Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3/23.7YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO CONTENCIOSO
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: AÇÃO ADMINISTRATIVA
AÇÃO DE ANULAÇÃO
PENA DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO
INFRAÇÃO CONTINUADA
INQUÉRITO
CONVERSÃO
CONTAGEM DE PRAZOS
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
CONSELHO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
OFICIAL DE JUSTIÇA
DEMISSÃO
VIOLAÇÃO DE LEI
COVID-19
CONHECIMENTO PREJUDICADO
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AÇÃO ADMINISTRATIVA
Decisão: PROCEDENTE.
Sumário :

I – É aplicável à prescrição da responsabilidade disciplinar de funcionários judiciais o disposto no artigo 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho, por remissão do artigo 89º do Estatuto dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo Decreto-lei nº 343/99 de 26 de Agosto e alterações subsequentes, nos termos do qual:“A infracção disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respectiva prática, salvo quando consubstancie também infracção penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos”.

II – Não existe no panorama jurídico nacional, e no que tange à responsabilização disciplinar de funcionários judiciais, qualquer disposição legal que permita associar ao momento da atribuição da notação de medíocre pelo Conselho de Oficiais de Justiça o efeito de definir, a partir daí, a contagem inicial do prazo de prescrição, em substituição do que se dispõe a este propósito, e expressamente, no artigo 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho, por remissão do artigo 89º do Estatuto dos Oficiais de Justiça.

III - O comportamento delitual unitário, concretizado na violação reiterada e constante pela funcionária judicial dos seus deveres funcionais de zelo, prossecução do interesse público e de lealdade, e cujo último facto praticado e objecto de valoração ocorreu em 30 de Setembro de 2019, só poderia gerar a efectivação da sua responsabilidade disciplinar se o correspondente inquérito disciplinar houvesse sido instaurado em 30 de Setembro de 2020, acrescido de um total de 86 dias, correspondente ao que decorreu entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho de 2020, em conformidade com o estipulado na Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, alterada pela Lei nº 1-A/2020, de 6 de Abril, e pela Lei nº 16/2020, de 29 de Maio de 2020, revogatória do anterior diploma, e que produziu efeitos a partir do dia 3 de Junho de 2020, em conformidade com o disposto nos respectivos artigos 8º 10º, não sendo admissível nenhuma outra dilação ou tentativa de prolongamento do horizonte temporal em apreço, por ausência do imprescindível respaldo legal.

IV - Havendo a conversão do processo de inquérito na parte instrutória do processo disciplinar ocorrido apenas em 9 de Setembro de 2021 (quase dois anos após a prática do último dos factos delituais em causa), por deliberação do Plenário do Conselho de Oficiais de Justiça (órgão que detém competência para a instauração do procedimento disciplinar, nos termos do artigo 94º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, o que não sucede com o Vice-Presidente do COJ, não incluído na disposição legal referida), impõe-se concluir que a infracção disciplinar se encontrava, na altura, prescrita, nos termos do artigo 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho.

V – Encontrando-se o acto administrativo viciado nos seus pressupostos por ofensa de normas jurídicas com as quais se devia conformar, o que configura insanável discrepância entre o conteúdo ou objecto do acto e o teor das disposições legais que lhe são aplicáveis (a deliberação impugnada violou o disposto no artigo 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho, por remissão do artigo 89º do Estatuto dos Oficiais de Justiça, por não haver atendido e considerado verificada a prescrição da infracção disciplinar, cujos pressupostos se verificavam inteiramente), o mesmo deve ser anulado nos termos gerais do artigo 163º, nº 1 do Código de Procedimento Administrativo, com todas as consequências que lhe são juridicamente inerentes (artigo 172º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo).

VI – Daí a procedência da presente acção administrativa, encontrando-se prejudicado o conhecimento de todas as outras questões jurídicas que foram suscitadas nos autos.

Decisão Texto Integral:


Processo nº 3/23.7TYFLSB.

Acordam na Secção do Contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça:

AA, residente na Rua ..., ao abrigo dos artigos 169º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, impugnou a deliberação proferida, em 7 de Fevereiro de 2023, pelo Conselho Plenário do Conselho Superior de Magistratura (que lhe foi notificada, por correio registado, em 8 de Fevereiro de 2023), demandando o Conselho Superior de Magistratura, sito na Rua ....

Essencialmente alegou:

1. A demandante é oficial de justiça, provida na categoria de escrivã auxiliar e, na sequência de deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça de 9 de Setembro de 2021, foi-lhe instaurado processo disciplinar (Processo nº ......21).

2. No âmbito do referido processo disciplinar foi deduzida a acusação contra a demandante, havendo esta apresentado a defesa.

3. Por deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça de 13 de Outubro de 2022 foi decidido notificar a demandante para esta, querendo, requerer a sua audiência perante o Plenário, com o fundameno que se antevia a sua demissão e tendo em conta “… os critérios definidos pela Jurisprudência do Tribunal Europeu no que respeita à aplicação do artigo 6º § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem às penas disciplinares de natureza expulsiva, ou seja, que importem a cessação definitiva do exercício da profissão …”.

4. A demandante, na sequência daquela notificação, requereu a sua audiência que se veio a verificar na Sessão do Plenário do COJ de 10 de Novembro de 2022.

5. Foi aplicada à ora demandante, no Conselho de ... de ... de 2022, a pena disciplinar de demissão, o que lhe foi notificado em 19 de Dezembro de 2022.

6. Desta deliberação foi interposto recurso hierárquico necessário para o Conselho Superior de Magistratura que, por deliberação do Conselho Plenário de 7 de Fevereiro de 2023, julgou o referido recurso improcedente, confirmando, na integra, a deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça de ... de ... de 2022 e, em termos finais, aplicou à demandantes a pena de demissão, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de zelo e lealdade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 73.º, n.ºs 1 e 2 alíneas a), e) e g), 3, 7 e 9, 180.º, n.º 1 alínea d), 181.º, n.º 6, 182.º, n.º 4, 187.º e 297.º da LGTFP.

7 - Os factos que motivaram a aplicação da pena disciplinar constam do relatório do senhor instrutor e situam-se, temporalmente, no período de ... de ... de 2018 a ... de ... de 2019.

8. A demandante invocou a prescrição da infração disciplinar, cujo prazo é de um ano sobre a prática de cada infracção (artigo 178.º, n.º 1 da LGTFP).

9. A deliberação impugnada considerou que o momento que desencadeia a contagem do referido prazo é a atribuição da classificação de Medíocre que ocorreu na sessão do Plenário do CSM de ... de ... de 2020 e não a prática de infração concretizada no tempo.

10 - A acusação considerou violados os deveres profissionais acima referidos de prossecução do interesse público, de zelo e de lealdade, atendendo à prática dos factos que constam ao longo da acusação, os quais, como se referiu se situam entre 2008 e 2019.

11 - A demandante foi demitida pela prática daqueles factos que se considerou terem determinado a violação dos referidos deveres profissionais e então ocorre a prescrição, por ter decorrido mais de um ano entre a sua alegada prática e a instauração do processo disciplinar.

12 - No quadro do processo disciplinar em análise verifica-se, sem dúvida, a prescrição das infrações disciplinares, resultantes dos factos alegadamente ilícitos, imputados à ora demandante e que conduziram a que fosse considerada a violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de zelo e lealdade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 73.º, n.ºs 1 e 2 alíneas a), e) e g), 3, 7 e 9, 180.º, n.º 1 alínea d), 181.º, n.º 6, 182.º, n.º 4, 187.º e 297.º da LGTFP.

13 - E é relação a cada um desses factos “per si” que constam da acusação e que servem de base à decisão punitiva que tem de se verificar se ocorreu, ou não, a prescrição da infração disciplinar, cujo prazo – no direito disciplinar (quer privado, quer público) – é de um ano.

14 - Ora, atendendo ao período temporal a que se reportam as infrações verificamos que, sem dúvida, à data da instauração do processo disciplinar, já tinha ocorrido a invocada prescrição.

15 - A acusação e a punição da demandante não radicaram em alegada inaptidão por exercício do cargo, tendo enveredado por um caminho diferente ao dissecar a sua actividade profissional ao longo de mais de uma década, apontando-lhe comportamentos alegadamente ilícitos ocorridos nesse período.

16 - Se, então, a infração disciplinar em causa é a avaliação de Medíocre e inaptidão profissional, então o processo disciplinar é nulo por a acusação não conter essa concreta imputação, negando, em consequência à demandante o direito de defesa sobre a mesma.

17 - E, nos termos do artigo 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa, em qualquer processo sancionatório é garantida a defesa do arguido, relativamente à matéria que serve para o punir, o que não se satisfaz com a acusação sobre qualquer outra matéria diferente.

18 - O processo por inaptidão tem de ter por base matéria reveladora dessa alegada inaptidão e não pode deixar de adoptar, por analogia, os requisitos fixados no regime do Contrato Individual de Trabalho para este tipo de despedimento (artigos 373.º e seguintes do C. Trabalho e 10.º do Código Civil). O que seguramente não ocorreu.

19 - Ocorre, assim, ilegalidade da sanção disciplinar aplicada, por violação das normas legais acima referidas e consequentemente da decisão impugnada que com ela concorda, fazendo-a sua.

20 - Resulta dos artigos 187º e 297.º da LTFP que a sanção disciplinar de demissão só pode ser aplicada em caso de infração que inviabilize a manutenção do vínculo de emprego público.

21 - Cabendo ao empregador invocar e comprovar factos que demonstrem que a infração inviabiliza a manutenção do vínculo de emprego, o que, no caso, não acontece.

22 - Aliás o Senhor Relator do processo disciplinar, no final do seu relatório, admitiu que se a demandante regressasse ao serviço, ao invés de ser despedida, fosse submetida a um programa de formação a ministrar pelo CFOJ, de acordo com o serviço onde está colocada, o que denota que via como possível a manutenção da relação de trabalho da demandante.

23 - Também alguns dos Senhores Conselheiros do COJ tiveram posição nesse sentido (cfr. a deliberação do Plenário de 13 de Outubro de 2022).

24 - De salientar que no regime de avaliação de desempenho da Administração Pública, a menção de inadequado que é a menção mais baixa do respetivo sistema de avaliação, conduz não a um processo disciplinar e demissão mas à análise dos fundamentos dessa menção no sentido de ser encontrada a formação profissional adequada e um plano individual de desenvolvimento profissional (cfr. artigo 53.º da Lei n.º 66-B/2007, na versão actual).

25 - À demandante, como se referiu, foi dada a possibilidade de ser ouvida pelo Conselho antes da aplicação da pena de demissão, o que, para o Conselho, funcionaria como uma garantia da sua defesa, pois como se diz na ata de 13 de Outubro de 2022 considerando que se antevia a demissão da demandante e o disposto no artigo 6º, § 1 da Convenção do Europeia dos Direitos do Homem preconizou-se a sua audição.

26 - O referido artigo 6º refere-se a um processo equitativo, mencionando, nomeadamente, que a culpabilidade deve ser legalmente provada, que o acusado deve ser informado da acusação e que deve dispor de tempo e meios necessários para a defesa.

27 - Ora, pela decisão punitiva, verifica-se que afinal de contas a audição da demandante serviu apenas para os decisores verificarem a questão da formação (que não era matéria da acusação) concluindo-se que mostrou incongruência nas suas afirmações quando refere necessitar de formação para melhorar a sua prestação mas, por outro lado, não reconhece o beneficio da mesma ao referir que os colegas vinham desinformados das ações de formação.

28 - Ou seja, afinal o que se pretendeu com a audição da recorrente não foi facultar-lhe a sua plena defesa, mas afastar o fundamento da falta de formação profissional da demandante, invocado por esta na defesa e bem acolhido pelo Senhor Relator e outros membros do COJ, para que não fosse aplicada a sanção de despedimento.

29 – O que está em causa é a formação especifica para a situação concreta da demandante e para o posto de trabalho que ocupar. Como no regime do Código do Trabalho só poderia ser considerado o despedimento por inaptidão do trabalhador, após ter sido ministrada formação profissional adequada, para além de outros requisitos, nomeadamente não existir outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional da demandante (artigos 374º a 380.º do Código do Trabalho).

30 - Ora, a Administração não proporcionou formação profissional adequada à situação concreta da demandante, como era sua obrigação de acordo com o artigo 11º do Decreto-Lei nº 86-A/2016, de 29 de Dezembro e artigo 127º/1, d) do Código do Trabalho.

31 - A demandante acabou por ser demitida devido às suas ausências ao serviço, por motivos de doença justificadas e que a afastaram, por largos períodos, do exercício de funções e respetivo contacto funcional com a dinâmica do trabalho de um funcionário judicial.

32 - Este afastamento, não lhe permitiu acompanhar a evolução legislativa e tecnológica que nos tribunais foi muito intensa (nomeadamente a plataforma citius e suas funcionalidades, videoconferências, gravação de audiências de julgamento com reflexo, na elaboração das actas que passou a ser diferente de acordo com o regime do CPC).

33 - A fls. 20/21 da decisão aqui em causa consta o total das ausências da demandante em cada ano de 2008 a 31 de Dezembro de 2020 e por aqui se verifica que esteve ausente um total de 919 dias e que prestou serviço, durante curtos períodos temporais interpolados, com a passagem por vários tribunais, em diferentes áreas de direito.

34 - Não colhe, assim, o argumente no sentido que a demandante podia ter obviado às deficiências técnicas, nos períodos em que esteve ao serviço, pois, para além do tempo de permanência ter sido sempre curto não lhe permitindo a adaptação não lhe foi proporcionada formação profissional adequada a cada uma das áreas de direito em questão, nem relativa à atualização na área tecnológica.

35 - A demandante num total de 1.322 dias de trabalho, faltou, justificadamente, 919 dias, tendo prestado os seguintes períodos de trabalho: 58 dias em 2008, 92 dias em 2009, 67 dias em 2010, 24 dias em 2011, 64 dias em 2012, 17 dias em 2013, 01 dia em 2014, 20 dias em 2015, zero dias em 2016, 13 dias em 2017, zero dias em 2018 e 47 dias em 2019.

36 - Assim, por muito que a demandante se aplicasse, esforçasse e empenhasse naqueles períodos de permanência, não podia fazer muito mais do que aquilo que conseguiu fazer.

37 - Até porque mesmo nos períodos de presença sofria de dores intensas por ser portadora de fibromialgia, lombalgia, patologia degenerativa da coluna vertebral e problemas de visão como está descrito a fls. 20 da decisão impugnada.

38 - Assim não se considerando mostram-se violadas as normas legais acima referidas.

Conclui a demandante no sentido de ser dado provimento à presente acção de impugnação sendo anulada a decisão impugnada que aplica a pena de demissão à demandante e sendo esta reintegrada ao serviço com todos os direitos, nomeadamente antiguidade e com pagamento das retribuições mensais e subsídios, desde a data em que deixaram de lhe ser pagas, em consequência da aplicação da pena disciplinar, até que o seu pagamento seja retomado, bem como juros de mora, à taxa legal, desde a data em que cada uma das quantias era devida até efectivo pagamento.

Contestou o Conselho Superior da Magistratura nos seguintes termos:

1 - Por deliberação de ... de ... de 2020 o Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) acordou atribuir ao trabalho desempenhado pela Exma. Senhora AA, doravante Autora, Escrivã-Auxiliar, com o número mecanográfico ...91, pelo período inspetivo compreendido entre 1 de Janeiro de 2008 a 30 de Setembro de 2019, a classificação de “Medíocre”.

2 - Em ... de ... de 2020, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, na sequência de impugnação apresentada pela aqui Autora, confirmou a deliberação do Plenário do COJ.

3 - Por despacho de 5 de Janeiro de 2021 a Exma. Senhora Vice-Presidente do COJ determinou a instauração de inquérito, bem como a suspensão imediata de funções da Autora, sendo, após, elaborado relatório preliminar que propunha a conversão dos autos de inquérito em processo disciplinar.

4 - Em 11 de Janeiro de 2022 foi deduzida acusação contra a Autora, sendo-lhe imputada a prática de uma infração disciplinar que inviabiliza a manutenção do vínculo de emprego público que detinha, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 73.º nº 1 e 2 alíneas a), e) e g), 3, 7 e 9, 180º nº 1 al. d), 181º nº 6, 182º nº 4, 187º e 297º da LGTFP, aplicável por força do disposto nos artigos 66º, 69º e 89º e ss do EFJ, anunciando-se a sanção disciplinar de demissão e concedendo-se o prazo de 20 dias para que a trabalhadora apresentasse, querendo, a sua defesa, nos termos dos artigos 216º e 217º da LTFP aprovado pelo citado diploma legal.

5 - Notificada pessoalmente da acusação em 25 de Janeiro de 2022, a trabalhadora apresentou em 23 de Fevereiro de 2022 a respetiva defesa pugnando pelo arquivamento do processo disciplinar, sem que fosse aplicada qualquer sanção disciplinar.

6 - Instruído o processo, foi elaborado o relatório final, no qual se imputou à agora Autora a prática de uma infração disciplinar continuada, assumindo um comportamento profissional de manifesto desinteresse pela função, contrário e desajustado ao que lhe era exigido enquanto oficial de justiça, provida na categoria de escrivã auxiliar, em violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público de zelo e de lealdade, infração disciplinar prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 73.º nºs 1 e 2 alíneas a), e) e g), 3, 7 e 9, 180.º nº 1 alínea d), 181.º nº 6, 182.º nº 4, 187.º e 297.º da LGTFP, aplicável por força do disposto nos artigos 66.º, 69.º, 89.º e ss do EFJ, a punir com a sanção disciplinar de demissão.

7 - Mais se propôs que na eventualidade da Senhora Funcionária regressasse ao serviço, fosse submetida a programa de formação a ministrar pelo CFOJ, de acordo com o serviço onde ao momento se encontrava colocada.

8 - Por maioria, foi aprovada a deliberação do Plenário do COJ de 13 de Outubro de 2022, a qual, concordando com o teor do relatório final e antevendo a aplicação da sanção disciplinar de demissão, determinou que a Autora fosse notificada para, no prazo de cinco dias, requerer, querendo, a sua audição, antes de ser proferida deliberação final.

9 - Em conformidade com o requerido pela Autora em 7 de Novembro de 2022, foi a mesma ouvida pelo Conselho Plenário do COJ em 10 de Novembro de 2022.

10 - O Plenário do COJ, em ... de ... de 2022, deliberou com um voto contra, pela aplicação da sanção disciplinar de demissão, em face do comportamento profissional de manifesto desinteresse pela função, contrário e desajustado ao que é exigido enquanto oficial de justiça, em violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público de zelo e de lealdade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 73.º nºs 1, 2, alíneas a), e) e g), 3, 7 e 9, 180.º nº 1 alínea d), 181.º nº 6, 182.º nº 4, 187.º e 297.º da LGTFP, aplicável por força do disposto nos artigos 66.º, 69.º e 89.º e ss do EFJ.

11 - A Autora apresentou recurso hierárquico impróprio da deliberação do COJ de ... de ... de 2022 ao abrigo do disposto no artigo 118.º, n.º 2 do EFJ.

12 - Tendo o Plenário do CSM deliberado, em 7 de Fevereiro de 2023 pela improcedência da impugnação apresentada e confirmar “na íntegra a deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça datada de ... de ... de 2022 e, em consequência aplicar-lhe a sanção de demissão por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público de zelo e de lealdade, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 73º nºs 1, 2, alíneas a), e) e g), 3, 7 e 9, 180º 1 al. d), 181º 6, 182º 4, 187º e 297º da LGTFP, aplicável por força do disposto nos artºs 66º, 69º e 89º e ss do Estatuto dos Funcionários de Justiça”.

13 - Não se conformando com a deliberação do Plenário do CSM vem, a Autora, apresentar a presente acção administrativa que agora se contesta.

14 - Para tal alega, em suma, a) a prescrição da infração disciplinar, b) a nulidade da acusação, por a matéria que consta da mesma não se encontrar devidamente circunstanciada, c) a ausência de requisitos legais para a aplicação da sanção de demissão, uma vez que não se encontra comprovada a inviabilização da relação laboral e porque não foi submetida a um plano individual de valorização profissional, d) ilegalidade pelo incumprimento de procedimento legal, uma vez que, na sua ótica, a audiência pública não cumpriu os fins visados na lei e e) ausência de fundamento da decisão de demissão.

Da alegada prescrição da infração disciplinar

15 - Alega a Autora que à luz do disposto no artigo 178.º, n.º 1, da LGTFP a infracção disciplinar encontra-se prescrita, uma vez que os factos se situam num período compreendido entre 4 de Agosto de 2008 e 30 de Setembro de 2019 e, ainda, que quando o processo disciplinar foi instaurado (em 9 de Setembro de 2021), o prazo de um ano já tinha decorrido.

Vejamos:

16 - Refere o artigo 178.º, n.º 1, do LGTFP que: a infracção disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respectiva prática, salvo quando consubstancie também infracção penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos.

17 - Primeiramente, há que notar que a inspeção ordinária ou extraordinária visa avaliar o mérito do trabalhador, não constituindo este procedimento avaliativo um processo disciplinar especial, pelo contrário, este procedimento avaliativo é autónomo do disciplinar e não se confunde com este, ainda que, como no presente caso, dada a verificação de determinadas condições legais como a notação de “medíocre” vá despoletar a realização de inquérito com vista a apurar a ineptidão do funcionário para o exercício do cargo que, caso se verifique, desencadeia a instauração de processo disciplinar, neste sim, tenta-se apurar a responsabilidade disciplinar do visado.

18 - Neste sentido, vai a jurisprudência do STA, distinguindo entre os fins subjacentes ao procedimento classificativo e ao procedimento disciplinar e, evidenciando a relevância do resultado do primeiro no segundo, quando a notação atribuída é de “medíocre”, conforme consta do acórdão proferido em ... de ... de 2016, no processo n.º .....16 (com negritos nossos).

19 - Também a jurisprudência do STA, em concreto do Pleno da Secção de Contencioso do STA em acórdão proferido em ... de ... de 2006, no processo n.º .....02, esclarece que o conhecimento relevante da falta, para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição, decorre a partir da atribuição da notação de “medíocre”.

20 - No que diz respeito à alegação da autora sobre a prescrição da infracção disciplinar consta da deliberação do Plenário do CSM o seguinte (com negritos nossos):

“Com interesse para a apreciação da questão, importa ter presente o iter processual do processo ......21, que descrevemos supra:

a) Por decisão do Plenário do COJ de ... de ... de 2020 foi atribuída à Recorrente a classificação de Medíocre, referente ao período de 1 de Janeiro de 2008 a 30 de Setembro de 2019;

b) A Recorrente impugnou tal decisão, a qual veio a ser apreciada e confirmada por deliberação do Conselho Superior da Magistratura de ... de ... de 2020;

c) Aberta conclusão em 4 de Janeiro de 2021 com a informação da notação atribuída, a Exmª Senhora Vice Presidente do COJ, por despacho de 5 de Janeiro de 2021 determinou a instauração de inquérito;

d) Por deliberação do Plenário do COJ de 9 de Setembro de 2021 foi apreciado o relatório intercalar e acolhendo a proposta do mesmo, decidiu converter os autos de inquérito em processo disciplinar;

e) Por deliberação do COJ de ... de ... de 2022 foi aplicada à Recorrente a sanção disciplinar de demissão, em face do seu comportamento profissional de manifesto desinteresse pela função, contrário e desajustado ao que lhe é exigido enquanto oficial de justiça, provida na categoria de escrivã auxiliar, em violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público de zelo e de lealdade, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 73º nºs 1, 2, alíneas a), e) e g), 3, 7 e 9, 180º 1 al. d), 181º 6, 182º 4, 187º e 297º da LGTFP, aplicável por força do disposto nos artºs 66º, 69º e 89º e ss do Estatuto dos Funcionários de Justiça. (…)

Na verdade, dispõe o artº 69º nº 1 do EFJ que a classificação de Medíocre implica para os oficiais de justiça a suspensão e a instauração de inquérito por inaptidão para o exercício do cargo.

Esta circunstância implica que não seja propriamente uma única infracção ou conjunto de infracções, rigorosamente determinadas no tempo, que sejam só por si relevantes, mas sim um determinado desempenho ao longo do tempo indiciador de inaptidão para o exercício do cargo que inviabiliza a manutenção do vínculo de emprego público.

Assim, o momento que desencadeia o início dos prazos de caducidade é a atribuição da classificação de Medíocre e não a prática de qualquer infracção concretizada no tempo, como pretende a Recorrente.

Ora, a atribuição de tal notação vem apenas a ocorrer em ... de ... de 2020 (data da deliberação do Plenário do CSM), sendo que o processo disciplinar vem a ser instaurado em 9 de Setembro de 2021, antecedido de inquérito mandado instaurar em 5 de Janeiro de 2021, com conclusão aberta em 4 de Janeiro de 2021 com a informação daquela atribuição”.

21 - Assim, tendo presente a doutrina e jurisprudência supra evidenciadas, bem andou a deliberação sub judice, quando refere que é a atribuição da notação de “medíocre” que desencadeia o início dos prazos de caducidade, não se verificando a prescrição alegada e não comprovada pela Autora.

Da alegada nulidade da acusação, por a matéria que consta da mesma não se encontrar devidamente circunstanciada

22 - A autora defende que o processo disciplinar é nulo porque a acusação não contém uma concreta imputação de inaptidão profissional.

23 - Sobre esta alegação da Autora, esclarece-se na deliberação do Plenário de 7 de Fevereiro de 2023 (que vai no mesmo sentido do acórdão .....16 antes mencionado) que: “Nos presentes autos, (…) não está em causa uma infracção devidamente situada no tempo, mas sim um desempenho, um determinado modo de actuação que se prolongou no tempo, o qual, segundo a acusação é susceptível de revelar inaptidão para o exercício do cargo e inviabilizador da manutenção do vínculo de emprego público”.

24 - E após, demonstra-se que: “ao contrário do defendido na peça recursiva, na acusação são descritas devidamente as circunstâncias de tempo, modo e lugar que permitem o exercício adequado do direito de defesa.

Senão vejamos:

Nos factos 2 a 7 são mencionadas as colocações da Recorrente nos diversos Tribunais e núcleos.

Seguidamente, se concedemos que os factos 8 a 11 envolvem um juízo conclusivo, certo é que este é devidamente concretizado nos restantes factos do libelo acusatório, por referência a concretas actuações, em concretos lugares. E com efeito, os factos 12 a 16 referem-se ao desempenho da Recorrente na extinta Vara Mista de ..., os factos 17 a 23 ao desempenho nos Juízos Cíveis, Juízos Criminais e Secção Central do extinto Tribunal Judicial de ..., os factos 24 a 27 ao desempenho no Juízo Cível de ... do extinto Tribunal Judicial de ..., os factos 28 a 42 ao desempenho na unidade de processos afecta ao J. do Juízo de Família e Menores de ... e os factos 43 a 61 ao desempenho na unidade de processos afecta ao J. do Juízo Local Criminal de ....

Assim, em cada bloco de factos são descritas as dificuldades sentidas pelos seus superiores hierárquicos, em cada um dos locais onde a Exmª Recorrente esteve colocada, na atribuição de tarefas à Recorrente, atenta a manifesta incapacidade da mesma para as desempenhar sendo que estas tarefas são concretamente descritas. São também identificados concretos erros em que incorreu a Recorrente e o prejuízo que tal acarretava para a restante equipa de trabalho, com o que se mostra sustentada a circunstância agravante que a Recorrente invoca não se extrair da factualidade descrita na acusação.

Por último, quanto à alegada produtividade da Recorrente, a mesma encontra-se plasmada nos quadros que constam dos factos 66 e 67, com indicação de número e tipo de actos praticados, por referência a cada um dos lugares onde desempenhou funções, sendo feita a menção do número de dias que faltou, o que permite também ponderar devidamente as duas realidades, isto é trabalho efectivamente realizado nos dias em que se encontrou ao serviço.”

25 - Encontrando-se assim plenamente circunstanciados e comprovados todos os fatos que permitem aferir sobre a inaptidão profissional, não se verificando qualquer ilegalidade da deliberação em crise.

Da alegada ausência de requisitos legais para a aplicação da sanção de demissão

26 - Na perspetiva da Autora o “processo de inaptidão tem de ter por base matéria reveladora dessa alegada inaptidão” o que a seu ver não ocorreu no presente processo disciplinar.

27 - Neste âmbito, a deliberação do Plenário do CSM apreciou o mérito da deliberação do COJ que aplicou à Autora a sanção disciplinar de demissão. Trazendo à colação o que naquela se refere sobre o desempenho da Autora, de onde decorre uma “imagem global (…) inequívoca quanto à sua incapacidade técnica para o exercício de funções numa unidade processual de qualquer tribunal, fortemente caracterizadas por trabalho em equipa e em que, por isso mesmo, o desempenho de qualquer elemento se reflecte nos demais e, sobretudo, no resultado final, in casu a própria administração da justiça ao serviço do cidadão”.

(…)

“O que se equaciona, (…) é a falta de preparação intelectual, os conhecimentos básicos e a autonomia que a Sra. escrivã auxiliar AA deveria possuir para o exercício das cada vez mais exigentes funções de oficial de justiça, que infelizmente não possuiu e que a tornam inábil para o exercício das suas funções.

De facto, a pedra de toque de todas as informações dos seus superiores hierárquicos e magistrados, assim como as declarações prestadas nos autos, vão no sentido inequívoco de que a mesma Sra. funcionária não tem os requisitos mínimos para o desempenho das suas funções de oficial de justiça. Tal circunstância, comprovadamente, forçava as suas chefias a atribuir-lhe tarefas rotineiras, de pouca ou nenhuma complexidade e em nada coincidentes com o tempo de serviço (mais de vinte anos) e experiência que deveria possuir. Qualquer tarefa de maior complexidade que fosse atribuída à Sra. funcionária exigia das suas chefias uma supervisão exaustiva e pormenorizada que nem sempre é possível de concretizar atendendo à concreta realidade dos Tribunais.

Como se não bastasse este anómalo, persistente e inconseguido desempenho profissional, também a prova recolhida demonstra à saciedade que a Sra. funcionária não revelava vontade de apreender, espírito de iniciativa e interesse pela profissão, conforme resulta, designadamente, das expressivas declarações da Sras. escrivãs de direito BB (fls. 98), CC (fls. 103 e 104) e DD (fls. 115 e 118).

(…)

Frisa-se que estando a Sra. funcionária notada com suficiente (notação atribuída em 2008), o que dela se esperaria era que revertesse aquela situação, aprofundando os seus conhecimentos técnicos e teóricos e, acima de tudo, que demonstrasse um interesse real e efetivo pela sua profissão, o que claramente não se verificou visto uma vez que ao longo de toda a sua carreira (cerca de vinte anos) tem optado por uma atitude de passividade e de indiferença censurável face ao que lhe era exigido.

Com o descrito comportamento, colocou-se a Sra. funcionária em situação irreversível de inaptidão para o exercício do cargo, levando a sua cessação.

Concluindo-se que: “em função da factualidade dada por provada é inequívoca a violação daqueles deveres, uma vez que se apurou:

- É oficial de justiça desde 2001;

- Cometia erros frequentes, como abrir conclusões, quando deveria abrir vistas e juntar expediente aos processos errados;

- Não sabia preparar um julgamento, assessorar as diligências de sala, cumprir despachos ou prestar informações ao público;

- Em face deste circunstancialismo, os Senhores Juízes recusavam-se a ter a Recorrente ao serviço de sala;

- Dadas as mesmas circunstâncias eram-lhe atribuídas tarefas simples, como encaminhar as pessoas que iriam depor por videoconferência, proceder ao registo de papéis de natureza simples, digitalizar documentos, procurar os processos para os quais entravam papéis, a fim de posteriormente serem juntos, e auxiliava ao transporte dos processos para o gabinete dos magistrados;

- Apresentava ausências prolongadas e quando regressava ao serviço não recordava as tarefas que tinha a seu cargo e a forma de as executar;

- Previamente a um período de ausência, deixou actas por executar em processos, alguns dos quais complexos, o que implicou a necessidade de as mesmas serem elaboradas por terceiros;

- Atentas as características deste desempenho, os Senhores Escrivães de Direito solicitaram ao Senhor Administrador Judiciário que retirasse a Recorrente dos respectivos juízos, porquanto era prejudicial ao bom funcionamento do serviço.

(…)

“(…) em face do desempenho da Exmª Recorrente, ao longo da sua carreira e que acima sumariamente descrevemos, nos resta concluir, que a imagem global da mesma é inequívoca quanto à sua incapacidade técnica para o exercício de funções numa unidade processual de qualquer tribunal, fortemente caracterizadas por trabalho em equipa e em que, por isso mesmo, o desempenho de qualquer elemento se reflecte nos demais e, sobretudo, no resultado final, in casu a própria administração da justiça ao serviço do cidadão.

28 - Pelo supra descrito na deliberação sub judice, nomeadamente toda a factualidade vertida, suportada pelos elementos probatório do processo disciplinar ........21, decorre comprovada a clara inaptidão da autora para o serviço.

29 - A Autora defende que deveria ter sido submetida a um plano de formação profissional segundo o regime de avaliação de desempenho da Administração Pública, nomeadamente o artigo 53.º da Lei n.º 66-B/2007.

30 - Primeiramente, cumpre salientar que a inspeção e correspondente classificação do pessoal da carreira especial de oficial de justiça é realizada à luz do Estatuto dos Funcionários de Justiça e do Regulamento das Inspeções do Conselho dos Oficiais de Justiça - Regulamento n.º 339/2021, de 13 de abril e não da Lei n.º 66-B/2007 que estabelece o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na AdministraçãoPública.

31 - E, por conseguinte, a atribuição da classificação de “medíocre” implica, conforme dispõe o artigo 69.º, n.º 1 do EFJ, a suspensão e a instauração de inquérito por inaptidão para o exercício do cargo, o que, aliás, se verificou no presente caso.

32 - Após, e conforme se refere na deliberação do plenário do CSM, fazendo referência ao relatório final do COJ “é do conhecimento generalizado dos Srs. oficiais de justiça que o Centro de Formação dos Oficiais de Justiça (CFOJ) possui uma plataforma, amplamente divulgada, em “e-learning”, consultável e https://dgaj.justica.gov.pt/Tribunais/Formacao-de-funcionarios-de-justica /Plataforma-e-learning, disponibilizando ações de formação nas diferentes áreas temáticas, ações essas a que a Sra. funcionária, assim como todos os oficiais de justiça, tem acesso.

Acrescenta-se que, sem prejuízo do CFOJ mostrar sempre inteira disponibilidade para o esclarecimento de dúvidas que lhe são colocadas, quer pelo telefone ou email, para colmatar estas mesmas dúvidas e insuficiências formativas são ainda disponibilizados manuais elaborados pelo Centro de Formação dos Oficiais de Justiça.

Assim, estando as referidas acções de formação devidamente publicitadas, cabe aos senhores oficiais de justiça a iniciativa de às mesmas acederem, sendo certo que, algumas sendo ministradas através da plataforma e-learning, permite aos formandos adequarem a sua disponibilidade à sua frequência, a qual pode até ocorrer quando se encontrem justificadamente ausentes ao serviço”.

33 - Além do supra referido, decorre ainda da factualidade vertida, que em diversos momentos a Autora recebeu formação em contexto de trabalho, sob a orientação e acompanhamento de colegas e superiores hierárquicos, veja-se a título de exemplo a seguinte factualidade:

34 - A Autora teve ainda a oportunidade de beneficiar de formação em contexto laboral, que neste caso decorreu sobre uma das funções primordiais da categoria de escrivão-auxiliar, o apoio e assistência prestados aos magistrados judiciais (mapa I, alínea g) do EFJ), extremamente eficiente nas circunstâncias em apreço, pois permitira à autora a aprendizagem in loco, podendo confrontar os seus apontamentos ou “simulacro de ata” com a da colega que a auxiliava, tendo ainda oportunidade de fazer questões sobre situações reais e vê-las esclarecidas, para consequentemente melhorar a sua prestação, no entanto, nem este tipo de formação se mostrou eficaz no caso da Autora.

d) A alegada ilegalidade pelo incumprimento de procedimento legal

35 - Na ótica da Autora a audiência pública não cumpriu os fins visados na lei, ou seja, facultar-lhe a sua plena defesa.

36 - No entanto, contrariamente ao alegado, consta do extrato da ata n.º 17/2022 de fls. 502 a 503 do P.A. que foi dada a palavra à Autora “para se pronunciar sobre a matéria da acusação, o que fez”, tendo sido questionada pelo Exmo. Senhor Vice-Presidente do COJ “sobre os factos constantes da acusação, nomeadamente quais os motivos que a levaram a cometer tais factos, as suas circunstâncias de vida, a sua motivação para manter o vínculo e continuar a prestar serviço público, tendo a mesma respondido”, e foi inclusivamente dada a palavra à Exma. Advogada, Dr.ª EE, para querendo, colocar alguma questão que julgasse pertinente em defesa da senhora Oficial de Justiça”

37 - Pelo que, não se compreende, também nesta senda, o alegado e não comprovado pela Autora sobre o cumprimento deficiente do procedimento legal que permitiu o seu direito de audiência.

Da alegada ausência de fundamento da decisão de demissão.

38 - A Autora entende que se lhe fosse ministrada formação a situação de inaptidão poderia ser revertida, assim como, as suas ausências justificadas foram a razão pela qual foi demitida.

39 - No que diz respeito à formação remetemo-nos para o supra referido sobre a disponibilização de formação por parte do Centro de Formação de Oficiais de Justiça inclusivamente em regime e-learning, assim como a total abertura para a prestação de auxilio aos oficias de justiça, esclarecendo dúvidas por diversos canais de comunicação.

40 - Também se deixou evidenciado que em diversos momentos a Autora beneficiou de formação em contexto de trabalho não retirando dela qualquer aprendizagem.

41 - No que diz respeito à influência das doenças de que padece no seu desempenho, refere-se na deliberação do Plenário que: “a produtividade da Recorrente, encontra-se plasmada nos quadros que constam dos factos 66 e 67, com indicação de número e tipo de actos praticados, por referência a cada um dos lugares onde desempenhou funções, sendo feita a menção do número de dias que faltou, ponderando-se o trabalho efectivamente realizado nos dias em que se encontrou ao serviço” (…) não foram as ausências ao serviço tout court que motivaram a sanção disciplinar aplicada, tanto mais, que a mesma não se fundamenta em qualquer violação do dever de assiduidade, mas sim nas incapacidades técnicas demonstradas.”

42 - Ainda assim na Deliberação admite-se que existe uma relação entre as suas incapacidades técnicas demonstradas e a sua assiduidade, no entanto, na mesma Deliberação frisa-se que “um sério, forte e esforçado empenho, por parte da Recorrente, nos períodos em que esteve ao serviço, teriam obviado às deficiências técnicas demonstradas e permitido um desempenho aceitável e merecedor da manutenção do vínculo público, o que infelizmente não vislumbramos”, além do mais, estamos perante uma funcionária com mais de vinte anos de serviço, pelo que, e mesmo perante o seu quadro de assiduidade, oportunidades não faltaram para demonstrar o referido empenho.

43 - Com efeito e a título conclusivo, defende-se a improcedência de qualquer pretensa invalidade da deliberação sub judice, devendo o pedido da Autora, em absoluto, soçobrar.

Foi decidido dispensar a audiência prévia nos termos do nº 2 do artigo 87.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que não mereceu qualquer objecção por parte da demandante e demandado.

Resultou provado nos autos:

1. Por deliberação de ... de ... de 2020, o Conselho dos Oficiais de Justiça atribuiu ao desempenho funcional da Autora, no período inspectivo compreendido entre 1 de Janeiro de 2008 e 30 de Setembro de 2019 a classificação de “Medíocre”.

2. Na sequência de impugnação apresentada pela Autora contra a deliberação mencionada no ponto n.º 1, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, em ... de ... de 2020, deliberou confirmar aquela decisão.

3. Por despacho de 5 de Janeiro de 2021, a Exma. Senhora Vice-Presidente do Conselho dos Oficiais de Justiça determinou a instauração de inquérito, bem como a suspensão imediata de funções da Autora.

4. Por deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça de 9 de Setembro de 2021 foi apreciado o relatório intercalar e decidido converter o inquérito em processo disciplinar.

5. Na sequência da conversão do processo de inquérito em processo disciplinar, em 11 de Janeiro de 2022 foi deduzida acusação contra a Autora, sendo-lhe imputada a prática de «(…) uma infração disciplinar que inviabiliza a manutenção do vínculo de emprego público que detém, está prevista e é punida pelas disposições conjugadas dos artigos 73.º nº 1 e 2 alíneas a), e) e g), 3, 7 e 9, 180º nº 1 al. d), 181º nº 6, 182º nº 4, 187º e 297º da LGTFP, aplicável por força do disposto nos artigos 66º, 69º e 89º e seguintes do EFJ, cabendo ao caso a sanção disciplinar de DEMISSÃO (…)».

6. Foi elaborado o relatório final, no qual se propôs que por ter «(…) infração disciplinar continuada, assumindo um comportamento profissional de manifesto desinteresse pela função, contrário e desajustado ao que lhe era exigido enquanto oficial de justiça, provida na categoria de escrivã auxiliar, em violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público de zelo e de lealdade, infração disciplinar prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 73.º nºs 1 e 2 alíneas a), e) e g), 3, 7 e 9, 180.º nº 1, alínea d), 181.º nº 6, 182.º nº 4, 187.º e 297.º da LGTFP, aplicável por força do disposto nos artigos 66.º, 69.º, 89.º e seguintes do EFJ (…)» fosse «(…) aplicada a sanção disciplinar de DEMISSÃO (…)» ou «(…) Assim não sendo entendido, na eventualidade (pouco provável) de a Sra. Funcionária retornar ao serviço (…)» a mesma fosse «(…) submetida a programa de formação a ministrar pelo COJ, de acordo com o serviço onde ao momento se encontrar colocada».

7. A 13 de Outubro de 2022, o Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça deliberou concordar com o relatório final e notificar a Autora para, no prazo de cinco dias, requerer, querendo, a sua audição, antes de ser proferida deliberação final.

8. Na sequência de requerimento, a Autora foi ouvida pelo Conselho Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça em 10 de Novembro de 2022, tendo o respectivo Exmo. Sr. Vice-Presidente lhe dado palavra «(…) para se pronunciar sobre a matéria da acusação, o que fez (…)».

9. Em ... de ... de 2022, o Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça deliberou considerar que a Autora assumira um «(…) comportamento profissional de manifesto desinteresse pela função, contrário e desajustado ao que é exigido enquanto oficial de justiça, em violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público de zelo e de lealdade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 73.º nºs 1, 2, alíneas a), e) e g), 3, 7 e 9, 180.º nº 1 alínea d), 181.º nº 6, 182.º nº 4, 187.º e 297.º da LGTFP, aplicável por força do disposto nos artigos 66.º, 69.º e 89.º e ss do EFJ (…) e aplicar-lhe a sanção disciplinar de demissão, mais considerando que as «(…) declarações prestadas em sede de audição não infirmam as razões que estão na base da deliberação de demissão, pois a sua postura foi de imputar o seu insucesso profissional aos outros, seus superiores hierárquicos e magistrados. Denotou-se, ainda, incongruência nas suas afirmações quando refere necessitar de formação para melhorar a sua prestação mas, por outro lado, não reconhece os benefícios da mesma, ao referir que os colegas vinham desinformados das ações de formação (…)».

10. Na sequência de impugnação aduzida pela Autora contra a deliberação parcialmente transcrita no ponto n.º 9, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, a 7 de Fevereiro de 2023, deliberou:

«(…) I- Matéria de Facto

São os seguintes os factos relevantes que constam do relatório final elaborado nos termos do artº 219° n° 1 da Lei Geral do Trabalho em Funções Publicas (LGTFP), bem como fundamentação no mesmo constante


Da acusação


1.º A Sra. AA e oficial de justiça, detendo a categoria de escrivã auxiliar e número mecanográfico ....91.


2.º Tendo iniciado funções no Tribunal de ..., era regime de estágio, no dia ... de ... de 2000 - cf. fls. 76.


3.º EM ... de ... de 2001, foi colocada no Tribunal de ... (como eventual), onde se manteve até ... de ... de 2004.


4.º Após aquele período, trabalhou, sucessivamente, na ... Vara Cível de ..., nas Varas Mista de ..., na Secretaria Geral dos Juízos de ..., no Tribunal de ... e novamente nas Varas Cíveis de ...


5.º Com efeitos reportados a ... de ... de 2012, a Sra. oficial de justiça AA foi colocada no Tribunal de ... (agora núcleo), onde ainda permanece.


6.º Após a nova reorganização judiciária, que entrou em vigor em ..., a escrivã auxiliar AA foi colocada nos seguintes serviços: de ... de ... de 2014 a ... de ... de 2018 - Juízo de Família e Menores de ..., Unidade Processual ... e de ... de ... de 2019 a ... de ... de 2020 no Juízo Local Criminal de ... -J. - cf. fls. 242.


7.º No período compreendido entre ... de ... de 2018 e ... de ... de 2019 permaneceu sem colocação definida - cf. fls. 242.


8.º O desempenho profissional da escrivã auxiliar Sra. AA vem, desde longa data, a ser intercalado por recorrentes e sucessivos períodos de faltas ao serviço por motivo de doença, conforme adiante se descrevera.


9.º A par dessa realidade, a trabalhadora visada tem demonstrado notório desinteresse e incapacidade para o exercício da sua actividade profissional de oficial de justiça.


10.º Evidenciando também impreparação intelectual e ausência de conhecimentos básicos que a habilitem a exercer as mesmas funções.


11.º O que se concluiu das informações/pareceres dos seus superiores hierárquicos e senhoras Juízas que consigo trabalharam, lavradas no âmbito da inspeção ordinária n.a 131-EXT/19 a que foi sujeita, bem como das declarações prestadas no âmbito do presente inquérito pré-disciplinar.


Assim,


12.º Na extinta Vara Mista de ..., onde a Sra. AA esteve colocada no período compreendido entre 4 de Agosto de 2008 a ... de ... de 2009, o seu desempenho profissional caraterizou-se pelo seguinte:


13.º Chegava atrasada ao serviço, apresentando justificações diversas.


14.º Faltava também frequentemente, o que consequencializava que não podiam contar com a mesma na equipa de trabalho.


15.º Por via dessa falta de assiduidade, a Sra. escrivã de direito não atribuiu à Sra funcionária serviço de sala, tendo dado ordens para que a mesma procedesse à junção de papéis de atendimento ao público (...)."-cf. fls. 112 e 113.


16.º Resulta do parecer da Sra. escrivã de direito FF, que chefiou a ... Vara Mista de ... entre 19-06-2008 a 21-01-2009:

"que a mesma após se apresentar ao serviço, não manteve uma assiduidade que permitisse aferir das suas capacidades ou desempenho enquanto oficial de justiça.

Apesar de ter manifestado vontade para que lhe fossem atribuídas tarefas, enquadradas no piano geral da secção (de que destaca: a presença em "sala", junção de papéis, cumprimento de despachos e atendimento ao público), e a que acedeu a aqui subscritora, para uma melhor integração, tal mostrou-se impraticável uma vez que interrompeu, frequente e repetidamente, a sua presença diária ao serviço".

17.º No Tribunal de ... (extinto), conforme resulta do parecer elaborado pela Sra. escrivã de direito GG, constante de fls. 146 e 147, que trabalhou dlretamente com a trabalhadora visada entre 5 de Maio de 2009 e 20 de Setembro de 2010, o seu desempenho funcional enquadrou-se no seguinte:

"Esteve colocada na unidade central do Tribunal de ... e efetuava, essencialmente a chamada para as videoconferências e colocava as pessoas a intervir naquela diligência, no local indicado. Quando não haviam essas diligências, dava entrada a papéis de natureza simples

Demonstrou idoneidade cívica;

Por não revelar conhecimentos, foi colocada afazer as tarefas acima referidas;

Não demonstrou nenhuma preparação intelectual;

Não demonstrou espírito de iniciativa e de colaboração;

Não demonstrou que simplificava os actos processuais;

Não demonstrou brio profissional;

Era educada;

Cumpria estritamente o horário, mas faltava muito, como se pode aferir pelo seu registo de faltas;

Não tinha preparação técnica nenhuma, não sabia desempenhar as funções básicas de um oficial de justiça, tal como preparar um julgamento, ir para a sala de audiências, fazer o correio, entre outras desta natureza" - cf. fls. 98 e 146.

18.º Antes de ser colocada na Unidade Central a escrivã auxiliar AA exerceu temporariamente funções nos juízos Cíveis e Criminais daquele Tribunal.


Todavia,


19.º Os escrivães de direito que chefiavam aquelas secções (cíveis e criminais) apresentavam queixas frequentes do seu comportamento, pois, para além de faltar com frequência, nos períodos de tempo em estava a trabalhar, cometia frequentes erros, de que são exemplos a abertura de termos de Vista quando deveria abrir termo de Conclusão, ou o seu contrário, procedia à junção de expediente aos processos errados, isto entre outros erros em que incorria.


20.º Tais erros/lapsos motivavam frequentes queixas dos Srs. Juízes que afirmavam não querer a AA nos julgamentos, sendo a sua presença prejudicial ao bom funcionamento dos serviços.


21.º Também os escrivães de direito transmitiam à Sra. secretária de justiça, em regime de substituição, que preferiam ter um funcionário a menos do que ter a AA a trabalhar consigo.


22.º O que determinou que a escrivã auxiliar viesse a ser colocada na Unidade Central, ficando afeta às funções de videoconferência (buscar e levar pessoas), ao registo de papéis de natureza simples, v g, ofícios dos OPC e outros similares.


23.º Na Secção/ Unidade Central, qualquer tarefa que revestisse maior complexidade, que fosse mais exigente e que não se inscrevesse nas descritas no número antecedente, a escrivã auxiliar AA revelava-se incapaz de as executar, cometendo frequentes lapsos que tinham que ser corrigidos.


24.º No extinto ... Juízo Cível de ..., ... Secção, onde a trabalhadora Visada esteve colocada entre ... de ... de 2010 a ... de ... de 2011, o seu desempenho profissional, como descreveu a Sra. escrivã de direito HH, no parecer apresentado, caraterizou-se pelo seguinte:

"A funcionária tinha como funções procurar os processos para os quais entravam papéis, a fim de posteriormente serem juntos e auxiliava no transporte dos processos de e para os gabinetes dos Magistrados.

Quanto à qualidade de trabalho e produtividade, face aos longos períodos de ausência devido a atestado médico e curtos períodos em que estava ao serviço a qualidade do trabalho e a produtividade sempre foram muito baixos".

A funcionária se apresenta "sem preparação técnica adequada para o exercício de funções".

Embora demonstrasse vontade de colaborar com a secção, devido ao pouco tempo de serviço efetivamente prestado "tal não era relevante no funcionamento da secção."

Quanto à urbanidade é referido que "sempre se mostrou correcta nas relações com os colegas e o público".

Chegava com frequência atrasada e estava longos períodos de atestado médico" - cf fls. 152.

25.º Naquelas funções, como a escrivã auxiliar AA faltava muito ao serviço, a Sra. escrivã de direito nunca lhe atribuiu tarefas que implicassem alguma continuidade, limitando-se a entregar-lhe papeis para juntar aos processos, que colocava previamente em ordem, assim como outras tarefas de menor complexidade.


26.º Houve alturas em que a AA faltava ao serviço e não comunicava à Sra. escrivã de direito, sua superiora hierárquica.


27.º Em razão das faltas frequentes ao serviço, quando a escrivã auxiliar AA retomava as suas funções já não se recordava das tarefas que tinha a seu cargo e a forma de as executar, facto que a forçava a reaprendizagem constante, com prejuízo para os serviços.


28.º No ... do Juízo de Família e Menores do núcleo de ..., onde a Sra. funcionária AA esteve colocada entre ... de ... de 2014 e ... de ... de 2018, esteve afeta à tarefa de assessorar as diligências de sala, competindo-lhe realizar as respetivas atas.


Contudo,


29.º Durante o pouco tempo em que trabalhou naquele Juízo, deixou quase todas as actas por fazer-cf. fls. 149.


30.º Incluindo as referentes aos processos identificados com os n.ºs 4717/03.0... (Execução Especial de Alimentos) e 2727/07.7... (Inventário/Partilha de Bens em Casos Especiais).


31.º Tais processos revestiam-se de grande complexidade - cf. fls. 103,104,158,159.


32.º Quanto ao processo n.º 4717/03.0... (Execução Especial de Alimentos), a Sra. funcionária AA não tomou apontamentos relativamente à sessão ocorrida no dia 22 de Abril de 2015, pelas 14:30 horas, tendo entrado de baixa médica.


33.º Para tentar resolver o problema a escrivã de direito, Sra. CC, entrou em contacto telefónico com a escrivã auxiliar AA.


34.º No entanto, a Sra. funcionária não atendeu o telemóvel nem se preocupou em estabelecer qualquer contacto com a secção.


35.º A predita ata veio a ser elaborada pela Sra. escrivã de direito e pela Sra. Juiz de Direito, Dra. II, com recurso aos seus próprios apontamentos (da Sra. Juiz), contando com a colaboração dos Srs. Mandatários.


36.º Quanto à acta relativa ao processo n.º 2727/07.7..., a Sra AA também não anotou o que se passara na diligência do dia 8 de Maio de 2015.


37.º Contactada através do correio eletrónico, a Sra. AA informou que não tinha quaisquer apontamentos referentes à mesma diligência.


38.º Após a colaboração prestada pelos Srs. Advogados, que apresentaram requerimento/minuta do acordo alcançado no dia 8 de Maio de 2015, por despacho de 5 de Outubro de 2015, foi a acta daquele dia data sem efeito e homologado por sentença o acordo alcançado.


39.º Não raramente a escrivã auxiliar AA não comunicava as suas ausências à sua superiora hierárquica.


40.º Facto que perturbava os serviços visto que deixavam de contar com a sua colaboração.


41.º Foi do seguinte teor a opinião expressa pela Sra. escrivã de direito Sra. CC, quanto ao desempenho da trabalhadora Visada:

"A Oficial de justiça foi colocada naquela Unidade a 01.09.2014, só tendo vindo a apresentar se a 13.04.2015. No dia 15 de Abril não compareceu, tendo regressado apenas a 20.04.2015 Já não compareceu a 23.04.2015, tendo voltado apenas a 30.04.2015 Voltou a não comparecer a 04.05.2015, tendo apenas voltado a 01.03.2017, tendo permanecido ao serviço até 08.03.2017, onde voltou a faltar. Regressada a 03.04.2017, trabalhou até ao dia seguinte. Nunca mais voltou ao serviço.

Durante o pouco tempo que trabalhou, deixou actas quase na totalidade por concluir, incluindo uma -Pº 4717/03.0... - de um processo muito complicado, não tendo sequer deixado qualquer apontamento do que ocorreu em audiência, tendo sido a Escrivã e a Sra. Magistrada titular - Dra. II, a elaborar a mesma, com a ajuda dos Srs. Advogados do processo.

Refere ainda, não ter elementos para se pronunciar, considerando o pouquíssimo período em que esteve a desempenhar, quanto à idoneidade cívica, a qualidade e produtividade; a preparação técnica e intelectual; o espirito de iniciativa e de colaboração; a simplificação dos actos processuais; o brio e a urbanidade.

Relativamente à pontualidade e a assiduidade, refere que durante o pouco tempo que trabalhou era pontual, mas não assídua.

Não cumpriu os objectivos.".

42.º A Sra. Juíza de Direito, Dra. II, que trabalhou diretamente com a trabalhadora Visada, no parecer que consta de fls. 158 e 159, deixou consignado:

"Que quanto à idoneidade cívica, nada a assinalar.

A Qualidade do trabalho e a produtividade, revelaram-se "Muito más, atendendo à lentidão na elaboração das actas de audiência e ao facto de se ter ausentado do trabalho sem deixar pelo menos uma acta elaborada que para além de muito complexa, era essencial para findar o processo, que durava há longos anos, obstáculo que só após alguns meses e com a colaboração dos mandatários das partes foi possível ultrapassar".

A sua preparação técnica e intelectual era "Medíocre", assim como o espírito de iniciativa e de colaboração era "Nulo ou Inexistente".

Relativamente à simplificação dos actos processuais, nada de assinalável.

Apresentou "Inexistente brio profissional".

Nada havendo a assinalar quanto à urbanidade.

Refere ainda que durante os cinco anos em que exerceu funções no Tribunal de Família e Menores de ... "apenas compareceu uma semana, pelo que a assiduidade não era a expectável".

Conclui referindo que "O desempenho da Sra. Funcionária ficou muito aquém do expectável".

43.º Em ... de ... de 2019, a Sra escrivã auxiliar AA foi colocada no Juízo Local Criminal de ... -J. .


44.º Como naquele período não estavam a decorrer as normais diligências de julgamento, por se encontrar em férias judicias, a Sra escrivã colocou a AA a auxiliar os seus colegas na realização dos julgamentos (sumários), pretendendo com isso que a mesma funcionária passasse a realizar o serviço de sala assim que reunisse conhecimentos para tal.


45.º Em Setembro de 2019, os dois escrivães auxiliares encontravam-se a faltar.


46.º A escrivã de direito, Sra. DD, que chefiava o J. Criminal apercebeu-se que a AA apresentava imensas limitações que a impediam de realizar o serviço de sala.


47.º Não sabia sequer ligar o computador, não sabia e não tinha conhecimentos que lhe permitisse realizar as atas dos julgamentos que assessorava, parecendo-lhe evidente a falta de preparação e traquejo da AA para aquele tipo de funções.


48.º Apercebeu-se que a Sra. funcionária da área criminal pouco ou nada sabia, não estando habilitada a realizara maioria das tarefas que competem aos escrivães auxiliares, designadamente o auxílio às audiências de julgamento.


49.º Também não sabia prestar informações ao público nem tinha conhecimentos mínimos que a habilitassem a essa tarefa.


50.º A Sra escrivã de direito que chefiava o J. Criminal deu a conhecer ao Sr. Administrador Judiciário da realidade descrita nos números antecedentes.


51.º Em momento não concretamente apurado, mas posterior às férias judiciais de verão de 2019, atenta a falta de escrivães auxiliares no J. Criminal, foi colocada naquela secção outra escrivã auxiliar, a JJ, tendo a Sra. escrivã de direito dado instruções à AA para que acompanhasse a mesma, elaborasse actas (ou simulacros) e comparasse aquelas com as que a JJ fazia, aferindo onde tinha errado e corrigindo eventuais erros.


52.º A escrivã auxiliar AA acompanhou a escrivã JJ durante 3 semanas.


53.º Em dia não concretamente apurado, a escrivã auxiliar JJ chegou mais tarde ao serviço, por motivos pessoais, tendo a escrivã auxiliar AA ido para a sala para assessorar a(s) diligênda(s) que se iriam realizar.


54.º Ali chegada, a escrivã auxiliar AA chamou os Srs. Magistrados (juiz e Procurador) e só depois é que se lembrou que tinha que ligar o computador, tendo abandonado a sala e regressado à secção para se munir do caderno de apontamento onde tinha anotado as passwordsde acesso ao sistema informático.


55.º Nesse dia a AA encontra encontrava-se acompanhada da escrivã auxiliar KK, do J. Criminal, que lhe prestaria auxílio no que fosse necessário.


56.º Em razão do comportamento da escrivã auxiliar AA, os Srs. Magistrados acabaram por se retirar da sala de audiências.


57.º Depois desse incidente, a Sra. escrivã de direito foi chamada pela Sra. Juíza, Dra. LL, que lhe transmitiu que não queria a AA nos julgamentos pois a mesma não reunia condições para desempenhar aquelas tarefas.


58.º Em face do sucedido, a Sra. escrivã de direito tomou a decisão de retirar a AA do serviço de sala, apesar da sentida falta de escrivães auxiliares, incumbindo a mesma funcionária de digitalizar documentos fazer o correio e insistências, tudo tarefas de pouca complexidade, uma vez que a mesma não revelava conhecimentos para fazer outra coisa.


59.º Quando iniciou funções no J. Criminal do núcleo de ..., a escrivã auxiliar AA não era pontual no horário de entrada aos serviços, fazendo-o com alguma recorrência pelas 09:15/20 horas, comportamento que veio a corrigir com o decurso do tempo, na sequência de a Sra. escrivã de direito a ter alertado para corrigir essa atitude.


60.º Na saída, a mesma a Sra. funcionária era pontual, ausentando-se no horário previsto - 17:00 horas.


61.º A Sra. juíza de Direito, Dra. LL, forneceu à equipa inspetiva do COJ parecer individual sobre a trabalhadora Visada, nele consignando o que a seguir se extrata;

"A Sra. Escrivã Auxiliar não demonstra ter os conhecimentos técnicos e informáticos necessários ao desempenho das suas funções não tendo, em consequência, autonomia para o desempenho das funções diárias da competência de um escrivão auxiliar, nem no cumprimento de despachos proferidos nas referidas diligências.

Por outro lado, não abre conclusões nem cumpre outro tipo de despachos".

Concretizando, efectuou uma primeira e única diligência com a oficial de justiça (leitura de sentença), tendo sido sugerido pela Sra. Escrivã de Direito que a inspecionada fosse acompanhada por um outro Escrivão Auxiliar que a pudesse auxiliar em caso de dúvida, o que aconteceu. Não obstante a simplicidade da diligência, a inspecionada teve efectivamente que ser auxiliada pelo colega em sala, quer ao nível do sistema informático, quer ao nível da sequência de actos expectáveis nas suas funções em sala.

Atento o exposto, e uma vez que a Unidade não tinha (e não tem, presentemente) qualquer outro Escrivão Auxiliar, foi diligenciado junto do Sr, Administrador e da Sra. Juiz Presidente da Comarca pela colocação provisória de um escrivão auxiliar que pudesse assegurar o elevado número de diligências judiciais agendadas, o que veio a acontecer a 06.09.2019.

Desde essa data, a inspecionada tem assistido diariamente às diligências judiciais as quais são asseguradas pela Escrivã Auxiliar substituta (JJ).

Na prática determinou que a signatária acaba por não trabalhar directamente com a inspecionada.

Foi-me comunicado pela sra. Escrivã de Direito que a inspecionada iria simular as actas de diligências a que assistia -numa vertente deformação e com vista a familiarizá-la com as junções adstritas a um Escrivão Auxiliar.

A inspecionada não denota espírito de iniciativa. Contudo, quando algo lhe é expressamente pedido revela espírito de colaboração e mostra-se solicita".

A Sra. Escrivã Auxiliar mostra-se urbana e cordata no trato com a signatária.".

62.º Foi comunicado ao Sr. Administrador Judiciário do Tribunal Judicial da Comarca de ..., MM, por todos os escrivães de direito que trabalharam diretamente com a escrivã auxiliar AA, que a mesma não sabia desempenhar minimamente as funções de que era incumbida.


63.º Não ia para a sala de audiências porque não sabia assessorar as diligências, não cumpria despachos porque também não o sabia fazer, não atendia o público porque não tinha conhecimentos, e assim por diante.


64.º Em razão do exposto, todos os escrivães de direito que trabalharam com a escrivã auxiliar AA, sem exceção, pediram ao Sr. Administrador Judiciário para retirar a mesma do seu Juízo porque a sua presença era prejudicial ao bom funcionamento dos serviços.


65.º Foi baixa a produtividade da Sra. escrivã auxiliar AA, cingindo-se a sua atividade profissional apenas e quase em exclusivo à entrada de papéis, receção e digitalização dos mesmos, actividade corriqueira ou de complexidade muito reduzida.


65.º Produtividade que se traduz nos números seguintes, conforme mapas extraídos do programa informático Habílus/Citius;


De 26 de Agosto de 2006 a 13 de Abril de 2009, na ... Vara mista de ..., contabiliza 9 actos produzidos (…)


De 14 de Abril de 2009 a 4 de Maio de 2009, no Tribunal ..., contabiliza 6 actos produzidos. (…)


De 5 de Maio de 2009 a 20 de Setembro de 2010, no antigo Tribunal Judicial de ..., contabiliza 206 actos produzidos. (…)


Desde 13 de Julho de 2012 até ao final do período inspetivo, foram os seguintes atos contabilizados pela Sra. Funcionária, no Tribunal judicial da Comarca de .... (…) 13-07-2012 a 30-09-2019 – 1322 dias (…) Total 307.


67.º No período compreendido entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2020 a Sra. escrivã auxiliar AA, registou as faltas e férias que infra se indicam, extraídas da listagem que consta de fls. 260 a 270;


ANO FALTAS e FERIAS (DIAS) TOTAL (DIAS)


2008 271 3775


2009 207


2010 259


2011 308


2012 592


2013 321


2014 345


2015 332


2016 336


2017 331


2018 365


2019 278


2020 365


2Neste período esteve de licença sem vencimento de longa duração.


68.º No dia 24 de Maio de 2021, através de carta registada com A/R, a Sra. escrivã auxiliar AA foi notificada que ficava suspensa das funções que exercia, nos termos previsto no artº 69.º do Dec. Lei 343/99, de 26/08 (EFJ) e 16.º do RICOJ - cf. fls. 228 e 229.


69.º Do certificado do registo disciplinar (CRD) da trabalhadora Visada, junto a fls. 72 e 308, constam os seguintes averbamentos:


CLASSIFICAÇÕES DE SERVIÇO.


- Uma classificação de SUFICIENTE;


- Uma classificação de MEDÍOCRE.


AVERBAMENTOS DISCIPLINARES:


No âmbito do processo disciplinar n.º ........12, por deliberação do COJ de 24 de Abril de 2013, foi-lhe aplicada a sanção disciplinar de Suspensão, cuja execução se suspendeu pelo período de 2 anos;


9 de Setembro de 2021 (......21) - O Plenário do COJ deliberou converter os autos de inquérito em processo Disciplinar (presente).


Da defesa


70. (art° 56 da defesa)

A trabalhadora Visada sofre (ou sofreu) das seguintes doenças: Depressão - conforme relatório médico com data de 28 de Setembro de 2015;

Lombalgia agravada pelo ortostatismo mialgia bilateral secundário e conflito acromial, epicondilite à direita, tendinite de Aquiles bilateral e trocanterite à direita;


Gonartrose de joelho direito;


Fina esclerose dos tetos acetabulares com ligeiro adelgaçamento espaço articular com redução do espaço articular coxo-femoral na sua projação mais superior e interna;


Fibromialgia, poliartralgía incapacitante com rigidez articular e intolerância aos esforços mesmo que ligeiros, nomeadamente em permanecer de pé ou na posição de sentada durante períodos prolongados e na utilização de equipamentos informáticos;


Patologia degenerativa da coluna vertebral com uncodiscartrose cervical (CA CS, CS e C6 e C7, dorsal e lombar ( profusão discai L4-L5, tendinite do supraespinhoso bilateralmente associado a conflito sub-aciomial, epicondilite bilateral, condropatia femoro-patelar bilateral, tendinite de Aquiles à esquerda:


Matemorfoscopia OE, BIO catarata cortical ligeira, FO MER/Pucher OE, OCT MER com distorção camadas externas e elevação elispoide;


Fibromialgia, rinite crónica de predomínio inferior não obstrutiva maxilar crónica à esquerda discopatia degenerativa na coluna cervical dorsal ( L1-L2 e nos dois últimos espaços dorsais os discos estão colapsados L4-L5 observam-se sinais de instabilidade com discreta anterolistese de L4 em L5-S1 não há evidência de conflito, sendo discreta a procidência do disco, acresce ainda tonturas e desequilíbrio da marcha, dedo em gatilho (operada em 25-09-2020) está medicada com óleo canábis, xanax ( 0,5 mg, dormicum 15 mg;


71.º No dia 24 de Maio de 2022 a escrivã auxiliar AA foi sujeita a intervenção cirúrgica aos olhos - cf. fis. 443 e 444.


Factos não apurados:

- Não se apuraram quaisquer outros fartos relevantes para a decisão a proferir, designadamente o artº 54.º da defesa no que concerne a nunca ter faltado injustificadamente.

(…)

a) Da prescrição da infracção disciplinar

Como referido supra, entende a Recorrente que os factos que constam da acusação situam-se no período abrangido pela inspecção extraordinária, entre 4 de Agosto de 2008 e 30 de Setembro de 2019, sendo que o processo disciplinar foi instaurado em 9 de Setembro de 2021 e o inquérito que o antecedeu em 5 de Janeiro de 2021.

Com interesse para a apreciação da questão, importa ter presente o iter processual do processo ......21» que descrevemos supra:

(…)

Dispõe o art° 178° n° 1 da LGTFP (…).

Afastada que está in casu a prática de qualquer infracção penal há, no entanto, que atender aos contornos específicos da situação em apreço e que culminaram na instauração do inquérito à aqui Recorrente

Na verdade, dispõe o art° 69° n° 1 do EFJ (…).

Esta circunstância implica que não seja propriamente uma única infracção ou conjunto de infracções, rigorosamente determinadas no tempo, que sejam só por si relevantes, mas sim um determinado desempenho ao longo do tempo indiciador de inaptidão para o exercício do cargo que inviabiliza a manutenção do vínculo de emprego público.

Assim, o momento que desencadeia o início dos prazos de caducidade é a atribuição da classificação de Medíocre e não a prática de qualquer infracção concretizada no tempo, como pretende a Recorrente

Ora, a atribuição de tal notação vem apenas a ocorrer em 20.10.2020 (data da deliberação do Plenário do CSM), sendo que o processo disciplinar vem a ser instaurado em 09.09.2021, antecedido de inquérito mandado instaurar em 05.01 2021, com conclusão aberta em 04.01.2021 com a informação daquela atribuição.

Pelo exposto, se conclui pela improcedência da excepção invocada. (…)

D) Da ausência dos requisitos legais para a aplicação da sanção disciplinar de demissão.

Defende a Recorrente que não estão comprovados factos que demonstrem a inviabilização da manutenção do vínculo de emprego, existindo antes a possibilidade de continuação do vinculo de trabalho, nomeadamente com um programa de formação em função do serviço em que a Recorrente seja colocada, o que impede a aplicação da sanção de demissão.

Mais alega que na acusação são invocadas a inaptidão e a falta de conhecimentos e interesse, associadas às suas ausências ao serviço. No entanto, todas as suas ausências foram justificadas, a maioria das quais por doença, não podendo a Recorrente ser demitida, em consequência dessas.

Colocada a questão nestes termos, impõe-se a apreciação do mérito da decisão que aplicou a Recorrente a sanção disciplinar de demissão, uma vez que, como determina o artº 187° da LGTFP as sanções de despedimento disciplinar ou de demissão são aplicáveis em caso de infracção que inviabilize a manutenção do vínculo de emprego público.

Aquela decisão, remetendo para o relatório final, considerou que:

A trabalhadora Visada AA é oficial de justiça desde 2001, momento em que foi colocada no Tribunal de ..., competindo-lhe, nos termos do Mapa I anexo ao Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ) alínea g): (…)

A Sra. funcionária AA, no intervalo de tempo sobre o qual incidiu a Inspeção Extraordinária n.º ... do COJ, trabalhou sucessivamente nos seguintes serviços: Vara Mista de ..., Tribunal de ..., ... Juízo Cível de ..., no J. do Juízo de Família e Menores de ... e posteriormente no Juízo Local Criminal de ....

Em todos os serviços onde foi colocada, faltou muito ao serviço, apresentando atestados médicos. Por essa razão, no período abrangido pela Inspeção Ordinária (11 anos, 8 meses e 29 dias) trabalhou apenas 443 dias, que correspondem a pouco mais de 14 meses.

Como se revela evidente, não nos compete minimamente pôr em causa ou lançar a dúvida sobre os mencionados problemas de saúde que afetam a trabalhadora Visada, de resto devidamente comprovados por atestados médicos,

O que se equaciona, decorrente ou não daquela circunstância, é a falta de preparação intelectual, os conhecimentos básicos e a autonomia que a Sra. escrivã auxiliar AA deveria possuir para o exercício das cada vez mais exigentes funções de oficial de justiça, que infelizmente não possuiu e que a tornam inábil para o exercício das suas funções.

De facto, a pedra de toque de todas as informações dos seus superiores hierárquicos e magistrados, assim como as declarações prestadas nos autos, vão no sentido inequívoco de que a mesma Sra. funcionária não tem os requisitos mínimos para o desempenho das suas Junções de oficial de justiça, lai circunstância, comprovadamente, forçava as suas chefias a atribuir-lhe tarefas rotineiras, de pouca ou nenhuma complexidade e em nada coincidentes com o tempo de serviço (mais de vinte anos) e experiência que deveria possuir. Qualquer tarefa de maior complexidade que fosse atribuída ã Sra. funcionária exigia das suas chefias uma supervisão exaustiva e pormenorizada que nem sempre é possível de concretizar atendendo à concreta realidade dos Tribunais.

Como se não bastasse este anómalo, persistente e inconseguido desempenho profissional, também a prova recolhida demonstra à saciedade que a Sra. funcionária não revelava vontade de apreender, espirito de iniciativa e interesse pela profissão, conforme resulta, designadamente, das expressivas declarações da Sras. escrivãs de direito BB (fls. 98), CC (fls. 103 e 104) e DD (fls. 115 e 118). Na verdade, quem revela o mínimo interesse pela profissão e pelas funções de serviço público que exerce não assume o descrito comportamento da Sra. funcionária, espelhado, designadamente, na ausência de preocupação com as atas que deixou por fazer (no Juízo de Família e Menores de ... na sua quase totalidade); nos apontamentos das sessões de julgamento que não tirou; no não atendimento das chamadas do serviço; nas consecutivas faltas de pontualidade, para citar apenas alguns exemplos.

Frisa-se que estando a Sra. funcionária notada com suficiente (notação atribuída em 2008), o que dela se esperaria era que revertesse aquela situação, aprofundando os seus conhecimentos técnicos e teóricos e, acima de tudo. que demonstrasse um interesse real e efetivo pela sua profissão, o que claramente não se verificou visto uma vez que ao longo de toda a sua carreira (cerca de vinte anos) tem optado por uma atitude de passividade e de indiferença censurável face ao que lhe era exigido.

Com o descrito comportamento, colocou-se a Sra. funcionária em situação irreversível de inaptidão para o exercício do cargo, levando a sua cessação.

Ainda quanto à viabilidade ou inviabilidade da manutenção do vinculo labora/ que a trabalhadora Pisada mantém com o Estado, afigura-se-nos que deve ser questionado o seguinte: manteria um normal empregador ao seu serviço alguém que manifesta uma evidente desadequação e sobretudo desinteresse pelas funções que lhe foram atribuídas?

Parece que a resposta só poderá negativa, ainda que se conceda que o estado de saúde da Sra. funcionária possa ter condicionado negativamente o seu comportamento profissional, como alega. Tal circunstância, no entanto e com respeito por diferente opinião, não exclui a culpa/juízo de censura que incide sobre a sua atuação.

Por último, revela a Sra. funcionária na defesa apresentada que a administração não lhe proporcionou formação profissional adequada em ordem a que pudesse acompanhar a evolução da atividade dos Tribunais, em função da evolução tecnológica dos últimos anos e alterações legislativas sentidas.

Discordamos do que se refere.

É do conhecimento generalizado dos Srs. oficiais de justiça que o Centro de Formação dos Oficiais de Justiça ( CFOJ) possui uma plataforma, amplamente divulgada, em "e-learning", consultável em (…) disponibilizando ações de formação nas diferentes áreas temáticas, ações essas a que a Sra. funcionária, assim como todos os oficiais de justiça, tem acesso.

Acrescenta-se que, sem prejuízo do o CFOJ mostrar sempre inteira disponibilidade para o esclarecimento de duvidas que lhe são colocadas, quer pelo telefone ou email, para colmatar estas mesmas dúvidas e insuficiências formativas são ainda disponibilizados manuais elaborados pelo Centro de Formação dos Oficiais de Justiça.

Cremos assim que não é na falta de adequada formação que reside a incapacidade ou a falta de preparação para o exercício de funções que a Sra. funcionária menciona, mas no que antes ficou dito.

Atendendo ás inúmeras colocações da Sra. funcionária em diversos serviços dos Tribunais ocorridas nos últimos anos, sem qualquer sucesso traduzido na melhoria da sua prestação laboral, quer em termos qualitativos como quantitativos, não se vislumbra de facto um juízo de prognose positivo ou esperança quanto ao seu desempenho profissional futuro, facto que conduz à cessação do vinculo laboral existente por manifesta, ostensiva e irreversível incapacidade para o exercício do cargo.

Agravantes e atenuantes da responsabilidade disciplinar:

Não se verifica a existência de atenuantes especiais da infração.

Mantêm-se a agravante especial prevista a que alude o art.º 191º n.º 1 alínea b) da LTFP "A produção e/etiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o trabalhador pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta".

Na verdade, pelas considerações antecedentes, que se dão por reproduzidas, sabia a Sra. funcionária Visada e tinha a obrigação de saber que do seu comportamento advinham consequências nocivas para o serviço de que depende.

Antes de mais, no que concerne ao regime disciplinar dos oficiais de justiça, são estes, por força da remissão contida nos arf s 66.º nº 1 e 89° do EFJ, responsáveis nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da Administração Publica, estando sujeitos aos mesmos deveres consagrados na LGTFP e ainda aos deveres especiais estabelecidos do seu Estatuto

Tais deveres gerais encontram-se previstos e estão definidos no art° 73 da LGTFP, deles fazendo parte, para além de outros (cf. n°s 1 e 2 als e) e g), 3. 7 e 9). o dever de prossecução do interesse público que consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o dever de zelo que consiste em conhecer em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas e o dever de lealdade que consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço.

A deliberação recorrida considerou que o desempenho da Recorrente constituía uma violação destes deveres, sendo certo que, nos termos do art° 90° do EMJ, constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos Oficiais de Justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os actos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutem, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.

Ora, em função da factualidade dada por provada é inequívoca a violação daqueles deveres, uma vez que se apurou:

- É oficial de justiça desde 2001;


- Cometia erros frequentes, como abrir conclusões, quando deveria abrir vistas e juntar expediente aos processos errados;


- Não sabia preparar um julgamento, assessorar as diligências de sala, cumprir despachos ou prestar informações ao público,


- Em face deste circunstancialismo, os Senhores Juízes recusavam-se a ter a Recorrente ao serviço de sala;


- Dadas as mesmas circunstâncias eram-lhe atribuídas tarefes simples, como encaminhar as pessoas que iriam depor por videoconferência, proceder ao registo de papéis de natureza simples, digitalizar documentos, procurar os processos para os quais entravam papéis, a fim de posteriormente serem juntos, e auxiliava ao transporte dos processos para o gabinete dos magistrados;


- Apresentava ausências prolongadas e quando regressava ao serviço já não recordava as tarefas que tinha a seu cargo e a forma de as executar;


- Previamente a um período de ausência, deixou actas por executar em processos, alguns dos quais complexos, o que implicou a necessidade de as mesmas serem elaboradas por terceiros;


- Atentas as características deste desempenho, os Senhores Escrivães de Direito solicitaram ao Senhor Administrador Judiciário que retirasse a Recorrente dos respectivos juízos, porquanto era prejudicial ao bom funcionamento do serviço.

Como vimos, questiona a Recorrente que esta factualidade não impossibilita a manutenção do vínculo de emprego público, razão pela qual é inviável a aplicação da pena de demissão.

Para além do citado art° 187° da LGTFP, também o art° 297° alude à cessação daquele vínculo, elencando o n° 3, de forma não taxativa, circunstâncias reveladoras da mesma, sendo certo que o desempenho da Recorrente não integra em concreto qualquer delas.

Porém, sublinhe-se de novo que este normativo utiliza tão somente exemplos-padrão, a significar que não é o facto de uma dada situação nào integrar qualquer daquelas previsões que impede a conclusão de que a mesma inviabiliza a manutenção do vínculo de emprego público. (…)

Transpondo estas considerações para o caso em apreço, em face do desempenho da Exma Recorrente, ao longo da sua carreira e que acima sumariamente descrevemos só nos resta concluir, que a imagem global da mesma e inequívoca quanto a sua incapacidade técnica para o exercício de funções numa unidade processual de qualquer tribunal, fortemente caracterizadas por trabalho em equipa e em que, por isso mesmo, o desempenho de qualquer elemento se reflecte nos demais e, sobretudo, no resultado final, in casu a própria administração da justiça ao serviço do cidadão.

Também, por esta ordem de razões, ao contrário do defendido pela Exma. Recorrente, os factos apurados são claros e suficientes para se dar por provada a agravante mencionada na deliberação recorrida (art° 191° n° 1 ai. b) da LGTFP), a saber a produção efectiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o trabalhador pudesse prever essa consequência como e/eito necessário da sua conduta.

Considera ainda a Exmª Recorrente que a sua incapacidade técnica não se deve a si própria, mas à ausência de formação que nunca lhe foi convenientemente ministrada e que se o fosse permitiria a manutenção do vinculo de emprego público.

Como referido em sede de relatório final é do conhecimento generalizado dos Srs. oficiais de justiça que o Centro de Formação dos Oficiais de Justiça ( CFOJ) possui uma plataforma, amplamente divulgada (…) disponibilizando ações de formação nas diferentes áreas temáticas, ações essas a que a Sra. funcionária, assim como todos os oficiais de justiça, tem acesso.

Acrescenta-se que, sem prejuízo do CFOJ mostrar sempre inteira disponibilidade para o esclarecimento de dúvidas que lhe são colocadas, quer pelo telefone ou email, para colmatar estas mesmas dúvidas e insuficiências formativas são ainda disponibilizados manuais elaborados pelo Centro de Formação dos Oficiais de Justiça.

Assim, estando as referidas acções de formação devidamente publicitadas, cabe aos senhores oficiais de justiça a iniciativa de às mesmas acederem, sendo certo que, algumas sendo ministradas através da plataforma e-learning, permite aos formandos adequarem a sua disponibilidade à sua frequência, a qual pode até ocorrer quando se encontrem justificadamente ausentes ao serviço.

E) Da Ausência de fundamento da decisão de demissão

Por último, esta alegação da Recorrente prende-se com a já mencionada falta de formação que diz não lhe ter sido dada, bem como à apontada falta de produtividade, criticando a Recorrente a forma como a mesma foi analisada, pois que deveria ter sido avaliada nos períodos em que trabalhou, o que não sucedeu, acabando por ser sancionada devido às suas ausências por doença, o que se revela uma atitude discriminatória.

Quanto ao mais, como também já tivemos oportunidade de referir, a produtividade da Recorrente, encontra-se plasmada nos quadros que constam dos factos 66 e 67, com indicação de número e tipo de actos praticados, por referência a cada um dos lugares onde desempenhou funções, sendo feita a menção do número de dias que faltou, ponderando-se o trabalho efectivamente realizado nos dias em que se encontrou ao serviço.

Desta forma, não foram as ausências ao serviço tout court que motivaram a sanção disciplinar aplicada tanto mais que a mesma não se fundamenta em qualquer violação do dever de assiduidade, mas sim nas incapacidades técnicas demonstradas.

É certo que se pode admitir que tais incapacidades são reflexo daquelas ausências. Porém, também entendemos que um sério, forte e esforçado empenho, por parte da Recorrente, nos períodos em que esteve ao serviço, teriam obviado às deficiências técnicas demonstradas e permitido um desempenho aceitável e merecedor da manutenção do vínculo público, o que infelizmente não vislumbramos.

Assim, em face do exposto e das normas mencionadas na deliberação em apreço resulta que a única sanção adequada e proporcional a actuação da reclamante é a demissão

DECISÃO:

Nestes termos, tendo presente as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, deliberam os Membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, em julgar (…) improcedente a impugnação apresentada por AA confirmando na íntegra a deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça datada de ... de ... de 2022 e, em consequência aplicar-lhe a sanção de demissão por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público de zelo e de lealdade, nos termos das disposições conjugadas dos art°s 73° n°s 1, 2, alíneas a), e) e g), 3,7 e 9,180º nn 1 ai. d), 181°, nº 6,182° n° 4,187° e 297° da LGTFP, aplicável por força do disposto nos art°s 66°, 69° e 89° e ss do Estatuto dos Funcionários de Justiça. (…)».

Motivação da decisão de facto

A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.o 1 do elenco factual fundou-se na valoração do teor da deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça cuja cópia consta de fls. 4 a 51 do processo administrativo apenso.

A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.o 2 do elenco factual assentou na apreciação do teor da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura cuja cópia consta de fls. 52 a 71 do processo administrativo apenso.

A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.o 3 do elenco factual assentou na apreciação do teor do despacho da Exma. Sra. Vice-Presidente do Conselho dos Oficiais de Justiça, constante de fls. 2 do processo administrativo apenso.

A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.o 4 do elenco factual assentou na apreciação do teor da deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça de fls. 304 a 306.

A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.o 5 do elenco factual assentou na apreciação do teor da acusação, constante de fls. 324 a 343 do processo administrativo apenso.

A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.o 6 do elenco factual assentou na apreciação do teor do relatório final, constante de fls. 448 a 475 do processo administrativo apenso.

A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.o 7 do elenco factual assentou na apreciação do teor da deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça constante de fls. 491 a 492 do processo administrativo apenso.

A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.o 8 do elenco factual assentou na apreciação do teor da acta do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça constante de fls. 502 a 503 do processo administrativo apenso.

A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.o 9 do elenco factual assentou na apreciação do teor da deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça constante de fls. 504 a 505 do processo administrativo apenso.

A convicção quanto aos factos inscritos no ponto n.o 10 do elenco factual assentou na apreciação do teor da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura constante de fls. 656 a 765 do processo administrativo apenso.

Foi dispensada a realização de audiência prévia, ao abrigo do artigo 87º-B, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sem que qualquer das partes, notificada da decisão, houvesse suscitado qualquer objecção.

Questões jurídicas essenciais de que cumpre conhecer:

1 - Prescrição da infração disciplinar. Aplicação do artigo 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho, por remissão do artigo 89º do Estatuto dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo Decreto-lei nº 343/99 de 26 de Agosto e alterações subsequentes. Início da contagem do prazo prescricional. Efeitos da atribuição da nota de “medíocre” pelo Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça.

2 – Arguição de nulidade da acusação por a matéria que consta da mesma não se encontrar devidamente circunstanciada. A ausência de requisitos legais para a aplicação da sanção de demissão, por não se encontrar comprovada a inviabilização da relação laboral e por a funcionária judicial visada não haver sido submetida a um plano individual de valorização profissional. A alegada ilegalidade pelo incumprimento de procedimento, por alegadamente a audiência pública não haver cumprido os fins visados na lei. A invocada ausência de fundamento para a decisão de demissão. Conhecimento prejudicado destas matérias.

Passemos à sua análise:

1 - Prescrição da infração disciplinar. Aplicação do artigo 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho, por remissão do artigo 89º do Estatuto dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo Decreto-lei nº 343/99 de 26 de Agosto e alterações subsequentes. Início da contagem do prazo prescricional. Efeitos da atribuição da nota de “medíocre” pelo Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça.

Invocou a A.:

Os factos que motivaram a aplicação da pena disciplinar constam do relatório do senhor instrutor e situam-se, temporalmente, no período de 1 de Agosto de 2008 a 20 de Setembro de 2019, tendo a demandante invocado a prescrição da infração disciplinar, cujo prazo é de um ano sobre a prática de cada infração (artigo 178.º, n.º 1 da LGTFP).

A deliberação impugnada considerou que o momento que desencadeia a contagem do referido prazo é a atribuição da classificação de Medíocre que ocorreu na sessão do Plenário do CSM de ... de ... de 2020 e não a prática de infração concretizada no tempo.

A acusação considerou violados os deveres profissionais acima referidos de prossecução do interesse público, de zelo e de lealdade, atendendo à prática dos factos que constam ao longo da acusação, os quais, como se referiu se situam entre 2008 e 2019.

A demandante foi demitida pela prática daqueles factos que se considerou terem determinado a violação dos referidos deveres profissionais e então ocorre a prescrição, por ter decorrido mais de um ano entre a sua alegada prática e a instauração do processo disciplinar.

No quadro do processo disciplinar em análise verifica-se, sem dúvida, a prescrição das infrações disciplinares, resultantes dos factos alegadamente ilícitos, imputados à ora demandante e que conduziram a que fosse considerada a violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de zelo e lealdade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 73.º, n.ºs 1 e 2 alíneas a), e) e g), 3, 7 e 9, 180.º, n.º 1 alínea d), 181.º, n.º 6, 182.º, n.º 4, 187.º e 297.º da LGTFP.

E é relação a cada um desses factos “per si” que constam da acusação e que servem de base à decisão punitiva que tem de se verificar se ocorreu, ou não, a prescrição da infração disciplinar, cujo prazo – no direito disciplinar (quer privado, quer público) – é de um ano.

Ora, atendendo ao período temporal a que se reportam as infrações verificamos que, sem dúvida, à data da instauração do processo disciplinar, já tinha ocorrido a invocada prescrição.

Respondeu o demandado Conselho Superior da Magistratura nos termos seguintes:

Refere o artigo 178.º, n.º 1, do LGTFP que: a infracção disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respectiva prática, salvo quando consubstancie também infracção penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos.

Primeiramente, há que notar que a inspeção ordinária ou extraordinária visa avaliar o mérito do trabalhador, não constituindo este procedimento avaliativo um processo disciplinar especial, pelo contrário, este procedimento avaliativo é autónomo do disciplinar e não se confunde com este, ainda que, como no presente caso, dada a verificação de determinadas condições legais como a notação de “medíocre” vá despoletar a realização de inquérito com vista a apurar a ineptidão do funcionário para o exercício do cargo que, caso se verifique, desencadeia a instauração de processo disciplinar, neste sim, tenta-se apurar a responsabilidade disciplinar do visado.

Neste sentido, vai a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, distinguindo entre os fins subjacentes ao procedimento classificativo e ao procedimento disciplinar e, evidenciando a relevância do resultado do primeiro no segundo, quando a notação atribuída é de “medíocre”, conforme consta do acórdão proferido em ... de ... de 2016, no processo n.º .....16.

Também a jurisprudência do STA, em concreto do Pleno da Secção de Contencioso do STA em acórdão proferido em ... de ... de 2006, no processo n.º .....02, esclarece que o conhecimento relevante da falta, para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição, decorre a partir da atribuição da notação de “medíocre”.

Assim, tendo presente a doutrina e jurisprudência supra evidenciadas, bem andou a deliberação sub judice, quando refere que é a atribuição da notação de “medíocre” que desencadeia o início dos prazos de caducidade, não se verificando a prescrição alegada e não comprovada pela Autora.

Apreciando:

A verificação, no caso concreto, dos pressupostos respeitantes ao funcionamento do instituto da prescrição da infracção disciplinar determina a imediata extinção do jus puniendi, deixando assim de ser possível a responsabilização, a este título, do agente visado, o que resulta do simples decurso do lapso temporal para além do legalmente pré-fixado sem que tivesse, entretanto, ocorrido qualquer causa suspensiva ou interruptiva do prazo prescricional.

(Conforme salientam Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar in “Comentário à Lei Geral do Trabalho em Funções Pública. 1º Volume – artigos 1º a 240º”, Coimbra Editora, 2014, a página 507: “(…) encontra-se em causa a desnecessidade de reacção e punição disciplinar e as próprias exigências de segurança e certeza jurídica, sendo certo que, quanto mais longo é o tempo decorrido desde a prática sem a instauração do procedimento, sem a aplicação de uma pena ou sem o início da sua execução, menores se vão tornando as exigências disciplinares, aumentando a dificuldade de prova e tornando mais ténues as razões justificativas do cumprimento da pena”).

Este efeito extintivo da infracção disciplinar impõe, por seu turno, às entidades detentoras do jus puniendi a adopção dos especiais deveres de atenção, zelo e diligência, competindo-lhes imprimir a necessária celeridade e prontidão na conclusão da actividade investigatória que desenvolvem, não proporcionando o seu protelamento ou a demora excessiva na definição da situação profissional do visado.

A este sujeito é, em contrapartida, conferida a garantia de que, decorrido o período temporal estabelecido na lei (sem as interrupções ou suspensões normativamente previstas) e face à inacção das entidades titulares jus puniendi quanto ao seu atempado exercício, não será, por esse motivo, objecto de qualquer tipo de responsabilização pelo (pretenso) ilícito disciplinar que teria alegadamente praticado.

Conforme se deixou expresso, sobre esta temática, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2021 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 45/19.7YFLSB, publicado in www.dgsi.pt:

“(…) a prescrição, como instituto de direito punitivo, relativa ao procedimento e às penas, tanto em direito penal como em direito disciplinar, assenta no pressuposto de que o decurso de determinado lapso de tempo, mais ou menos longo, faz desaparecer as razões determinantes da punição ou do cumprimento da pena, as quais cedem por essa circunstância à vantagem de estabilizar as relações da vida social ou as relações de serviço perturbadas pela verificação dos factos tipificados como infração penal ou falta.

Enquanto instituto de direito substantivo, visa, assim, acelerar a atividade do Estado no exercício da ação penal ou disciplinar, e, ao mesmo tempo, assegurar aos arguidos um tempo certo durante o qual podem ser sujeitos a sanção pelos ilícitos cometidos, para além do qual ficarão libertos da respetiva responsabilidade.

Com a prescrição, extingue-se, então, o ius puniendi do Estado, extinção essa resultante da falta de diligência dos órgãos judiciários ou disciplinares no procedimento (criminal ou disciplinar) que lhes incumbe levar a cabo”.

(Sobre a natureza e fundamentos do instituto da prescrição – aplicáveis ao procedimento e à infracção disciplinares – vide o Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 123/87, de 11 de Março de 1988, publicado in Diário da República, II Série, de 10 de Outubro de 1988; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 2019 (relator João Ferreira Pinto) proferido no processo nº 91/18.8YFLSB, publicado in www.jusnet.pt; na doutrina, vide Lopes Dias in “Regime Disciplinar dos Funcionários Civis e Administrativos”, edição de autor, sendo depositário Coimbra Editora, Limitada, página 14; Leal Henriques in “Procedimento Disciplinar”, Almedina, 2007, 5ª edição, páginas 57 a 58; Raquel Carvalho, in “Comentário ao Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas”, Universidade Católica Editora, Lisboa 2022, a página 161 a 162; J.M. Nogueira da Costa, “O Poder Disciplinar na Lei Geral do Trabalho em Funções Publicas. Comentário ao LGTFP”, Almedina 2021, a páginas 206 a 207).

Na situação sub judice, verifica-se que a ora A. exerceu as funções de escrivã auxiliar, correspondente a um lugar na carreira de oficial de justiça, conforme previsto no artigo 3º, nº 2, alínea c), do Estatuto dos Funcionários Judiciais.

Nos termos do artigo 89º do Estatuto dos Funcionários de Justiça:

“Os oficiais de justiça são disciplinarmente responsáveis nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da Administração Pública e dos artigos seguintes”.

Prescreve, a este propósito, o artigo 123º do mesmo diploma legal:

“São subsidiariamente aplicáveis aos funcionários de justiça no activo ou aposentados as normas vigentes para a função pública”.

Em matéria de prescrição é aplicável in casu o disposto no artigo 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho, por remissão do artigo 89º do Estatuto dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo Decreto-lei nº 343/99 de 26 de Agosto e alterações subsequentes, nos termos do qual:

“A infracção disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respectiva prática, salvo quando consubstancie também infracção penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos”.

Este prazo (longo) de prescrição da infracção disciplinar, por contraponto ao prazo (curto) previsto no nº 2 do artigo 178º da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, não depende do conhecimento da factualidade em causa por parte do superior hierárquico, correndo automaticamente uma vez cometido o facto (ou factos) concreto(s) que a integra(m).

Ora, a questão jurídica central e decisiva que se coloca nos presente autos é a de saber se tal prazo prescricional de um ano deve contar-se a partir da data da prática dos factos indicados no relatório de inspecção a que a A. foi sujeita (mais concretamente do último dos factos nele denunciados, constituindo neste caso uma conduta reiterada e a considerar unitariamente, dado que foi assumida de forma constante ou permanente ao longo do período de tempo referido – vide sobre este ponto o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2012 (relator Oliveira de Vasconcelos), proferido no processo nº 125/11.7YFLSB; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Abril de 1997 (relator Azevedo Moreira), proferido no processo nº 021488, ambos publicados in www.dgsi.pt.) - ou, pelo contrário, e como sustenta o demandado Conselho Superior da Magistratura, desde a aprovação, pelo órgão competente – o Conselho dos Oficiais de Justiça – da notação de “medíocre”, fundada no que consta nesse mesmo relatório inspectivo a respeito do desempenho profissional da oficial de justiça visada.

(Este facto – a notação de “medíocre” enquanto factor determinante da (obrigatória) instauração do procedimento disciplinar, por conversão do inquérito em curso – constitui aliás a única causa impeditiva do decurso (completo) do prazo prescricional que o demandado Conselho Superior de Magistratura invocou na presente acção administrativa, não atribuindo, portanto, esse mesmo relevo a qualquer outro acto pertinente à tramitação processual em apreço).

Os factos relevantes a tomar pois em consideração neste tocante são resumidamente os seguintes:

- A prestação profissional da A. foi analisada e valorada em inspecção, havendo o Plenário do Conselho de Oficiais de Justiça de ... de ... de 2020 confirmado a atribuição da correspondente qualificação de “medíocre”, após verificar criticamente o seu desempenho profissional no período compreendido entre 4 de Agosto de 2008 e 30 de Setembro de 2019.

- Havendo a A. impugnado tal deliberação, foi a mesma confirmada pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura de ... de ... de 2020.

- Em 5 de Janeiro de 2021, o Vice-Presidente do Conselho de Oficiais de Justiça ordenou a instauração de inquérito.

- Em 9 de Setembro de 2021 o Plenário do Conselho de Oficiais de Justiça converteu o inquérito em procedimento disciplinar contra a A., do qual veio a resultar a aplicação da pena disciplinar de demissão (confirmada pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura, deliberação essa que é precisamente objecto da presente acção administrativa onde se pede a sua anulação por violação de lei).

Vejamos:

Do ponto de vista jurídico, não vemos como se possa não ter por referência, para efeitos do início da contagem do prazo prescricional em apreço, o momento da prática do último dos factos imputados à funcionária judicial visada, constante do relatório inspectivo, ou seja, neste caso concreto, o dia 30 de Setembro de 2019 (sendo que os factos objecto de análise e valoração na inspecção realizada ocorreram entre o dia 4 de Agosto de 2008 e a data supra indicada).

Neste mesmo sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2016 (relator Fernando Bento), proferido no processo nº 16/14.0YFLSB, publicado in www.dgsi.pt, onde se deixou, em termos clarividentes, consignado o seguinte:

“Cumpre esclarecer que, pese o presente processo disciplinar tenha sido instaurado na sequência da notação de medíocre atribuído à recorrente e tenha por finalidade aferir da aptidão da arguida para o exercício da judicatura, entendemos, ao contrário do defendido pelo recorrido, que os factos que lhe estão subjacentes e a instauração do respectivo processo disciplinar estão sujeitos aos prazos de prescrição do procedimento disciplinar previstos no art. 6.º do EDTEFP.

Ter entendimento diverso, equivaleria a defender um regime (ilegal) de imprescritibilidade de procedimentos disciplinares sempre que estivesse em causa apreciar a aptidão ou não para o exercício da judicatura e a aplicação das respectivas sanções possíveis: aposentação compulsiva e demissão – art. 95.º do EMJ.

A consideração sobre a contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar tem subjacente uma prévia definição sobre a natureza da concreta infracção disciplinar. Como é referido no Acórdão do STA de 16-04-1997 (…)”há portanto, que fazer apelo à jurisprudência deste Supremo Tribunal no ponto em que tem entendido que, mesmo na ausência de norma remissiva de alcance genérico, deverão aplicar-se no direito disciplinar, a título supletivo, os princípios do direito penal em determinados aspectos de particular relvo como é o caso da prescrição e, acrescentar-se-á agora, o da noção de infracção continuada e de infracção permanente, dados os termos essencialmente análogos em que se conjugam nestes dois ramos do direito os diversos valores ou pontos de vista que intervêm no desenho destas figuras jurídicas.”.

Com efeito, não existe no panorama jurídico nacional, no que tange à responsabilização disciplinar de funcionários judiciais, qualquer disposição legal que permita associar ao momento da atribuição da notação de medíocre, decidida pelo Plenário do Conselho de Oficiais de Justiça, o efeito de definir o início da contagem do prazo de prescrição, em substituição do que se dispõe a este propósito, e expressamente, no artigo 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho, por remissão do artigo 89º do Estatuto dos Oficiais de Justiça, que, em termos absolutamente claros e inequívocos, estabelece como critério (o) “prazo de um ano sobre a respectiva prática (dos factos)”.

É certo que, nos termos do artigo 69º, nº 1, do Estatuto dos Funcionários Judiciais: “A classificação de Medíocre implica para os funcionários a suspensão e a instauração de inquérito por inaptidão para o exercício do cargo”, o que significa que a notação negativa assume indiscutivelmente ressonância disciplinar, constituindo, em si, um indício (e não mais do que isso) de que poderão ter sido praticados pelo inspeccionado factos relevantes nesse domínio.

Contudo, importa não olvidar que o que vai ser apurado no inquérito disciplinar, na sequência da atribuição da notação de medíocre, e que constitui o seu objecto próprio e único, é precisamente o conjunto dos factos materiais praticados pelo inspeccionado, que se encontram devidamente localizados no tempo, e não outro tipo de realidade que lhes seja superveniente.

(O próprio inquérito disciplinar servirá igualmente, nestas circunstâncias, para averiguar a possibilidade de ocorrência de qualquer circunstância anómala - doença, condições de trabalho especialmente penosas, situações de excepcionalidade imprevistas, etc. - que porventura explique, permitindo compreender no caso concreto, a fraca prestação profissional do inspeccionado, inclusive no sentido da eventual atenuação do juízo altamente negativo que sobre ele recaiu).

Neste contexto, a necessidade imperiosa de definição da situação disciplinar em causa, com todas as gravosas consequências pessoais e profissionais que acarreta, não é compaginável com a demora ou prolongamento no tempo (até que se chegue à conclusão colegial, pelo órgão administrativo competente, quanto à atribuição notação de medíocre) que se desenvolva para além da baliza temporal imperativa e incontornável consignada, em termos inultrapassáveis, no 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho, por remissão do artigo 89º do Estatuto dos Oficiais de Justiça.

Logo, o comportamento delitual unitário imputável à funcionária judicial, concretizado na violação reiterada e constante pela visada dos seus deveres funcionais de zelo, prossecução do interesse público e de lealdade, só poderia gerar a efectivação da sua responsabilidade disciplinar se o correspondente inquérito disciplinar houvesse sido instaurado até 30 de Setembro de 2020, acrescido de um total de 86 dias, correspondente ao que decorreu entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho de 2020, em conformidade com o estipulado na Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, alterada pela Lei nº 1-A/2020, de 6 de Abril, e pela Lei nº 16/2020, de 29 de Maio de 2020, revogatória do anterior diploma, e que produziu efeitos a partir do dia 3 de Junho de 2020, em conformidade com o disposto nos respectivos artigos 8º 10º, prolongando, por conseguinte, o prazo de prescrição da infracção disciplinar até ao dia 26 de Dezembro de 2020.

(Não se pode ainda considerar que a confirmação pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura da deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça que atribuiu à A. a classificação de serviço de medíocre tenha a virtualidade de determinar o início do prazo prescricional do procedimento disciplinar em apreço, pelo óbvia e incontestada razão de que a atribuição de tal classificação de serviço – ainda que determine obrigatoriamente a instauração de procedimento disciplinar – não afasta a necessária e forçosa coincidência entre a concreta prática dos factos (ou, pelo menos, do último destes em situações de conduta continuada e unitária), que teve lugar em momento temporal muito anterior, e o despoletar automático do prazo de prescrição que lhes é desde logo aplicável, estribado em todos e cada um dos fundamentos que estão subjacentes a esse instituto jurídico.

Por outro lado, a decisão de abertura de inquérito por parte do Vice-Presidente do Conselho de Oficiais de Justiça é meramente instrumental em relação ao procedimento disciplinar propriamente dito, não se equiparando à sua instauração, cuja competência é definida pelo artigo 94º, nº 1, do Estatuto dos Oficiais de Justiça, onde se encontram elencados o Conselho de Oficiais de Justiça (actuando apenas colegialmente); director-geral da Administração da Justiça; o juiz-presidente do tribunal em que o funcionário exerça funções à data da infracção; o magistrado coordenador (quando a infracção seja cometida no Departamento Central de Investigação e Acção Penal ou num departamento de investigação e acção penal; o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Conselho Superior do Ministério Público, conforme os casos e os inspectores dos conselhos referidos).

Ou seja, nenhuma outra dilação ou tentativa de prolongamento do horizonte temporal em apreço serão legalmente admissíveis por absoluta ausência do imprescindível respaldo legal.

(Conforme salientam Paulo Veiga e Cátia Arrimar, in obra citada supra, a páginas 507 a 508:

“Tenha-se presente que o legislador pretendeu disciplinar no presente artigo (178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho) todas as situações que podem obstar ao decurso do prazo prescricional, tratando-as todas como causas de suspensão e não de interrupção, pelo que, em sede disciplinar, não só não são admissíveis outras causas de suspensão como não é lícito recorrer-se a quaisquer causas de interrupção da prescrição previstas noutros diplomas para afastar as consequências do decurso do tempo sobre o direito de instaurar procedimento disciplinar ou sobre este próprio procedimento”).

Ora, havendo a conversão do processo de inquérito na parte instrutória do processo disciplinar ocorrido apenas em 9 de Setembro de 2021 (quase dois anos após a prática do último dos factos delituais em causa), por deliberação do Plenário do Conselho de Oficiais de Justiça (órgão que detém competência para a instauração do procedimento disciplinar, nos termos do artigo 94º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, o que não sucede com o Vice-Presidente do COJ, não incluído na disposição legal referida – vide a propósito o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 2019 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 30/18.6YFLSB e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2015 (relator Gregório Jesus), proferido no processo nº 117/14.4YFLSB, ambos publicados in www.dgsi.pt -), sendo que apenas a instauração do procedimento disciplinar reveste, nestes circunstâncias, eficácia suspensiva do prazo prescricional (artigo 178º, nº 3), impõe-se concluir que a infracção disciplinar encontrava-se, na altura, prescrita, nos termos do artigo 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho, não sendo portanto juridicamente admissível o exercício do procedimento disciplinar em causa.

(Anote-se igualmente que a abertura do inquérito teve lugar decorridos mais de 30 dias sobre a confirmação da deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça e que, à data em que se decidiu a sua abertura já se encontrava ultrapassado o prazo prescrição previsto no nº 1 do artigo 178º da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho, não funcionando in casu qualquer das previsões (cumulativas) das alíneas a) a c) do nº 4, dessa mesma disposição legal, relativas à suspensão do prazo prescricional).

Em sentido oposto, alegou o demandado Conselho Superior da Magistratura, como se disse, que é a atribuição da notação de “medíocre” que desencadeia o início destes prazos, não se verificando, por conseguinte, a prescrição alegada pela Autora.

Procura sustentar este seu entendimento através da invocação, em seu abono, de diversa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que cita.

Porém, não lhe assiste razão.

Para além das razões desenvolvidas supra, cumpre assinalar que todas as situações versadas na jurisprudência indicada pelo demandado Conselho Superior da Magistratura reportaram-se a casos em que o exercício do jus puniendi teve por objecto condutas de magistrados do Ministério Público, sujeitos a um regime disciplinar próprio e especial (o actual Estatuto do Ministério Público foi aprovado pela Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto, e alterado pela Lei nº 2/2020, de 31 de Março, que revogara a Lei nº 47/86, de 15 de Outubro), e tiveram (a esmagadora maioria deles) em conta o disposto no artigo no nº 2 do artigo 4º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Publica, Central, Regional e Local, na vigência do Decreto-lei nº 24/84, de 16 de Janeiro (que veio a ser revogado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro), onde se previa: “Prescreverá igualmente se, conhecida a falta de dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses (…)”.

(Podemos elencar sobre o tema os seguintes arestos, donde constam alguns dos citados pelo ora demandado:

- o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2009 (relatora Angelina Domingues), proferido no processo nº 0531/07, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Setembro de 2016 (relator Madeira dos Santos), proferido no processo nº 0979/16, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Maio de 2006 (relator Políbio Henriques), proferido no processo nº 0957/02, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Dezembro de 1992 (relator Ferreira de Almeida), proferido no processo nº 030087, sumariado in www.dgsi.pt.

- o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Março de 2009 (relator Costa Reis), proferido no processo nº 0894/07, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 2009 (relator João Belchior), proferido no processo nº 0639/07, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Abril de 2010 (relator Madeira dos Santos), proferido no processo nº 0916/09, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 19 de Março de 2009 (relator Rui Botelho), proferido no processo nº 0867/06, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Maio de 2006 (relator Políbio Henriques), proferido no processo nº 0957/02, publicado in www.dgsi.pt.).

Ora, a situação sub judice nada tem rigorosamente a ver, nem com os casos abrangidos e regidos pelo estatuto especial conferido aos magistrados do Ministério Público, nem com a previsão daquele normativo concreto – onde se previa um prazo prescricional excepcionamente curto (três meses) -, não estando obviamente em causa o exercício da acção disciplinar sobre um “dirigente máximo do serviço”, mas antes o que respeita unicamente a factos praticados por uma oficial justiça, sem poderes de direcção e subordinada hierarquicamente.

(Vide, ainda e a este propósito, relativamente à aplicação do art. 4.º, nº 2, do EDFA, aprovado pelo art. 1.º do DL 24/84, de 16 de Janeiro, e, entretanto, revogado pelo art. 5.º da Lei 58/2008, de 9 de Setembro, no que concerne ao exercício disciplinar sobre magistrado judicial, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2009 (relator Nuno Cameira), proferido no processo nº 1906/08, sumariado in www.stj.pt).

E no âmbito especialmente sensível e compreensivelmente melindroso do funcionamento das regras relativas à prescrição, que se prendem com valores absolutamente fundamentais e cimeiros das garantias de defesa dos visados e da salvaguarda de um processo justo, leal e equitativo, impõe-se, como é mister, um extremo e muito apertado rigor na interpretação das normas legais respectivas, o que não habilita, de modo algum, a estabelecer (quiçá por critérios de mera oportunidade ou conveniência determinados ao sabor das particularidades de cada caso concreto, por mais impressionantes que elas sejam) qualquer inadequado paralelo com outras situações de responsabilidade disciplinar substantivamente diversas e que não comungam a sua natureza essencial.

Ou seja, não faria o menor sentido, nem seria minimamente sério ou razoável, transformar um prazo de prescrição da infracção disciplinar longo, absolutamente certo e objectivo (um ano a contar automaticamente da prática dos factos ilícitos) noutro, dele diverso e (invariavelmente) mais longo, flexível e em aberto, dependente de certo modo da discricionariedade das entidades titulares da acção disciplinar, que determinariam de forma relativamente ampla a oportunidade para a conclusão do processo inspectivo e o momento da atribuição da notação de medíocre (estendendo assim abusivamente, sempre em prejuízo do regime-regra, claro e inequívoco, aplicável à generalidade das situações que envolvem a responsabilidade disciplinar sobre funcionários judiciais e dos basilares direitos de defesa dos visados, o início do prazo de prescrição respeitante à – pretérita - materialidade em causa).

Daí a procedência da excepção de prescrição do procedimento disciplinar suscitada pela A.

Em consequência, dir-se-á:

Dispõe o artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo “são anuláveis dos actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação não se preveja outra sanção”.

Nestas situações, o acto administrativo encontra-se viciado nos seus pressupostos, ofendendo normas jurídicas com as quais se devia conformar.

Na situação sub judice é flagrante, pelos motivos indicados, a insanável discrepância entre o conteúdo ou objecto do acto e o teor das normas jurídicas que lhe são aplicáveis.

(Sobre o tema vide, entre outros, Marcelo Caetano in “Manual de Direito Administrativo”, Almedina 1991, 10ª edição, Volume I, página 501; Diogo Freitas do Amaral in “Curso de Direito Administrativo”, Volume II, Almedina 2010, a páginas 390 a 391).

Com efeito, ao deixar de conhecer, como devia, a verificação da prescrição da infracção disciplinar, cujos pressupostos de verificavam inteiramente in casu, a deliberação impugnada violou o disposto no artigo 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 25 de Junho, por remissão do artigo 89º do Estatuto dos Oficiais de Justiça.

Assim sendo, incorreu a mesma em vício de violação de lei, o que provoca a sua anulabilidade, com todas as consequências legais que lhe são juridicamente inerentes (artigo 172º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo).

Donde a procedência da presente acção administrativa.

2 – Arguição de nulidade da acusação por a matéria que consta da mesma não se encontrar devidamente circunstanciada. A ausência de requisitos legais para a aplicação da sanção de demissão, por não se encontrar comprovada a inviabilização da relação laboral e por a funcionária judicial visada não haver sido submetida a um plano individual de valorização profissional. A alegada ilegalidade pelo incumprimento de procedimento, por alegadamente a audiência pública não haver cumprido os fins visados na lei. A invocada ausência de fundamento para a decisão de demissão. Conhecimento prejudicado destas matérias.

Face à decisão quanto à prescrição do procedimento disciplinar encontra-se prejudicado o conhecimento das restantes questões jurídicas suscitadas na presente acção administrativa.

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça julgar a presente acção administrativa procedente (por via da verificação da prescrição da infracção disciplinar), anulando-se a deliberação do Conselho Superior da Magistratura impugnada, com todas as consequências legais daí advenientes.

Custa pelo demandado, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) Unidades de Conta, nos termos da Tabela I-A, anexa ao Regulamento das Custas Processuais e do nº 1 do artigo 7º destes mesmo diploma.

Valor – 30.000,01 (artigo 34º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Lisboa, 19 de Março de 2024.

Luís Espírito Santo (Juiz Conselheiro relator).

Nuno Pinto de Oliveira (Juiz Conselheiro adjunto).

António Magalhães (Juiz Conselheiro adjunto).

Fernando Batista (Juiz Conselheiro adjunto).

Teresa Féria (Juíza Conselheira adjunta).

Mário Belo Morgado (Juiz Conselheiro adjunto) – vencido conforme declaração que junta.

Orlando Gonçalves (Juiz Conselheiro adjunto).

Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e Presidente da Secção de Contencioso).

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.

_____

DECLARAÇÃO DE VOTO

1. Preceitua o art. 69.º, do Estatuto dos Funcionários de Justiça: 1 - A classificação de Medíocre implica para os oficiais de justiça a suspensão e a instauração de inquérito por inaptidão para o exercício do cargo. 2 - A suspensão durará até à decisão final do inquérito ou do processo disciplinar em que aquele haja sido convertido e não implica a perda de remunerações nem da contagem do tempo de serviço.

Compreende-se este regime, uma vez que, no dizer do Ac. do STA de 15.09.2016, Proc. nº 0979/16: “uma classificação dessas faz imediatamente presumir a inaptidão profissional do [visado], razão por que ele é logo suspenso do exercício de funções”; “partindo da absoluta certeza (…) de que o concreto desempenho do arguido foi medíocre, o procedimento disciplinar abre-se e desenrola-se para atingir um essencial objetivo: o de aferir se a inaptidão profissional – sugerida pela classificação de Medíocre – existe deveras e com contornos definitivos e irremediáveis”; qualquer magistrado ou oficial de justiça assim classificado «sabe ou deve saber que está a um passo de ser havido como profissionalmente inapto (…), de modo que, sem um significativo “tour de force” da sua parte, dificilmente escapará a um juízo de definitiva inaptidão.»1.

2. Votei o acórdão vencido, por entender que na situação em apreço o prazo de prescrição de um ano, contemplado no art. 178º, nº 1, da Lei Geral sobre o Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), se conta a partir do momento da atribuição da notação de medíocre (notação na qual se projeta a inaptidão para o exercício das funções e que por isso é elemento constitutivo da infração disciplinar), e não da prática dos factos concretamente considerados, como v.g. decidiu o Ac. do STA de 02.04.2009 (2ª Subsecção do CA), Proc. nº 0531/07, no qual se desenvolve o seguinte pensamento2:

«(…)

Sustenta, por último, o Autor que (…) as faltas disciplinares apontadas no referido acórdão ocorreram todas há mais de 4 anos.

Com efeito, alega, “mesmo descontando o tempo da suspensão do prazo prescricional, compreendido entre a data da instauração do inquérito (…) e a data em que nele devia ter sido proferida decisão final (…), verifica-se ter já decorrido integralmente o prazo de 3 anos de prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar”.

Também, aqui, carece de razão.

Na verdade, o que motivou a instauração do processo de inquérito e a posterior conversão do mesmo em processo disciplinar (ao abrigo do disposto no art. 110º, nºs 2 e 3 do E.M.M.P.), não foi este ou aquele comportamento imputado ao Autor, isoladamente considerado, mas sim uma dada materialidade associada à atribuição da classificação de Medíocre (…).

Como muito bem se ponderou no acórdão do Pleno da secção do contencioso administrativo, de 23.5.06, p. 957/02 “de acordo com o regime legal, a notícia de um desempenho funcional qualitativo e/ou quantitativamente menos logrado, referido ao conjunto de toda a atividade desenvolvida, só passa a ter a natureza de indício de ordem disciplinar se vier a merecer a classificação de Medíocre. Na verdade, só esta classificação da materialidade relatada, e não qualquer outra, pela ponderação muito negativa que comporta, pressagia a hipótese de inviabilização da relação funcional, implica a suspensão de funções e desencadeia a realização de inquérito pré-disciplinar para indagar se o Magistrado tem ou não tem aptidão para o exercício da função. Isto é, nesta dimensão, a classificação de Medíocre é elemento constitutivo da infração e, do mesmo passo, essencial à apreensão da censurabilidade da conduta”.

No presente caso, a classificação de Medíocre só foi atribuída ao Autor pelo acórdão do C.S.M.P. de 14.12.04 (…). Assim, quando em 15.3.06 foi ordenada a conversão do inquérito em processo disciplinar, ainda não tinha decorrido o prazo de 3 anos a que se reporta o art. 4.º, n.º 1, do ED, mesmo sem levar em conta a suspensão do prazo de prescrição, por efeito da realização do inquérito.

Improcedem, pois, também, as conclusões (…) das alegações.»

3. No sentido de que a classificação de Medíocre é elemento constitutivo da infração e fator essencial à apreensão da censurabilidade da conduta, vide ainda, v.g., o Ac. de 23.05.2006 do Pleno da Secção de Contencioso do STA, Proc. n.º 0957/02, embora a propósito de situação não coincidente com o caso dos autos (estava em causa a determinação do momento do conhecimento relevante da falta, para efeitos do nº 2 do art. 4º, do Estatuto Disciplinar à data em vigor).


4. Lançando mão das palavras do Ac. de 25.06.2008, desta Secção de Contencioso do STJ (Proc. n.º 87/08), proferidas em contexto não coincidente, embora com pontos de contacto com o caso sub judice, de outro modo, “estava descoberto o processo para que uma classificação inconciliável com o desempenho desejável revertesse em benefício do infrator, mesmo quando a entidade detentora do poder de sancionamento disciplinar o reputasse inapto para o cargo, eternizando-se na função” (Jurisprudência do STJ em matéria disciplinar, Sumários de Acórdãos da Secção de Contencioso, 1980 a outubro de 2014, p. 94).


Vale por dizer que o art. 178º, nº 1, da LGTFP, deverá ser interpretado em termos que não esvaziem de conteúdo o sobredito art. 69.º, tornando-o na prática quase inaplicável (in casu, quando o Plenário do CSM atribuiu a classificação de Medíocre já decorrera o prazo de um ano), sendo certo que: «Aquilo que há-de ser retirado da lei como objetivamente razoável, justo, praticamente acertado (…) apenas de lá pode ser deduzido quando [à partida] saibamos o que queremos [retirar da lei]. (…) Somente quando tenhamos já concebido (…) os fundamentos materiais em que [a decisão] se apoia podemos perguntar à lei em que medida esta decisão é “imanente” às palavras da lei como sentido possível”» (Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, 7.ª edição, 1996, Gulbenkian, pp. 185 - 186).


(Mário Belo Morgado)


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1. Todos os sublinhados e destaques são nossos.↩︎

2. In dgsi.pt, como todos os demais acórdãos citados sem menção em contrário.↩︎