Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
Descritores: | CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NÃO-CUMPRIMENTO JUSTA CAUSA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR | ||
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Nº do Documento: | SJ200404220012017 | ||
Data do Acordão: | 04/22/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL GUIMARÃES | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1419/03 | ||
Data: | 11/26/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
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Sumário : | 1. Integra o contrato inominado de prestação de serviço aquele pelo qual uma das partes se vincula a realizar para a outra, mediante remuneração, um projecto empresarial de obtenção de subsídio com fundos públicos para a modernização da indústria têxtil e a assistência técnica à sua implementação. 2. O incumprimento da obrigação pressupõe a não ocorrência de impossibilidade superveniente por facto do credor ou de terceiro, de caso fortuito ou de força maior ou frustração do interesse do credor por circunstâncias estranhas à sua vontade e à do devedor. 3. Impossibilitada a prestação de assistência técnica à implementação do projecto de investimento por virtude do credor não haver conseguido obter o financiamento bancário sua condição necessária, apesar de ter diligenciado para o efeito segundo o que lhe era razoavelmente exigível, não tem o devedor, à luz do regime legal geral, o direito de lhe exigir indemnização correspondente ao lucro que deixou auferir por não ter realizado a prestação. 4. O conceito de justa causa a que se reporta o artigo 1170º do Código Civil abrange as circunstâncias pelas quais, segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação obrigacional, incluindo o facto de fazer perigar o fim do contrato ou a dificultação da sua obtenção. 5. Perante a frustração do fim da prestação do devedor sem culpa do credor, se o contrato de prestação de serviço não tivesse caducado por esse motivo, como caducou, podia o último denunciá-lo sem sujeição à obrigação de indemnização. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A" intentou, no dia 20 de Setembro de 2001, contra "B", acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe 6 000 000$, acrescidos do imposto sobre o valor acrescentado e juros legais comerciais desde a citação, sob o fundamento no prejuízo derivado de não ter realizado assistência técnica contratada com a ré, por esta não haver conseguido um empréstimo bancário para a implementação de um projecto empresarial no âmbito do sistema de incentivos para a modernização da indústria têxtil. A ré, na contestação, afirmou não ter conseguido o financiamento bancário de cerca de 200 000 000$ dada a crise financeira que atravessava, conhecida da autora, e que o contrato de prestação de serviços na parte relativa à assistência técnica dependia, como condição, daquele financiamento. Na resposta, a autora afirmou que o projecto de investimento foi aprovado, e que isso revelava não ser o financiamento bancário indispensável à aprovação do projecto. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 4 de Abril de 2003, que absolveu a ré do pedido, sob o fundamento de a prestação da autora haver perdido a sua utilidade, por o projecto de investimento se não ter concretizado em razão de a ré não ter obtido o financiamento bancário de que carecia, circunstância essa surgida na esfera do risco, à margem de intenção ou negligência. Apelou a autora, e a Relação, por acórdão proferido no dia 26 de Novembro de 2003, revogou a sentença do tribunal da 1ª instância e condenou a apelada no que se liquidasse em execução de sentença até 6 000 000$, imposto sobre o valor acrescentado e juros legais desde a citação, sob o fundamento de incumprimento culposo do contrato de prestação de serviço. Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a razão fulcral do malogro do projecto e da sua implementação adveio da inviabilização do financiamento bancário, apesar das garantias oferecidas, sendo que ele era condição sine qua non da execução daquele projecto; - o malogro do financiamento bancário é que perturbou o programa contratual assumido pela recorrente, afectando a sua capacidade de prestar e o objecto da prestação em si mesmo; - a indisponibilidade do financiamento bancário não resultou da culpa concreta da recorrente nem esta teve comportamento ofensivo da boa fé, tendo agido com empenho, lealdade e diligência; - a prestação a que a recorrente estava adstrita tornou-se objectivamente impossível por circunstâncias supervenientes alheias à sua vontade, e logrou afastar a presunção de culpa no incumprimento do contrato; - a Relação, ao dar provimento ao recurso, infringiu o disposto nos artigos 790º e 799º do Código Civil. II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. No dia 20 de Janeiro de 1998, a ré contratou a autora para ela lhe elaborar um projecto de candidatura ao programa Retex e Simit - Sistema de Incentivos para a Modernização da Indústria Têxtil - do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais, e para lhe prestar assistência técnica na implementação do projecto, nos termos em que a Secção de Modernização da Indústria Têxtil do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais o aprovasse. 2. A candidatura incluía um diagnóstico global da empresa e um projecto de investimento e previa a prestação de assistência técnica após a aprovação do projecto. 3. Esse projecto de investimento compreendia um subsídio de 196 736 000$ para um plano de investimentos na ré, um subsídio de 3 000 000$ para pagamento dos serviços da autora na elaboração do projecto e um subsídio de 12 000 000$ para pagamento da contratada assistência técnica da autora à ré. 4. A autora elaborou o processo de candidatura, segundo as instruções recebidas da ré, e esta entregou a candidatura à Secção de Modernização da Indústria Têxtil do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais e o projecto de investimento foi aprovado com as condições mencionadas sob 3. 5. A autora, ao efectuar o diagnóstico global da ré e o projecto de investimento teve conhecimento da situação económica e financeira da última. 6. Após a aprovação do projecto, a autora iniciou a assistência técnica à ré, tendo acompanhado e desencadeado vários contactos e reuniões com a gerência e trabalhadores dela e junto de instituições de crédito, de fornecedores, do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais e da SPGM para a implementação e financiamento do projecto. 7. O financiamento bancário mencionado sob 6 envolvia a verba de 104 632 000$ e, para a sua concessão, a instituição bancária exigiu garantias reais, e a ré, a fim de satisfazer essa exigência, propôs dar-lhe de garantia hipotecária o imóvel onde estava instalado o seu processo produtivo e a secção administrativa. 8. A ré não concretizou o projecto por não ter conseguido o financiamento bancário de que carecia, em consequência do que a autora não prestou a restante assistência técnica contratada e, em virtude disso, não recebeu a quantia de 12 000 000$ mencionada sob 3. 9. Se a autora tivesse prestado a assistência técnica contratada teria tido um lucro em montante não concretamente apurado. III A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrente está ou não vinculada a indemnizar a recorrida pelo prejuízo derivado de a última não haver prestado à primeira o serviço de assistência técnica à execução de um projecto de investimento industrial. Considerando o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - natureza e efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida; - situação da recorrente e da recorrida no plano do cumprimento do contrato; - pressupostos legais da obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil contratual geral; - regime legal geral da desoneração obrigacional por impossibilidade da prestação; - especificidade do regime legal relativo ao contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida; - situação de facto envolvente no confronto da dinâmica das obrigações decorrentes do contrato em causa na perspectiva da lei geral das obrigações; - ocorrem ou não na espécie os pressupostos da obrigação de indemnizar da recorrente no confronto com a recorrida? Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões. 1. Representantes da recorrida e da recorrente declararam que aquela elaboraria para esta, mediante determinado preço, um projecto de candidatura, incluente do diagnóstico global da empresa e de um projecto de investimento, a um programa de incentivos para a modernização da indústria têxtil do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais, e lhe prestaria assistência técnica na implementação do projecto após a sua aprovação, em conformidade com os termos desta. A lei descreve o contrato de prestação de serviços como sendo aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual com ou sem retribuição (artigos 1154º do Código Civil). Assim, a conclusão é no sentido de que a recorrente e a recorrida celebraram entre si um contrato de prestação se serviço de natureza comercial (artigos 2º, e 13º, n.º 2, do Código Comercial). Decorrentemente, são-lhe aplicáveis, a título subsidiário, com as necessárias adaptações, as regras do contrato de mandato (artigos 3º do Código Comercial e 1156º do Código Civil). 2. A obrigação decorrente do referido contrato para a recorrida era a de prestar o serviço convencionado e para a recorrente a de proceder ao pagamento do preço correspondente (artigos 3º do Código Comercial e 1154º do Código Civil). A recorrida prestou à recorrente o serviço de elaboração do projecto, que foi aprovado, de candidatura ao investimento subsidiado por entidades públicas tendente à modernização da sua empresa têxtil. Depois disso, a recorrida iniciou a prestação do serviço assistência técnica à recorrente para a implementação e financiamento do projecto, acompanhando e desencadeando contactos e reuniões com várias entidades, designadamente instituições de crédito. Todavia, não pôde a recorrida continuar a prestar à recorrente a referida assistência técnica, porque a segunda não logrou executar o projecto em causa, por virtude de não ter conseguido um financiamento bancário no montante equivalente a € 521 902, 22. Em consequência disso, a recorrida deixou de poder auferir pelo seu serviço a quantia correspondente a € 59 855,75 e de contabilizar o lucro correspondente. Só está em causa no recurso a assistência técnica que a recorrida não prestou e que prestaria à recorrente se esta tivesse concretizado o projecto de investimento na sua empresa, obtido que fosse o financiamento bancário para tal necessário, com vista a saber se a primeira pode ou não exigir da segunda a indemnização correspondente ao lucro que obteria por via daquela prestação. Assim, não está em causa no recurso a questão de saber se a recorrente incumpriu ou não alguma obrigação decorrente do contrato de investimento celebrado com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais, pelo que não releva a argumentação de que a própria necessidade de obtenção do empréstimo bancário se traduziu em incumprimento daquele contrato de investimento. 3. Os pressupostos da obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade contratual são, naturalmente, a inexecução ilícita e culposa da obrigação, a existência de um prejuízo reparável e o nexo de causalidade adequada entre o último e a primeira (artigos 562º, 563º, 564º, n.º 1, 566º, 798º, 799º e 808º, n.º 1, do Código Civil). O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, isto é, não a cumpre se a não realizar nos seus precisos termos, ou seja, o não cumprimento traduz-se na inexecução da obrigação (artigos 406º, n.º 1, e 762º, n.º 1, do Código Civil). Na falta de cumprimento ou inexecução obrigacional lato sensu pode incluir-se, além do mais que aqui não releva, a impossibilidade de cumprimento e o incumprimento definitivo propriamente dito. Não havendo causas de exclusão da ilicitude, a inexecução da obrigação é omissão objectivamente ilícita, por afectar negativamente o interesse do credor. Mas para que surja a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade contratual, não basta que a inexecução da obrigação seja envolvida de ilicitude formal e material, ou seja, que infrinja alguma norma legal ou cláusula negocial ou afecte negativamente o interesse do credor. Com efeito só o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo patrimonial e ou não patrimonial que cause ao credor (artigo 798º do Código Civil). Assim, a obrigação de indemnização do credor pelo prejuízo resultante do incumprimento contratual por parte do devedor depende não só da ilicitude como também da culpa envolvente do seu comportamento. A culpa ou juízo de reprovação é susceptível de envolver não só o comportamento intencional de produzir o resultado nefasto, como também o que se traduz na sua imprevisão ou inaceitação, mas em termos de poder e dever actuar de modo a evitá-lo. Na segunda situação descrita está-se perante a chamada culpa stricto sensu, ou seja, quando, face ao circunstancialismo envolvente, o devedor deveria ter realizado pontualmente a prestação. A culpa nesta sede é apreciável pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso, ou seja, em abstracto (artigos 487º, n.º 2, e 799º, n.º 2, do Código Civil). Dir-se-á haver culpa quando o lesante não procedeu como procederia, nas circunstâncias do caso, uma pessoa normalmente diligente, o que implica dever considerar-se para o efeito a natureza da actividade em causa e o empresário idóneo (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, "Direito das Obrigações", Coimbra, 1997, pág. 353). 4. A conclusão de algum dos contratantes haver omitido o comportamento devido depende, além do mais, como é natural, da possibilidade de ter cumprido - ad impossibilia nemo tenetur. Resulta da lei a distinção entre a impossibilidade originária e superveniente da prestação - consoante exista ao tempo da fonte da obrigação ou surja depois dela - e objectiva e subjectiva - conforme o obstáculo se reporte à própria prestação ou à pessoa do devedor (artigos 401º, n.º 3, 790º e 791º do Código Civil). A impossibilidade superveniente da prestação de devedor é susceptível de derivar de facto do credor, de caso fortuito ou de força maior ou de facto de terceiro. No caso vertente, dado o quadro de facto disponível, só releva a impossibilidade superveniente da prestação do devedor por facto do credor, a qual ocorre quando este não presta àquele a cooperação necessária ao cumprimento, designadamente quando não desenvolve a actividade necessária para o efeito. Assumindo a impossibilidade em causa carácter definitivo, não se põe, como é natural, a questão da omissão pelo devedor do comportamento devido, e extingue-se a sua obrigação (artigo 790º, n.º 1, do Código Civil). Tornando-se a prestação do devedor impossível por facto não resultante de culpa, fica o credor desonerado da sua contraprestação e, se já a tiver realizado, tem o direito de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa (artigo 795º, n.º 1, do Código Civil). Mas se a prestação do devedor se tornar impossível por causa imputável ao devedor, ele é responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação (artigo 801º, n.º 1, do Código Civil). Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, pode exigir a restituição dela por inteiro (artigo 801º, n.º 2, do Código Civil). Se, porém, a prestação do devedor se tornar impossível por causa imputável ao credor, ou seja, por culpa sua, este não fica desonerado da contraprestação, mas se o devedor tiver algum benefício com a exoneração da sua obrigação de prestar, descontar-se-á na contraprestação (artigo 795º, n.º 2, do Código Civil). Fora deste quadro, também a lei admite situações de impossibilidade da prestação ligadas ao fim primário, ou seja, nos casos em que o interesse nela do credor desaparece após a constituição da relação obrigacional, por circunstâncias estranhas à vontade das partes artigo 1227º do Código Civil). 5. Conforme acima se referiu, o contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida é de prestação de serviço inominado, a que são extensivas, com as necessárias adaptações, as disposições relativas ao contrato de mandato (artigos 1154º a 1156º do Código Civil). Uma das obrigações essenciais do mandatário é a de praticar os actos compreendidos no mandato segundo as instruções do mandante (artigo 1161º alínea a), do Código Civil). Por seu turno, constituem, além do mais, obrigações do mandante, o fornecimento ao mandatário dos meios necessários à execução do mandato e a indemnização do prejuízo sofrido em consequência do mandato, ainda que o primeiro tenha procedido sem culpa (artigo 1167º, alíneas a) e d), do Código Civil). O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia do direito de revogação, salvo no caso de o mandato também tiver sido conferido no interesse do mandatário ou de terceiro, caso em que não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa (artigo 1170º do Código Civil). O mero facto de o contrato de mandato ser oneroso, ou seja, retribuído, não significa que também seja outorgado no interesse do mandatário. O conceito de justa a que se reporta o mencionado normativo abrange as circunstâncias em que, segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação, incluindo o facto de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim (BAPTISTA MACHADO, "Pressupostos da Resolução por Incumprimento", Lisboa, 1979, pág. 21). A parte que revogar o contrato de mandato deve indemnizar a outra do prejuízo por ela sofrido nos casos de tal ter sido convencionado ou de estipulação de irrevogabilidade ou de renúncia ao direito de revogação ou, provindo do mandante e versar sobre mandato oneroso, se o mandato tiver sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou nas situações de revogação sem a antecedência conveniente (artigo 1172º, alíneas a) a c), do Código Civil). Em consonância com o princípio da livre revogabilidade do mandato a que se reporta o n.º 1 do artigo 1170º deste Código, a obrigação de indemnização a que as mencionadas normas aludem não pressupõe a prática de acto ilícito ou incumprimento de qualquer obrigação contratual, e não é devida nos casos de a revogação assentar em factos integrantes de justa causa. Finalmente, caduca o contrato de mandato, além do mais, nos casos de morte ou interdição do mandante ou do mandatário, ou de inabilitação do primeiro se o mandato tiver por objecto actos que não possam ser praticados sem a intervenção do curador (artigo 1174º do Código Civil). Trata-se de normas que não excluem outras causas de caducidade, como é o caso do decurso do termo nele previsto ou o caso em que a prestação do mandatário se torna impossível. 6. É certo que a impossibilidade subjectiva da recorrente, ainda que sem culpa, consubstanciada na falta de meios para proceder ao pagamento à recorrida do preço convencionado concernente à sua prestação de assistência técnica não a exonerava dessa obrigação pecuniária. Todavia, tendo em conta a situação de facto disponível, não é isso que está em causa no recurso, certo que a recorrente era a credora de uma prestação de facere no confronto com a recorrida, e não se trata de obrigação de pagamento por ela de algum serviço que lhe tenha sido prestado pela última. A candidatura da recorrente ao projecto em causa envolvia um diagnóstico global da empresa da recorrente e a prestação de assistência técnica após a sua aprovação. Nessa conformidade, o projecto que foi aprovado com vista à modernização da empresa da recorrente compreendia um subsídio de investimento, determinada quantia para pagamento dos serviços de elaboração do projecto e um subsídio para o pagamento de assistência técnica à sua execução. Depois da aprovação do referido projecto, a própria recorrida, já no quadro da sua assistência técnica à recorrente desencadeou contactos e reuniões, além do mais, com instituições de crédito, para a implementação e financiamento do projecto, o que significa depender a sua execução de financiamento a conseguir pela segunda. Assim, a viabilidade das prestações decorrentes do contrato de prestação de serviço em causa não dependia apenas daquilo que a recorrente e a recorrida podiam e deviam fazer, mas também de cooperação de outrem, designadamente por via do financiamento em causa. Tal como foi referido na sentença proferida pelo tribunal da 1ª instância, o contrato de prestação de serviço integrou-se num programa obrigacional cujo cumprimento, enquanto resultado final visado pelas partes também dependia de circunstâncias alheias ao seu poder. A recorrente não conseguiu superar o condicionamento em que se inseria o seu direito à prestação da recorrida, de conseguir um financiamento bancário correspondente a € 521 902, 22, necessário à concretização do projecto de investimento negociado com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais. Não foi a prestação a que a recorrente estava adstrita que se tornou objectivamente impossível, mas a prestação de serviço a que a recorrida estava sujeita é que deixou de poder ser realizada. Com efeito, tinha a recorrente, no confronto da recorrida, o direito de crédito concernente à assistência técnica na execução do projecto de investimento, e a recorrida, no confronto com a recorrente, o direito de crédito atinente ao recebimento do preço correspondente. É uma situação em que, num contrato bilateral de prestação de serviços, a que são aplicáveis, com adaptações, as regras do mandato, nem a recorrida realizou a assistência técnica na execução propriamente dita do projecto de investimento, nem a recorrente lhe pagou o respectivo preço. A inexecução do projecto de investimento em causa derivou, na espécie, da inviabilização do financiamento, afectando o programa contratual estabelecido entre a recorrente e a recorrida, afectação essa que esteve na origem da não realização pela última do serviço de assistência técnica e, como é natural, de receber o preço correspondente. A prestação de serviço de assistência técnica, pensada como realizável ao tempo da celebração do contrato respectivo, impossibilitou-se subsequente e definitivamente, na esfera de risco da prestação e da sua utilização. Como a referida impossibilidade superveniente da prestação de assistência técnica não é imputável à recorrida, certo é que ela se extinguiu, nos termos do artigo 790º, n.º 1, do Código Civil. A recorrente não conseguiu concretizar o projecto de investimento que lhe foi deferido, de que dependia a prestação de serviço da recorrida, por circunstâncias supervenientes alheias à sua vontade, sendo certo que diligenciou para conseguir o referido financiamento, condição da execução do projecto, oferecendo garantias reais que lhe foram pedidas, designadamente a hipoteca sobre o imóvel onde exercia a sua actividade industrial Não lhe pode, por isso, ser assacada culpa na mencionada não concretização, porque diligenciou no sentido de concretizar o aludido projecto, designadamente no que concerne à obtenção do financiamento bancário de que aquela execução dependia, como o faria um empresário idóneo, o que afasta, na espécie, a conclusão de que essa irrealização lhe seja censurável do ponto de vista ético-jurídico. Por isso, ao invés do que foi entendido no acórdão recorrido, a recorrente ilidiu, nos termos dos artigos 350º, n.º 2, 487º, n.º 2, e 799º, n.º 1, do Código Civil, a presunção de culpa na impossibilitação da prestação de serviço de assistência técnica assumida pela recorrida. Em consequência, a impossibilidade da prestação de serviço de assistência por parte da recorrida não é, por isso, imputável à recorrente, pelo que não poderia funcionar, na espécie, a sanção de não desobrigação da contraprestação a que se reporta o artigo 795º, n.º 2, do Código Civil. 7. Vejamos agora a vertente indemnizatória por lucros cessantes, por a recorrida não ter realizado a sua prestação de assistência técnica à recorrente no que concerne à execução do projecto de investimento, que é essencialmente o fulcro do litígio que a ambas envolve. A Relação, a partir da afirmação do incumprimento do contrato imputável à recorrente, concluiu ser ela responsável nos termos do artigo 801º, n.º 1, do Código Civil e dever reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e que, por isso, deveria satisfazer o interesse que resultaria para a recorrida se o contrato tivesse sido cumprido - o lucro esperado. Todavia, conforme resulta do acima exposto, a recorrente era credora no confronto com a recorrida em relação uma prestação de facere que se impossibilitou por causa que lhe não é imputável em termos de censura ético-jurídica. Em consequência, não é aplicável, na espécie, o disposto nos artigos 795º, n.º 2, 801º, n.º 1, e 798º do Código Civil. Assim, no quadro do regime geral do incumprimento contratual, inexiste fundamento legal para se considerar a recorrente na obrigação de indemnizar a recorrida pelo lucro que não realizou por não haver prestado a assistência técnica convencionada. A solução a dar a esta problemática deve, porém, ser encontrada no quadro do regime legal específico do contrato de prestação de serviço em causa, a que acima se fez referência. A recorrente não denunciou o contrato de prestação de serviço, que podia fazer livremente, isto é, independentemente de justa causa derivada de conduta ilícita e culposa da recorrida (artigo 1170º do Código Civil). Em consequência, não podia a recorrida exigir da recorrente indemnização à luz do disposto no artigo 1172º, alínea c), do Código Civil. O contrato de prestação de serviço em causa terminou, na realidade, por caducidade, em razão da impossibilitação da prestação da recorrida não censurável do ponto de vista ético-jurídico à recorrente. Excluída está, pelo exposto, a obrigação da recorrente de indemnizar a recorrida pelo prejuízo derivado de a última não ter podido realizar a prestação de assistência técnica com a primeira convencionada. Procede, por isso, o recurso. Vencida, é a recorrida responsável pelo pagamento das custas respectivas, tanto as concernentes aos recursos como as relativas à acção (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). IV Pelo exposto, revoga-se o acórdão recorrido, absolve-se a recorrente do pedido contra ela formulado pela recorrida, e condena-se esta no pagamento das custas respectivas concernentes aos recursos e à acção.Lisboa, 22 de Abril de 2004. Salvador da Costa Ferreira de Sousa Armindo Luís |