Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
115/09.0TBPTL.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: FRAUDE À LEI
ADOPÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA REVISTA
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: ARTIGOS 1586º, 1986º, 1979º Nº 5, 280º E 286º
CONSTITUÍÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA: ARTIGOS 69º Nº 1 E 13º Nº 2;
Legislação Comunitária: CONVENÇÃO EUROPEIA EM MATÉRIA DE ADOPÇÃO DE CRIANÇAS, RATIFICADA POR DECRETO DO PR N.º 7/90
Referências Internacionais: CONVENÇÃO SOBRE A PROTECÇÃO SOBRE A PROTECÇÃO DE MENORES E A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL EM MATÉRIA DE ADOPÇÃO (HAIA - 29/5/93), RATIFICADA PELO DECRETO DO PR Nº 6/2003.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS STJ EM WWW.DGSI.PT: Pº 07A1180 DE 15-05-2007; Pº 04A3915 DE 25-01-2005
Sumário :
1. A filiação natural e a filiação resultante de adopção plena são fontes de iguais relações jurídico- familiares, não podendo fazer-se qualquer “distinguo”, em sede de direitos, entre o filho natural e o filho adoptado.

2. Este princípio resulta não só dos artigos 1586.º e 1986.º do Código Civil, 69.º, n.º 1 e 13.º, n.º 2 da Constituição da República, como da Convenção sobre a Protecção de Menores e a Cooperação Internacional em Matéria de Adopção (Haia – 29/5/93), ratificada pelo Decreto do PR n.º 6/2003) e da Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças, ratificada por Decreto do PR n.º 7/90.

3. Na perspectiva do superior interesse da criança e da busca das suas reais vantagens, pretende-se que o adoptando venha a beneficiar de uma família estável, estruturada, que lhe propicie uma educação tranquila, preparando-o para o futuro com realismo, em ambiente de carinho, afecto e equilíbrio psicológico.

4. Ao impor limite de idade máximo para o adoptante, e a inexistência de uma diferença etária não superior a 50 anos, a lei quer, por um lado, a garantir (com a falibilidade e insondabilidade da vida humana) que o adoptando não se veja órfão muito cedo e, por outro, que não receba uma educação desfasada da época em que vive, com referências culturais desactualizadas.

5. A excepção do n.º 5 do artigo 1979.º do Código Civil tem por objectivo integrar plenamente uma família pré-constituída, no caso dos cônjuges chegarem ao casamento com filhos de relacionamentos anteriores.

6. Embora o legislador não tenha tratado genericamente a figura de fraude à lei apenas consagrada para as normas de conflitos (direito internacional privado) a mesma pode e deve estender-se a todo o negócio jurídico, desde que se lance mão de uma norma de cobertura para ultrapassar – ou incumprir- outra norma (a defraudada).

7. Assim, por via indirecta, através da prática de um ou vários actos lícitos, logra obter-se um resultado que a lei previu e proibiu.

8. É necessário um nexo entre o(s) acto(s) lícitos e o resultado proibido, não sendo essencial a intenção das partes em defraudar a lei, aderindo-se assim a uma concepção objectivista.

9. O negócio jurídico celebrado com fraude à lei é nulo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou acção tutelar cível para adopção plena da menor BB.

Alegou, nuclearmente, que a adoptanda nasceu em 7 de Março de 1999 e que, por sentença do mesmo Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, foi decretada a sua adopção plena por CC, mulher do requerente; que, embora tenha idade superior a 68 anos, vem coabitado com a menor, que o trata como pai, existindo condições afectivas idênticas à filiação natural.

A adopção foi decretada.

O Ministério Público interpôs recurso “per saltum” para este Supremo Tribunal da sentença que decretou a adopção.

E assim concluiu as suas alegações:

- O instituto da adopção deverá surgir como forma de proporcionar à criança a integração numa verdadeira família.

- É inegável que entre o requerente e a BB já se encontra estabelecido um vínculo efectivo, porém existem fundadas dúvidas que tal vínculo seja semelhante ao da filiação.

- Efectivamente, entre a BB e o adoptante existirá, maxime, um vínculo semelhante ao de uma neta e um avô, o que é de aplaudir, todavia, não foi essa a intenção do legislador.

- Não podemos escamotear a facto de existir um fosso geracional entre adoptante e adoptanda, que neste caso se reconduz a 63 anos de idade.

- Estipula o artigo 1979.º, n.º 1, do Código Civil que “Podem adoptar plenamente duas pessoas casadas há mais de quatro anos e não separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto, se ambas tiverem mais de 25 anos”, sendo certo que, nos termos do nº 3 “Só pode adoptar plenamente quem não tiver mais de 60 anos à data em que o menor lhe tenha sido confiado, mediante confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, sendo que a partir dos 50 anos a diferença de idades entre o adoptante e o adoptando não poderá ser superior a 50 anos.

- Urge salientar que o motivo pelo qual o requerente não adoptou plenamente, com a sua mulher, a BB, foi precisamente porque, nessa data, já tinha 68 anos.

- O artigo 1979.º, nº 5, do CC dispõe que o preceituado no nº 3 do mesmo artigo não se aplica quando o adoptando for filho do cônjuge.

- Porém, é nosso entendimento que este preceito apenas se aplica aos filhos biológicos do cônjuge do adoptante, deixando de fora os filhos adoptivos.

- Como se pode verificar, segundo o entendimento de que o nº 5 do artigo 1979.º do CC se aplica, quer a filhos biológicos, quer adoptados, leva ao ridículo de que as pessoas intentem acções sucessivas, para obstar a uma proibição legal, conseguindo assim, através de uma artimanha jurídica, um resultando que nunca seria possível se tivessem peticionado a adopção conjuntamente.

- Actualmente, o requerente tem 73 anos o que constitui um óbice legal à possibilidade de adoptar plenamente. Foi intenção do legislador que não se verificasse uma acentuada diferença de idades entre o adoptando e o adoptado, de modo a que fosse criada uma verdadeira relação filial entre adoptando e adoptante, e não uma relação entre neta e avô.

- Qualquer outro entendimento constitui uma flagrante fraude à lei permitindo-se, agora, o que anteriormente estava vedado ao requerente.

- Não estão, assim, reunidos todos os requisitos legais para a constituição do vínculo da adopção, pelo que a decisão deve ser revogada, por violação do disposto nos artigos 1974.º, n.º 1, 1979.º, n.º 3 e n.º 5 do CC.

- O Ministério Público requer, ao abrigo do disposto no artigo 725.º, n.º 1 do CPC, que o presente recurso suba directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que se recorre de uma decisão de 1ª instância que põe termo ao processo, o valor da causa é superior à alçada da Relação, bem como o valor da sucumbência, apenas foram suscitadas questões de direito e não se impugnam quaisquer decisões interlocutórias.

O recorrido ofereceu contra-alegações para, em defesa do julgado, concluir que:

- Não assiste qualquer razão ao recorrente, uma vez que, a douta sentença proferida não viola as normas invocadas e, por conseguinte, não tem o Digno Procurador Adjunto, qualquer razão.

- Aliás, a idade do aqui adoptante, não constitui, no caso sub judice, obstáculo à adopção, em virtude do n.º 5 do art.º 1979.º, afastar a regra do nº 3 do mesmo preceito legal.

- Logo, andou, em nosso entendimento, bem o Meritíssimo Juiz a quo ao decretar a adopção plena da menor a favor do aqui recorrido.

Releva para a decisão a seguinte matéria de facto:

- AA nasceu o dia 20 de Agosto de 1935;

- CC nasceu no dia 23 de Outubro de 1963;

- Casaram de 22 de Fevereiro de 2001;

- Do casamento não existem filhos;

- Por sentença de 10 de Julho de 2008 foi decretada a adopção plena de BB pela CC;

- Por sentença de 26 de Maio de 2009 foi decretado a adopção plena da BB pelo AA;

- A BB nasceu no dia 7 de Março de 1999;

- O casal recebeu a menor em sua casa no dia 18 de Fevereiro de 2007;

- A BB está integrada no seio do casal com o qual tem uma relação de proximidade e afecto.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,
1- Adopção.
2- Idade do adoptante.

3- Fraude à lei.
4- Conclusões.
1- Adopção

Dispõe o n.º 1 do artigo 1974.º do Código Civil (na redacção da Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto) que “a adopção visa realizar o superior interesse da criança e será decretada quando apresente reais vantagens para o adoptando, se funde em motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante e seja razoável supor que entre o adoptante e o adoptando se estabelecerá um vinculo semelhante ao da filiação.”

Uma vez decretada a adopção, sempre por sentença judicial (n.º 1 do artigo 1973.º do Código Civil) gera um vínculo “à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços de sangue” (artigo 1586.º do Código Civil), não sendo lícito – nos casos de adopção plena – fazer qualquer “distinguo” entre o filho natural (com consanguinidade familiar) e o adoptivo, já que a adopção é fonte de relações jurídico familiares, paralelamente com o casamento, o parentesco e a afinidade.

A Convenção sobre a Protecção de Menores e a Cooperação Internacional em Matéria de Adopção, assinada na Haia em 29 de Maio de 1993 – ratificada por Portugal (Decreto do Presidente da República n.º 6/2003, de 25 de Fevereiro de 2003 e aprovada para ratificação pela Assembleia da República – Resolução n.º 8/2003 de 19 de Dezembro de 2002 – dispõe, no artigo 26.º, que o reconhecimento da adopção implica um vínculo de filiação entre o adoptado e os pais adoptivos, a plena responsabilidade destes para com aquele e o termo da preexistente relação de filiação.

Também a Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças (Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/90 – Diário da República, I Série, de 31 de Janeiro e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 7/90 – Diário da República, I Série, de 20 de Fevereiro de 1990), refere, no seu artigo 10.º que o adoptado tem relativamente ao adoptante “os direitos e obrigações de qualquer natureza de um filho legítimo relativamente ao seu pai e à sua mãe.”

Daí que não se ponha a questão de distinguir, em termos de direitos – antes lhes conferindo plena igualdade – o filho natural do filho adoptado.

O modo como a questão é posta pelo Digno Magistrado do Ministério Público, em via principal, é, e salvo o muito respeito, deslocado por, a ser acolhido, se traduz numa discriminação entre filhos, a decorrer da origem da filiação o que contenderia com a lei civil, com os instrumentos internacionais e com a Constituição da República, “maxime” os seus artigos 69.º, n.º 1 e 13.º, n.º 2.

2- Idade do Adoptante

2.1- A questão fulcral prende-se, tão-somente, com a interpretação do n.º 5 do artigo 1979.º do Código Civil (na redacção da Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto).

Este preceito (antes, por na redacção do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, genéricamente constante do então n.º 3, “in fine” daquele artigo) vem excepcionar a regra do seu n.º 3.

Dispõe este que “só pode adoptar plenamente quem não tiver mais de 60 anos à data em que o menor lhe tenha sido confiado, mediante confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção sendo que, a partir dos 50 anos a diferença de idades entre o adoptante e o adoptado não poderá ser superior a 50 anos.”

O n.º 5 daquele artigo 1979.º estabelece que o n.º 3 “não se aplica quando o adoptando for filho do cônjuge do adoptante.”

Vejamos, então.

2.2- Na perspectiva do “superior interesse da criança” e da busca das suas “reais vantagens” pretende-se que, com a adopção, aquela venha a beneficiar de uma família estável, estruturada que lhe propicie uma educação tranquila, preparando-a para o futuro, com realismo, e lhe dê um ambiente de carinho, afecto e equilíbrio psicológico.

Estes factores, entre outros (já que não se pode ser exaustivo no preenchimento de um conceito tão amplo) pouco ou nada têm a ver com a eventualidade de maior acervo de bens da ulterior herança dos adoptantes, factor só residualmente ponderável sob pena de se concluir que os carenciados (ou menos desafogados económicamente) seriam preteridos numa candidatura à adopção em favor dos mais abonados (ou detentores de património mais sólido).

E, ao impor limites de idade mínimos para os adoptantes (n.º 1), o legislador ficcionou uma maior maturidade, em princípio garantia de maior estabilidade.

Isto, embora como notam os Profs. Pires de Lima e Antunes. Varela (in “Código Civil Anotado”, 1995 – V, 520) haver “gente que nasce insensata e acaba por morrer tão infantil como quando veio ao mundo, porque a idade e a experiência nada acrescentaram ao seu bom senso. Mas não é essa a regra. A normalidade é daqueles para quem a idade e a experiência da vida são mestres de ensinamentos.”

Já a fixação do limite máximo – de 60 anos – e da inexistência de uma diferencia etária não superior a meio século, destina-se a garantir (com a falibilidade e insondabilidade da vida humana) que o adoptado não se veja órfão muito cedo, assim anulando muitas das vantagens da adopção, ou tenha uma educação desfasada da época em que vive, com referências culturais desactualizadas e, enfim, receba um “avô” (ou uma “avó”) em vez de um “pai” (ou uma “mãe”), sabido que as diferentes gerações propiciam formação e educação muito diferentes.

Assim sendo, a excepção do n.º 5 do preceito que vimos analisando (permitir, em qualquer idade, a adopção do filho do cônjuge do adoptante) só pode ter uma leitura: o legislador sacrificou aqueles princípios à constituição de uma unidade familiar, inserindo na nova célula um grupo pré constituído.

Ou seja, a excepção destina-se a permitir ao que se casa com alguém com filhos – obviamente que existentes antes do casamento – integrar no novo núcleo familiar todo aquele agregado (a ideia retira-se, também, dos Profs. Pires de Lima e A. Varela – ob. vol. cit., 523: “… ressalvando-se apenas o caso em que o adoptando seja filho do cônjuge do adoptante e passe, assim, de enteado a filho legítimo deste último.”).

Isto é coerente com a “mens legislatoris” e com os princípios da lei que só excepcionou idades, “gap” etários e, até, situações conjugais, quando pretendeu garantir uma unidade familiar em situações pré-constituídas (cf., também, o n.º 2 do mesmo artigo 1979.º, destinado a colmatar uma situação monoparental.
3- Fraude à lei

3.1- “In casu”, e ainda que assim não fosse entendido, perfilar-se-ia a criação de um artifício para defraudar a lei.

Casados há mais de sete anos – e sem filhos – adoptaram sucessivamente (e não em conjunto, como seria normal e é corrente) antes o fazendo primeiro a mulher, então com 44 anos de idade, e vindo, depois, o marido, já com 73 anos de idade, requerer a adopção que apenas poderia alcançar se o adoptando fosse filho do seu cônjuge (não só por ultrapassar o limite de idade, como por exceder, em muito, a diferença etária entre si e a menor).

Provocou, assim, uma situação que o legislador não previu, nem quis, já que a excepção só relevaria se a mulher “trouxesse” a filha para o casamento e não a “adquirisse” no decurso deste.

Pode, em consequência, dizer-se que defraudou a lei.

3.2- O legislador não delineou genericamente a figura da fraude à lei, que apenas tratou em sede de direito internacional privado e no âmbito da aplicação das normas de conflitos (cf. o artigo 21.º do Código Civil ao dispor que “na aplicação das normas de conflito são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente.”) - cf., Prof. Rui de Alarcão – “Breve motivação do anteprojecto sobre o negócio jurídico na parte relativa ao erro, dolo, coacção, representação, condição e objecto negocial.” – BMJ – 138-120.

Trata-se de impedir a utilização da norma de conflitos com o fim de iludir a lei imperativa aplicável (Fernandez Rozas e Sixto Lorenzo – “Derecho Internacional Privado”, 3.ª ed., 135, Madrid 2004).

Certo, porém, que esta figura pode – e deve – estender-se para além do direito internacional privado.

Assim, existirá fraude à lei quando se lança mão de uma norma de cobertura para lograr ultrapassar – ou incumprir – a norma defraudada, ou seja a que seria a aplicável à relação jurídica.

Trata-se de, por via indirecta, por através da prática de um ou vários actos lícitos (já com propósito de defraudar, numa concepção subjectivista; ou mesmo sem tal propósito, se aderindo a uma concepção objectiva) obter um resultado que a lei proíbe.

Ensinava o Prof. Manuel de Andrade (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1992, II, 337) serem fraudulentos os actos que tenham por escopo “contornar ou circunvir uma disposição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei designadamente previu e proibiu – aqueles que, por essa forma, pretendem burlar a lei.”

Nesta perspectiva, a fraude mais não é do que uma insidiosa violação da lei, a aferir, casuisticamente, aquando da interpretação do negócio jurídico, tal como acontece com a má fé ou com o abuso de direito.

O Prof. Menezes Cordeiro, reconhecendo a não autonomia jurídica da fraude à lei, reconduz a figura ao princípio geral de a proibição do resultado dever implicar a proibição dos meios indirectos para o alcançar, já que a mera proibição de um meio arrisca deixar aberta a porta a outros meios não proibidos para alcançar o fim. (in “Tratado de Direito Civil Português”, I – Parte Geral, Tomo I – “Introdução. Doutrina Geral. Negócio Jurídico”, 1999, 423 ss).

Adere-se à doutrina do Prof. Castro Mendes (in “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 1979, 334 ss) ao explicar lapidarmente que para haver fraude à lei é necessário um nexo entre o acto ou actos em si lícitos e o resultado proibido. E o nexo pode ser subjectivo (intenção dos agentes) ou objectivo (criação de uma situação jurídica tal que, pelo seu desenvolvimento normal, leve ao resultado proibido).

Mas não há fraude sem nexo, ou seja, sem que o acto lícito em si não esteja ligado ao resultado proibido.

De aceitar esta conceptualização mas pondo a tónica da prescindibilidade do elemento subjectivo – “animus fraudandi” – por valer um conceito ético e objectivo de boa fé, como o que, quanto ao abuso de direito, enuncia o artigo 334.º do Código Civil, concepção acolhida para este instituto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Maio de 2007 – 07 A1180 – desta Conferência, onde, além do mais se disse que “não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, não sendo necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e clara assim se acolhendo concepção objectiva do abuso de direito (cf., por todos, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela – “Código Civil Anotado”, vol. I, 1967, p. 217).”

Esta concepção objectivista da fraude à lei foi também adoptado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2005 – 04 A3915 –( “… decisivo para afirmar a ilicitude e consequente nulidade do negócio em fraude à lei é o resultado com ela obtido e não a intenção das partes.”).

Aqui chegados, podemos afirmar que a adopção feita pelo recorrido o foi em fraude à lei, sendo que a norma contornada é imperativa e geradora da nulidade do acto, o que o Tribunal pode declarar mesmo “ex officio” – artigos 280.º e 286.º do Código Civil.
4- Conclusões

Pode, enfim, concluir-se que:
a) A filiação natural e a filiação resultante de adopção plena são fontes de iguais relações jurídico- familiares, não podendo fazer-se qualquer “distinguo”, em sede de direitos, entre o filho natural e o filho adoptado.
b) Este princípio resulta não só dos artigos 1586.º e 1986.º do Código Civil, 69.º, n.º 1 e 13.º, n.º 2 da Constituição da República, como da Convenção sobre a Protecção de Menores e a Cooperação Internacional em Matéria de Adopção (Haia – 29/5/93), ratificada pelo Decreto do PR n.º 6/2003) e da Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças, ratificada por Decreto do PR n.º 7/90.
c) Na perspectiva do superior interesse da criança e da busca das suas reais vantagens, pretende-se que o adoptando venha a beneficiar de uma família estável, estruturada, que lhe propicie uma educação tranquila, preparando-o para o futuro com realismo, em ambiente de carinho, afecto e equilíbrio psicológico.
d) Ao impor limite de idade máximo para o adoptante, e a inexistência de uma diferença etária não superior a 50 anos, a lei quer, por um lado, a garantir (com a falibilidade e insondabilidade da vida humana) que o adoptando não se veja órfão muito cedo e, por outro, que não receba uma educação desfasada da época em que vive, com referências culturais desactualizadas.
e) A excepção do n.º 5 do artigo 1979.º do Código Civil tem por objectivo integrar plenamente uma família pré-constituída, no caso dos cônjuges chegarem ao casamento com filhos de relacionamentos anteriores.
f) Embora o legislador não tenha tratado genericamente a figura de fraude à lei apenas consagrada para as normas de conflitos (direito internacional privado) a mesma pode e deve estender-se a todo o negócio jurídico, desde que se lance mão de uma norma de cobertura para ultrapassar – ou incumprir- outra norma (a defraudada).
g) Assim, por via indirecta, através da prática de um ou vários actos lícitos, logra obter-se um resultado que a lei previu e proibiu.
h) É necessário um nexo entre o(s) acto(s) lícitos e o resultado proibido, não sendo essencial a intenção das partes em defraudar a lei, aderindo-se assim a uma concepção objectivista.
i) O negócio jurídico celebrado com fraude à lei é nulo.

Do exposto resulta que acordam conceder a revista, revogando a sentença recorrida.

Sem custas –artigo 3º ,nº1 a) CCJ.

Lisboa, 20 de Outubro de 2009

Sebastião Póvoas (Relator)

Moreira Alves

Alves Velho