Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
93/16.9YRCBR.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REQUISITOS
PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA
COMPRA E VENDA COMERCIAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
SÓCIO
SOCIEDADE COMERCIAL
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
DIREITO INTERNACIONAL
TRÂNSITO EM JULGADO
PRESUNÇÃO
TRIBUNAL ESTRANGEIRO
LEI APLICÁVEL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSOS ESPECIAIS / REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / NORMAS DE CONFLITOS / LEI REGULADORA / OBRIGAÇÕES PROVENIENTES DE NEGÓCIO JURÍDICO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Processos Especiais, volume II, 163.
- Menezes Cordeiro, intervenção no IV Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 22.º, 42.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 4, 663.º, N.º 2, 679.º, 980.º, ALS. B) E F), 983.º, N.º 2.
Sumário :
I - O sistema de revisão de sentenças estrangeiras, estabelecido nos arts. 978.º e ss. do CPC é um sistema que aponta para um reconhecimento facilitado das sentenças estrangeiras, dependente da mera verificação de determinados pressupostos simples, de ordem formal ou quase formal.

II - Não se trata, propriamente, de um exame da sentença revidenda, no sentido em que o tribunal de revisão não aprecia o seu mérito, ou seja, se naquela sentença o julgamento foi ou não acertado.

III - No entanto, existe um limite para este reconhecimento de decisões estrangeiras: a não violação dos princípios de ordem internacional do Estado Português (cfr. art. 22.º do CC).

IV - A ordem pública internacional manifesta-se em concreto, isto é, perante o resultado a que conduza a aplicação do Direito ou da sentença estrangeira: quando os resultados a que se chegue não contundam com os valores substanciais do nosso ordenamento, nada há a dizer.

V - Não afecta os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, para efeitos da al. f) do art. 980.º do CPC, a sentença revidenda proferida por um tribunal brasileiro que, numa ação cuja causa de pedir consistia no incumprimento de um contrato de compra e venda e o pedido no pagamento do respectivo preço, condenou solidariamente os sócios de uma sociedade que havia sido declarada despersonalizada e afastou a ilegitimidade passiva das pessoas singulares, até porque na ordem jurídica interna portuguesa a derrogação do princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que por detrás dela atuam tem sido aceite em diversos casos concretos.

VI - Resultando dos autos que não houve recurso do acórdão que confirmou a sentença revidenda e tendo sido proferido despacho a ordenar o cumprimento do acórdão, uma vez que se presume o trânsito em julgado e impende sobre os réus a elisão dessa presunção – o que não aconteceu –, entende-se como comprovado o requisito previsto na al. b) do art. 980.º do CPC para que a sentença estrangeira seja confirmada.

VII - Apesar de na ação objecto da sentença revidenda serem demandadas pessoas singulares portuguesas, não há fundamento para a recusa da confirmação ao abrigo do disposto no art. 983.º, n.º 2, do CPC (que prevê como fundamento da impugnação que a ação teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português), na medida em que, sendo manifesto que a responsabilização dos réus se baseou na responsabilidade contratual, de acordo com o critério supletivo estabelecido no art. 42.º do CC, inexistindo residência comum entre as partes e não havendo elementos para determinar onde foi celebrado o contrato, não se pode concluir que a lei competente para regular as obrigações provenientes do contrato em causa, assim como a própria substância, seja a lei portuguesa.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Em 2016.05.11, no Tribunal da Relação de Coimbra, AA, S.A., com sede na Estrada Nacional …, C…, T… V…, veio instaurar a presente ação com processo especial de revisão de sentença estrangeira contra BB, CC, DD e EE, todos residentes na Rua de …, nº …, …, C….


Pediu

que fosse revista e confirmada, para produzir efeitos em território nacional, a sentença proferida em 2013.12.17, pela 5ª Vara Cível do Fórum Regional da B… T…, Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que condenou os réus, solidariamente, a pagar à requerente a quantia de 383.680,00 USD, a serem convertidos em moeda nacional no dia do efetivo pagamento em sede de liquidação de sentença pelo câmbio oficial, com juros de 1% ao mês a partir da citação.


Contestando

e em resumo, os réus BB, CC e DD alegaram que

- não estavam preenchidos todos requisitos constantes do art. 980º do Código de Processo Civil para a concessão da revisão;

- dos documentos juntos com a petição inicial não se vislumbrava a certificação de nota de trânsito em julgado da sentença, razão pela qual não se mostrava preenchido o requisito previsto na alínea b) do referido art. 980º;

- também não se mostrava preenchido o requisito a que alude a alínea f) da mesma norma, uma vez que a aludida sentença foi proferida sem que tivessem sido alegados factos susceptíveis de sustentar qualquer responsabilização individual dos sócios e sem qualquer fundamentação factual para a responsabilização dos sócios, ofendendo, dessa forma e manifestamente, os princípios ordem pública internacional do Estado Português, quanto à aplicação da justiça, quanto à garantia da justiça e do direito a decisão justa, quanto à confiança na justiça e quanto ao ónus de alegar factos.

- invocando o disposto no nº2 do artigo 983º do Código de Processo Civil, dizem que a autora e réus são pessoas jurídicas portuguesas, razão pela qual é aplicável a lei portuguesa e esta é mais favorável aos réus;

- na verdade, do ponto de vista adjetivo, beneficiam das garantias consagradas pelos arts. 5º, 552º e 609º do Código de Processo Civil e do ponto de vista substantivo, beneficiam das garantias e limites consagrados nos artigos 79º, 78º e 163º do Código das Sociedades Comerciais e artigo 483º e seguintes Código Civil, sendo que, de acordo com a legislação portuguesa, apenas poderiam ser responsabilizados individualmente por dívidas de uma sociedade comercial pelas seguintes vias: sendo apenas sócios apenas respondem na medida do que houverem recebido da partilha da sociedade - art. 163º do Código das Sociedades Comerciais - e, sendo gerentes, só respondem perante terceiros se houverem procedido com culpa e se demonstrados os restantes requisitos da responsabilidade civil extracontratual – artigos 79º e 78º do Código das Sociedades Comerciais e 483º e seguintes do Código Civil.

Com estes fundamentos, concluem pela improcedência do pedido.


O réu EE, não contestou.


A autora respondeu à oposição apresentada, sustentando a sua improcedência.


Em sede de alegações, o Ministério Público sustentou a revisão da sentença e as partes reafirmaram as posições assumidas nos respectivos articulados.


Em 2016.12.06, foi proferido acórdão na Relação de Coimbra, em que se julgou procedente o pedido da autora, com decisão do seguinte teor:

Pelo exposto, concede-se a revisão à sentença proferida em 17/12/2013, pela 5ª Vara Cível do Fórum Regional da B… T…, Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro – confirmada, em sede de recurso, por decisão de 17/09/2014 da Décima Oitava Câmara Cível do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro – que condenou os aqui Réus (BB, CC, DD e EE) solidariamente, a pagar à Autora (AA, S.A.) a quantia de 383.680,00 USD, a serem convertidos em moeda nacional no dia do efetivo pagamento em sede de liquidação de sentença pelo câmbio oficial, com juros de 1% ao mês a partir da citação e a pagar as custas judiciais e honorários a advogado, fixados em 10% sobre o valor da causa.”


Inconformados, os referidos réus deduziram a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

A recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.


As questões


Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:

A) – Trânsito em julgado da sentença revidenda;

B) - Incompatibilidade da sentença revidenda com os princípios de ordem púbica internacional do Estado Português;

C) – Aplicação do direito material português.


Os factos


São os seguintes os factos que foram dados como provados no acórdão recorrido:

1. A aqui Autora intentou ação na Vara Cível do Fórum Regional da B… T…, Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, contra os aqui Réus e ainda contra FF, Lda e contra GG (todos identificados como tendo o seu domicílio no …, Brasil) invocando a venda de uma série de produtos que havia feito aos Réus e que estes não haviam pago na data do vencimento e pedindo que os mesmos fossem condenados a pagar-lhe o valor devido por tais vendas (383.680,00 USD, a ser convertido aquando da condenação), acrescido de juros a contar do incumprimento contratual. 

2. Os aqui Réus contestaram tal ação (ali se identificando como residentes no Brasil) invocando a sua ilegitimidade em virtude de a dívida exigida ter sido contraída apenas pela 1ª Ré e alegando que a mercadoria em causa estava imprópria para consumo.

3. A Autora replicou, alegando que os Réus eram sócios da 1ª Ré e que esta sociedade já havia sido declarada despersonalizada e inexistente pela Secretaria da Receita Federal, não tendo sido localizada, razão pela qual os sócios deveriam ser responsabilizados.

4. Por sentença proferida em 17/12/2013, pela 5ª Vara Cível do Fórum Regional da B… T…, Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, o pedido da Autora foi julgado procedente, condenando-se os Réus, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de 383.680,00 USD, a serem convertidos em moeda nacional no dia do efetivo pagamento em sede de liquidação de sentença pelo câmbio oficial, com juros de 1% ao mês a partir da citação e a pagar as custas judiciais e honorários a advogado, fixados em 10% sobre o valor da causa.

5. Considerou-se, na fundamentação dessa decisão, dever ser afastada a ilegitimidade passiva das pessoas físicas, na medida em que a pessoa jurídica inicialmente responsável pela obrigação encontrava-se em situação irregular junto à Receita Federal e tão pouco se havia conseguido citar no local indicado pelo seu procurador, razão pela qual seria necessário aplicar a Teoria da Desconsideração da personalidade jurídica para satisfazer o crédito da Autora, em conformidade com o art. 50º do CC.

6. Tal sentença veio a ser confirmada, em sede de recurso, por decisão de 17/09/2014 da Décima Oitava Câmara Cível do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro.

7. Os Réus BB e DD nasceram em Portugal.


Os factos, o direito e o recurso


A) – Trânsito em julgado da sentença revidenda


Nos termos da alínea b) do artigo 980º o Código de Processo Civil, para que a sentença proferida por tribunal estrangeiro seja revista confirmada necessário é, além do mais, “que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida”.


No acórdão recorrido entendeu-se comprovado esse requisito, pois tinha que se presumir esse trânsito, na medida em que nada existe nos autos que “permita concluir que esse trânsito não ocorreu”.


Os recorrentes entendem que “não tendo ficado provado o trânsito em julgado da sentença revidenda, não podia o Tribunal decidir pela confirmação da sentença estrangeira”.


Cremos, no entanto, que não é assim.


Na verdade e ao abrigo do poder /dever que dispõe o Tribunal referido no nº4 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicável ao recurso de revista pelas disposições conjugadas do artigo 679º e 663º, nº2, ambos daquele diploma, verifica-se pelos documentos juntos pela requerente/recorrida, em 2016.09.23, a folhas 414 e 415 destes autos, que não houve recurso do acórdão da 18ª Camara Cível do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, que confirmou a sentença revidenda proferida pelo Tribunal de 1ª Instância - 5ª Vara Cível do Fórum Regional da B… T…, Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro -– e que em 2014.10.02 foram os autos remetidos a este Tribunal, onde, em 2014.11.18, foi proferido despacho em que, além do mais, se ordenou o cumprimento do acórdão.


Daí se presumir o trânsito em julgado, impendendo sobre os réus a elisão dessa presunção, o que não aconteceu – ver, neste sentido, Alberto dos Reis, “in” Processos Espaciais, volume II, página 163.


Posto isto, parece não poder haver dúvidas que tem que se considerar que sentença revidenda transitou em julgado e que, portanto, está preenchido o requisito em causa.


B) - Incompatibilidade da sentença revidenda com os princípios de ordem púbica internacional do Estado Português


Outro pressuposto para a revisão e confirmação de uma sentença estrangeira, previsto na alínea f) do referido artigo 980º, consiste em que esta sentença “não contenha decisão cujo reconhecimento conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.”


No acórdão recorrido entendeu-se “que a sentença em questão está fundamentada – pouco interessa saber agora se bem ou mal – e dá a conhecer as razões pelas quais os Réus foram condenados ao cumprimento de uma obrigação que havia sido contraída pela sociedade de que eram sócios, sem que se detete qualquer incompatibilidade entre o resultado a que conduz a decisão aí proferida e os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (…)” pelo “que a aludida sentença não contém decisão que conduza a resultado incompatível com os princípios da ordem pública internacional e, portanto, tem-se como demonstrado o requisito a que alude a alínea f) do citado art. 980º do Código de Processo Civil”.


Os réus recorrentes entendem que foram violados princípios de ordem pública internacional do Estado Português “quanto à aplicação da justiça, quanto à garantia de justiça e do direito a decisão justo, quanto à confiança da justiça e quanto ao ónus de alegar factos”, na medida em que na sentença revidenda não teriam sido alegados factos consubstanciadores de uma causa de pedir e de um pedido, ela carecia de fundamentação factual, não teria sido respeitado o princípio de que condenação estava limitada na quantidade e no objeto pelo pedido e teria considerado a limitação da responsabilidade das pessoas jurídicas, não sustentado as razões para a responsabilidade individual dos sócios da sociedade ré.


Cremos que também não têm razão.


Antes de mais, atentemos em alguns conceitos sobre a matéria de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras, extraídos de uma intervenção do prof. Menezes Cordeiro proferida no IV Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.


O sistema de revisão de sentença estrangeiras, estabelecido nos artigos 978º e seguintes de Código de Processo Civil, é um sistema que aponta para um reconhecimento facilitado das sentenças estrangeiras, dependente da mera verificação de determinados pressupostos simples, de ordem formal ou quase formal.


Não se trata de um sistema em que o tribunal nacional tenha que examinar o processo estrangeiro no qual foi proferida a sentença revidenda e, achando-a conforme, confirmá-la, dando-lhe o “exequátur”, o que implicaria maior morosidade e, levado até ao fim, inutilizaria a sentença estrangeira, obrigando à repetição de todo o processo, no foro nacional.


Não há, propriamente, um exame da sentença revidenda, no sentido de que o tribunal de revisão não aprecia o seu mérito, ou seja, se naquela sentença o julgamento foi ou não acertado. 


No entanto, existe sempre um limite para esta subserviência perante decisões estrangeiras: a não violação dos princípios de ordem pública internacional do Estado Português.


A ordem pública funcionou, na generalidade dos países, como uma reserva de base doutrinária, imposta pelo sistema e, de algum modo, foi consagrada no artigo 22º do Código Civil Português.


A ordem púbica internacional manifesta-se em concreto, isto é, perante o resultado a que conduza a aplicação do Direito ou da sentença estrangeira.


Assim sendo, não será, em rigor possível dizer de antemão se um certo instituto é contrário à ordem pública internacional: antes há que simular a sua aplicação.


De tudo que ficou dito, parece poder concluir-se que num grande número de casos em que se pede, ao Tribunal, que faça valer a reserva de ordem pública internacional, apenas são agitadas questões de ordem formal.


Quando os resultados a que se chegue não contundam com os valores substanciais do nosso ordenamento, nada há dizer.


Voltemos ao caso concreto em apreço.


Está provado que a autora intentou a ação onde se proferiu a sentença revidenda, para além de outros, contra os aqui recorrentes, invocando como causa de pedir factos relativos a um incumprimento de um contrato de compra e venda e formulando o respectivo pedido – condenação no pagamento do preço da mercadoria vendida.


Os réus foram citados e contestaram, invocado a sua ilegitimidade e alegando que a mercadoria em causa estava imprópria para consumo.


A autora, alegou que os réus eram sócios da aí primeira ré – a sociedade “FF - Comércio e Importação S/A” - e que esta sociedade já havia sido declarada despersonalizada e inexistente pela Secretaria da Receita Federal, não tendo sido localizada, razão pela qual os sócios deveriam ser responsabilizados.


Em 2013.12.17, foi proferida sentença pela 5ª Vara Cível do Fórum Regional da B…T…, Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, em que o pedido da autora foi julgado procedente, condenando-se os réus, solidariamente, a pagar à autora a quantia de 383.680,00 USD, considerando-se, na fundamentação dessa decisão, que devia ser afastada a ilegitimidade passiva das pessoas singulares – entre as quais se encontrava os aqui recorrentes - na medida em que sociedade inicialmente responsável pela obrigação encontrava-se em situação irregular junto à Receita Federal e tão pouco se havia conseguido citar no local indicado pelo seu procurador, razão pela qual seria “necessária a aplicação a Teoria da Desconsideração da personalidade jurídica” para satisfazer o crédito da Autora, em conformidade com o art. 50º do Código Civil Brasileiro.


Como decorre do que acima ficou dito, não se trata aqui de apreciar se a responsabilização dos aqui recorrentes na ação em que foi proferida a sentença revidenda foi correta ou incorreta.


Por isso, a invocação da questão relativa à não alegação de factos que sustentasse a responsabilização individual dos mesmos não tem aqui qualquer cabimento.


De qualquer forma, sempre se dirá que a autora, na resposta à invocação, por parte dos réus, da sua ilegitimidade, invocou a desconsideração da personalidade jurídica da ré sociedade como motivo para a responsabilização dos recorrentes, sendo tal invocação atendida na sentença revidenda.


Sendo certo que na ordem jurídica interna portuguesa, a derrogação do princípio da separação entre a pessoa coletiva e aqueles que por detrás dela atuam tem sido aceite em diversos caso concretos.


Como se disse, se perante tal invocação o tribunal estrangeiro decidiu bem ou mal, não é questão que que possa ser aqui conhecida.


Nestes termos, não vemos como a responsabilização dos recorrentes estabelecida na sentença revidenda pode, em concreto, afetar os princípios de ordem pública internacional, invocados pelos mesmos.


C) – Aplicação do direito material português.


Nos termos do nº2 do artigo 983º do Código de Processo Civil “se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou coletiva de nacionalidade portuguesa, a impugnação pode ainda fundar-se em que o resultado da ação lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa”.


No acórdão recorrido entendeu-se que só se podia por a questão da aplicação desta ordem em relação aos réus A... e J..., uma vez que só em relação a estes estava demonstrada a nacionalidade portuguesa.


E entendeu-se também que segundo as normas de conflitos estabelecidas nos artigos 41º e 42º do Código Civil para a determinação da lei reguladora das obrigações, debruçando-se a sentença revidenda por questão relacionada com responsabilidade contratual dos réus, nada permitia afirmar que a questão posta na sentença revidenda devesse ser resolvida pelo direito material português, uma vez que, não tendo sido determinada a lei competente e não existindo residência comum das partes, se teria que fazer apelo ao lugar da celebração do contrato, que não era conhecido nem sequer tinha sido alegado pelos réus, razão pela qual não seria proceder a impugnação deduzida com base no transcrito nº2 do artigo 983º.


Os recorrentes entendem que a sua condenação na sentença revidenda não se baseou na responsabilidade contratual, mas antes na extracontratual, motivo pelo qual não era aplicável aquele artigo 42º - nomeadamente o seu nº2 – mas antes o nº3 do artigo 45º, nos termos da qual seria o direito material português a ter que ser utlizado para resolver a questão.


Mas é evidente que não foi assim.


Na sentença revidenda e no acórdão do tribunal superior que a confirmou, é manifesto que a responsabilização dos réus se baseou no incumprimento do contrato de compra e venda, dito mercantil, invocado pela autora, considerando a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade ré.


A este respeito, mais uma vez se afirma que não se trata aqui de apreciar se a responsabilização dos aqui recorrentes na ação em que foi proferida a sentença revidenda foi correta ou incorreta.


Trata-se tão só e apenas de apreciar formalmente qual o tipo de responsabilidade que foi invocada na sentença revidenda.


E, como ficou dito, não há dúvida que foi a responsabilidade contratual.


Nestes termos e de acordo com o critério supletivo estabelecido no citado artigo 42º do Código Civil, sendo manifesto não existir residência comum entre as partes e não havendo elementos para determinar onde foi celebrado o contrato, não se pode concluir que a lei competente para regular as obrigações provenientes do contrato em causa, assim como a sua própria substância, seja a lei portuguesa, demonstração essa que competia aos réus.


Por isso e desde logo, estava afastada a aplicação do disposto no transcrito nº 2 do artigo 983º do Código de Processo Civil, como bem se decidiu no acórdão recorrido.




A decisão


Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 27 de Abril de 2017


Oliveira Vasconcelos (Relator)

Fernando Bento

João Trindade