Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17892/12.3T2SNT.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
ALIMENTOS DEVIDOS A FILHOS MENORES
RECURSO DE REVISTA
Data do Acordão: 04/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMILIA / ALIMENTOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS - PROCESSOS ESPECIAIS/ PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 2005.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 619.º, N.º1.
ORGANIZAÇÃO TUTELAR DE MENORES (OTM): - ARTIGO 182.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20-10-2010, PROCESSO N.º 327/08. 3TBENT.E1.S1
-DE 15-05-2012, PROCESSO N.º 2792/08.OTBAMD.L1.S1
-DE 25-06-2012, PROCESSO N.º10102/09.2TCLRS.L1.S1.

Sumário :
I - A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nos processos configuráveis como de jurisdição voluntária cinge-se à apreciação dos critérios normativos de estrita legalidade subjacentes à decisão, de modo a verificar se se encontram preenchidos os pressupostos ou requisitos legalmente exigidos para o decretamento de certa medida ou providência, em aspectos que se não esgotem na formulação de um juízo prudencial ou casuístico, iluminado por considerações de conveniência ou oportunidade a propósito do caso concreto.

II - Estando em causa a determinação do montante da pensão de alimentos ou da forma de prestação (em espécie ou pecuniária), a decisão está sujeita às restrições recursórias da jurisdição voluntária, pois depende da apreciação casuística de uma situação pessoal do obrigado no cotejo com as necessidades do credor, implicando, por isso, a emissão de juízos de equidade e de conveniência.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

AA, ..., residente na Avenida ..., n.º …, ….º …, ..., veio, por apenso ao processo de divórcio, pedir a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor BB, nascido a … de … de …, contra o pai deste, CC, alegando que o regime acordado entre as partes em 1 de Março de 2010, no divórcio apenso, não justifica a obrigação do menor ficar a residir com a mãe em … ou em outro lugar não distante de … mais de 15 Km, pedindo a eliminação dessa restrição, bem como que o requerido pague a título de alimentos para o filho a quantia mensal de € 200,00, pedindo ainda que seja eliminada a cláusula que a obriga a pagar ao requerido € 50,00 mensais, por ter tido uma redução do salário e que todas as despesas passem a ser suportadas por ambos os progenitores.

 Citado, o requerido opôs-se às alterações peticionadas.

Realizada a conferência de pais, em 31 de Outubro de 2012, os progenitores acordaram:

1. O pai estará com o menor quinzenalmente de sexta-feira a terça-feira de manhã indo busca-lo e pô-lo à escola.

2. Na semana em que o menor não está ao fim de semana com o pai, este irá buscar o filho segunda-feira à escola, entregando-o no mesmo local terça-feira de manhã

            E foi decidido provisoriamente que “o pai passará a pagar as despesas de educação e vestuário do menor, as despesas de alimentação serão suportadas por cada progenitor quando o menor esteja com cada um deles, sendo eliminado a comparticipação da requerente com a quantia de € 50,00 mensais”.

Notificados, os progenitores alegaram, mantendo as respectivas posições.

Realizado o julgamento, foi proferida a seguinte decisão:

“Face ao exposto, julgo a ação parcialmente procedente e decido:

1.- Homologar o acordo parcial firmado na conferência de pais, passando a vigorar as seguintes cláusulas:

- O pai estará com o menor quinzenalmente de sexta-feira a terça-feira de manhã indo busca-lo e pô-lo à escola, respetivamente no fim e no início das suas atividades escolares.

- Na semana em que o menor não está ao fim de semana com o pai, este irá buscar o filho segunda-feira à escola, entregando-o no mesmo local terça-feira de manhã.

2. Eliminar o parágrafo único da cláusula terceira do regime originário que estabelece que a requerente deve pagar ao requerido € 50,00 mensais.

3. Aditar a seguinte cláusula:

O pai pagará as despesas de educação e vestuário do menor.

Cada progenitor suportará as despesas de alimentação nos dias em que o menor estiver consigo”.

Desta decisão recorreu a requerente AA para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão proferido a 22 de Maio de 2014, revogou parcialmente a sentença recorrida, decidindo o seguinte:

«Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, alteram a decisão recorrida no seu ponto n.º3, fixando em € 200,00 (duzentos euros) o montante da prestação de alimentos a cargo do requerido, a favor do filho, quantia que deve entregar à mãe até ao dia 8 do mês a que respeita, mantendo no mais a decisão recorrida.

Custas da apelação pela recorrente e recorrido, em partes iguais».

           Inconformado, recorre de revista o réu, solicitando a este Supremo Tribunal de Justiça a revogação do acórdão recorrido e a reposição da sentença do tribunal de 1.ª instância.

A Relatora, entendendo que não podia conhecer do objecto de recurso, notificou as partes para ao abrigo do art. 655.º, n.º 1 do CPC.

Na sequência de novas alegações do recorrente, a Relatora decidiu, por despacho singular, não admitir o recurso.

Notificado deste despacho que não admitiu o recurso, veio o recorrente, CC, nos termos do art. 652.º, n.º3 CPC, requerer que sobre tal matéria recaia acórdão, devendo, por tal, ser admitida a presente reclamação para a conferência, pelos fundamentos exarados a fls. 249 a 257, que aqui se consideram integralmente reproduzidos.

O processo, dada a sua simplicidade, não foi a vistos.

Cumpre decidir.

II

1. Entende o recorrente que a revista interposta assenta unicamente na ausência de qualquer pressuposto processual para a alteração do regime das responsabilidades parentais anteriormente fixado, por acordo, pelos progenitores, devidamente homologado judicialmente e no erro interpretativo do art. 2005.º, n.º 1 do CC quanto à forma de satisfação da obrigação de prestar alimentos pelo progenitor pai, não residente. Afirma o recorrente, «Em suma, tendo sido fixado por acordo dos progenitores, o cumprimento dos alimentos devidos ao menor em espécie, não pode o tribunal, ainda mais em sede de recurso, alterar tal forma de prestação, sob pena de violação do disposto no art. 2005.º, n.º1 CC. O Acórdão em crise, ao estabelecer uma prestação mensal pecuniária a cumprir pelo recorrente, viola o disposto nos arts. 2004.º, 2005.º, n.º 1 e 1905.º CC, pelo que deve ser revogado».

Alega ainda que, «o que se pretende ver reconhecido é saber se, estando estabelecido um regime de regulação de responsabilidades parentais por acordo dos progenitores em processo de divórcio dos mesmos, acordo esse merecedor de sentença homologatória transitada em julgado, e presentada acção de alteração promovida pela progenitora mãe, que veio a ser indeferida por sentença que concluiu pela inverificação de modificações de circunstâncias que justificasse, no que aos alimentos respeita, a alteração pretendida; pode o mesmo regime ser alterado por acórdão da Relação que, em sede de apelação daquele veio a ser interposta, sem curar de se pronunciar sobre a verificação da quele pressuposto processual. É que havendo acordo dos progenitores, como houve, não se verificando condições objectivas da sua revisão, cremos que o Tribunal superior não pode alterar aquele regime assim determinado. O cordão viola ass o disposto no art. 1411.º, n.º 1 CPC (actual 988, n.º1 NCPC), 182.º OTM e 619.º, n.º 1 NCPC). Invoca, ainda, que não se verificando nem um incumprimento do acordo nem se tendo verificado circunstâncias supervenientes, nos termos do art. 182.º da OTM, falta os pressupostos processuais para a actuação do tribunal, o que significa que estamos em plena área vinculada e que esta questão deve ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

2. A propósito da questão da admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos processos de jurisdição voluntária, seguiremos de perto a orientação adoptada no acórdão deste Supremo Tribunal, de 25-06-2012 (processo 10102/09.2TCLRS.L1.S1), relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas.

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nos processos configuráveis como de jurisdição voluntária cinge-se à apreciação dos critérios normativos de estrita legalidade subjacentes à decisão, de modo a verificar se se encontram preenchidos os pressupostos ou requisitos legalmente exigidos para o decretamento de certa medida ou providência, em aspectos que se não esgotem na formulação de um juízo prudencial ou casuístico, iluminado por considerações de conveniência ou oportunidade a propósito do caso concreto.

O Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva ou adjectiva, não pode, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade.

Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação. A lei restringiu a admissibilidade de recurso até à Relação.

A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto estas aplicam a lei estrita. É, nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído.

Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça e, portanto, deste recurso, a apreciação da respectiva verificação; é., pois, admissível o recurso mas com o âmbito assim delineado (cfr. ainda, e v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2010 – 327/08. 3TBENT.E1.S1).

No citado acórdão, de 25-06-2012, foi considerada questão de legalidade a condenação de pai ausente ao pagamento de prestação de alimentos, por se tratar de um dever imposto aos pais pelos artigos 36.º n.º 5 da CRP e 1874.º e 1878.º n.º 1 do CC e 27.º n.º 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança e da Recomendação do Conselho da Europa R (84) 4. Já a questão da quantificação do montante da pensão tem-se entendido ser uma questão de oportunidade ou de conveniência, que pertence exclusivamente às instâncias.

Como, de forma lapidar, julgou o Acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Maio de 2012 (Processo n.º 2792/08.OTBAMD.L1.S1), a recorribilidade, em sede de revista nos processos de jurisdição voluntária, limita-se à área que resulta do cumprimento de um dever/obrigação legal ou, seja do “emergir de critérios de legalidade estrita”.

            Estando em causa a determinação do montante da pensão, esta quantificação depende da apreciação casuística, pelas instâncias, de uma situação pessoal do obrigado, no cotejo com as necessidades do credor e, por isso, implica a emissão de juízos de equidade e de conveniência, estando sujeita às restrições recursórias da jurisdição voluntária.

3. Em face do que ficou dito e da delimitação do âmbito do recurso feito pelo recorrente, restringido à questão de saber se o dever de alimentos a seu cargo se cumpre através de prestações em espécie ou pelo pagamento de um montante mensal de 200 euros, no qual foi condenado pelo acórdão recorrido, temos de concluir que a determinação da forma de prestação de alimentos – em espécie ou em prestações pecuniárias mensais – é uma questão que se rege por critérios de oportunidade e conveniência, tal como a questão da quantificação, consistindo, portanto, numa mera questão de facto que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo.

            Vejamos:

 

            Um acordo homologado por sentença judicial tem o mesmo valor de uma decisão judicial em que há litígio sanado pelo juiz, por sentença reguladora.   

E, nos processos de jurisdição voluntária, estas decisões são revisíveis a todo o tempo, com fundamento no incumprimento do acordo ou da decisão judicial ou em circunstâncias supervenientes ou que não foram alegadas por ignorância das partes. Daí que esta livre revisibilidade das decisões determinada pela lei não contenda com o valor da sentença transitada em julgado (art. 619.º, n.º 1 do NCPC), sendo sempre possível, que, no interesse da criança, as instâncias procedam a uma modificação do regulado.

            Relativamente ao conceito de circunstâncias supervenientes ou ignoradas no momento da decisão inicial, entendeu o acórdão recorrido que bastava, para que estes conceitos se preenchessem, a constatação de que a forma de alimentos em espécie, no quadro temporal (tempo passado por cada um dos pais com os filhos) e material dos pais (rendimentos de cada um), não satisfaz o interesse da criança, a isto se somando o facto de ser a mãe a progenitora residente que assume as orientações educativas relevantes e toma as decisões do dia-a-dia, acabando por assumir a maior parte das despesas.

            A forma como se processou a vida da família, depois do acordo homologado, demonstrou a insuficiência da prestação em espécie.

Por outro lado, a mãe do menor fez o pedido de alteração baseada no facto de ter sofrido reduções salariais, que estão confirmadas pela matéria de facto, onde se verifica que em 2010 auferiu rendimento anual de 14.178,55, tendo sido reembolsada no valor de € 621,87; relativamente a 2011 a requerente declarou ter auferido € 14.079,73 tendo sido reembolsada em 683,36, e em Janeiro de 2013, a requerente auferiu em termos líquidos como remuneração pelo seu trabalho o valor de € 698,12.

           

Os conceitos usados na lei (art. 182.º da OTM) são assim conceitos que, em relação à alteração da pensão de alimentos, remetem, sobretudo, para os factos relativos aos rendimentos dos pais e necessidades das crianças, elementos que constituem matéria de facto da exclusiva competência das instâncias, tal como quando está em causa a quantificação da pensão.

Pelo que decidimos não admitir o recurso.

            III – Decisão

            Pelo exposto, decide-se em conferência, neste Supremo Tribunal de Justiça, indeferir a reclamação.

            Custas pelo recorrente.

Lisboa, 22 de Abril de 2015

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves