Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
581/21.5TXLSB-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: TERESA FÉRIA
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
COVID-19
PERDÃO
PENA DE PRISÃO
ACÓRDÃO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
PRESSUPOSTOS
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 05/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam em Audiência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

I

AA, preso em cumprimento de pena, requer que lhe seja concedida a providência de Habeas Corpus, nos termos do artigo 222º nº 2 b) do C.P.P., por entender encontrar-se ilegalmente preso.

II

Alegando na sua Petição que:

1º - Por Acórdão do juízo Central Criminal …… – Juiz ..., proferido em 7 de Março de 2019 no Processo nº 408/15......., foi o Arguido condenado a UM ANO DE PRISÃO pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto no artº 25º do DL 15/93 de 22/1, decisão essa que viria a ser confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação …… de 13 de Fevereiro de 2020 (cópias dessas decisões anexas ao processo supra referenciado do TEP …..);

2º - No dia 17 de abril de 2021, no cumprimento do respectivo mandado do Juízo Central Criminal…. – Juiz ..., foi o Requerente conduzido ao estabelecimento Prisional de …....

3º - O seu Advogado apresentou em 20 de Abril de 2021 requerimento, que até hoje não obteve resposta, para a aplicação da Lei nº 9/2020 de 10/4, que estabelece no Artº 2º nº 1 que “São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos”. Recordando que apenas são excluídos desse perdão os crimes descritos no nº 6 do mesmo preceito, dos quais não consta o do Artº 25º do DL 15/93 pelo qual o Requerente foi condenado.

4º - Como dispõe o nº 8º do mesmo artº 2º da Lei nº 9/2020, “Compete aos tribunais de execução de penas territorialmente competentes proceder à aplicação do perdão estabelecido na presente lei e emitir os respetivos mandados com carácter urgente”.

5º - Não tendo Tribunal de Execução de Penas …, decorridos mais de 15 dias, emitido o mandado de soltura do Requerente, tendo entretanto proferido outros despachos respeitantes ao cumprimento da pena, resulta claro que não pretende dar cumprimento á referida lei.

6º - Ou seja, o Arguido encontra-se ilegalmente preso à ordem deste Tribunal por facto que a lei não permite (prática de crime entretanto amnistiado), estando assim preenchido o pressuposto do Artº 222º nº 2 alª b) do CPP para decretamento da medida de habeas corpus.

Pelo exposto, respeitosamente requer a v. exa seja ordenada a imediata libertação do requerente, assim se fazendo Justiça!

III

O Despacho proferido nos termos do artigo 223º nº1 do CPP tem o seguinte teor:

Informe o Colendo Supremo Tribunal de Justiça de que se mantém a prisão do condenado, com termo previsto para 22-04-2022.


IV

Da consulta dos Autos constata-se que este se encontra instruído com certidão das seguintes peças, relevantes para a decisão da causa:

1 - Certidão do Despacho proferido nos termos do artigo 173º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade;

2 - Acórdão de 1ª instância – Juízo Central Criminal …. – Juiz ... - proferido a 07.03.2019, que condena o requerente pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 25º do DL nº 21/93 de 22 de novembro, na pena de 1 ano de prisão;

3 - Acórdão do TR.., proferido a 13.02.2020 e transitado a 12.06.2020, confirmando o Acórdão de 1ª instância referido no ponto 2;

4 - Liquidação da pena aplicada ao requerente, promovida pelo MP a 19.04.2021;

5 - Despacho judicial de 26.04.2021 homologando a liquidação da pena aplicada ao requerente;

6 - Requerimento do peticionante, apresentado ao TEP a 20.04.2021, demandando que, ao abrigo do disposto no artigo 2º nº 1 da Lei nº 9/2020 de 10 de abril, seja ordenada a sua restituição à liberdade;

7 - Procuração forense e cópia dos Acórdãos referidos nos pontos 2 e 3;

8 - Despacho da titular destes Autos, proferido a 05.05.2021, solicitando ao TEP …. informação sobre a decisão relativa ao requerimento referido no ponto 6;

9 - Despacho judicial de 06.05.2021, indeferindo o requerimento referido no ponto 6.

V

 Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 223º nº 1 a 3 do CPP.

Realizada a Audiência, cumpre apreciar e decidir:

Nestes Autos, o peticionante fundamenta o seu pedido de concessão da providência de Habeas Corpus na invocação da ilegalidade da prisão que se encontra submetido por, em seu entender, esta carecer de fundamento legal, pois considera que esta radica em facto que a lei não permite, uma vez que defende ter sido amnistiado o crime por si praticado.

A consagração constitucional da providência de Habeas Corpus configura-se como um meio de garantia de defesa do direito individual à liberdade, reconhecido pela Lei Fundamental no seu artigo 27º, mormente em virtude de prisão ou detenção ilegal.

Em obediência aos comandos constitucionais de defesa e garantia dos direitos individuais, a lei ordinária desenhou a providência de Habeas Corpus como meio processual adequado a uma reação expedita contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, e não como um meio processual para reexame ou avaliação da verificação dos pressupostos de facto e de direito que em concreto determinaram a aplicação de uma medida de privação de liberdade. Tal desiderato é obtido através dos meios recursórios legalmente estabelecidos.

A lei processual penal elenca os fundamentos e o procedimento da providência de Habeas Corpus, dispondo-se no artigo 222º nº 2 do CPP, poder ser invocado como fundamento da ilegalidade da prisão contra a qual se pretende reagir:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

O fundamento invocado pelo requerente para sustentar a ilegalidade da prisão, que se encontra sofrendo, radica na alegação da inexistência de fundamento de Direito para o seu decretamento, uma vez que considera ter sido “amnistiado o crime” pelo qual foi condenado, nos termos do disposto no artigo 2º nº1 da Lei nº 9/2020 de 10 de abril.

Todavia, esta sua alegação carece do necessário suporte legal.

Na verdade, o diploma invocado pelo peticionante não procede a qualquer amnistia criminal, mas apenas e tão somente ao estabelecimento de um regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia vigente.

E, como é sabido com esse diploma pretendeu-se prevenir os riscos de propagação da COVID-19 nos estabelecimentos prisionais.

Como se alcança do exame dos Autos, constata-se que o peticionante foi julgado e condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 25º do DL nº 15/93 de 22 de janeiro, numa pena de 1 ano de prisão por Acórdão de 1ª instância proferido a 07.03.2019, o qual veio a ser confirmado por Acórdão do TR.... proferido a 13.02.2020 e transitado a 12.06.2020.

Assim, não obstante o disposto no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 9/2020 de 10 de abril permitir o perdão de penas de duração igual ou inferior a 2 anos, o nº 7 do mesmo normativo é taxativo ao indicar que tal perdão se aplicará apenas a condenações transitadas em julgado em data anterior à data de entrada em vigor daquele diploma.

Ora, como o referido diploma entrou em vigor no dia 11 de abril de 2020 – cfr. artigo 11º - e o trânsito em julgado da condenação sofrida pelo peticionante é cronologicamente posterior àquela data, uma vez que se verificou apenas em 12.06.2020, forçoso é concluir não se encontrar verificada uma das condições necessárias à aplicação do perdão de penas instituído por aquele regime excecional.

Assim, a pena de prisão que o peticionante se encontra a cumprir foi ordenada pela entidade competente, o Tribunal de condenação, foi motivada pela prática de um crime, e não atingiu ainda o seu termo.

Pelo que se impõe concluir inexistirem quaisquer factos que possam preencher algum dos pressupostos que a lei elenca no artigo 222º nº 2 do CPP como sendo os adequados a aferir a ilegalidade de uma privação da liberdade.

Na verdade, e como é Jurisprudência constante deste Supremo Tribunal “no âmbito da providência de habeas corpus o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode e deve verificar se a prisão resultou de uma decisão judicial, se a privação da liberdade foi motivada pela prática de um facto que a admite e se estão respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial. Isto sem prejuízo de, nos limites da decisão no âmbito da providência de habeas corpus, não condicionada pela via ordinária de recurso, se poder efectivar o controlo de situações graves ou grosseiras, imediatamente identificáveis e “clamorosamente ilegais” (na expressão do acórdão deste Tribunal de 3.7.2001, Colectânea, Acórdãos do STJ, II, p. 327), de violação do direito à liberdade.” ([1])

Nesta conformidade outra conclusão se não impõe que não seja a de se concluir pela improcedência do peticionado por ausência de fundamento legal.

VI

Termos em que se acorda em indeferir a requerida concessão da providência de Habeas Corpus por falta de fundamento bastante, nos termos do disposto no artigo 223º nº 4 al. a) do CPP.


Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4UC, nos termos do artigo 8º nº 9 da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Feito em Lisboa, aos 12 de maio de 2020.


Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Dec-Lei nº 20/2020 de 1 de maio, consigno que o presente Acórdão tem voto de conformidade do Ex.mo Adjunto, Juiz Conselheiro Sénio dos Reis Alves.

Maria Teresa Féria de Almeida (relatora)

António Pires da Graça (Presidente)

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[1] Ac. de 10.04.2019, proc. nº 503/14.0PBVLG-I.S1, Relator Conselheiro Lopes da Mota