facto assente);

50) Conforme decorre da cláusula segunda, n°s 1 e 2, o contrato definitivo de utilização do espaço seria celebrado pelo prazo de doze meses, contados desde a data da sua entrega, renováveis automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo denúncia a ser feita pela autora – (cfr. alínea AAG) da matéria de facto assente);

51) O mesmo teria a duração máxima de 25 anos, a contar da inauguração do MERCADO, não podendo ser denunciado pela ré antes de decorridos os referidos 25 anos – (cfr. alínea AAH) da matéria de facto assente);

52) Realizaram-se negociações entre a autora e a ré previamente à celebração do contrato - (cfr. alínea AAI) da matéria de facto assente);

53) - A autora foi constituída com a finalidade exclusiva de explorar o estabelecimento comercial que pretendia instalar no BB – (cfr. resposta dada ao artigo 1°) da base instrutória);

54) - No dia 22 de Dezembro de 1999, nas instalações da Ré sitas na Rua ..., em Lisboa, o sócio gerente da autora assinou o documento de fls. 61 a 79 dos autos, «Contrato-Promessa de Utilização de Espaço (s)» - cfr. resposta alterada ao artigo 2°) da base instrutória);

55) - O referido contrato encontrava-se pré-elaborado – (cfr. resposta dada ao artigo 6º) da base instrutória);

56) - CC manifestou à ré o seu interesse em proceder à instalação de um estabelecimento comercial grossista de carnes verdes e derivados, no Pavilhão Polivalente, através de sociedade que, para o efeito, constituiria – (cfr. resposta dada ao artigo 8°) da base instrutória);

57) - A autora veio a decidir-se por celebrar o negócio, apresentando, para o efeito, a sua candidatura – (cfr. resposta dada ao artigo 9°) da base instrutória);

58) - Em duas ou três reuniões tidas entre o sócio gerente da autora e o Eng.º M..., numa das quais esteve presente DD e nas demais, EE, foram garantidas ao sócio-gerente da autora as circunstâncias seguintes, também garantidas a outros futuros operadores:

a) A BB, sociedade anónima, iria fazer toda a gestão integrada do MERCADO, prestando aos diversos operadores serviços de diversa natureza inerentes àquela gestão;
b) Que o facto da estrutura accionista ser composta pela SIMAB, Santa Casa da Misericórdia de Loures e Câmara Municipal de Loures e Câmara Municipal de Lisboa, iria possibilitar a extinção dos mercados referidos infra na alínea f) e a existência do perímetro de protecção referido na alínea g) infra;
c) O MERCADO seria um mercado abastecedor ao nível de outros mercados abastecedores de grandes capitais europeias, nomeadamente Madrid e Paris;
d) Estaria em funcionamento 24 horas por dia;
e) Atenta a sua localização e posição estratégica, o MERCADO iria atrair mais de mil empresas, entre grandes e médios grossistas, produtores e empresas de serviços;
f) A construção do BB iria levar ao encerramento dos mercados abastecedores existentes na cidade de Lisboa, nomeadamente do Mercado do Rego, Mercado da 24 de Julho e Mercado do Cais do Sodré e, ainda, de mercados situados na região periférica do BB, nomeadamente o Mercador da Malveira e o de Castanheira do Ribatejo;
g) Envolvia um perímetro de protecção de 50 Kms., com uma área de influência de Sines a Leiria, abrangendo as necessidades de consumo de mais de três milhões de habitantes, que vivem em 59 concelhos e 588 freguesias, atingindo 38% do total da população, a qual deteria cerca de 50% do poder de compra do país;
h) Acessos viários melhorados;
i) A distribuição em Lisboa durante o dia só poderia ser feita por empresas sedeadas no BB;
j) A entrada em funcionamento do BB iria levar a que um grande conjunto de empreendimentos comerciais que funcionavam dentro da capital, se mudassem para o novo mercado, nomeadamente a Docapesca — que abrange praticamente a totalidade dos comerciantes grossistas de pescado de Lisboa — tendo a ré garantido que esta se instalaria no Pavilhão do Pescado e que funcionaria como «âncora» de todo o MERCADO;
k) O MERCADO seria frequentado por cerca de 30.000 pessoas por dia, com uma frequência de viaturas de cerca de 14.000 por dia, sendo o valor global de transacções anual na ordem dos 280 milhões de contos;
l) Além das construções que se encontravam em curso, o BB teria ainda um Hotel, um Campo de Ténis, um Centro Comercial, Espaços Comerciais onde seriam desenvolvidas as actividades de papelarias, tabacarias, pastelarias, lojas de material informático e telecomunicações, um pronto a vestir, cafetarias e empresas de contabilidade e seguradoras;
m) Seria ainda dotado de um Centro de Exposições e Congressos(cfr. resposta alterada ao artigo 10°) da base instrutória);

59) Foi efectuado um “estudo económico” com vista a aquilatar da viabilidade do investimento que o sócio gerente da autora perspectivava efectuar (cfr. resposta dada ao artigo 11°) da base instrutória), tendo chegado à conclusão que se tratava de um bom investimento, pelo que decidiu celebrar o negócio, apresentando a sua candidatura e assinando o contrato-promessa – (cfr. resposta dada ao artigo 12°) da base instrutória);

60) As circunstâncias aludidas em 58) e 59) foram pressupostos da decisão do sócio-gerente da autora em assinar o contrato-promessa em causa – (cfr. resposta dada ao artigo 13°) da base instrutória);

60-A) No Pavilhão Polivalente, onde se situa o espaço cuja utilização foi prometida ceder à Autora, das 60 boxes existentes no mesmo, só estiveram em funcionamento, até á data da propositura da presente acção, entre seis e nove Boxes.
Este Pavilhão, situado na mesma plataforma do pavilhão do pescado, tem cerca de 9.996 metros quadrados de área bruta, com 238 metros de comprimento por 42 de largura e teve, até á data da propositura da presente acção, entre seis e nove operadores a laborar, num total possível de 60.

61) - O pavilhão do pescado, que deveria ser a âncora do mercado, esteve inactivo até finais de 2003, altura em que a Docapesca foi para o BB.
A ré não conseguiu a transferência dos comerciantes da Docapesca para o mercado até finais de 2003.
Este pavilhão do pescado, para onde se previa a transferência dos operadores da Docapesca, tem uma área bruta de 12.926 m2, com 281 metros de comprimento por 46 de largura. (cfr. respostas alteradas aos artigos 16º) e 22º) da base instrutória);

62) Contrariamente ao garantido, não houve a criação de qualquer perímetro de protecção relativamente ao BB e continuam a existir, num raio de 50 kms, os mercados abastecedores da Malveira e da Castanheira do Ribatejo - (cfr. resposta alterada ao artigo 21º) da base instrutória);

63) Os grandes empreendimentos comerciais que a ré publicitou - a saber: o hotel, o centro de exposições e congressos, centro comercial e campo de ténis e espaços comerciais não existem - (cfr. resposta dada ao artigo 23°) da base instrutória);

64) Em vez das garantidas 30.000 pessoas por dia e da frequência diária de cerca de 14.000 viaturas, o Mercado foi visitado, no ano de 2003, por uma média diária de 3901 viaturas e de 8359 pessoas. - (cfr. resposta alterada ao artigo 24°) da base instrutória);

65) A autora acabou por não facturar mensalmente o que tinha perspectivado, mostrando-se as vendas insuficientes para suportar os custos de exploração do estabelecimento – (cfr. respostas dadas aos artigos 33°), 34°) e 35°) da base instrutória);

66) Não foi requerida a inscrição matricial do empreendimento na respectiva Repartição de Finanças, nem o averbamento da construção na respectiva Conservatória do Registo Predial – (cfr. resposta dada ao artigo 43°) da base instrutória);

67) O Pavilhão Polivalente não possui licença de utilização – (cfr. resposta dada ao artigo 44º) da base instrutória);

68) A autora não tem qualquer interesse na continuação do negócio, tendo-se o mesmo tornado inviável sob o ponto de vista económico – (cfr. resposta dada ao artigo 45°) da base instrutória);

69) Para o exercício da actividade referida em 45) no espaço prometido ceder no MERCADO, a autora fez investimentos, adquirindo nomeadamente dois veículos comerciais e um “chassis” equipado com uma caixa frigorífica e aparelho de frio, que se destinavam exclusivamente ao serviço do estabelecimento comercial a instalar no espaço prometido ceder – (cfr. resposta dada ao artigo 46º) da base instrutória);

70) Os dois veículos comerciais e o “chassis” equipado com uma caixa frigorífica e aparelho de frio foram adquiridos por 7.499.832$00, correspondente a € 37.409,00 – (cfr. resposta dada ao artigo 47°) da base instrutória);

71) A autora adquiriu também para o exercício da actividade comercial referida, o seguinte equipamento:
- Uma máquina registadora computorizada;
- Um lava mãos e suporte para papel e balde;
- Diverso mobiliário e equipamento para escritório,
tudo no valor de Esc. 1.477.607$00, correspondente a € 7.370,27 – (cfr. resposta dada ao artigo 48°) da base instrutória);

72) A autora adquiriu uma mesa em inox, 1,9 m. de tubo em inox polido, duas bases duplas, um mata-moscas, 30 carros com ganchos para via aérea, uma secretária, um vestiário triplo, bem como, uma central telefónica e diversos telefones, tudo no valor global de Esc. 731.187$00, correspondente a € 3.647,15 – (cfr. resposta dada ao artigo 49°) da base instrutória);

73) A autora procedeu a investimentos no espaço em bruto que lhe foi prometido ceder, nomeadamente, equipamento de frio, balanças e diversos equipamentos próprios da actividade e necessários para o exercício da mesma, no valor global de 18.303.385$00, correspondente a € 91.296,90 – (cfr. resposta dada ao artigo 50°) da base instrutória);

74) No respeitante ao equipamento de frio, bem como, a equipamentos próprios da actividade e instalados no local, os mesmos foram feitos sob encomenda e à medida das dimensões do espaço – (cfr. resposta dada ao artigo 51°) da base instrutória);

75) Os equipamentos em causa são de elevadas dimensões – (cfr. resposta dada ao artigo 52°) da base instrutória);

76) Tais equipamentos, dadas as suas especiais características em termos de dimensão, não são facilmente utilizáveis e/ou adaptáveis em qualquer outro espaço – (cfr. resposta dada ao artigo 53°) da base instrutória);

77) Para aquisição e pagamento de parte substancial de todos os equipamentos supra referidos, a autora contraiu, em 6 de Setembro de 2000, junto da Caixa Económica Montepio Geral, um empréstimo no valor de 19.000.000$00 – (cfr. resposta dada ao artigo 55°) da base instrutória);

78) A autora paga mensalmente, para amortização desse mesmo empréstimo e juros, aproximadamente, a quantia de € 2.245,14, sendo que, aproximadamente, € 365,60 se referem a juros, durante sessenta meses, com início em 6 de Abril de 2001 (cfr. resposta dada ao artigo 56°) da base instrutória), tendo pago, até ao presente, aproximadamente, a quantia de € 13.161,60, a título de juros, devendo pagar até ao final do contrato, também a título de juros, o remanescente de aproximadamente € 8.774,40 – (cfr. resposta dada ao artigo 57°) da base instrutória);

79) O empréstimo referido prevê o pagamento do capital mutuado em 60 prestações mensais, constantes e sucessivas, no montante de Esc. 368.550$00 cada, tendo-se vencido a primeira prestação (368.550$00) em 8 de Outubro de 2000, tendo sido pagas até ao presente 36 prestações – (cfr. resposta dada ao artigo 58°) da base instrutória);

80) Até ao presente e no âmbito do referido contrato, a autora pagou ao Montepio, a título de juros, a quantia aproximada de € 7.393,23 – (cfr. resposta dada ao artigo 59º) da base instrutória).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber, quanto ao recurso da Ré – e por ele sempre teríamos de começar por razões lógicas já que se prende parte da sua discordância com a forma como a Relação alterou as respostas aos quesitos no contexto do recurso de apelação da Autora.

Assim e, desde logo, cumpre saber se a pretensão da Ré merece atendimento, com vista a partir-se de inquestionável matéria de facto, pretensão que não pode deixar de ser apreciada à luz da competência do Supremo Tribunal de Justiça para apreciar a matéria de facto, julgamento ou reapreciação que, como é consabido, se defronta com severas restrições por o Supremo Tribunal ser um Tribunal de Revista cuja vocação e competência primordiais são a aplicação da Lei aos factos, não sendo uma terceira instância de recurso.

O Supremo Tribunal de Justiça é um Tribunal de revista, pelo que a apreciação da matéria de facto só tem lugar nos casos excepcionais previstos nos arts. 722º e 729º do Código de Processo Civil.

Como ensina Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil” – pág. 217:
“Tanto na apreciação do recurso de revista como no de agravo, o STJ só conhece de questões de direito (art. 26° da LOFTJ).
Não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento; compete-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de primeira e segunda instâncias (arts. 722°, nº2, 729°, nºs l e 2 e 755°, nº2).
Daí dizer-se que o STJ é um tribunal de revista e não um tribunal de 3ª instância (art. 210°, nº5 da C.R.P.)”.

É, pois, manifesto que, quanto ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, não pode este Supremo Tribunal – que só decide, em regra, questões de direito – apreciar tal matéria.

Não é, também, caso de aplicação do regime excepcional previsto no art. 722º, nº2, do Código de Processo Civil – que legitima a alteração da matéria de facto no contexto do recurso de revista, apenas quando exista ofensa duma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto e ofensa de preceito expresso de lei que fixe a força de determinado meio de prova.

A Ré sustenta que a Relação alterou a resposta ao quesito 10º exorbitando o âmbito do facto indagado.

O quesito 10º, a fls. 283 – de que só transcreveremos a parte censurada – expressa:

As circunstâncias garantidas ao sócio gerente da Autora e a todos os eventuais futuros operadores e com base nas quais este se decidiu a celebrar o negócio, foram nomeadamente as seguintes…?”.

A 1ª instância respondeu – fls. 765 – “Provado que em duas ou três reuniões tidas entre o sócio-gerente da autora o Engenheiro M...o, nas quais estiveram presentes DD e EE, foram “garantidas” ao sócio gerente da autora as circunstâncias aludidas de a) a m) do presente quesito”. – destaque e sublinhados nossos.
No seu recurso relativo à matéria de facto, a Autora pretendeu que se rectificasse o nome do seu sócio-gerente que não é o Engenheiro M... e, ainda, que se considerasse provado que as mesmas circunstâncias referidas no quesito foram garantidas a outros futuros operadores.

A Relação a fls. 1413, além do mais, decidiu:

“…Julga-se que nunca esteve em causa que em toda a sua intervenção, com a ora autora e com outros operadores, o referido Engº M... sempre procedeu na qualidade de colaborador, e de colaborador qualificado – seria director comercial – da Ré, não podendo deixar de ser imputados a esta os resultados da sua actividade…Assim, independentemente de saber se a resposta ora questionada contém algum erro de escrita, julga-se que deve ser considerado assente que as garantias referidas na resposta dada ao referido quesito 10° foram dadas ao gerente da Autora pelo Engº M... no âmbito das negociações e da prestação de informações que culminaram na assinatura do contrato, portanto em representação da Ré, e vinculando esta.
Posto isto, também está seguramente provado que as circunstâncias em causa também foram garantidas a outros futuros operadores, designadamente aos dois referidos pela apelante. A redacção da resposta a este artigo deverá, pois, ser ajustada em conformidade com o exposto, assistindo, nesta parte, razão à apelante. – [destaque nosso].

A resposta foi alterada ficando com a seguinte redacção:

“Em duas ou três reuniões tidas entre o sócio gerente da autora e o Eng. M..., numa das quais esteve presente DD e nas demais, EE, foram garantidas ao sócio-gerente da autora as circunstâncias seguintes, também garantidas a outros futuros operadores…”. [destaque e sublinhados nossos].

Com o devido respeito, o ter a Relação considerado na fundamentação que o Eng. M... representava a Ré é uma questão de convicção probatória, em face da reapreciação da prova gravada, não sendo de todo essencial que a qualidade de representante da Ré tivesse de ser feita documentalmente; ademais se a Ré considerava que essa pessoa a não representava deveria ter no momento em que ela se identificou, ou ao longo do seu depoimento, suscitado perante o Tribunal de 1ª Instância essa questão de representatividade, pelo que nessa parte não nos parece que as considerações, ademais só constantes da fundamentação, possam considerar-se que exorbitam o âmbito do quesito.

O ter-se acrescentado que as circunstâncias constantes das alíneas desse quesito foram “também garantidas a outros futuros operadores…” não merece qualquer censura já que tal expressão constava na formulação do quesito.

A 1ª Instância restringiu a resposta, a 2ª Instância ampliou-a.

Não merece reparo.

Ao invés do que afirma a Ré, a resposta não pode ser interpretada como tais garantidas tendo sido dadas a todos os outros operadores. A resposta não enferma de nulidade nem extravasa o âmbito do quesito, não há excesso na resposta.

Pretende a Ré que não podem manter-se as respostas alteradas pela Relação aos quesitos:

16º - “ O Pavilhão do Pescado, que deveria ser a âncora do mercado, encontra-se completamente inactivo”;
29º -“ O Pavilhão do Pescado, para onde se previa a transferência dos operadores da Docapesca, tem uma área bruta de 12.926 m2, com 281 metros de comprimento por 46 de largura, possuindo estacionamentos para centenas de viaturas e dezenas de cais de embarque, sendo que toda esta estrutura está completamente desactivada e devoluta, não funcionando na mesma qualquer espaço comercial?”;
22º- “A Ré não conseguiu, a transferência dos comerciantes da Docapesca para o Mercado?
21º –“Também contrariamente ao prometido, não houve a criação de qualquer perímetro de protecção relativamente ao BB, pelo que no raio de 50 kms continuam a existir os mesmos mercados abastecedores?”.

Na 1ª Instância mereceram as seguintes respostas:

Quesitos 16º e 22º – “Provado que a Docapesca só foi para o BB em finais de 2003”.
Quesito 29º – “Não Provado.”

Quesito 21º – “Provado que não existem Mercados abastecedores nos concelhos de Lisboa e Loures”.

A Relação alterou conforme itens 61) e 62):

61) –“ O pavilhão do pescado, que deveria ser a âncora do mercado, esteve inactivo até finais de 2003, altura em que a Docapesca foi para o BB.
A ré não conseguiu a transferência dos comerciantes da Docapesca para o mercado até finais de 2003.
Este pavilhão do pescado, para onde se previa a transferência dos operadores da Docapesca, tem uma área bruta de 12.926 m2, com 281 metros de comprimento por 46 de largura” – (cfr. respostas alteradas aos artigos 16º) e 22º) da base instrutória);

62) “Contrariamente ao garantido, não houve a criação de qualquer perímetro de protecção relativamente ao BB e continuam a existir, num raio de 50 kms, os mercados abastecedores da Malveira e da Castanheira do Ribatejo” – (cfr. resposta alterada ao artigo 21°) da base instrutória).

A Relação, na resposta ao quesito 21º substituiu a palavra “prometido”, que constava na formulação do quesito, pela palavra “garantido”.

Aqui, com o devido respeito, exorbitou porquanto nem a Autora alegara que a Ré “garantira”.

Alegou sim –“Também contrariamente ao prometido…”.

Não pode manter-se tal resposta.

Não é lícito ao Tribunal responder além do que é indagado, sob pena de violar o princípio do dispositivo e incorrer em nulidade.

Assim, neste ponto, a Ré tem razão, mantendo-se na resposta ao quesito 21º a palavra “prometido” – “Contrariamente ao prometido…”.

Quanto ao mais, de modo algum cabe na competência Supremo Tribunal sindicar as respostas, pois não ocorrem os pressupostos a que aludem os arts. 722º, nº2, e 729 º do Código de Processo Civil.

O Tribunal da Relação ante a apreciação da prova testemunhal alcançou diferente convicção probatória, acerca daqueles pontos da matéria de facto e fê-lo no âmbito da sua competência como instância que aprecia a matéria de facto.

Não pode este Tribunal alterar as respostas, para lá do decidido acerca da resposta ao quesito 21º – item 62) dos factos provados.

A questão colocada sobre se conceito de direito e logo não quesitável a expressão “mercado abastecedor”, conceito que a lei define no DL. 222/86, de 8.6 – não invalida a formulação e a resposta.

Como se sabe certas palavras ou expressões, podem ser tomadas numa acepção técnico-jurídica e, ao mesmo tempo, a realidade que implicam ser traduzível por palavras tomadas na acepção comum, não jurídica, acessível ao conjunto das pessoas medianamente informadas.

Parece-nos evidente que, quando na resposta ao quesito 21º, se alude a “mercados abastecedores”, não se pretendia indagar senão sobre a acepção comum dessa realidade material, não envolvendo o quesito indagação acerca do conceito jurídico.

As questões suscitadas pela recorrente, em torno das respostas em causa, no que se relaciona com a repartição do ónus probatório e a eficácia probatória das provas, têm que ver com aspectos relacionados com a apreciação do mérito, não sendo sindicáveis por este Tribunal.

Assim, ressalvada a questão referida, mantém-se inalterada a matéria de facto constante do Acórdão recorrido.

Antes de retomarmos o recurso da Ré, apreciaremos o recurso da Autora que, ademais, tem em comum com o recurso da Ré, a questão de saber se se verificam os requisitos contratuais e legais para a Autora ter posto fim ao contrato.

Depois versaremos, na parte não esgotada pela apreciação do recurso da Autora, as questões suscitadas no recurso da Ré.

Do recurso da Autora.

Importa saber.

- se o contrato que celebrou se rege pelas regras que disciplinam os contratos de adesão e, por tal, está sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais [ccg];

- se através do contrato, não enfermando de nulidade todo o seu clausulado, as partes se vincularam preliminar ou definitivamente;

- se os factos evidenciam ter havido erro acerca dos motivos determinantes para que a Autora se vinculasse;

- se houve violação dos deveres de boa-fé pela Ré – culpa in contrahendo;

- se existe fundamento para a resolução do contrato com base em incumprimento contratual da Ré.

- se as cláusulas 10ª e 11ª do contrato são nulas;

- quais os danos emergentes da alegada violação do contrato e o “quantum” indemnizável.

Antes de mais, importa dizer que a pretensão de reforma do Acórdão versada nas conclusões 1. a 4. das alegações da Autora – fls. 1554 – foi acolhida na instância recorrida que rectificou por Acórdão, em conferência, o valor da condenação.

O contrato celebrado pelas partes foi apelidado de Contrato-Promessa de Utilização de Espaço.

Trata-se de um contrato atípico, com manifesta afinidade com os usualmente celebrados por lojistas que integram os seus estabelecimentos comerciais(1) em centros comerciais, sendo estes unidades de dimensão maior que os habituais mercados, com uma gestão planificada coenvolvendo a prestação de serviços mediante uma retribuição, que, por não expressar apenas o valor locativo da área ocupada, não se pode considerar um contrato de arrendamento.

No caso em apreço, não obstante as partes considerarem que existiu um contrato-promessa, o certo é que não aguardaram pela celebração do contrato-prometido passando a dar execução ao estipulado, mormente na vertente relacionada com a ocupação e exploração do estabelecimento da Autora, pelo que temos para nós que o contrato, pese embora a referência “Contrato-Promessa”, foi tacitamente aceite como contrato definitivo, já que nem sequer as partes questionam que qualquer delas estivesse em falta para celebrar o contrato prometido.

Ademais, implicita-se que à data da ocupação pela Autora consentida pela Ré, por não estarem regularizados certos aspectos administrativos e burocráticos, a fórmula juridicamente utilizada foi a de celebrar um contrato-promessa.

O Código Civil define no art. 410º, nº1, contrato-promessa nos seguintes termos:

“1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
2. Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.
3. (...)”

“Contrato-promessa – é um acordo prelimi­nar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido.
Mas em si é uma convenção completa, que se dis­tingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro con­trato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo.
Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular con­sistir na emissão de uma declaração negocial.
Trata-se de um “pactum de contrahendo” (Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 6ª ed. -83).
É bilateral se ambas as partes se obrigam a celebrar o contrato definitivo; unilateral se apenas uma das partes se vincula” – (ob. cit., 83-84).

Tratando-se, como ensina o civilista citado, de uma convenção completa, embora distinguível de contrato subsequente é a vontade das partes e a prática adoptada na execução da convenção negocial que alumiarão o caminho para saber se a sua intenção foi de uma vinculação definitiva ou precária.
Cremos que as partes ao darem execução ao contrato, malgrado o “nomem juris” que, como se sabe não vincula o Tribunal, celebraram uma convenção definitiva.

Daí que o que ao diante se dirá parte desta constatação.

A Autora pretende que o clausulado do contrato é todo ele nulo, por se tratar de um contrato de adesão, cujas cláusulas não foram objecto de discussão e, como tal, sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais.

É certo que, como consta dos autos, as Cláusulas estavam pré-impressas mas isso, só por si, não é relevante para considerarmos que as partes subscreveram um contrato de adesão sujeito ao regime das ccg.

Os contratos de adesão, não suprimem, mas restringem de forma severa a liberdade de negociação e de estipulação, por corresponderem a necessidades de contratação massificada, estando, em regra, de um lado empresas de grande envergadura económica – bancos, seguradoras, transportadoras, prestadores de serviços, fornecedores de bens essenciais, etc., e do outro o cidadão consumidor de bens ou serviços.

“O contrato de adesão é uma manifestação fatal da sociedade de massas. O contrato de adesão oferece por outro lado grandes perigos. A parte que predispõe os termos contratuais está naturalmente tentada a considerar muito mais os seus interesses que os do aderente.
Os contratos de adesão costumam ser assim caracterizados por uma defesa exaustiva dos interesses do emitente, e um desinteresse marcado pelo que respeita ao aderente”. _ Oliveira Ascensão – “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. III, pág.364.

Contrato de adesão, é “Aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respec­tivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, 262.

Tais contratos contêm por via de regra – “Cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão” – Galvão Telles, “Direito das Obrigações” – 6ª edição, 75.

Como refere Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 5ª edição, págs. 204/205:

Trata-se, pois, de negociações no âmbito dos fornecimentos massificados, ou em série, de bens ou serviços, que avultam em nossos dias.
O traço comum consiste na referida superação do modelo contratual clássico.
Os clientes subordinam-se a cláusulas, previamente fixadas, de modo geral e abstracto, para uma série indefinida de efectivos e concretos negócios (...).
De qualquer maneira os sucessivos clientes apenas decidem contratar ou não, sem que nenhuma influência pratica exerçam na modelação do conteúdo do negócio”.

Dispõe o artigo 1º, n.º1, do Decreto-lei n.º 446/85, de 25.10.

“As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.”

Neste tipo de contrato, em que não existe uma aceitação particularmente negociada pelo aderente, a lei visa a sua protecção como parte contratualmente mais fraca, assegurando de modo consistente um “dever de informação” por parte do proponente.

Mesmo que o aderente se não inteire, cabalmente, do conteúdo contratual que aceita, a lei protege-o em relação ao proponente.

A propósito, Joaquim de Sousa Ribeiro, in “O Problema do Contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual”, Colecção Teses, Almedina, pág.372. escreve:

“Uma conclusão é segura: mesmo que o aderente não use "de comum diligência" para conhecer as ccg, adequadamente comunicadas pela contraparte, não fica inibido de invocar a sua nulidade substancial, decorrente das normas de proibição.
Inversamente, ao utilizador não aproveita a prova da cognoscibilidade para salvar as suas ccg desse destino, quando elas, dentro embora dos limites gerais de validade, contrariam as proibições específicas dos arts. 15° e segs. só a “prévia negociação individual” (art. 1°) é de molde a produzir esse efeito.
Aquele critério de cognoscibilidade não constitui simultaneamente, como é de regra, um padrão normativo de conduta exigível, nenhuma consequência jurídica desvantajosa sofrendo o aderente pela omissão dessa diligência.
Ela é referida, apenas, como bitola para aferição do cumprimento, pelo utilizador, dos requisitos de inclusão.
A ele cabe propiciar à contraparte a possibilidade de conhecimento das ccg, em termos tais que esta não tenha, para o efeito, que desenvolver mais do que a comum diligência.
Mas, quer essa possibilidade seja, quer não seja, aproveitada, o regime a que as cláusulas são submetidas é exactamente o mesmo, tanto no que diz respeito à sua inclusão, como à sua validade.
A fórmula não tem, pois, um alcance prescritivo em relação ao aderente, visando antes fixar o padrão de comportamento exigível ao utilizador da ccg”. (sublinhámos).

O art. 5º, nºs 1 a 3, do diploma aplicável às ccg, prevê e regula o – “dever de comunicação” – impondo ao proponente o ónus de prova da comunicação adequada e efectiva ao contraente a quem submeta as cláusulas contratuais gerais.

Essa comunicação dever abranger a totalidade das cláusulas e ser feita de modo adequado, e com antecedência compatível com a extensão e complexidade do contrato, de modo a tornar possível o seu conhecimento,completo e efectivo por quem use de comum diligência”.

O art. 6º impõe ao proponente um dever de informação de acordo com as circunstâncias do contrato, ou seja, do seu conteúdo.

O art. 8º a) estabelece sanção para as cláusulas que não tenham sido objecto de comunicação, nos termos do nº5 antes referido, consignando que se consideram excluídas dos contratos singulares.

A al. b) do DL. 446/85, de 25.10 fulmina com a mesma sanção – “As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo”.

Nos termos do art.8º das ccg – “ Consideram-se excluídas dos contratos singulares a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5°; b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo; c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real; d) As clausulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contraentes”.

O art. 6º impõe ao proponente um dever de informação de acordo com as circunstâncias do contrato, ou seja, do seu conteúdo.

Por isso e, desde logo, importa ponderar que o aderente pelo simples facto de o ser não pode prevalecer-se de qualquer omissão do dever de informação cometido ao proponente.

Este deve informar de acordo com o tipo contratual em causa e as circunstâncias da contratação.

Contenderia com as regras da boa-fé exigíveis aos contraentes, mesmo no âmbito de contratos de adesão, se o aderente pudesse sem mais invocar o dever de violação, por mais claro que fosse o clausulado contratual e o ambiente em que negociou.

Para que se considere a existência de um contrato de adesão não é bastante a existência de algumas cláusulas pré-ordenadas pelo oferente; importa que o núcleo essencial modelador do regime jurídico assumido constitua um bloco que se aceita ou repudia, sem qualquer possibilidade de negociação, e que o teor das cláusulas careçam de adequada informação para que o aderente saiba, e pondere se é conforme aos seus interesses subscrever o texto impresso que lhe é proposto.

Dispondo o art. 5º, nº1, do diploma que rege as ccg – “As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las” – e resultando da alegação da Autora que houve negociações, não podemos de modo algum considerar que estamos perante um contrato de adesão sujeito ao regime das ccg.

Provou-se que: “28) Houve negociações levadas a cabo pelo sócio-gerente da aqui autora e pela ré tendentes à concretização do negócio – (cfr. alínea AF) da matéria de facto assente) no sentido de decidir se face às características de funcionamento de organização do MERCADO lhe interessava a celebração do negócio (cfr. alínea AG) da matéria de facto assente); 52) Realizaram-se negociações entre a autora e a ré previamente à celebração do contrato (cfr. alínea AAD da matéria de facto assente); 57) – A autora veio a decidir-se por celebrar o negócio, apresentando, para o efeito, a sua candidatura – (cfr. resposta dada ao artigo 9°) da base instrutória); 58) – Em duas ou três reuniões tidas entre o sócio gerente da autora e o Eng./ M..., numa das quais esteve presente DD e nas demais, EE, foram prometidas ao sócio-gerente da autora as circunstâncias seguintes, também garantidas a outros futuros operadores”.

A Autora, inclusivamente, procedeu a estudos com vista a aquilatar da viabilidade económica do negócio, sinal evidente que estava na posse de informação que recolheu, e que lhe permitiu acautelar os seus interesses em pé de igualdade com a Ré, importando ter em conta a dimensão do projecto empresarial que se destinava a interessar uma multitude de potenciais investidores num Mercado de grande dimensão, enquadrado numa estrutura organizativa e de gestão que, naturalmente, não pode contemplar os interesses de todos e cada um dos interessados em contratar.

Ora, não tendo a Autora ante a proposta de tal contrato, a opção de o aceitar ou rejeitar em bloco não podendo influir no seu conteúdo, por ausência de discussão, não se pode considerar que o contrato, pese embora ter sido apresentado em modelo pré-impresso, é um contrato de adesão.

Compreende-se que a Ré tenha apresentado a sua proposta com base numa minuta que poderia servir e serviu de base aos contratos celebrados, mas o que releva é saber se o pretenso aderente, “in casu”, a Autora teve liberdade para discutir os termos da sua vinculação. Insofismavelmente que teve, daí que não se possa considerar que as cláusulas são nulas por violação do dever de informação.

Sustenta a Ré que as perspectivas do negócio, por culpa da Ré não se verificaram, razão pela qual considera, ora ter havido culpa in contrahendo, ora erro sobre os motivos determinantes da obrigação de contratar.

O Tribunal da Relação de Lisboa considerou esta última hipótese e por aí encaminhou a sua decisão.

Estando as partes obrigadas tanto nos preliminares como na execução dos contratos e mesmo em certos casos após eles (pactum post finitum) a agir de boa-fé, não são estanques as fronteiras entre a culpa in contrahendo e o erro vício de vontade quando ela se forma em desconformidade com a vontade real.

Normalmente, se alguma coisa trai a expectativa de uma parte contraente após a execução do contrato, é porque a montante, na fase negocial, já alguma coisa correu mal.

Dispõe o art. 227º do Código Civil:

“1.Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
2. A responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498º.”.

“A responsabilidade pré-contratual pressupõe uma conduta eticamente censurável, e de forma acentuada, em termos idênticos aos do abuso do direito...” Ac. deste STJ, de 9.2.1999, in CJSTJ, 1999, I, 84.

“I – O instituto da responsabilidade pré-contratual ou pré-negocial ou da culpa in contrahendo fundamenta-se na tutela da confiança do sujeito na correcção, na honestidade, na lisura e na lealdade do comportamento da outra parte, quando tal confiança se reporta a uma conduta juridicamente relevante e capaz de provocar-lhe danos.

II – Em aplicação do princípio da boa fé em que assentam os artigos 239º, 334º, 437º, nº1, e 762º, nº2, do Código Civil, dispõe o nº1 do artigo 227º do mesmo Código que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação, dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar a outra parte...” – Ac. do STJ, de 9.1.1997, in BMJ, 457, 308.

O Professor Menezes Cordeiro, na sua obra, “Da Boa Fé no Direito Civil”, Colecção Teses, depois de referir que a concepção da culpa in contrahendo acolhida no art. 227º do Código Civil encerra os deveres de protecção, de informação e de lealdade, escreve:

Os deveres de protecção obrigam a que, sob pretexto de negociações preliminares, não se inflijam danos à contraparte: danos directos, por um lado, à sua pessoa e bens, embora esta situação, em Portugal, possa ser solucionada pelos esquemas da responsabilidade civil, […]; danos indirectos, por outro, derivados de despesas e outros sacrifícios normais na contratação revestirem, por força do desenvolvimento subsequente do processo negocial, uma característica de anormalidade.

Os deveres de informação adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato.
Tanto podem ser violados por acção, portanto com indicações inexactas, como por omissão, ou seja, pelo silêncio face a elementos que a contraparte tinha interesse objectivo em conhecer. O dolo negocial – art. 253º/1 – implica, de forma automática, a violação dos deveres de informação. Mas não a esgota: pode haver violação que, não justificando a anulação do contrato por dolo, constitua, no entanto, violação culposa do cuidado exigível e, por isso, obrigue a indemnizar por culpa in contrahendo.

Os deveres de lealdade vinculam os negociadores a não assumir comportamentos que se desviem de uma negociação correcta e honesta [...]” (destaque nosso).

O princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem” – Baptista Machado in, RLJ 117-232, [...].

“Toda a conduta, todo o agir ou interagir comunicativo, além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal) desperta nos outros expectativas quanto à futura conduta do agente” e “todo o agir comunicativo implica uma auto-vinculação (uma exigência de fidelidade à pretensão que lhe é inerente), na medida em que desperta nos outros determinadas expectativas quanto a uma conduta futura. Mas esta auto-vinculação não tem que ter em todos os casos a mesma força” (p. 233).

“Do ponto de vista estrito do direito, parece-nos que a tutela da confiança só tem razão de ser quando a conduta contrária à “fides” causar ou for susceptível de causar danos a outrem” – Baptista Machado, in RLJ 117-295.

“Na responsabilidade pré-negocial protege-se a confiança depositada por cada uma das partes na boa-fé da outra e consequentes expectativas quanto à futura celebração do contrato ou à sua validade e eficácia”.

Antunes Varela, in “Direito das Obrigações”, Vol. II, pág. 14, cita a definição que do conceito de boa-fé dá Diez Picado – é um “Arquétipo de conduta social: a lealdade nas relações, o proceder honesto, esmerado, diligente”.

A culpa in contrahendo consagrada normativamente no Código Civil de 1966, coenvolve deveres de protecção, de informação e de lealdade.

Como ensina o Professor Menezes Cordeiro in, “Da Boa-Fé no Código Civil”, Colecção Teses, págs. 583-584:

“A culpa in contrahendo funciona, assim, quando a violação dos deveres de protecção, de informação e de lealdade conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela actividade anterior do violador ou quando essa mesma violação retire às negociações o seu sentido substancial profundo de busca de um consenso na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de normalidade, as partes lhe atribuam”.
“ [...] Não há qualquer motivo para a limitar a negócios consensuais: a lei não faz restrição, não há negociações sujeitas a forma e os negócios solenes exigem, por maioria de razão, negociações sérias e honestas; tão pouco há motivo para eliminar a responsabilidade quando a parte prejudicada tenha conhecimento do evento danoso, salvo, como é natural, quando ela, tendo presentes todas as consequências de tal evento e a sua intensidade, dispense, de modo objectivo, a efectivação de informação ou não integre uma situação de confiança...”.

A culpa in contrahendo pressupõe violação culposa de deveres acessórios de conduta que, muitas vezes, se inscreve no âmbito de condutas abusivas do direito – art. 334º do Código Civil.

Na origem deste dever de indemnizar, com fundamento na culpa in contrahendo, não tem, necessariamente, que estar o incumprimento de uma promessa, de um compromisso, basta que as meras declarações proferidas, no “iter contratual” sejam de molde, se não coerentemente continuadas, a conduzir à ruptura negocial, quando a outra parte, legitimamente, não estivesse a contar com a frustração do processo negocial, mas com a sua conclusão – investimento na confiança.

Como ensina o Professor Baptista Machado, em estudo publicado - “Obra Dispersa” Vol. I, págs.351/352.

Desta “auto vinculação” inerente à nossa conduta comunicativa derivam ao mesmo tempo regras de conduta básicas, também postuladas pelas exigências elementares de uma ordem de convivência e de interacção, que o próprio direito não pode deixar de tutelar, já que sem a sua observância nem essa ordem de convivência nem o direito seriam possíveis.
Donde poderíamos já concluir que as próprias “declarações de ciência” ou o simples dictum (que não chega ser um promissum) podem vincular, quer porque envolvem uma responsabilização pela pretensão de verdade que lhes é inerente, quer pelos efeitos que podem ter sobre a conduta dos outros que acreditam em tais declarações [...].
Do exposto podemos também concluir que o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem.
Assim tem de ser, pois, como vimos, poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens.”

A responsabilidade contratual pressupõe que a parte que rompe as negociações traia as expectativas que legitimamente incutiu na parte com quem negociava, de modo a que frustração do negócio exprima uma indesculpável violação da ética negocial, mormente da protecção da confiança e da prevenção do insucesso.

“A responsabilidade por culpa na formação dos contratos tem natureza contratual e não extracontratual.
A responsabilidade resulta de ter sido ofendido o princípio da boa fé que impõe o respeito pela confiança na situação que uma das partes criou e que determinou a outra parte a um conjunto de despesas em cumprimento da obrigação a que se considerou vinculada” – Ac. deste STJ, de 4.7.1991,in BMJ 409, 743.

Apreciando a questão suscitada pela Autora na perspectiva do erro.

A declaração negocial pressupõe que os sujeitos contratantes representem correctamente, ou seja, de harmonia com a sua vontade livre e esclarecida, a realidade determinante e decisiva para a celebração do contrato.

A declaração de vontade, para ser válida não deve ter sido provocada por “erro”, entendido este como a “ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou interveio entre os motivos da declaração negocial” – Castro Mendes, “Teoria Geral”, 1979, III, 60.

Como ensina Heinrich Hörster, in – “A Parte Geral do Código Civil Português”, pág. 532 – “Por via de regra a vontade e a manifestação da mesma coincidem na declaração negocial.
Mas podem surgir situações em que falte a coincidência entre o substrato volitivo interno e a sua aparência externa.
A vontade que aparece como manifestada não existe como tal”.

A divergência entre a vontade real e a manifestada pode ser intencional ou não intencional.

Casos de divergência intencional são a simulação – art. 240º do Código Civil – a reserva mental – art. 244º – e a declaração não séria, art. 245º – do mesmo diploma.

Por sua vez, a declaração não intencional, pode ser forçada, como é o caso da coacção física – art. 246º do Código Civil – ou ignorada, como são os casos da falta de consciência da declaração – art. 246º – e o erro – art. 247º do citado Código.

O erro que se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do art.247º.

“O erro sobre o objecto é o que recai, ou sobre a identidade deste, ou sobre a sua substância, ou sobre as suas qualidades essenciais” – Rodrigues Bastos, in “Das Relações Jurídicas”, III, pág.100.

No erro que atinge os motivos determinantes do negócio: “O objecto não se identifica neste caso, com os efeitos do negócio, mas com aquilo sobre que versa o negócio.
É o objecto mediato e não objecto imediato ou conteúdo do negócio que está em causa” – “Código Civil Anotado”, de Pires de Lima e Antunes Varela, Volume I, pág. 235.

O Professor Menezes Cordeiro no seu – “Tratado de Direito Civil Português”, Tomo I, págs. 538/539, escreve:

- “O erro relativo ao objecto tem sido prudente e correctamente alargado pela doutrina e pela jurisprudência.
Não está em causa, apenas, a identidade do objecto, as suas qualidades e, particularmente, o seu valor.
Relevam, também as qualidades jurídicas do objecto. Além disso, e numa interpretação correcta e da maior importância o “objecto” abrange, também, o conteúdo do negócio”.

O art. 247º do Código Civil estabelece:

“Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial e anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.”

Comentando este normativo o Professor Menezes Cordeiro, na obra citada, pág. 532, ensina:

“ Para a relevância do erro na declaração, a lei portuguesa apenas exige:

- a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre erro;

- o conhecimento dessa essencialidade, pelo declaratário ou o dever de a conhecer.

A essencialidade permite excluir o erro indiferente e o erro incidental: no primeiro caso, o declarante concluiria o negócio tal como resultou no final; no segundo, conclui-lo-ia igualmente, ainda que com algumas modificações.

A bitola da essencialidade é subjectiva: cada um, determina livremente, os factores que o possam levar a contratar.

O conhecimento da essencialidade do elemento, por parte do declaratário é, também, um dado subjectivo: ou conhece ou não conhece.

Em regra, o conhecimento derivará duma comunicação expressa, todavia, ele poderá advir do conjunto das circunstâncias que rodeiam o negócio.”


Como ensina o Professor Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, pág.505:
– “Erro vício – traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância, se tivesse exacto conhecimento da a realidade, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou. Trata-se, pois, de um erro nos motivos determinantes da vontade.
É seu sinónimo, na terminologia alemã Geral o “erro-motivo”.

Com o devido respeito, entendemos que o erro em causa não assenta sobre o objecto do negócio, este versa sobre as qualidade intrínsecas do bem, das suas qualidades, revestindo essa análise e ponderação – desconformes com a realidade posteriormente conhecida – o factor determinante da decisão contratual.

No erro sobre os motivos determinantes da vontade de contratar há uma vontade que se forma na ignorância acerca de factos que, se ponderados ou conhecidos, não levariam à conclusão do negócio.

No erro-vício, previsto no nº1 do art. 252º do Código Civil, a anulação do negócio só ocorre se as partes houverem reconhecido, por acordo a essencialidade do motivo.

A essencialidade, mesmo se exigida por acordo, pode resultar de factos concludentes, não carece de expressão formal.

No Volume IV de “Estudos em Homenagem ao Professor Inocêncio Galvão Telles”, Paulo Mota Pinto, em estudo intitulado “Requisitos da Relevância do Erro nos Princípios de Direito Europeu dos Contratos e no Código Civil Português” (2)

“...A essencialidade tem de ser encarada sob o aspecto subjectivo do errante, e não sob qualquer outro. Trata-se do carácter determinante do erro, pelo menos como concausa da declaração apreciada subjectivamente e “in concreto” – e não para um declarante razoável ou em abstracto.
A função do requisito da essencialidade é, na verdade, atestar o peso do erro para o declarante, efectuando-se a tutela do declaratário, de acordo com a opção do legislador, não através dela, mas pelo requisito relativo ao declaratário que é a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro”.

Sem dúvida que a Autora se determinou a contratar com base em informações prestadas pela Ré, a promotora da criação do Mercado Abastecedor de Lisboa, uma mega estrutura destinada a abastecer a capital do País até á Zona Centro, propondo um conjunto de elementos que apenas ela “dominava”.

Cita-se dos factos provados:

2) Na sequência de várias operações de marketing e publicidade levadas a cabo pela ré, o sócio-gerente da autora, CC, e a ré acordaram, em 22 de Dezembro de 1999, em assinar um documento que denominaram de “Contrato-Promessa de Utilização de Espaço”, referido em 1) (cf. alínea B) da matéria de facto assente);

3) Nos termos desse mesmo contrato, a Ré fez consignar, nomeadamente, o seguinte:

a) Que a BB é dona e legítima possuidora de um prédio sito no Lugar do Quintanilho, concelho de Loures, onde se desenvolvia a construção de um empreendimento denominado “MERCADO ABASTECEDOR DA REGIÃO DE LISBOA”;

b) Que a BB, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº258/95, de 30 de Setembro, era a entidade responsável pela instalação do aludido mercado, pela sua gestão, funcionamento, fiscalização e exploração de serviços e das partes comuns;

c) Que o referido mercado iria constituir uma universalidade de direito e de facto nele estando integrado um conjunto de instalações, distribuídos de acordo com uma cuidada planificação técnica por diversos pavilhões e entrepostos destinados à actividade de comércio grossista e de outras actividades complementares e por estruturas de outra natureza destinadas a actividades complementares de prestação de serviços;

d) Que à BB competiria elaborar, fazer cumprir e alterar o conjunto de regras que iriam regular a actividade do BB;

e) Que a BB cederia a ocupação desses espaços disponíveis no MERCADO e asseguraria a prestação de serviços de natureza diversa;

f) Que cada um desses espaços não teria autonomia funcional ou individual relativamente ao MERCADO, estando os mesmos sujeitos às limitações e condições das normas de funcionamento do mesmo;

g) Que a BB asseguraria aos operadores uma prestação de serviços remunerada (cf. alínea C) da matéria de facto assente)”.

56) - CC manifestou à ré o seu interesse em proceder à instalação de um estabelecimento comercial grossista de carnes verdes e derivados, no Pavilhão Polivalente, através de sociedade que, para o efeito, constituiria – (cfr. resposta dada ao artigo 8°) da base instrutória);

57) - A autora veio a decidir-se por celebrar o negócio, apresentando, para o efeito, a sua candidatura – (cfr. resposta dada ao artigo 9°) da base instrutória);

58) - Em duas ou três reuniões tidas entre o sócio gerente da autora e o Engº M..., numa das quais esteve presente DD e nas demais, EE, foram garantidas ao sócio-gerente da autora as circunstâncias seguintes, também garantidas a outros futuros operadores:

a) A BB, sociedade anónima, iria fazer toda a gestão integrada do MERCADO, prestando aos diversos operadores serviços de diversa natureza inerentes àquela gestão;
b) Que o facto da estrutura accionista ser composta pela SIMAB, Santa Casa da Misericórdia de Loures e Câmara Municipal de Loures e Câmara Municipal de Lisboa, iria possibilitar a extinção dos mercados referidos infra na alínea f) e a existência do perímetro de protecção referido na alínea g) infra;
c) O MERCADO seria um mercado abastecedor ao nível de outros mercados abastecedores de grandes capitais europeias, nomeadamente Madrid e Paris;
d) Estaria em funcionamento 24 horas por dia;
e) Atenta a sua localização e posição estratégica, o MERCADO iria atrair mais de mil empresas, entre grandes e médios grossistas, produtores e empresas de serviços;
f) A construção do BB iria levar ao encerramento dos mercados abastecedores existentes na cidade de Lisboa, nomeadamente do Mercado do Rego, Mercado da 24 de Julho e Mercado do Cais do Sodré e, ainda, de mercados situados na região periférica do BB, nomeadamente o Mercador da Malveira e o de Castanheira do Ribatejo;
g) Envolvia um perímetro de protecção de 50 Kms., com uma área de influência de Sines a Leiria, abrangendo as necessidades de consumo de mais de três milhões de habitantes, que vivem em 59 concelhos e 588 freguesias, atingindo 38% do total da população, a qual deteria cerca de 50% do poder de compra do país;
h) Acessos viários melhorados;
i) A distribuição em Lisboa durante o dia só poderia ser feita por empresas sedeadas no BB;
j) A entrada em funcionamento do BB iria levar a que um grande conjunto de empreendimentos comerciais que funcionavam dentro da capital, se mudassem para o novo mercado, nomeadamente a Docapesca — que abrange praticamente a totalidade dos comerciantes grossistas de pescado de Lisboa — tendo a ré garantido que esta se instalaria no Pavilhão do Pescado e que funcionaria como «âncora» de todo o MERCADO;
k) O MERCADO seria frequentado por cerca de 30.000 pessoas por dia, com uma frequência de viaturas de cerca de 14.000 por dia, sendo o valor global de transacções anual na ordem dos 280 milhões de contos;
l) Além das construções que se encontravam em curso, o BB teria ainda um Hotel, um Campo de Ténis, um Centro Comercial, Espaços Comerciais onde seriam desenvolvidas as actividades de papelarias, tabacarias, pastelarias, lojas de material informático e telecomunicações, um pronto a vestir, cafetarias e empresas de contabilidade e seguradoras;
m) Seria ainda dotado de um Centro de Exposições e Congressos(cfr. resposta alterada ao artigo 10°) da base instrutória);

59) Foi efectuado um “estudo económico” com vista a aquilatar da viabilidade do investimento que o sócio gerente da autora perspectivava efectuar (cfr.resposta dada ao artigo 11°) da base instrutória), tendo chegado à conclusão que se tratava de um bom investimento, pelo que decidiu celebrar o negócio, apresentando a sua candidatura e assinando o contrato-promessa – (cfr. resposta dada ao artigo 12°) da base instrutória);

60) As circunstâncias aludidas em 58) e 59) foram pressupostos da decisão do sócio-gerente da autora em assinar o contrato-promessa em causa – (cfr. resposta dada ao artigo 13°) da base instrutória);

60-A) No Pavilhão Polivalente, onde se situa o espaço cuja utilização foi prometida ceder à Autora, das 60 boxes existentes no mesmo, só estiveram em funcionamento, até á data da propositura da presente acção, entre seis e nove Boxes.
Este Pavilhão, situado na mesma plataforma do pavilhão do pescado, tem cerca de 9.996 metros quadrados de área bruta, com 238 metros de comprimento por 42 de largura e teve, até á data da propositura da presente acção, entre seis e nove operadores a laborar, num total possível de 60.

61) - O pavilhão do pescado, que deveria ser a âncora do mercado, esteve inactivo até finais de 2003, altura em que a Docapesca foi para o BB.
A ré não conseguiu a transferência dos comerciantes da Docapesca para o mercado até finais de 2003.
Este pavilhão do pescado, para onde se previa a transferência dos operadores da Docapesca, tem uma área bruta de 12.926 m2, com 281 metros de comprimento por 46 de largura. (cfr. respostas alteradas aos artigos 16º) e 22º) da base instrutória);

62) Contrariamente ao prometido, não houve a criação de qualquer perímetro de protecção relativamente ao BB e continuam a existir, num raio de 50 kms, os mercados abastecedores da Malveira e da Castanheira do Ribatejo; - (cfr. resposta alterada ao artigo 21° da base instrutória, neste Supremo);

63) Os grandes empreendimentos comerciais que a ré publicitou – a saber: o hotel, o centro de exposições e congressos, centro comercial e campo de ténis e espaços comerciais não existem – (cfr. resposta dada ao artigo 23°) da base instrutória);

64) Em vez das garantidas 30.000 pessoas por dia e da frequência diária de cerca de 14.000 viaturas, o Mercado foi visitado, no ano de 2003, por uma média diária de 3901 viaturas e de 8359 pessoas. - (cfr. resposta alterada ao artigo 24°) da base instrutória);

65) A autora acabou por não facturar mensalmente o que tinha perspectivado, mostrando-se as vendas insuficientes para suportar os custos de exploração do estabelecimento – (cfr. respostas dadas aos artigos 33°), 34°) e 35°) da base instrutória);

Sustenta a Ré, e com isto abordamos já um dos aspectos do seu recurso, que nunca se poderia ter vinculado – por ser ilegal afrontar as regras da concorrência e não depender de si – o compromisso de criar um perímetro de protecção ao BB de modo a não existirem mercados abastecedores num raio de 50 km, insinuando que com esse fundamento nunca a Autora poderia invocar erro acerca dos motivos de contratar.

Afirma a Ré nas conclusões V a VII das suas alegações:

“V. O Tribunal de 2ª Instância fundamentou a sua decisão contrariando Lei expressa na medida em que decidiu que a Ré, BB-Mercado Abastecedor de Lisboa, S.A., deveria ter conseguido transferir a Docapesca para o pavilhão no BB, e ainda o encerramento dos Mercados Abastecedores da Castanheira do Ribatejo e da Malveira, bem como ter criado um perímetro de protecção (50 km) ao redor do BB — o que constitui ofensa grave a preceitos constitucionais, violando ainda normas constantes do Tratado da Comunidade Europeia, vigentes na ordem jurídica interna.

VI. Tais atribuições eram da exclusiva competência do Governo e não da Ré aqui Recorrente.

VII. A decisão de que agora se recorre viola o Decreto-Lei nº558/99 de 17 de Dezembro que regula o BB-Mercado Abastecedor da Região de Lisboa – sociedade anónima de capitais públicos e subordinada ao direito privado e os Decretos-Leis n.°222/86; Decreto-Lei 93/93; Decreto-Lei n.°1 82/94, Decreto-Lei nº258/95 e o Decreto-Lei nº558/99, violando ainda os artigos 85° e 86° do Tratado da Comunidade Europeia e os artigos 99°, 20°, 8°, 3° e 204° da Constituição da República Portuguesa.”

Com efeito, é certo o que afirma a Ré.

Seria ilegal que se vinculasse a eliminar mercados abastecedores num perímetro de 50 km para favorecer o BB e assim violar as regras de sã concorrência, tal decisão sendo de natureza política excederia a sua competência.

Como afirmam os brocardos latinos – Nemo ad factum praecise cogi potest – ninguém pode ser obrigado a fazer algo. Nemo potest condicere factum – ninguém pode prometer um facto de terceiro.

Mas do que se trata é que, podendo ou não assumir compromissos de tal natureza, a Ré assumiu-os, e tanto mais censuravelmente se estava, como demonstra, ciente de que essa assunção não era legal.

Como consta a propósito da resposta ao quesito 10º – item 58º dos factos provados:

Em duas ou três reuniões tidas entre o sócio gerente da autora e o Engº M..., numa das quais esteve presente DD e nas demais, EE, foram prometidas ao sócio-gerente da autora as circunstâncias seguintes, também prometidas a outros futuros operadores:

a) A BB, sociedade anónima, iria fazer toda a gestão integrada do MERCADO, prestando aos diversos operadores serviços de diversa natureza inerentes àquela gestão;

b) Que o facto da estrutura accionista ser composta pela SIMAB, Santa Casa da Misericórdia de Loures e Câmara Municipal de Loures e Câmara Municipal de Lisboa, iria possibilitar a extinção dos mercados referidos infra na alínea f) e a existência do perímetro de protecção referido na alínea g) infra;

c) O MERCADO seria um mercado abastecedor ao nível de outros mercados abastecedores de grandes capitais europeias, nomeadamente Madrid e Paris;

d) Estaria em funcionamento 24 horas por dia;

e) Atenta a sua localização e posição estratégica, o MERCADO iria atrair mais de mil empresas, entre grandes e médios grossistas, produtores e empresas de serviços;

f) A construção do BB iria levar ao encerramento dos mercados abastecedores existentes na cidade de Lisboa, nomeadamente do Mercado do Rego, Mercado da 24 de Julho e Mercado do Cais do Sodré e, ainda, de mercados situados na região periférica do BB, nomeadamente o Mercador da Malveira e o de Castanheira do Ribatejo;

g) Envolvia um perímetro de protecção de 50 Kms., com uma área de influência de Sines a Leiria, abrangendo as necessidades de consumo de mais de três milhões de habitantes, que vivem em 59 concelhos e 588 freguesias, atingindo 38% do total da população, a qual deteria cerca de 50% do poder de compra do país;

h) Acessos viários melhorados;

i) A distribuição em Lisboa durante o dia só poderia ser feita por empresas sedeadas no BB;

j) A entrada em funcionamento do BB iria levar a que um grande conjunto de empreendimentos comerciais que funcionavam dentro da capital, se mudassem para o novo mercado, nomeadamente a Docapesca — que abrange praticamente a totalidade dos comerciantes grossistas de pescado de Lisboa — tendo a ré garantido que esta se instalaria no Pavilhão do Pescado e que funcionaria como «âncora» de todo o MERCADO;

k) O MERCADO seria frequentado por cerca de 30.000 pessoas por dia, com uma frequência de viaturas de cerca de 14.000 por dia, sendo o valor global de transacções anual na ordem dos 280 milhões de contos;

l) Além das construções que se encontravam em curso, o BB teria ainda um Hotel, um Campo de Ténis, um Centro Comercial, Espaços Comerciais onde seriam desenvolvidas as actividades de papelarias, tabacarias, pastelarias, lojas de material informático e telecomunicações, um pronto a vestir, cafetarias e empresas de contabilidade e seguradoras;

m) Seria ainda dotado de um Centro de Exposições e Congressos”.
(sublinhámos).

Também se provou que – “Contrariamente ao garantido, não houve a criação de qualquer perímetro de protecção relativamente ao BB e continuam a existir, num raio de 50 kms, os mercados abastecedores da Malveira e da Castanheiro do Ribatejo. Os grandes empreendimentos comerciais que a ré publicitou – a saber: o hotel, o centro de exposições e congressos, centro comercial e campo de ténis e espaços comerciais não existem”.

A Ré, nos preliminares do negócio assumiu compromissos que não poderia cumprir, segundo agora repetidamente assinala, e, pese embora terem mediado dois anos de vigência de contrato com a Autora, não implementou medidas que seriam idóneas a satisfazer as legítimas expectativas da Autora.

Brandir com a violação das regras comunitárias da concorrência – arts. 85º e 86º do Tratado da Comunidade Europeia – e arts. 99º, 20º, 8º, 3º e 204º da Constituição da República – é, com o devido respeito, assumir que nos preliminares e na execução do contrato a Ré violou as regras da boa-fé.

Os preceitos do Tratado e da Constituição citados – se violados – foram-no pela actuação da Ré, que nas negociações se deveria ter abstido de prestar informações “aliciantes”, mas de duvidosa exequibilidade, tudo com o fito de conseguir interessados no seu projecto.

Entre os deveres resultantes da chamada “relação de negociações”, a que o art. 227º do Código Civil se refere, conta-se o esclarecimento de certos factos: cada uma das partes pode, segundo a boa fé, esperar a comunicação dos factos que a outra parte deva admitir serem importantes para a sua decisão de contratar e de que por si só não pode obter conhecimento” – Vaz Serra, RLJ, 110-276.

A Ré inobservou deveres acessórios de conduta, entendido o conceito como:

Os que, não respeitando directamente, nem à perfeição, nem à perfeita (correcta) realização da prestação debitória (principal), interessam todavia ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre contraentes que agem honestamente e de boa-fé nas suas relações recíprocas” – José João Abrantes, “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato...”, edição de 1986-42, nota 8.

Como antes dissemos, havendo erro sobre os motivos determinantes da vontade de contratar, ou sobre a base no negócio – art. 252º, nº2, do Código Civil – eles ficaram a dever-se a conduta culposa da Ré que violou os deveres de protecção e informação, induzindo a Autora a contratar nos termos em que o fez.

Quais as consequências da actuação da Ré? Poderia a Autora resolver o contrato?

Antes de mais importa saber da validade das Cláusulas 10ª e 11ª do contrato.

Não se tratando de contrato a que se aplique o regime das ccg apenas cumpre saber se são válidas.

Cláusula 10ª – “A BB não poderá, a qualquer título, ser responsabilizada pela diminuição da facturação, redução da clientela ou sequer questões relativas ao aviamento do OPERADOR/UTILIZADOR, não podendo este reclamar daquela qualquer indemnização ou compensação por esse facto”.

Cláusula 11ª: “O incumprimento, por qualquer das partes outorgantes, das obrigações que para elas resultam deste Contrato de Utilização, não estando o mesmo sanado no prazo de 30 dias após a sua verificação e respectiva notificação, confere à parte não faltosa, direito de resolução dos mesmos, sem que haja lugar a qualquer indemnização ou compensação de qualquer natureza.

No caso de incumprimento das obrigações que para o OPERADOR/UTILIZADOR resultam dos acima referidos contratos, poderá a BB, para além do direito de resolução que lhe assiste, e ouvida a Comissão Consultiva, dispor dos respectivo ESPAÇO(S) e vedar-lhe o acesso ao MERCADO como operador.

“É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes” – art. 280º do Código Civil.

Nos termos do art. 809º do Código Civil:

“É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no nº2 do artigo 800°”.

Esta cláusula impediria a parte cumpridora de pedir indemnização pelos danos causados pelo incumprimento da outra com base no qual resolveu o contrato, implicando uma renúncia antecipada a direitos que a lei contempla.

Estando na base da resolução o incumprimento definitivo do contrato ou a perda do interesse do credor apreciada objectivamente, assim se despoletando a obrigação de indemnizar, seria esvaziar de conteúdo as consequências da resolução se a parte fiel não pudesse responsabilizar a contraparte inadimplente pelas consequências da violação contratual.

O Professor Galvão Telles in “Direito das Obrigações” – 6ª edição – págs. 424-425 – depois de destrinçar as cláusulas limitativas da responsabilidade em caso de incumprimento – que considera válidas – das de irresponsabilidade pura e simples, escreve acerca destas:

“As cláusulas de irresponsabilidade, que se distinguem das referidas no número precedente porque tendem não apenas a limitar mas a excluir a responsabilidade, são, pelo menos em princípio, nulas.
A norma que estabelece o direito à indemnização tem carácter imperativo.
Não pode excluir-se o direito a ser indemnizado em consequência da violação que o devedor cometa do vínculo obrigacional.
O direito à indemnização, depois de adquirido, é, sem dúvida, renunciável.
Mas não se pode renunciá-lo antecipadamente, pois de contrário a obrigação, desde que não fosse susceptível de execução forçada específica, ficaria privada de toda a força coerciva e, em qualquer caso, perderia muito do seu vigor. Assim se dispõe no artigo 809°: “É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no nº 2 do artigo 800°”.
Um dos direitos consignados nas divisões anteriores é precisamente o direito à indemnização, que não poderá portanto ser renunciado antecipadamente, como dissemos.
O que significa, por outras palavras, serem inadmissíveis as cláusulas de irresponsabilidade”. [destaque e sublinhado nossos].

Como se sentenciou no Ac. deste S.T.J. de 26.3.1998, in BMJ 475,664:

“I – Nos termos do artigo 809º do Código Civil, é nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor (os direitos de pedir o cumprimento da obrigação, a indemnização pelo prejuízo, a resolução do negócio e o “commodum” de representação), salvo o disposto no nº 2 do artigo 800º do mesmo Código.
II – Se estes direitos não podem ser renunciados antecipadamente, dúvidas não há que qualquer deles pode ser renunciado depois do não cumprimento ou da mora.”

Concluímos, assim, que a Cláusula 11ª é nula, não impedindo a Autora de, resolvendo o contrato, pedir indemnização pelos prejuízos.

A Autora resolveu o contrato.

O nº2 do art. 252º do Código Civil – erro sobre os motivos – estabelece:

“Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”.

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 236 ensinam:

“No nº2 estabelece-se um regime diferente para o caso de o erro incidir sobre a base do negócio. Há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias (pretéritas), presentes ou futuras) em que as partes fundaram a decisão de contratar”.

Portanto, ao invés do que sustenta a Ré, o erro pode recair sobre falsa representação não só de circunstâncias, anteriores, ou coevas da celebração do contrato, como também de circunstâncias futuras, asserção que visa, sem dúvida, a tutela da confiança de quem investiu na celebração do contrato com um certo conteúdo.

A resolução do contrato implica a restituição ao statu quo ante, tendo, em regra, efeitos retroactivos – arts. 432º, 433º e 434º, nº1, do Código Civil.

Desde logo, a Autora tem direito a reaver da Ré quantia de 25.070.000$00, equivalente em € 125.048,63, que pagou a título de taxa de acesso, IVA incluído e caução, tal como o Acórdão (rectificado) sentenciou.

No recurso a Autora sustenta que deve ser indemnizada pelo facto de ter despendido os valores que indica, em aquisição de equipamentos para o estabelecimento que montou no BB – cfr. itens 69) a 73) – que ascendem a € 139.723,32.

Reclama, ainda, o pagamento da quantia de 19.000.000$00 relativa a empréstimo que contraiu na Caixa Económica do Montepio Geral, bem como o preço dessa amortização em 60 prestações mensais e juros – cfr. itens 77) a 80).

Pede, ainda, a indemnização de € 500.000,00 por lucros cessantes, na vertente do interesse contratual positivo. Sendo a indemnização fundada na resolução do contrato.

Como vimos a Autora pretende que ser indemnizada dos “danos”, aí englobando as despesas que contraiu para se estabelecer no BB.

A obrigação de indemnizar em consequência da resolução do contrato compreende os danos emergentes e os lucros cessantes – arts. 562 e 566º do Código Civil – que tenham com o facto violador do contrato um nexo de causalidade.

Não são assim indemnizáveis todos os danos mas apenas aqueles que, numa estrita relação de causa-efeito, se deverem imputar ao incumprimento.

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – art. 563º do Código Civil.

O art. 563°doCód. Civil consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa de Ennecerus.

“I – Segundo a doutrina da causalidade adequada, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes do mais que, no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e depois, que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo.
II — É necessário que co-envolva matéria de facto (nexo naturalístico: o facto sem o qual o dano não se teria ficado) e matéria de direito (o facto em abstracto ou em geral seja causa adequada do dano).
III — Dentro da causalidade adequada há que aceitar a sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de circunstâncias extraordinárias” – Ac. deste STJ, de 15.4.1993, in CJSTJ, 1993,II-59.

É inquestionável que a Autora teve que fazer investimentos para instalar o seu estabelecimento no Mercado dirigido pela Ré.
Esta, todavia, não assumiu qualquer vinculação jurídica no sentido de garantir à Autora, em qualquer circunstância, uma rentabilidade negocial que implicasse, necessariamente, que a Autora tivesse que despender o que despendeu, ou seja, não assumiu a Ré compromissos, de modo a que a Autora, numa perspectiva de sã negociação, pudesse contar que os investimentos que decidiu por sua conta fazer, tivesse um retorno económico imediato.

Dada a peculiar natureza do contrato e as circunstâncias em que as partes negociaram, temos de considerar que havia um risco, uma certa margem de aleatoriedade para a Autora, ao instalar-se num Mercado que ainda nem sequer estava concluído, em termos logísticos e organizativos, facto que não ignorava.

A Autora aceitou essa margem de risco fazendo investimentos que, possivelmente, só produziriam retorno a mais longo prazo.

Não existe nexo de causalidade entre o investimento em equipamentos, de que a Autora, como dona disporá no futuro, e a violação do contrato.

Por outro lado, a resolução do contrato, in casu, implica indemnização do interesse contratual negativo e não do interesse contratual positivo, pelo que em consequência da resolução a Autora deve ser indemnizada pelo dano “in contrahendo” – interesse contratual negativo – buscando-se a situação que teria se o contrato não tivesse, sequer, sido celebrado.

Assim, apenas é indemnizável o dano de confiança – interesse contratual negativo.

Essa indemnização pode incluir lucros cessantes e danos emergentes, “uma vez feita a demonstração de que, por causa da realização do contrato deixaram de outorgar outro, ou imobilizaram capital que deixaram de aplicar noutra sede, daí resultando perdas de lucros ou vantagens” – cfr. Ac. deste STJ de 23.1.2007, in www.dgsi.pt.

Cremos que no caso dos autos não foi feita essa prova.

Neste entendimento não será a Autora indemnizada daquilo que considera danos emergentes, mas apenas pelo interesse contratual negativo, devendo ser reposta na situação anterior à da celebração do contrato.

Volvendo ao recurso da Ré.

Antes, porém, cumpre decidir se a Ré poderia ter junto com as alegações para este Tribunal os documentos que constituem fls. 1678 a 1682 e certidão de fls. 1683 a 1685.

Aquela é uma certidão emitida pela CML – Divisão de Alvarás – documento datado de 21.8.2007 – referente ao encerramento dos “Mercados Abastecedores do Rego e da Ribeira”… “no dia 1.7.2000 abrindo o BB em 3.7.2000”, onde se declara que “depois do encerramento dos ditos mercados municipais grossistas, não ocorreu o licenciamento de qualquer outro mercado com essas características sob gestão lesta Edilidade… declara-se que o Mercados da Malveira e da Castanheira do Ribatejo, nunca estiveram sob gestão desta Edilidade.”.

A segunda – fls. 1683 a 1685 – emitida, em 13.7.2007 pela CM de Vila Franca de Xira, onde se afirma – “Que, no Mercado Retalhista de Castanheira do Ribatejo, sito na Rua do Mercado, em Castanheira do Ribatejo, se comercializam produtos alimentares a retalho não sendo autorizado qualquer outro tipo de venda”.

Dispõe o art. 727º do Código de Processo Civil – “Com as alegações podem juntar-se documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no nº2 do artigo 722º e no nº2 do artigo 729º”.

Como se decidiu no Acórdão deste S.T.J. de 27.06.2000, in CJSTJ, 2000, II, 130:

“A junção de documentos em recurso só pode destinar-se a provar factos cuja relevância surge apenas com a decisão proferida, e não para provar factos que já antes dessa decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova”.

Ora, como resulta claramente do processo, a Ré poderia ter junto antes tais documentos que se relacionam com o litígio.

Importaria que demonstrasse que os não pôde juntar anteriormente, e que eles se tornaram pertinentes em função do julgamento em 2ª Instância.

Poderiam e deveriam ter sido juntos em fase anterior à da apresentação das alegações de revista.

Assim, ordena-se o desentranhamento de tais documentos e a sua restituição à Ré, condenando-a na multa de 2 Uc’s – arts. 706º, 523º, nº2, 524º e 543º, nº2, do Código de Processo Civil.

Muito do quanto dissemos, mormente, sobre a actuação negocial da Ré e as causas da violação do contrato são pertinentes na apreciação do seu recurso, fundamentação que aqui se convoca.

Importa dizer que as questões de índole processual que coloca, como sejam a de violação das regras do ónus da prova e do valor probatório das provas em que se baseou a decisão da Relação, não merecem acolhimento, porquanto essas questões não cabem no âmbito do recurso de revista – art. 722º, nº1, do Código de Processo Civil.

Sempre se dirá que o Acórdão recorrido não violou tais regras, nem conheceu matéria que lhe fosse defeso conhecer.

No que respeita à violação das regras de concorrência – arts. 85º e 86º do Tratado da Comunidade Europeia e dos artigos 99°, 20°, 8°, 3° e 204° da Constituição da República Portuguesa, reiteramos que foi a Ré quem, no iter negocial que culminou com a celebração do contrato, invocou argumentos que agora considera ilegais e inconstitucionais.

Pelo que, de certo modo, ao suscitar a ilegalidade daquelas normas do Tratado e da Constituição que não ignorava, actua em violação das regras da boa-fé contratual e com manifesto abuso do direito –art. 334º do Código Civil – venire contra factum proprium.

Se não estava na competência da Ré o poder transferir a “Docapesca” para as instalações do BB, nem proceder ao encerramento de Mercados num perímetro de 50 km, como medida de protecção do Mercado, por violação das regras da livre concorrência, então não deveria invocar esses argumentos como relevantes no processo negocial.

Não se ignora a primazia no direito interno, dos Tratados de que Portugal é signatário como membro da União Europeia, mas do que se trata não é discutir a validade dessas normas, mas antes de apreciar o modus negociandi da Ré com a Autora, determinando-a à celebração do contrato, com base nas “promessas” e compromissos que assumiu, mas não deveria ter assumido, por não estar na sua disponibilidade ou competência comprometer-se com decisões que seriam da competência de terceiros.

Isso induziu em erro a Autora e exprime violação das regras da boa-fé – culpa in contrahendo.

Assim, a interpretação acolhida no Acórdão, atento o enquadramento jurídico-factual do objecto do recurso, não violou tais normas nem fez interpretação contrária aos preceitos constitucionais citados.

Improcede, assim, de igual modo, o recurso da Ré.

Decisão:

Nestes termos acorda-se em negar as revistas.

Ordena-se o desentranhamento dos documentos que constituem fls. 1678 a 1682 e fls. 1683 a 1685 e a sua restituição à Ré apresentante, condenando-a na multa de 2 Uc’s – arts. 706º, 523º, nº2, 524º e 543º, nº2, do Código de Processo Civil.

Cada um dos recorrentes, porque sucumbente, suportará as custas do seu recurso.


Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Maio de 2008


Fonseca Ramos.
Cardoso de Albuquerque.
Azevedo Ramos.


______________________________________

(1) Acórdão deste S.T.J. de 28.09.2000 – “ I – O contrato que tem por objecto a instalação de lojistas em centro comercial constitui a figura do "contrato de instalação de lojistas em centro comercial", cujos traços essenciais são: a) Prévia constituição e planeamento de uma organização comercial global pela promotora e a intenção do lojista se integrar nessa organização global. b) Assunção pela promotora, de obrigações (limpeza, recolha de lixo, animação, segurança, promoção, publicidade, etc.) tornando possível o exercício concentrado da actividade comercial da pluralidade dos lojistas. c) Atribuições patrimoniais, como a vizinhança de “lojas âncora" que atraem clientela, criação de zonas de lazer e parques de estacionamento, que nada têm a ver com o gozo da loja propiciado pelo vulgar arrendamento nem com o contrato misto de arrendamento e prestação de serviços, onde não cabem aquelas atribuições patrimoniais…” – CJSTJ, 2000, III, 49.
Os Acs. do S.T.J. de 24-3-1992. do Trib. da Rel. de Lisboa de 22-10-1992 e de 18-3-1993, e do S.T.J. de 26-4-1994, e de 26-4-1994 e de 1-2-1995, que versam sobre esta problemática foram anotados pelo Prof. Antunes Varela na RLJ 128, 368.
(2) Relacionado com o tema, cfr. Estudo do Professor Armindo Ribeiro Mendes – “Os Vícios de Consentimento na Formação do Contrato (Comparação da Regulamentação Constante dos "Princípios dos Contratos Comerciais Internacionais" do Unidroit com acolhida no Código Civil Português)” Themis – Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano I, 2, 205.