Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8711/03.2TBVNG.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO CRUZ
Descritores: CONTRATO PROMESSA
LOTEAMENTO
PRÉDIO RÚSTICO
FIXAÇÃO JUDICIAL DO PRAZO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I. O contrato promessa de compra e venda de terreno rústico não loteado basta-se com os requisitos formais do art. 410.º- 2 do CC., ou seja, com a assinatura da partes contratantes.

II. Quando no contrato promessa não se indique um prazo certo para a realização da escritura do contrato definitivo, a forma processual para vir a obter esse objectivo é obtida através da acção especial para fixação judicial de prazo, prevista nos arts. 1456.º e 1457.º. do CPC, pois é a única forma de garantir o contraditório.

III. A notificação judicial avulsa, porque não admite contraditório, só é eficaz se houver prazo fixado que não tenha sido observado por culpa da outra parte, ou seja, para transformar a mora em incumprimento definitivo, e, mesmo assim, há-de obedecer a um prazo razoável, determinado caso a caso.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

AA, propôs a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária
contra
BB e esposa CC
pedindo
- a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de € 139.747,56 (cento e trinta e nove mil setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta e seis cêntimos) e juros de mora à taxa legal a contar da citação até integral pagamento; e subsidiariamente a declaração da nulidade do contrato promessa e em consequência a condenação dos RR. a devolverem a quantia de € 52.373,78 (cinquenta e dois mil trezentos e setenta e três euros e setenta e oito cêntimos) e € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a título de benfeitorias acrescidas de juros de mora à taxa legal a contar da citação até integral pagamento.

Para o efeito, alegou, em síntese, ter celebrado com os RR. um contrato promessa de compra e venda de “dois terrenos com a área de 1316 m2”, contrato esse posteriormente reformulado, tendo entregue a quantia de Esc. 500.000$00 (quinhentos mil escudos) como sinal e princípio de pagamento e a quantia de Esc. 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) como reforço de sinal.
Com expressa autorização do R. marido, a A. procedera a obras e benfeitorias, no montante de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros).
A A. contraiu empréstimo junto de um banco, por cuja cobrança veio entretanto a ser accionada.
Os RR. jamais diligenciaram pela tramitação do processo de loteamento na Câmara Municipal de V... N... de G..., vindo a incumprir o contrato .
Alegou, por outro lado, que, por não estarem assinados pela ré CC (esposa do R.), nem as assinaturas dos outorgantes se acharem notarialmente reconhecidas, o contrato promessa seria nulo.

Citados os Réus, apresentaram contestação impugnando parte da matéria fáctica alegada na petição inicial, designadamente a existência de um qualquer incumprimento contratual da sua parte, não tendo, deste modo, que entregar à Autora qualquer das quantias peticionadas.
Invocaram ainda que a falta de assinatura da Ré mulher no contrato promessa não determina a sua invalidade, sendo certo que o reconhecimento das assinaturas não é aqui aplicável, uma vez que está em causa uma situação enquadrável no n.º 2, do art. 410°, do Cód. Civil e não no seu número 3..

Replicou a Autora.

A acção foi decidida no saneador, mas tendo havido recurso, veio a Relação a revogá-la, ordenando a ampliação da matéria de facto.(fls. 323 a 338).

Na sequência do normal ritualismo processual veio a ter lugar a audiência de discussão e julgamento, sendo dadas as respostas aos quesitos da base instrutória (fls. 427) e proferida Sentença.(fls. 429 a 440)
Nela foi entendido, à laia de questão prévia e por forma a impedir a existência de contradição do segundo pedido com o primeiro, que importava saber, antes de mais, se o contrato era válido ou nulo, pois que, se fosse nulo, considerar-se-ia prejudicada a apreciação do pedido na base do incumprimento.
A acção veio a ser julgada parcialmente procedente por provada, sendo condenados os RR. a pagarem à A. a quantia de € 53.623,78 (1) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, tendo na sua fundamentação a nulidade do contrato promessa por falta de reconhecimento notarial das assinaturas, invocada pela promitente compradora (restituição ao statu quo ante - € 52.373,78 de sinal e € 1.250,00 de benfeitorias (alteamento de muro), - com juros de mora desde a citação.

Apelaram ambas as partes.

A Relação veio a declarar nulo, por vício de forma, o contrato firmado, pelo que julgou improcedente o recurso dos RR. e parcialmente procedente o recurso apresentado pela A., ficando consequentemente condenados os RR. a pagarem à A. a quantia de 52.623,78 – valor do sinal pago relativamente ao contrato promessa, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento - e ainda no montante que vier a apurar-se na liquidação em execução de sentença relativa ao valor do reboco e alteamento do muro, confirmando no demais a decisão recorrida.

Continuando inconformados, interpuseram os RR. novo recurso.
A A. voltou a recorrer subordinadamente.

Os recursos foram qualificados como Revista e com efeito devolutivo , sendo o primeiro como independente e o segundo como subordinado.

Ambos os recursos foram aceites por este Supremo Tribunal, sem alteração de adjectivação.(fls. 551 e 556)

Os recorrentes RR. haviam concluído as suas alegações pela forma seguinte:

“ I - Estando em causa dois terrenos, que estão a ser objecto de licenciamento de loteamento e, em consequência de terrenos sem projecto aprovado, não é exigível o cumprimento da formalidade prescrita no Art.º 410.º n° 3 do Código Civil
II - No caso sub judice, o projecto ainda não está aprovado, pelo que é inexistente.
III - Aliás, deu o Tribunal da 1.ª Instância como provado que a A. aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, dos referidos terrenos, tinha perfeito conhecimento da demora na aprovação do loteamento;
IV - A A. não exigiu o reconhecimento presencial das assinaturas, como ficou provado;
V - Não ficando estabelecido que, esta omissão fosse causada pelos Promitentes Vendedores, ou pela Promitente Compradora, o certo é que esta não fez essa exigência formal.
VI - Não podendo, nem devendo apelar ao desconhecimento da Lei-Art° 6° do Código Civil, a A. podia e devia solicitar o reconhecimento presencial das assinaturas. Ainda que a norma do Art.º 410.º n° 3 do C.Civil, exista essencialmente para defesa do promitente-comprador, não pode esta ser usada, a bel prazer daquele;
VII - Em 9 de Maio de 1999 os Promitentes vendedores e promitente Compradora assinam o 2° contrato promessa de compra e venda, que vem substituir o 1° Contrato promessa de compra assinado em 8 de Fevereiro de 1999 ( também este sem assinaturas reconhecidas)
VIII - Naquele contrato o Promitente vendedor autoriza a Promitente compradora a ocupar os referidos terrenos, para o ramo da sua actividade;
IX - O Promitente Vendedor autoriza a Promitente compradora a realizar obras nos terrenos objecto do contrato promessa de compra e venda;
X - Obras essa que a Promitente Compradora realiza, para sua comodidade e segurança.
XI - Ou seja, o comportamento da Promitente Compradora, aqui Recorrida, cria no Promitente Vendedor, aqui Recorrente, a convicção justificada de que nunca iria pôr em causa o contrato promessa de compra e venda pela simples falta de reconhecimento presencial das assinaturas, criando neste uma confiança, uma vontade de manter aquele contrato, e justificando razoavelmente, uma expectativa factual e sólida da manutenção do contrato promessa de compra e venda.
XII - Decorridos 4 ( Quatro ) anos e dois meses, vem a Promitente Compradora alegar a nulidade do contrato promessa de compra e venda com base na falta de reconhecimento de assinaturas;
XIII - A existir incumprimento de uma obrigação contratual formal, pela parte do Promitente vendedor, esta já prescreveu –Art.º 227° do C.Civil
XIV - Para além disso, nunca foi questionado pelas partes a celebração do contrato promessa de compra e venda, pelo que o reconhecimento presencial das assinaturas, surge como um mera formalidade "ad probationem".Não foram impugnadas as assinaturas inseridas naquele documento e daí a força probatório do mesmo- Art° 373°,374° e 376.º todos do C.Civil;
XV - Ao invocar a omissão daquela formalidade, para daí tirar beneficio, incorre em abuso de direito na modalidade de "venire contra factum proprium.
XVI - A A. desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda, a saber, 9 de Maio de 1999, até à presente data, ocupa os terrenos, utilizando-os em seu beneficio próprio e na sua actividade, colhendo daqueles os frutos da sua ocupação;
XVII - Pelo que, a manter-se a nulidade do contrato promessa de compra e venda, o que desde já não se concede, não haverá lugar à restituição dos juros desde a citação, sob pena de tal instituto jurídico, não produzir, eficazmente, todos os seus efeitos, em relação a ambas as partes.
XVIII - Tanto mais que, o próprio Acórdão, ora posto em crise, reconhece a responsabilidade de ambos os contratantes, na preterição da alegada formalidade legal que, motivou toda a instância;
XIX - Pelo que é mister considerar a validade com todos os seus legais efeitos;
XX - Foram assim violados, o disposto nos Art.ºs 334°, 227°, 498° e 289° todos do Código Civil”

Por sua vez, a A. concluiu as suas alegações ( recurso subordinado) destoutra forma:

“1. A A., ora recorrente, intentou a presente acção e pediu a condenação dos RR. no pagamento da quantia de 139.747,56€ correspondente ao montante do sinal em dobro (104.747,56) e às benfeitorias (35.000€), ou em alternativa, no pagamento da quantia correspondente ao sinal, acrescida do valor das benfeitorias.
2. A recorrente entende que os RR. deverão ser condenados na restituição do sinal em dobro tal como peticionou;
3. Com interesse para esta decisão ficaram provadas as circunstâncias e o teor dos contratos de 08/02/1999 e 09/05/1999, o teor da notificação judicial avulsa e os factos constantes dos números 2°, 3°, 4°, 5°, 7° e 9° da B.I., que aqui se dão como inteiramente reproduzidos;
4. O comportamento dos RR. foi de total irresponsabilidade, não promovendo o andamento do processo de loteamento, nem sequer requerendo aditamento ao mesmo na sequência da afectação dos lotes pela passagem da via rápida - Scut;
5. Os RR. nada fizeram para isso, nem mesmo com a colaboração do pai da A. que, nada podia fazer por não ser titular do loteamento, nomeadamente por falta de colaboração daqueles;
6. Os RR., ora recorridos, são os únicos responsáveis pelo incumprimento do contrato promessa;
7. Pese embora a cláusula constante do contrato de que a quantia em falta "será liquidada no acto da escritura pública de compra e venda após a obtenção do alvará de loteamento" o certo é que era aos RR. e não à A. ou ao pai desta que incumbiam as diligências, o empenho e os actos necessários à dita celebração;
8. Com a notificação judicial avulsa, os RR. nem sequer demonstraram ter feito qualquer diligência ou declararam sequer que as iriam fazer, nada fazendo ou promovendo, aqueles recorridos sabiam conscientemente que a escritura nunca se realizaria;
9. Agiram com culpa "in contraendo", com negligência, não merecendo o "prémio" de enriquecer à custa da A., por isso deve ser condenados a devolver à A. a quantia correspondente ao dobro do sinal;
SEM PRESCINDIR
10. A douta decisão recorrida declarou a nulidade do contrato promessa em causa nestes autos e condenou os RR. ora recorridos, a pagar à A. ora recorrente a quantia de 53.623,78€ e juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento;
11. A restituição do sinal resulta da aplicação directa do preceituado no art° 289° n° 1 do Código Civil e a obrigação de restituir que incumbe aos RR., ora recorridos, atento o decurso do tempo, deve corresponder ao valor dessa quantia que deve ser actualizada;
12. Para além da declaração de nulidade e da condenação dos RR. na restituição à A. da quantia entregue por esta e juros desde a citação, a recorrente tem direito à actualização da mesma, pela inclusão no montante a restituir dos juros à taxa legal desde a entrega do sinal àqueles em 1999 (Acórdão da Relação de Coimbra de 10/2/1987, C.J., tomo I, pág. 57);
13. A decisão de 1.ª instância, bem como o douto acórdão recorrido, decidiram, quanto ao pedido de indemnização das benfeitorias realizadas pela A. no terreno objecto do contrato promessa que a pavimentação do solo é benfeitoria voluptuária e não indemnizável; que o gradeamento e portão, sendo benfeitoria útil, pode ser retirada e não é indemnizável; e que os muros são em parte;
Posto Isto:
14. A pavimentação do solo incluía a que foi executada no terreno dos lotes (6.380 €) e a que foi realizada nos passeios fronteiros àqueles (795 €), cfr. respostas positivas aos quesitos n.º s 3° e 7° da B.I. e ponto 4 - resposta dos senhores peritos ao pedido de esclarecimento apresentado pela A. ora recorrente.
15. A douta decisão recorrida considerou tais benfeitorias voluptuárias, por não se destinarem a conservação ou manutenção do prédio, e por não lhe aumentar o valor, podendo ser levantadas sem detrimento do prédio;
16. A recorrente discorda de tal classificação, entendendo que não as executou para recreio (cfr. 216, n° 3 do CC.) e que as mesmas são úteis porque aumentam o valor do terreno (que não é agrícola mas destinado a construção) e que as mesmas não podem ser retiradas sem detrimento do prédio (que ficaria desprovido de pavimento e de passeios) ou, admitindo que possam ser levantadas sempre daí derivaria detrimento para o prédio uma vez que implica levantamento da caixa de cascalho e inertes e a falta de terras já retiradas, cuja falta prejudicaria e diminuiria o volume das terras e o valor do mesmo.
17. A douta decisão recorrida, considerando os portões e a vedação em chapas de alumínio como benfeitorias úteis, não as considerou indemnizáveis por entender, também, que as mesmas podiam ser retiradas pela A. sem detrimento do prédio;
18. Retirar sem detrimento é retirar sem prejuízo, sem quebra de valor para o prédio que deve entender-se não só como o conjunto das terras e pertences mas também todas as suas funcionalidades.
19. Retirar o portão e o gradeamento não diminui o volume do terreno, nem a área do mesmo, não altera a estrutura e composição do solo, mas retira-lhe valor, provoca-lhe prejuízo na sua funcionalidade, na defesa de propriedade (deixa-o sem vedação e sem resguardo) ou seja trata-se de benfeitoria que não pode ser retirada sem detrimento do prédio e que deve ser indemnizável em 1.980 € (vedação em chapas de alumínio) e 1.320 € (portão em alumínio) por serem os resultantes da peritagem conjunta, não ter esta sido impugnada, e não existir nos autos prova que a contradiga.
20. Os muros com as dimensões descritas nos autos se não podem retirar sem detrimento do prédio, porquanto este, considerado como as terras e também os pertences, utilidades e funcionalidades, com a retirada dos muros construídos de raiz (v.g. muro a Nascente) deixa de estar vedado e fica sujeito a derrocadas de terras e por isso, diminuído do seu valor, e por outro lado reduzida a sua altura, por idêntica razão, fica diminuído o valor, ou seja, há mesmo detrimento do prédio, se os muros forem retirados, uma vez que implica, pelo menos, a derrocada das terras que foram encostadas aos ditos muros de suporte, quando o terreno foi limpo, terraplanado e, em parte, pavimentado;
21. Devendo estes ser indemnizados, como benfeitorias, no montante global de 6.758 € (5.400 € + 1.358 €), que estão documentados e peritados, acrescido de montante a liquidar em execução de Sentença relativamente a despesas efectuadas e confirmadas no relatório.
22. A A. recorrente, em se mantendo a declaração de nulidade, - que por cautela se alega, pretende, pelo menos, ser indemnizada pelo valor do sinal com juros desde a data da entrega das quantias aos RR. e pelo valor das benfeitorias, em conformidade com as conclusões anteriores.”
Foram apresentadas contra-alegações em ambos os recursos.

Correram entretanto os vistos.

………………………..

II. Âmbito dos recursos e fundamentação

II-A) As questões

Tendo em conta o que consta das conclusões alegacionais apresentadas em cada um dos recursos, e dado o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, pode dizer-se que o âmbito dos recursos consiste em dar resposta às questões que nelas nos foram apresentadas para reapreciação, e que são as seguintes:

- No recurso independente (dos RR.):
- inaplicabilidade do regime previsto no art. 410.º-3 à situação presente (nulidade do contrato por falta de reconhecimento de assinaturas);
- inexistência de incumprimento;
- a haver incumprimento, prescrição de obrigação contratual;
- benfeitorias
- abuso de direito
- juros.
- No recurso subordinado da A.:
- incumprimento do contrato
- condenação dos RR. no montante em dobro do sinal;
- benfeitorias
- juros.

II-B) Os factos

Estão fixados como assentes ou provados os factos seguintes:

“1° - Por escrito datado de 08 de Fevereiro de 1999 sob a epigrafe "Contrato Promessa de Compra e Venda", BB, como primeiro outorgante e na qualidade de promitente vendedor e AA, como segunda outorgante e na qualidade de promitente compradora, declararam outorgar entre si um contrato promessa de compra e venda, c1ausulando, designadamente, que.
a) o primeiro outorgante é dono e legítimo possuidor de dois terrenos com a área de mil e trezentos e dezasseis metros quadrados, sito no Lugar do C...., Vilar do Paraíso, que corresponde aos lotes dezoito e dezanove.
b) O primeiro outorgante promete vender ao segundo outorgante os terrenos identificados neste contrato, livre de quaisquer ónus, encargos ou hipotecas.
c) Como sinal e princípio de pagamento do preço ajustado, o segundo outorgante entrega ao primeiro outorgante, nesta data, um cheque no valor de Esc. 500.000$00 (quinhentos mil escudos), da qual o primeiro outorgante lhe dá a correspondente quitação.
d) O restante capital em dívida no valor de Esc. 20.500.000$00 (vinte milhões e quinhentos mil escudos) que será liquidada no acto da escritura pública de compra e venda a outorgar em nome do segundo outorgante ou de terceiros que este venha a indicar para o efeito e que será celebrada até 09 de Maio de 1999.
e) O presente contrato promessa de compra e venda fica subordinado aos artigos 410° e 830° do Código Civil.
2°- Por escrito datado de 09 de Maio de 1999 sob a epígrafe "Contrato Promessa de Compra e Venda e Reforço de Sinal", BB, como primeiro outorgante e na qualidade de promitente vendedor e AA, como segunda outorgante e na qualidade de promitente compradora, declararam outorgar entre si um contrato promessa de compra e venda, c1ausulando-se, designadamente, que.
a) O primeiro outorgante é dono e legitimo possuidor de dois terrenos, com a área total de mil trezentos e dezasseis metros quadrados, sitos na Rua ..., Cadavão, Vilar do Paraíso, descritos na Conservatória de Registo Predial sob parte do n02799 a fls. 60v do Livro 8-21, que correspondem aos lotes dezanove e vinte, mencionados no Projecto de Loteamento a decorrer a sua aprovação na Câmara Municipal.
b) O primeiro outorgante promete vender ao segundo outorgante, ou pessoas por este a nomear, livre de ónus e encargos e este promete reciprocamente comprar, os referidos terrenos pela quantia de Esc. 21.000.000$00 (vinte e um milhão de escudos).
c) Como reforço de sinal e segunda prestação a segunda outorgante pagou nesta data a quantia de Esc. 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) da qual o primeiro outorgante dá a correspondente quitação perfazendo a quantia de Esc. 10.500.000$00 (dez milhões e quinhentos mil escudos).
d) A restante quantia e última prestação no montante de Esc. 10.500.000$00 (dez milhões e quinhentos mil escudos) será liquidada no acto da escritura pública de compra e venda após a obtenção do alvará de loteamento.
e) Após a assinatura deste contrato, o primeiro outorgante autoriza à segunda outorgante a ocupação livre dos referidos terrenos para o ramo da sua actividade.
f) Todas as despesas com escritura e sisa serão da responsabilidade da segunda outorgante.
3° - Em 22 de Janeiro de 2003 a A. requereu a notificação judicial avulsa do R. BB para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento da quantia global de € 87.373,78 (oitenta e sete mil trezentos e setenta e três Euros e setenta e oito cêntimos), ou, no mesmo prazo, documentar todas as diligências efectuadas no processo de loteamento e a data em que o mesmo foi aprovado.
4° - O réu BB foi notificado do teor da notificação judicial avulsa aludida em 3°) no dia 31 de Janeiro de 2003.
5° - O contrato referido em 2°) foi celebrado em substituição do referido em 1°).
(do l.° julgamento efectuado).
6° - O Réu BB autorizou a Autora a realizar obras nos terrenos referidos com a área de 1316 m2, sitos na Rua ...., Cadavão, Vilar do Paraíso, descritos na Conservatória do Registo Predial sob parte do n..º 2799, que correspondem aos lotes 19 e 20, mencionados no Projecto de Loteamento a decorrer a sua aprovação na Câmara Municipal.
7° - A Autora procedeu à limpeza e arranjo dos terrenos que estavam incultos, com mato e arbustos de crescimento espontâneo.
8° - A Autora pavimentou parte do solo.
9° - A Autora rebocou e alteou o muro que confina com o arruamento público em cerca de 1,20m (que tem 21m x 0,15m), e construiu de raiz o muro de meação com o terreno vizinho voltado a norte bem como o muro da parte da frente.
10°- Colocou sobre os muros uma vedação de grade de ferro e, na entrada, um portão de chapa de alumínio.
11°- Na limpeza e arranjo dos terrenos referidos em 2., a Autora despendeu a quantia de € 150,00; na pavimentação do solo a quantia de € 6.380,00; na grade de ferro e no portão de chapa de alumínio gastou € 1.350,00; na edificação e alteamento dos muros, pelo menos, € 6.000,00.
12° - A A. contraiu empréstimo pessoal junto do BCP para pagar o reforço de sinal ao R. Marido.
13°- A A. tinha absoluta necessidade de celebrar rapidamente a escritura de compra e venda a fim de poder solicitar empréstimo com taxa de juro bonificada, por ser jovem empresária
14°- Tal não se tornou possível em virtude de inexistir aprovação do loteamento, tendo o banco credor accionado judicialmente a cobrança do débito referido em 13°.
15°- Os lotes referidos em 1°) e 2°) ficaram afectados pela construção da via rápida denominada "Concessão da Costa de Prata", a qual é contígua aos mesmos.
16°- As futuras construções serão prejudicadas pela emissão de fumos, gases e ruídos provenientes dos veículos e pela circunstância de a Rua ..., para a qual os lotes têm frente, ficar sem saída.
17°- Após saber da construção da via referida em 15°), o R.-marido nada fez com vista à aprovação do loteamento.
18°- Em meados de 2001, o pai da A., no interesse e a pedido desta, obteve toda a documentação relativa ao processo de loteamento.
19°- O pai da A., na posse de tal documentação, nada fez para obtenção da licença de loteamento e devolveu a mesma documentação aos RR. após o facto referido em 4°).
20°- No momento da celebração dos contratos referidos em A) e B) ambas as partes desconheciam a existência da Via referida em 15°).
21°- Aquando da celebração do contrato referido em 2°) a A. sabia que a obtenção do licenciamento do loteamento iria ser demorada.
22° - A A. não exigiu o reconhecimento presencial das assinaturas nos contratos referidos em 1°) e 2°).”


II-C) O Direito


Começam os RR. por sustentar que o contrato celebrado não é nulo nem se mostra incumprido e que, para o caso de assim não ser entendido, constitui abuso de direito a invocação da sua nulidade ou incumprimento, com o pedido de indemnização por benfeitorias.
Para o efeito, assentam os seus argumentos nas circunstâncias de se estar perante a promessa de compra e venda de terrenos sem projecto aprovado, cuja situação ambas as partes outorgantes bem conheciam, situação diferente daquela que prevê a promessa de transmissão onerosa de direito real sobre “edifício ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir”, única situação para a qual o art. 410.º-3 refere que “deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção (…)” e ainda no facto de todas as benfeitorias haverem sido realizadas pela A., ainda que com autorização dos RR.

Pois bem:
Sendo o contrato promessa celebrado em 1999, estava já em vigor a redacção emergente do DL n.º 379/86, de 11/11, que veio a substituir a redacção que ao art. 410.º-3 do CC fora dada pelo DL n.º 236/80, de 18/07, fazendo desaparecer, designadamente, a expressão “ compra e venda de prédio urbano ou fracção autónoma” por “ contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício ou fracção autónoma dele.”
Vamos por isso começar por publicar uma e outra redacção, para mais fácil controle das diferenças ocorridas:

Assim:

Na redacção do DL n.º 236/80:
“Art. 410.º (Regime aplicável)
1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa.
2. Porém, a promessa relativa à celebração do contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico quer particular, só vale se constar de documento assinado pelos promitentes.
3. No caso de promessa relativa à celebração de contrato de compra e venda de prédio urbano, ou de sua fracção autónoma, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes e a certificação, pelo notário, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção. A omissão destes requisitos não é, porém, invocável pelo promitente-vendedor, salvo no caso de ter sido o promitente comprador que directamente lhe deu causa.(sublinhado nosso)


Com a redacção do DL n.º 379/86, de 11/11, passou o art. 410.º a dizer o seguinte:

“1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa. (redacção inalterada face à anterior)
2. Porém, a promessa respeitante à celebração do contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato promessa seja unilateral ou bilateral
3. No caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.”


Quanto às razões para tais alterações, estão elas amplamente explicadas pela Prof. Ana Prata (2) in “O contrato Promessa e o seu Regime Civil”, com grandes citações dos Profs. Antunes Varela, Almeida Costa, Calvão da Silva, Vítor Calvete, Menezes Cordeiro e Brandão Proença.
Não cabe no âmbito de um Acórdão fazer grandes transcrições dos ensinamentos desses Ilustres e Sábios Mestres, pelo que, por uma razão de economia a que não é alheia o enorme prestígio dos Professores citados, limitamo-nos a transcrever parte das considerações do Prof. J. Calvão da Silva na 12.ª edição da sua obra sobre a temática, a respeito da substituição da expressão “prédio urbano” por “edifício” no n.º 3 do art. 410.º do CC., apresentando depois, as indicadas pelo Prof. M. J. Almeida Costa, sob o mesmo ponto, por ser das primeiras que, de forma sintética e contundente, foi apresentada, criticando a alteração da redacção pela forma tecnicamente incorrecta que veio a apresentar.

Escreve o Prof. J. Calvão da Silva (3) :

“(…) São várias as modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 379/86 na redacção originária do aditamento em apreciação. Uma delas é a substituição de «prédio urbano» por «edifício», na esteira da crítica formulada por MENEZES CORDEIRO (anotação 44. O novo regime do contrato promessa, no BMJ, n.º 306, pp.31 e 32).
Deve-se à circunstância de «prédio urbano» ter um sentido técnico-jurídico rigoroso, definido no artigo 204.°, n.º 2, como «qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro». Logo, dir-se-ia que na definição técnica literal de prédio urbano não caberia seguramente o edifício a construir e dubitativamente o edifício em construção. Nada melhor, portanto, do que a troca de “prédio urbano” por “edifício”, já que este pode estar construído, em construção ou apenas projectado.
Era, todavia, bem claro que a referência legal a prédio urbano ou sua fracção autónoma, já construído, em construção ou a construir exprimia o sentido normal e corrente nos usos do tráfico, que é como quem diz no sector da construção civil, em que a celebração de contratos-promessa tem, muitas vezes, por objecto mediato imóveis a construir simplesmente projectados, em terreno para construção já aprovada, (sublinhado nosso) concebidos sub specie de res futura, ou edifícios cuja construção se encontra ainda nos alicerces, de modo a permitir aos construtores civis a angariação de fundos monetários indispensáveis à construção ou edificação dos “prédios” na linguagem vulgar.
Este é o alcance prático-jurídico que, tanto na versão originária como na actual, deve ser dado à disposição legal em apreço, não nos parecendo sequer que, no cômputo global, haja ganhos com a modificação textual, porquanto o vocábulo edifício é menos amplo do que a expressão prédio urbano - esta contém aquele (art. 204.°, n.o 2) -, o que se presta a críticas como as formuladas por ANTUNES VARELA, designadamente a de que a substituição «parece (gramatical ou verbalmente, pelo menos) afastar a aplicação do preceito aos casos (e são inúmeros, se é que não constituem maioria) em que os contraentes têm em vista (e o contrato abrange), não apenas o edifício, mas também os terrenos que lhe servem de logradouro ou os pátios ou jardins que lhe servem de anexo». E ANTUNES VARELA remata a apreciação da troca da expressão prédio urbano por edifício nos seguintes termos: «tal como a disposição ficou redigida, eliminou-se uma deficiência do texto anterior, mas incorreu-se numa outra, não menos digna de reparo, conquanto nenhuma delas, por si mesma, crie obstáculo insuperável à descoberta e à eficácia da real vontade do legislador» (anotação 45, Emendas, ob e loc cis, p.359, id est, Emendas ao Regime do Contrato Promessa).

Por sua vez, escreveu o Prof. Mário Júlio Almeida Costa (4) , referindo-se às razões para alteração da expressão “prédio urbano” pela referência de “edifício”:
“(…) Esta modificação procurou evitar dúvidas em face da noção de prédio urbano que decorre do art. 204.º, n.º 2. Não se trata aqui da precisa realidade que corresponde a esse conceito técnico, mas sim de edifícios já existentes, em construção ou projectados. A palavra edifício, aliás, é utilizada em vários preceitos do Código Civil para exprimir algo que não coincide com o conceito jurídico de prédio urbano.
É manifesto que a palavra edifício não assume necessariamente o sentido de edificação ou construção. Também compreende o solo em que se incorpora, assim como eventuais terrenos adjacentes ou anexos, quer dizer, o conjunto ou unidade imobiliária – um todo ou uma fracção autónoma –que o contrato definitivo tem por objecto.

Analisando a matéria de facto, vemos no entanto que o objecto do contrato era apenas uma porção de terreno que, embora à partida delimitado como correspondendo a futuros lotes para construção, ainda não tinha projecto aprovado.
O que conferiria a aplicabilidade ao prédio do regime previsto no art. 410.º-3 do CC. seria a existência de loteamento aprovado, uma vez que só a partir de então, nessa parte do solo se poderia integrar “edifício projectado”. Enquanto não houvesse loteamento aprovado, o prédio continuava a manter a natureza rústica que detinha.
Como tal, o regime aplicável é o decorrente do n.º 2 do mesmo artigo.
Ora neste âmbito, o contrato bastava-se formalmente com a assinatura da partes contratantes, dado que o contrato era bilateral.
Como foi cumprido tal requisito, o contrato promessa celebrado obedeceu aos requisitos formais no tocante às assinaturas dos promitentes. (5)

O certo é que o contrato definitivo ainda se não realizou, apesar de a A. ter interpelado os RR. através de notificação judicial avulsa para marcação de escritura ou apresentação documental das diligências empreendidas com vista à aprovação do loteamento.

E a questão que se põe agora é esta:
Teria havido incumprimento dos RR.?

Salvo o devido respeito, pelo menos por agora, entendemos que não:

Com efeito, com a celebração do segundo contrato, que complementou o primeiro no que toca às importâncias entregues a título de sinal e reforço de sinal, não foi indicado um prazo certo para a escritura, apenas se dizendo que esta seria realizada uma vez obtido o alvará de loteamento. (obrigação “certus an, incertus quando”)
Ora, quando não há prazo contratualmente fixado, para que se possa falar de incumprimento de obrigação, há que previamente obter judicialmente a fixação desse prazo.
Esse desígnio é obtido através da acção especial prevista nos arts. 1456.º e 1457.º. do CPC.
No entanto a A. limitou-se a requerer a notificação judicial avulsa dos RR., fixando-lhes ela mesma o prazo de 10 dias para celebrar a escritura ou para documentar as diligências efectuadas no processo de loteamento, o que se mostra de todo inócuo para o fim visado (fixação de prazo) pois que, como refere o art. 262.º-1 e 2 do CPC, a notificação judicial avulsa não admite oposição alguma e os direitos respectivos só podem fazer-se valer nas acções competentes.
A notificação judicial avulsa só seria eficaz para transformar a mora em incumprimento definitivo, o que apenas se verificaria se houvesse um prazo certo para a realização de escritura que não tivesse sido observado por circunstâncias imputáveis aos RR. e fosse indicado um prazo razoável.

Mantendo o contrato promessa a sua validade e eficácia e não se mostrando incumprido face pelo menos aos termos em que a acção se move, ficam prejudicadas todas as demais questões suscitadas, designadamente as relativas ao abuso de direito, às benfeitorias e aos juros.

……………………


III. Decisão

Perante o exposto, dá-se provimento ao recurso dos RR., concedendo-lhes a Revista, negando-se no entanto a Revista da A.
Consequentemente, revoga-se o não obstante douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que absolve os RR. dos pedidos formulados.
Custas pela A. quer no recurso, quer nas instâncias.

Lisboa, 19 de Novembro de 2009

Mário Cruz (Relator)
Garcia Calejo
Hélder Roque
__________________________________
1- Houve manifesto lapso aritmético na conversão de escudos para euros, pois que o contravalor a 10.5000.000$00 é de € 52.623,78 e não €53.623,78.
2- Ana Prata, O contrato Promessa e o seu Regime Civil, Almedina, fls. 356 e ss.
3- João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 12.ªedição - Revista e aumentada, Almedina, pg. 65 e ss.
4- Mário Júlio de Almeida Costa, Contrato-Promessa, Uma síntese do regime vigente, 6.ª ed, revista e actualizada, Almedina, pg. 33 e 34.
5- Esta posição já tinha sido indicada no processo, não ainda como vinculativa nem sequer como indicativa, mas a título de mera opinião e que correspondia à posição dos Desembargadores signatários do Acórdão da Relação do Porto de 2006.10.16 (fls. 323 a 338), que haviam revogado a primeira decisão da 2.ª instância (que incidira sobre o primeira decisão no saneador), e que vinha subscrita por Pinto Ferreira, Marques Pereira e Caimoto Jácome.