Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16183/13.7T2SNT.L1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
Data do Acordão: 09/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO CREDOR / FIXAÇÃO CONTRATUAL DOS DIREITOS DO CREDOR.
Doutrina:
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Coimbra, 74-75.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.ºS 1 E 2, 238.º, N.ºS 1 E 2, 334.º, 810.º, N.º 1, 812.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 2003.06.12, PROCESSO N.º 745/03 - 4.ª SECÇÃO, DE 2012.09.12, PROCESSO N.º 605/07.9TTMTS.P1.S1 - 4.ª SECÇÃO, E DE 2015.09.09, PROCESSO N.º 477/11.9TTVRL.G1.S1 – 4.ª SECÇÃO, TODOS SUMARIADOS IN WWW.STJ.PT .
Sumário :

1 – O resultado interpretativo a alcançar de determinada declaração deve estar de acordo com a teoria da impressão do destinatário, ou seja, com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, podia deduzir do comportamento do declarante, à luz dos ditames da boa-fé e das circunstâncias atendíveis no caso;

2 – Na determinação de declaração integrada em documento escrito não pode ser tomada em consideração um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento que serve de suporte à declaração;

3 - Embora a A, como primeira outorgante, tenha declarado na adenda que fez ao contrato de trabalho que vigorava com o R, trabalhador, que tendo conhecimento directo de que este detinha, naquela data, participações em diversas sociedades comerciais de laboratórios de análises clínicas, e que autorizava a sua permanência nessas sociedades, não se pode concluir que tal autorização comportasse a possibilidade de nelas exercer a respectiva administração ou gerência social.

4 - De acordo com o amplo princípio da liberdade contratual que vigora no nosso ordenamento jurídico, é permitido ao empregador acordar com o trabalhador na fixação de uma contrapartida negociada a pagar por este pelo incumprimento de obrigações expressamente assumidas.

5 - Nos termos do art. 812º do CC, o Tribunal pode proceder à redução da cláusula penal convencionada pelas partes, de acordo com juízos de equidade, quando a indemnização estabelecida for manifestamente excessiva, nomeadamente por a obrigação acordada ter sido cumprida durante uma parte substancial do período de tempo convencionado.

Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1----

AA, …, S.A., empresa que veio a ser incorporada na

Dr. BB, S.A., sociedade incorporante que prossegue nos autos como A[1], intentou a presente acção de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra

CC, pedindo a sua condenação no pagamento, a título de indemnização acordada pelas partes, da quantia de € 1.000.000 acrescida dos juros dos mora que se vençam desde a data da citação do R até integral e efectivo pagamento, à taxa de 4% ao ano, nos termos dos arts. 559º e 805º, n.º 2, alínea b) do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Para tanto alegou que, em adenda celebrada em 8 de Agosto de 2008, ao contrato de trabalho que vigorava entre as partes e em cujo âmbito o R exercia as funções de director técnico do laboratório de análises clínicas, este obrigou-se  a não constituir, a não participar ou a não colaborar, directa ou indirectamente, quer como sócio, quer como legal representante, ou ainda como colaborador ou empregado, em qualquer outro laboratório de análises clínicas, independentemente da sua forma ou natureza jurídicas, durante o prazo de 5 (cinco) anos contados a partir de 8 de Agosto de 2008; que, não obstante, o R violou esta obrigação contratual, tendo, dentro do prazo estabelecido, assumido a gerência de duas sociedades comerciais detentoras de laboratórios de análises clínicas e concorrentes da Autora, tendo, por isso, direito ao pagamento da cláusula penal de um milhão de euros, conforme acordado.

Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação, veio o R apresentar contestação, onde alegou que as sociedades em causa correspondiam às excepções identificadas na cláusula 3ª da adenda ao contrato de trabalho, pelo que não se verifica o incumprimento da mesma; que a A tinha conhecimento de que o R assumiu a gerência das sociedades e que tal assunção não violava o dever de lealdade; que caso se considerasse válida a cláusula, a mesma não seria aplicável, porque a A não teve nem alegou quaisquer prejuízos e porque o montante fixado sempre seria desproporcional.

Formula um pedido de condenação da A como litigante de má fé, bem como um pedido de condenação em indemnizações por danos morais e patrimoniais futuros.

A Autora respondeu à contestação nos termos de fls. 140 e ss.

Foi proferido despacho a convidar o R a esclarecer se pretende a condenação da Autora na presente acção, caso em que deve deduzir tal pedido devidamente liquidado quanto aos danos já sofridos e indicar um montante quanto aos danos futuros, e atribuir um valor à reconvenção.

E não tendo este aceite tal convite, considerou-se que não foi deduzido qualquer pedido reconvencional, conforme consta do despacho de fls. 314.

Realizada a audiência prévia foi proferido despacho saneador que fixou o objecto do litígio.

E após, anunciou o Tribunal que iria proferir decisão de mérito, o que fez em 2016.06.16, prolatando sentença em que julgou improcedente a acção e absolveu o R. do pedido.

Inconformada, apelou a A, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado parcialmente procedente a apelação, vindo a condenar o recorrido a pagar à recorrente a quantia de € 130.000, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, no mais o absolvendo do peticionado.

É agora o R que, irresignado, nos traz a presente revista, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões:

O Recorrente entende que o Tribunal a quo aplicou incorrectamente o Direito aos factos provados, designadamente no que respeita às seguintes questões apreciadas no acórdão recorrido: (i) da (in)validade da Cláusula Terceira da Adenda ao Contrato de Trabalho outorgada em 8 de Agosto de 2008, (ii) da interpretação da referida Cláusula Terceira da Adenda ao Contrato de Trabalho, (iii) do alegado incumprimento pelo Recorrente do dever de lealdade, na vertente de dever de não concorrência, bem como da Cláusula Terceira da referida Adenda ao Contrato de Trabalho e (iv) do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal.

1ª.

Da Cláusula Terceira da referida Adenda ao Contrato de Trabalho resulta a proibição de o trabalhador (ora Recorrente) desenvolver qualquer actividade ou ter qualquer participação, seja a que título for, em “qualquer outro Laboratório de Análises Clínicas, independentemente da sua forma ou natureza jurídicas (com sublinhado nosso).

2ª.

Assim, esta cláusula não restringe a referida obrigação apenas a entidades que possam ser consideradas concorrentes da Recorrida. Pelo contrário, nela se incluem quaisquer Laboratórios de Análises Clínicas, sejam eles concorrentes ou não concorrentes da Recorrida, sem qualquer delimitação geográfica ou de outra natureza.

3ª.

As referidas sociedades – enquanto objecto da obrigação contratual assumida pelo Recorrente – deveriam estar identificadas ou, pelo menos, ser identificáveis por via de critério expressamente previsto (por exemplo, a localização geográfica), o que não se vislumbra in casu.

4ª.

Em face da amplitude ou abrangência da obrigação supra referida, entende o Recorrente que a cláusula contratual que a prevê é nula, por ser excessivamente indeterminada – desde logo, em termos geográficos –, restringindo, de forma não admissível, a sua liberdade de trabalho

5ª.

Acresce que a validade de tal limitação deverá ser aferida de acordo com critérios de adequação e proporcionalidade, tendo em conta o real interesse do empregador e a natureza das funções exercidas pelo trabalhador no âmbito do contrato de trabalho.

6ª.

Pelo menos até 8 de Agosto de 2008, a actividade prestada pelo Recorrente à Recorrida não pressupôs exclusividade.

7ª.

Na data em que a obrigação cujo alegado incumprimento pelo ora Recorrente é reclamado in casu foi estabelecida pelas partes aquele já figurava como gerente, entre outras, da sociedade DD, Lda. há mais de 7 (sete) anos e da sociedade EE, Lda. há quase 11 (onze) anos.

8ª.

Factos conhecidos pela ora Recorrida.

9ª.

Durante todo o período em que prestou trabalho à Recorrida – com excepção do período em que foi suspenso preventivamente por esta – o Recorrente exerceu as mesmas funções de Director Técnico.

10ª.

Assim, a Cláusula Terceira da Adenda ao Contrato de Trabalho consubstancia compressão inaceitável da liberdade de trabalho do Recorrente, porque injustificada (pelo menos quanto à sua abrangência e extensão) face aos interesses prosseguidos pelo empregador, sendo, por isso, nula.

11ª.

Por outro lado, no que respeita ao § Terceiro da aludida cláusula contratual, de acordo com o qual o Recorrente se compromete a “desenvolver esforços tendentes à sua desvinculação das sociedades comerciais nas quais detém participações, sendo que a desvinculação supra referida só deverá ser efectivada se não prejudicar os interesses da Primeira Outorgante [ora Recorrida]”, entende o Recorrente que também naquela parte a aludida cláusula contratual, fixada no âmbito laboral, é nula.

12ª.

Na presente acção – de natureza laboral – está em causa a análise da questão de saber se o Recorrente, na qualidade de trabalhador, incumpriu (ou não) obrigação contratual assumida perante a Recorrida, sua entidade empregadora. Está em causa, pois, a análise de questão relativa ao cumprimento de deveres emergentes do contrato de trabalho, ainda que os mesmos tenham natureza contratual.

13ª.

Sucede, porém, que a obrigação prevista no § Terceiro da Cláusula Terceira da referida Adenda ao Contrato de Trabalho, na medida em que limita o poder de disposição do Recorrente relativamente aos seus bens, extravasa a relação de trabalho estabelecida entre as partes, situando-se fora do âmbito dos deveres laborais.

14ª.

Em todo o caso, ainda que assim se não entendesse, na medida em que impunha que o Recorrente apenas podia proceder à sua desvinculação das sociedades comerciais em que detinha participações “se não prejudicar os interesses da Primeira Outorgante” – o que significa que a Recorrida se poderia opor a que o Recorrente efectivasse tal desvinculação –, a aludida cláusula contratual, fixada no âmbito laboral, sempre seria nula pois, conforme se refere (e bem) na sentença de fls.   , esta “limita o poder do Réu dispor dos seus bens”.

15ª.

Acresce que o Recorrente discorda do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo quanto ao sentido a atribuir à Cláusula Terceira da referida Adenda ao Contrato de Trabalho, nomeadamente quanto ao facto de a mesma alegadamente não abranger autorização para o exercício, pelo Recorrente, de funções em cargos de gerência nas sociedades aí listadas.

16ª.

Na verdade, a referida redacção demonstra que a Recorrida autorizou, de forma expressa, o Recorrente a figurar como gerente das sociedades DD, Lda. e EE, Lda, autorização que, em momento algum, a Recorrida revogou.

17ª.

É essa, de resto, a interpretação que corresponde manifestamente à vontade real das partes.

18ª.

Tanto assim é que a própria Recorrida não veio invocar, nos presentes autos, qualquer incumprimento contratual por parte do Recorrente em virtude do exercício de funções de gerente nas sociedades DD, Lda. e EE, Lda. imediatamente após a celebração da referida Adenda.

19ª.

Na verdade, o fundamento do alegado incumprimento, invocado pela Recorrida, assenta apenas e só na reassunção, pelo Recorrente, da gerência das referidas sociedades a partir de 4 de Outubro de 2012.

20ª.

Tese que tem por base o § Terceiro da referida cláusula, que diz que “O Segundo Outorgante compromete-se a desenvolver esforços tendentes à sua desvinculação das sociedades comerciais nas quais detém participações, sendo que a desvinculação supra referida só deverá ser efetivada se não prejudicar os interesses da Primeira Outorgante” (sublinhado nosso).

21ª.

Como bem se vê, de acordo com a tese da Recorrida, o Recorrente apenas terá incumprido a obrigação em causa ao reassumir funções de gerência nas referidas sociedades – o que apenas aconteceu em Outubro de 2012 –, na medida em que conhecia e consentiu na permanência do Recorrente nessas funções, até que fosse possível a sua desvinculação sem que tal prejudicasse os interesses da Recorrida.

22ª.

Ainda que assim não se entendesse, certo é que a designação dos membros da administração das sociedades comerciais está sujeita a registo e publicação obrigatórios [Código das Sociedades Comerciais, artigo 166.º, e Código do Registo Comercial, artigos 3.º, n.º 1, alínea m), 15.º, n.º 1 e 70.º, n.º 1, alínea a)].

23ª.

Na formulação do artigo 168.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, “a sociedade não pode opor a terceiros actos cuja publicação seja obrigatória sem que esta esteja efectuada”. A contrario, a sociedade pode opor a terceiros factos cuja publicação, sendo obrigatória, foi efectuada.

24ª.

Trata-se – a designação do Recorrente como gerente daquelas sociedades – de facto notório, do conhecimento geral, que nessa medida não carecia de ser alegado ou provado (Código de Processo Civil, artigo 412.º, n.º 1).

25ª.

A “permanência” autorizada nos termos do § Segundo da Adenda sob análise abrange, necessariamente, a qualidade de gerente.

26ª.

Acresce que não se vislumbra existir impedimento legal a que as partes no contrato de trabalho possam acordar no sentido de permitir que o trabalhador exerça actividade em sociedade concorrente com o empregador. Tal acordo insere-se no âmbito da autonomia privada, sendo válido na medida em que não infringe norma legal imperativa.

27ª.

Assim, salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal a quo quando parece defender que tal acordo não poderia ter um sentido mais permissivo do que o resultaria da lei.

28ª.

Pelos motivos expostos, entende o Recorrente que a Cláusula Terceira da Adenda ao Contrato de Trabalho deve ser interpretada no sentido de que a Recorrida autorizou o Recorrente a figurar como gerente das sociedades DD, Lda. e EE, Lda.

29ª.

Discorda também o Recorrente do entendimento do Tribunal a quo de que o comportamento do mesmo consubstancia violação do dever de lealdade, na vertente do dever de não concorrência e, bem assim, da obrigação assumida na Cláusula Terceira da Adenda ao Contrato de Trabalho. 

30ª.

Em primeiro lugar, refira-se que, ao figurar como gerente das sociedades DD, Lda. e EE, Lda., o Recorrente não violou qualquer dever de lealdade para com a Recorrida na medida em que, apesar de se dedicarem à mesma área de actividade – análises clínicas –, ­­tais sociedades não eram concorrentes, o que se conclui, desde logo, em face das respectivas localizações geográficas.

31ª.

Não ficou também evidenciado nos autos que o exercício das aludidas funções de gerência por parte do Recorrente – que, de resto, se verificava à data da celebração da Adenda ao Contrato de Trabalho em 8 de Agosto de 2008 – fosse susceptível de prejudicar o negócio da Recorrida.

32ª.

Pelo contrário, tal como resulta dos factos provados sob os números 37 e 38 (cfr. sentença a fls.      ), a Recorrida  – directamente ou através de sociedade do grupo onde se inseria ­­– beneficiava de trabalho angariado pelas sociedades DD, Lda. e EE, Lda.

33ª.

Em todo o caso, ainda que se entendesse que o Recorrente praticou actividade concorrente com a da Recorrida ao assumir funções de gerente das sociedades DD, Lda. e EE, Lda. – o que apenas se concede por mera cautela de patrocínio – certo é que a mesma foi expressamente autorizada pela ora Recorrida (cfr. sentença a fls., facto provado sob o ponto 6), a qual, em momento algum, revogou a aludida autorização (cfr. sentença a fls., facto provado sob o ponto 39), pelo que o comportamento do Recorrente não configura violação do dever de lealdade, designadamente na vertente de dever não concorrência, nem violação da Cláusula Terceira da Adenda ao Contrato de Trabalho.

34ª.

Entende ainda o Recorrente que, ao condenar no pagamento da quantia de € 130.000, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 812.º do Código Civil, uma vez que o aludido valor é – ainda assim – manifestamente excessivo.

35ª.

Refira-se que o Tribunal a quo manifestou expressamente que, para análise da questão em apreço, deveria ponderar-se, em acréscimo ao alegado período temporal de incumprimento (i) o valor da retribuição de € 1.200 (mil e duzentos euros) mensais ilíquidos auferida pelo Recorrente, (ii) o facto de o Recorrente ter sido anteriormente gerente das sociedades em causa (factos que, inclusivamente, se verificavam à data da celebração da Adenda a Contrato de Trabalho sob análise e eram do conhecimento da Recorrida), e (iii) que, no início de 2013, o Director de Recursos Humanos da ora Recorrida perguntou ao Recorrente se este queria apresentar a sua demissão.

36ª.

No entanto, vislumbra-se que o Tribunal a quo concluiu pela redução da cláusula penal em causa apenas “em função do período por que persistiria o incumprimento, assim se alcançando o valor arredondado de € 130.000”, aplicando uma simples regra de “três simples” [€1.000.0000x8:60 (i.e., se as partes estabeleceram €1.000.000 por 60 meses de vigência da obrigação, incumprindo alegadamente o Recorrente a mesma pelo período de 8 meses, o valor proporcional dos referidos 8 meses resulta, aproximadamente, de forma aritmética em €130.000)].

37ª.

Tal conclusão do Tribunal a quo redundaria, assim, no limite (i.e., caso por hipótese tivesse existido violação de obrigação pelo período total de 5 anos), na condenação do Recorrente (na qualidade de trabalhador) no pagamento à Recorrida (na qualidade de entidade empregadora) de €1.000.000 por alegado incumprimento de cláusula de não concorrência negociada no âmbito de relação estritamente laboral, o que, com o devido respeito, se revela manifestamente desproporcionado atenta a sua natureza e finalidade (e, em particular, os critérios referidos supra na conclusão 37.ª).

38ª.

A este respeito, não se diga – conforme parece indiciar o Tribunal a quo – que o valor fixado na aludida cláusula penal é adequado, em virtude de o Recorrente e a sua esposa terem recebido, directa e indirectamente, o preço global de € 11.975.000 pelo negócio de venda das acções representativas do capital social da Recorrida.

39ª.

Porquanto, por um lado, o acordo de não concorrência em causa foi celebrado no âmbito da relação laboral estabelecida entre Recorrente e Recorrida, devendo ser estritamente nesse âmbito que a validade do mesmo – e da cláusula penal nele aposta – deve ser apreciada.

40ª.

E, por outro, o preço acima referido, relativo à venda das acções representativas do capital social da Recorrida, não foi integralmente recebido pelo Recorrente.

41ª.

Na verdade, o Recorrente era detentor de apenas 4.000 (quatro mil) [de 11.000 (onze mil)] acções representativas do capital social da ora Recorrida, aquando da venda das mesmas à sociedade BB, S.A. (a qual, já após o despedimento do Recorrente, veio a ser incorporada na Recorrida).

42ª.

Além disso, o Recorrente era detentor de apenas 325 (trezentas e vinte e cinco) [de 2.500 (duas mil e quinhentas)] acções representativas do capital social da sociedade FF, S.A., aquando da venda das mesmas à sociedade BB, S.A. (a qual, já após o despedimento do Recorrente, veio a ser incorporada na Recorrida).

43ª.

Motivo pelo qual o aludido negócio extra-laboral não pode relevar para este efeito.

44ª.

No caso concreto, o ora Recorrente prestou trabalho à Recorrida entre 4 de Dezembro de 1981 e 20 de Junho de 2013.

45ª.

O ora Recorrente figurou como gerente da sociedade DD, Lda. entre 29 de Maio de 2001 e 24 de Setembro de 2010 e novamente a partir de 8 de Outubro de 2012.

46ª.

O ora Recorrente figurou como gerente da sociedade EE, Lda. entre 20 de Novembro de 1997 e 24 de Setembro de 2010 e novamente a partir de 8 de Outubro de 2012.

47ª.

Desde o início de 2013, a Recorrida tinha em curso um processo de despedimento colectivo dos trabalhadores afectos ao laboratório da AA que funcionava no edifício da [clínica] GG, em ..., na sequência da decisão de proceder ao encerramento definitivo do mesmo.

48ª.

No início de 2013, o Director de Recursos Humanos da ora Recorrida perguntou ao ora Recorrente se este pretendia apresentar a sua demissão.

49ª.

Se é certo que foi dado como provado pelo tribunal de 1.ª instância que o Recorrente não deu conhecimento à Recorrida de que havia reassumido funções de gerência nas sociedades DD, Lda. e EE, Lda., certo é que não resultou provado que o Recorrente tenha dado conhecimento à Recorrida da cessação prévia – mediante renúncia em 21 de Julho de 2010 – das mesmas funções, contrariamente ao que diz a ora Recorrida.

50ª.

A obrigação cujo alegado incumprimento pelo ora Recorrente é reclamado in casu pela Recorrida foi estabelecida pelo prazo de 5 (cinco) anos, com início em 8 de Agosto de 2008 e termo em 7 de Agosto de 2013.

51ª.

A Recorrida imputa ao ora Recorrente incumprimento da referida obrigação com início em 4 de Outubro de 2012 [o que equivaleria a cerca de 10 (dez) meses em 5 (cinco) anos].

52ª.

Acresce que com efeitos em 20 de Junho de 2013 veio o Recorrente a ser despedido pela ora Recorrida.

53ª.

Pelos motivos expostos, entende o Recorrente que, ainda que se entendesse ter existido incumprimento da obrigação estabelecida na Cláusula Terceira da Adenda ao Contrato de Trabalho – o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe –, sempre teria o valor de €130.000 ser reduzido, por se revelar manifestamente excessiva em face das circunstâncias do caso concreto.

Pede assim a revogação do acórdão.

A A também alegou, concluindo desta forma a sua alegação:

O D. acórdão recorrido não merece censura e deve ser confirmado na totalidade, porquanto ao conceder provimento ao recurso da sentença do Tribunal de primeira instância, ainda que parcial quanto ao montante indemnizatório a pagar pelo R., corrigiu o incorrecto julgamento da matéria de direito que havia sido realizado naquela sentença e a indevida absolvição do R. do pedido.

Resulta manifestamente da matéria de facto provada nos autos a flagrante violação pelo R. da obrigação assumida no corpo da cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho que as partes celebraram, em 8 de Agosto de 2008, porquanto, objectiva e subjectivamente, dentro do período de não concorrência e de exclusividade de cinco anos que concedeu à A, o R. assumiu a gerência de sociedades detentoras de outros laboratórios de análises clínicas e não deu conhecimento à A.

Pelo que, conforme se invocou no recurso interposto da sentença do Tribunal de primeira instância, dificilmente se compreendia a improcedência da acção perante a factualidade comprovada nos autos.

A argumentação usada pelo R. na alegação do presente recurso de revista não pode merecer provimento porque esvazia de sentido e de conteúdo as obrigações assumidas na cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho que as partes celebraram, ao arrepio das normas jurídicas que regulam a interpretação das declarações negociais previstas nos arts. 236º e segs. do Código Civil. Em bom rigor, defendendo o R. que aquela cláusula permitia que assumisse a gerência nos laboratórios de análises clínicas em que detinha participações à data do negócio da venda do Laboratório do R. à A, de nada servia proibir na mesma cláusula a participação como gerente em diferentes laboratórios, pois sempre podia o R. exercer uma actividade concorrente nos primeiros.

Foi para garantir a exclusividade da actividade do R. como Director Técnico do Laboratório de análises clínicas que as partes acordaram na manutenção do vínculo profissional do R. após a compra do laboratório pela A. Para tanto, foi considerada pelas partes a factualidade dada como provada de que o R. estava há cerca de 30 anos ligado ao negócio das análises clínicas, sendo pessoa de prestígio reconhecido no meio – cfr. ponto 19º dos factos provados – e que ao tempo da aquisição pela A. do Laboratório de Análises Clínicas AA, aquele era o respectivo Director Técnico e continuou a assumir o cargo após a venda da sociedade à A., em 7 de Agosto de 2008 – cfr. ponto 4º dos factos provados. Se assim não fosse, a A. teria nomeado como Director Técnico daquele Laboratório outro profissional ao seu serviço.

Esta foi a ratio da cláusula e o fim para o qual foi estipulada. O R. comprometeu-se, durante o prazo de 5 (cinco) anos a contar da data da celebração da Adenda ao contrato de trabalho com a A. (em 8 de Agosto de 2008), a não constituir, a não participar ou a não colaborar, directa ou indirectamente, quer como sócio, quer como legal representante, ou ainda como colaborador ou empregado, em qualquer outro Laboratório de Análises Clínicas. Ou seja, a A. e o R. assumiram voluntariamente como pressuposto do negócio da compra do laboratório de análises clínicas que este último passaria a actuar no sector das análises clínicas em exclusivo ao serviço da A., de acordo, aliás, com a intenção comunicada à A. nesse sentido, como justificação para a venda do laboratório de análises clínicas. Pois, se assim não fosse, estando em causa pessoa de prestígio no sector das análises clínicas, a A. não correria o risco do negócio de compra do laboratório se não contasse com a exclusividade da actuação do R.

Foi, por conseguinte, neste quadro que, em 8 de Agosto de 2008, as partes celebraram a Adenda ao contrato de trabalho, na qual, livremente e de comum acordo introduziram a cláusula 3ª de não concorrência e de exclusividade.

Do exposto, retiram-se inequivocamente as seguintes conclusões:

– A cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho celebrada pelas partes teve por fundamento o acordo quanto à especial importância do cumprimento do dever do R. de guardar lealdade para com a entidade patronal, discriminando, em particular, um dever de não concorrência e a prestação de trabalho em regime de exclusividade para a A.;

– As partes visaram estabelecer por acordo um regime mais exigente do que resultaria do regime legal sobre os deveres laborais a cargo dos trabalhadores, pois, se assim não fosse, revelar-se-ia desnecessária e inútil a celebração de uma Adenda ao contrato de trabalho que o R. já mantinha com o Laboratório de análises clínicas que a A. lhe adquiriu.

Bem andou assim o Tribunal a quo ao julgar a causa com fundamento nestes pressupostos que determinaram o acordo das partes e que dão sentido ao teor literal da cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho.

10ª

A tentativa do recorrente de contraditar estas premissas no presente recurso revela-se, por conseguinte, totalmente improcedente por não ter a mínima correspondência com o acordo de vontades que determinou as partes na celebração da Adenda ao contrato de trabalho, pelo que não pode merecer provimento.

11ª

O recorrente alega a pretensa invalidade da cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho. Quanto a este ponto da motivação do presente recurso de revista, o recorrente nada traz de novo, limitando-se a repetir a argumentação expendida na sua contra-‑alegação do recurso de apelação.

12ª

O Tribunal a quo concluiu que o conteúdo da Adenda ao contrato de trabalho celebrada pelas partes, ainda que tenha também subjacente a salvaguarda do investimento da A., na medida em que reestrutura a relação laboral existente, contém cláusulas válidas e oponíveis ao trabalhador R., apenas com uma ressalva em relação ao parágrafo 3º da cláusula 3ª, onde se impõe que a desvinculação do R. em relação às sociedades identificadas só pode ocorrer se não prejudicar os interesses da A., sua entidade patronal, por, alegadamente, limitar o poder do R. dispor dos seus bens.

13ª

Todavia, como bem se considerou na decisão recorrida, mesmo a pretensa invalidade parcial daquela cláusula contratual não determinaria a invalidade de todo o contrato (adenda), pelo que as restantes cláusulas se mantêm válidas. Conforme a ora recorrida invocou na sua alegação do recurso de apelação, para a decisão do objecto da lide é totalmente irrelevante a alegada imposição da venda de participações sociais. Com efeito, a violação das obrigações contratuais imputada ao R. assenta no facto de ter assumido a gerência de laboratórios de análises clínicas concorrentes da A., em clara violação do dever de lealdade previsto no Código do Trabalho, que nada tem a ver com a aludida situação da alienação das participações socias que o R. detinha enquanto sócio dessas sociedades.

14ª

Face ao exposto, bem concluiu o Tribunal a quo pela legalidade da cláusula contratual para efeitos de julgamento da acção, negando provimento aos argumentos do recorrente sobre a pretensa invalidade da cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho celebrado pelas partes, alegados no recurso de apelação e agora reiterados.

15ª

As partes regularam livremente as condições laborais do R. para continuar a desempenhar a função de Director Técnico do Laboratório de análises clínicas que a A. lhe adquiriu. Pretenderam as partes que a prestação de trabalho fosse desempenhada no regime de exclusividade no sector de actividade das análises clínicas. Tal estipulação em nada afronta os princípios e as normas do Direito do Trabalho e a liberdade de trabalho prevista na Constituição da República Portuguesa.

16ª

O especial dever do R. de guardar lealdade para com a A., sua entidade patronal, traduzido na cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho, discriminando, em particular, um dever de não concorrência e a prestação de trabalho em regime de exclusividade, foi limitado temporalmente pelo período de 5 anos. Decorrido esse prazo de 5 anos a contar da assinatura da Adenda, o contrato de trabalho voltava a ficar sujeito ao regime legal sobre o dever do trabalhador de guardar lealdade ao empregador. Ou seja, nem sequer está em causa uma obrigação para vigorar após a cessação de efeitos do contrato de trabalho.

17ª

Face ao exposto, revela-se totalmente infundada a alegação da pretensa invalidade da cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho, pois não é verdade que tenha subjacente uma qualquer limitação indeterminada e restritiva da liberdade de trabalho do R. Tratou-se de uma concreta proibição do R. assumir a gerência doutros laboratórios de análises clínicas num certo período de tempo, totalmente admissível e compatível com os princípios e as normas do Direito do Trabalho.

18ª

É totalmente destituída de fundamento a argumentação do recorrente sobre a pretensa necessidade de identificação das entidades concorrentes da entidade patronal ou da delimitação da sua localização geográfica, sendo certo que, conforme bem se discorreu no D. aresto do Tribunal a quo, a área geográfica dos dois laboratórios de análises clínicas nos quais o R. assumiu a gerência em violação das suas obrigações legais e contratuais perante a A., sua entidade patronal, são absoluta e indiscutivelmente conflituantes com a área de influência do laboratório de análises clínicas da A.

19ª

Todavia, ainda que assim não fosse, a concorrência no mercado das análises clínicas verifica-se, actualmente, para além das fronteiras do território português. Com efeito, actuam no mercado nacional vários laboratórios detidos por empresas multinacionais com sede no estrangeiro e que prestam serviços em Portugal. A facilidade e a acessibilidade de transporte das colheitas de produtos biológicos dos postos de recolha para os laboratórios, onde são realizadas as análises clínicas prescritas, e o subsequente envio dos resultados aos utentes por mensagens de correio electrónico, acabou com as limitações geográficas e territoriais neste sector de actividade. Aliás, a legislação comunitária impôs, precisamente, à luz dos princípios da concorrência e da liberdade de prestação de serviços, que fosse suprimida da legislação nacional a anterior delimitação de distâncias máximas entre os laboratórios de análises clínicas e os seus postos de colheita de produtos biológicos. Face ao exposto, revela-se totalmente improcedente a alegação do recorrente de tentar pôr em causa a validade da cláusula acordada pelas partes a pretexto da não identificação das entidades concorrentes da A. ou da não delimitação da sua localização geográfica, que não tem a mínima justificação à luz da realidade do mercado de trabalho das análises clínicas.

20ª

É ainda absolutamente improcedente o argumento do recorrente de que, até 8 de Agosto de 2008, a actividade prestada por aquele ao serviço da recorrida não pressupôs exclusividade. Com efeito, até àquela data o R. era o dono do laboratório de análises clínicas. A Adenda ao contrato de trabalho celebrada pelas partes, em 8 de Agosto de 2008, que veio estabelecer essa obrigação de exclusividade da prestação de trabalho do R., teve por fundamento, precisamente, o facto do R. ter vendido o laboratório de análises clínicas à A. Esta alteração de circunstâncias da relação laboral justificou a estipulação, por mútuo acordo, dessa obrigação contratual, a qual é plenamente válida e não colide com os princípios e as normas do Direito do Trabalho.

21ª

Conforme resulta comprovado nos pontos 7, 8 e 9. dos factos provados, em 4 e 10 de Outubro de 2012, isto é, dentro do prazo de 5 anos previsto na cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho , o R. assumiu a gerência das sociedades EE e DD, detentoras de laboratórios de análises clínicas, sem dar conhecimento ou ter o consentimento da A. É, assim, inequívoco, que o R. violou as obrigações assumidas naquela cláusula contratual.

22ª

O recorrente procura negar esta evidência através de uma interpretação desta cláusula contratual que não pode merecer provimento, pois não tem a mínima correspondência com o teor do texto escrito acordado pelas partes. Aliás, o recorrente limita-se a reiterar e a reproduzir os argumentos da sua contra-alegação do recurso de apelação que foram doutamente apreciados pelo Tribunal a quo, negando total procedência à tese do recorrente.

23ª

A única interpretação possível da cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho é a perfilhada no D. acórdão recorrido. Como resulta da documentação junta aos autos, à data da venda do Laboratório AA (7 de Agosto de 2008), o R. tinha participações sociais minoritárias (quotas) noutros Laboratórios de Análises Clínicas, nomeadamente, no “EE” e no “DD”. As partes estabeleceram no parágrafo 3º da cláusula contratual que o R. se comprometia a desvincular-se dessas sociedades, para assim, poder cumprir a obrigação principal de exclusividade assumida no corpo principal da mesma cláusula contratual.

24ª

Para tanto, as partes tomaram em consideração que a oportunidade do negócio que celebraram não se compadecia com as naturais delongas do processo de alienação pelo R. das participações que detinha naqueles outros Laboratórios.

25ª

Resulta, por conseguinte, do contexto factual assente nos autos que o parágrafo 3º da cláusula contratual supra citada foi determinado pelo exclusivo interesse do R., pois, se não tivesse sido acordado, a A. só adquiriria a sociedade AA no futuro, depois daquele se desvincular daqueles outros Laboratórios de análises clínicas.

26ª

Em cumprimento das obrigações assumidas na cláusula contratual em apreço, o R. prontamente comunicou à A., em 31 de Julho de 2009, isto é, menos de um ano após a celebração da adenda ao contrato de trabalho entre as partes, que ia desvincular-se dos outros Laboratórios de análises Clínicas em que detinha participações minoritárias, como resulta provado nos autos – cfr. ponto 48. dos factos provados. E o R. efectivamente desvinculou-se das sociedades EE e DD, como também resulta da factualidade provada – cfr. pontos 44. a 47. dos factos provados, vindo a renunciar aos cargos de gerente que desempenhava naquelas duas sociedades, em 24 de Setembro de 2010.

27ª

A A. não manifestou ao R. nenhum prejuízo para os seus interesses com a desvinculação do R. daqueles outros Laboratórios de análises clínicas, que jamais se verificaria, pois deu como cumprida por aquele a obrigação que assumiu na cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho. Fica, por conseguinte, totalmente infirmado o argumento da A. poder ter algum interesse na manutenção do R. noutros laboratórios de análises clínicas, por alegada e pretensa angariação de clientela. Esta situação nunca constituiu um pressuposto da relação laboral estabelecida pelas partes, nem do negócio celebrado, pelo que não pode ser considerada como argumento para a decisão da presente causa, como indevidamente o R. veio alegar nos autos.

28ª

Ao contrário do que o recorrente alega, sem qualquer sentido e fundamento, deixou de relevar o estatuído no parágrafo 2º da cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho sobre a revogação pela A. da autorização de permanência do R. naqueles outros Laboratórios de análises clínicas, pelo facto do R. ter comunicado que se havia desvinculado dessas sociedades, em cumprimento da obrigação assumida no corpo principal da mesma cláusula contratual. Com efeito, não faz qualquer sentido aludir ao facto da A. não ter revogado a autorização de permanência do R. nessas sociedades e daí tentar extrair consequências jurídicas para o julgamento da acção, pois, o R. já havia cessado as funções de gerente nas sociedades EE e DD, pelo que nada havia a revogar por parte da A.

29ª

Não pode deixar de considerar-se que foi violado o dever de lealdade para com a entidade patronal e a obrigação assumida na cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho entre as partes, quando, em 4 de Outubro de 2012, ainda dentro do prazo de 5 anos a contar da data de celebração, o R. reassumiu funções de gerente das sociedades EE e DD, sem ter dado conhecimento à A., depois de lhe ter comunicado, em Julho de 2009, que iria cessar as mesmas funções, e de o ter concretizado, em 24 de Setembro de 2010. Como bem decidiu o Tribunal a quo, não pode merecer provimento a tese do recorrente de alegar que esta conduta estaria autorizada e não viola o dever de lealdade e as obrigações contratualmente assumidas perante a A., ora recorrida.

30.

Desde logo, porque como resultou provado no ponto 9º da matéria de facto, o R. omitiu da A. que assumiu funções de gerência nos laboratórios EE e DD, em 4 de Outubro de 2012. É claro que a motivação para tal omissão advém do facto do R. bem saber que violava o dever de lealdade e a obrigação contratual assumida perante a A. e que esta jamais autorizaria a situação. Acresce que, o R. assumiu as funções de gerente das sociedades EE e DD no seu exclusivo interesse pessoal. É o que resultou inequivocamente demonstrado nos autos pelos factos provados nos pontos 36º e 40º.

31.

O R. violou objectiva e subjectivamente, de forma dolosa e omitindo da A., a obrigação assumida na cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho celebrado pelas partes em 8 de Agosto de 2008, devendo, em consequência ser confirmado o juízo sobre o incumprimento do contrato e aplicação da sanção contratual fixada pelas partes. O R. violou o seu dever de lealdade e a obrigação contratual por ele assumida perante a A., que servem de causa de pedir desta acção, pelo que deve o D. acórdão recorrido ser confirmado.

32.

Como bem julgou o Tribunal a quo, as partes reforçaram e deram particular ênfase à importância do cumprimento do dever do trabalhador de guardar lealdade para com a entidade patronal, discriminando um dever de não concorrência do R. com a actividade da A.

33.

A única interpretação possível sobre os termos da cláusula contratual acordada pelas partes na Adenda ao contrato de trabalho é a plasmada no D. acórdão recorrido, no sentido da autorização prevista no parágrafo 2º da cláusula 3ª se reportar apenas a ter o R. participações e acções nas sociedades identificadas no parágrafo 1º e não à actividade de gerência social proibida no corpo da cláusula. E, tratando-se de uma previsão com natureza excepcional, não poderia, sequer, ser interpretada extensivamente no sentido de se entender que a referência à autorização de permanência do R. nas sociedades em que detinha participações sociais incluía também a possibilidade de assumir futuramente a qualidade de gerente nessas sociedades, como o fez.

34.

A correcção do julgamento realizado pelo Tribunal a quo sai reforçada com a ponderação sobre a necessidade e a utilidade da inclusão da própria cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho celebrada pelas partes. A cláusula visou estabelecer por acordo um regime mais exigente do que resultaria do regime legal sobre os deveres laborais a cargo dos trabalhadores, porquanto as partes atribuíram especial importância ao cumprimento do dever do R. de guardar lealdade para com a entidade patronal, discriminando, em particular, um dever de não concorrência e a prestação de trabalho em regime de exclusividade para a A.

35.

Revela-se, assim, inaceitável a tese do recorrente de defender que a autorização prevista no parágrafo 2º da cláusula 3ª da Adenda ao contrato de trabalho para o R. deter participações e acções nas sociedades identificadas no parágrafo 1º da mesma cláusula permitir a possibilidade do R. assumir futuramente a qualidade de gerente nessas sociedades concorrentes com a sua entidade patronal, que lhe estava, inclusivamente, vedada pelo dever legal de guardar lealdade à A.

36ª

A este propósito cumpre refutar absolutamente as conclusões 28ª e 29ª da alegação do presente recurso de revista. Ao contrário do que o recorrente refere, o Tribunal a quo não defende que o acordo celebrado pelas partes não poderia ter um sentido mais permissivo do que o que resulta da lei. Apenas concluiu pela interpretação do acordo celebrado, face ao contexto e à prova produzida nos autos sobre os pressupostos que motivaram a celebração da Adenda ao contrato de trabalho, que a vontade das partes foi em sentido contrário, e não consente uma interpretação da cláusula mais permissiva do que o que resultaria do regime legal sobre o dever de lealdade na dimensão da proibição de concorrência.

37ª

A conduta do R. de assumir a gerência de laboratórios de análises clínicas concorrentes com o da A., sua entidade patronal, omitindo desta o facto, viola o dever de guardar lealdade que foi reforçado e a cujo cumprimento pelo R. foi dada particular importância pelas partes. Traduziu-se num comportamento culposo que pela sua gravidade e consequências tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa para despedimento.

38ª

Com fundamento na manifesta violação do dever de lealdade e da obrigação de não concorrência assumida na Adenda ao contrato de trabalho, bem decidiu o Tribunal a quo ao condenar o R. no pagamento a favor da A. de indemnização, a título de cláusula penal, com fundamento em responsabilidade contratual.

39ª

Entendeu, todavia, o Tribunal a quo reduzir o montante da cláusula penal de acordo com a equidade, nos termos do art. 812º, n.º 1 do Código Civil, para o montante de € 130.000,00.
A A., ora recorrida, conformou-se com a decisão, sem prejuízo de ter oportunamente invocado nos autos que o valor global da cláusula penal de € 1.000.000,00 foi acordado pelas partes por referência ao preço da aquisição do Laboratório de análises clínicas pago pela A. ao R. e à sua mulher de € 11.975.000,00, isto é, cerca de doze vezes superior, o que bem justificou a fixação do montante da sanção contratual estabelecida pelas partes, como bem refere o Tribunal
a quo.

40ª

Ao contrário do alegado pelo R., ora recorrente, a cláusula penal foi adequada e proporcional às circunstâncias que rodearam a celebração da Adenda ao contrato de trabalho entre as partes. O preço pago pela A. ao R. pela compra do Laboratórios de análises clínicas AA foi inflaccionado na exacta medida da obrigação de não concorrência assumida pelo R. quanto à actividade da A. e do laboratório por ela adquirido.

41ª

Como bem se refere no D. acórdão recorrido, perante os princípios fundamentais da autonomia da vontade, a convenção desta cláusula penal ia de encontro à satisfação dos diversos interesses envolvidos na relação obrigacional e visava compelir ao cumprimento do convencionado por parte do R., salvaguardando relativamente a posição da A. face aos montantes envolvidos em caso de inadimplemento.

42ª

O critério adoptado pelo Tribunal a quo segundo os juízos de equidade é adequado e não merece censura, porquanto condena o R. no pagamento de uma quantia ajustada à gravidade da violação contratual perpetrada pela sua conduta e aos danos causados à A.

Termina pedindo que se mantenha o acórdão impugnado.

        

Subidos os autos, emitiu a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta parecer no sentido da improcedência da revista, o qual, notificado às partes, não suscitou qualquer reacção.

Cumpre pois decidir.

2---

         Para tanto, as instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

1. A AA – Laboratório de Análises Clínicas, S.A. era uma sociedade comercial que tinha como objecto social laboratório de análises clínicas, análises quimicobiológicas e comércio de importação e exportação de equipamento técnico.

2. Esta sociedade foi incorporada, por fusão, na sociedade BB, S.A.

3. Em 7 de agosto de 2008, o Dr. CC, juntamente com a sua mulher, Dra. HH e com a sociedade II, SA, cujo capital social era detido pelo casal, venderam à sociedade, Dr. BB, S.A., a totalidade do capital social da sociedade AA – Laboratório de Análises Clínicas, S.A.

4. O Dr. CC, para além de acionista da sociedade AA, SA, era o Director Técnico do Laboratório de Análises Clínicas da AA, Laboratório de Análises Clínicas, SA, e assim continuou, mesmo depois do negócio da venda das acções da sociedade.

5. Em 8 de Agosto de 2008, entre a sociedade AA, SA, na qualidade de primeira outorgante, e o Dr. CC, na qualidade de segundo outorgante, foi celebrada uma Adenda ao contrato de trabalho vigente entre as partes, cuja cópia se mostra junta a fls. 39 a 42, na qual consta que o Réu exerce as funções de director técnico desde 4.12.1981.

6. Consta desse acordo, além do mais, o seguinte[2]:

“Cláusula Primeira

O segundo outorgante exerce as funções de director técnico do Laboratório de Análises Clínicas da sociedade primeira outorgante desde 4 de Dezembro de 1981, auferindo actualmente a remuneração de € 1.200 (…).

Cláusula Segunda

Pela presente adenda ao citado contrato de trabalho, as partes acordam manter o vínculo laboral indicado na Cláusula anterior com a mesma remuneração e funções de director técnico e ressalvando a antiguidade aí referida.

Cláusula Terceira

Durante o prazo de 5 (cinco) anos a contar da data da assinatura da presente Adenda o segundo outorgante obriga-se a não constituir, a não participar, ou a não colaborar, directa ou indirectamente, quer como sócio, quer como legal representante, ou ainda como colaborador ou empregado, em qualquer outro Laboratório de Análises Clínicas, independentemente da sua forma ou natureza jurídicas.

§ Primeiro: A Primeira Outorgante tem pleno e directo conhecimento que o Segundo Outorgante tem participações directamente ou através da sociedade II, SA, nas seguintes sociedades comerciais de Laboratórios de Análises Clínicas:

JJ, Ldª.

KK, Ldª.

LL SA

MM, Análises Clínicas, Ldª.

NN, Análises Clinicas Ldª.

DD, Ldª.

EE, Ldª.”

§ Segundo: A Primeira Outorgante autoriza a permanência do Segundo Outorgante nas aludidas sociedades em que detém participações ou acções, porém esta autorização pode a qualquer momento ser revogada.

§ Terceiro: O Segundo Outorgante compromete-se a desenvolver esforços tendentes à sua desvinculação das sociedades comerciais nas quais detém participações, sendo que a desvinculação supra referida só deverá ser efectivada se não prejudicar os interesses da Primeira Outorgante.

§ Quarto: A violação do disposto nesta cláusula conferirá o direito à Primeira Outorgante de exigir do Segundo Contraente, uma indemnização no valor de 1.000.000 euros (um milhão de euros).

§ Quinto: As obrigações assumidas pela presente cláusula ficam sujeitas à condição resolutiva de cessarem os seus efeitos na data em que o capital social da Primeira Outorgante deixe de ser maioritariamente detido, directa ou indirectamente, pelas seguintes pessoas ou seus herdeiros legais:

                       (…)

Cláusula Quarta

A Primeira Outorgante obriga-se a manter o Segundo Outorgante como director técnico do seu laboratório de análises clínicas durante a vigência do contrato de trabalho objecto da presente adenda.”

7. Por deliberação social de 4 de Outubro de 2012, registada no dia 8 seguinte, o Dr. CC foi designado gerente da sociedade “DD Clínicas, Lda.”, pessoa colectiva n.º ..., que tem como objecto social “laboratório de análises clínicas e actividades afins”.

8. Por deliberação social de 4 de Outubro de 2012, registada no dia 8 seguinte, o Dr. CC foi designado gerente da sociedade “EE - …, Lda.”, pessoa colectiva n.º ..., que tem como objecto social “prestação de serviços de análises clínicas, meios auxiliares de diagnóstico e afins”.

9. O Dr. CC não deu conhecimento à sua entidade patronal, a AA, SA, de que havia assumido funções de administração nas referidas sociedades “DD Clínicas, Lda” e “EE - …, Lda” dentro do período de cinco anos a contar da data da Adenda ao contrato de trabalho, celebrada em 8 de Agosto de 2008.

10. [Eliminado pela Relação em virtude da descrição constante deste ponto ser desconforme com o que estabelece o artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil].

11. O Réu era o responsável máximo pela actividade laboratorial e o superior hierárquico do pessoal da Autora afecto a esse sector de actividade da Autora.

12. Pelo facto do casal constituído pelo R e por HH ter recebido, directa ou indirectamente, o preço global de 11 975 000 euros, pelo negócio da venda do capital social da sociedade A nos presentes autos e da sociedade FF, SA, as partes sujeitaram a violação pelo R daquele dever de não concorrência ao pagamento duma indemnização a favor da A no montante de um milhão de euros.    

13. A Administração da AA, SA ordenou a instauração de um processo disciplinar ao Trabalhador Dr. CC, Director Técnico do Laboratório de Análises Clínicas da Empresa.

14. Com data de 18 de Junho de 2013, foi remetida ao Réu a decisão final na qual lhe foi comunicado o seu despedimento.

15. Essa decisão foi recebida pelo Réu no dia 20 de Junho de 2013.

16. O Réu impugnou tal despedimento instaurando a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, que correu termos nesta secção do Trabalho desta Comarca com o nº 16098/13.

17. Por sentença proferida no referido processo, já transitada em julgado, foi declarado ilícito o despedimento do Réu, com fundamento na invalidade do procedimento disciplinar.

18. Tal sentença não apreciou a existência de justa causa do despedimento.

19. A sociedade AA estava intimamente ligada ao nome do Dr. CC e ao prestígio que este havia firmado ao longo de cerca de trinta anos de actividade.

20. Por isso, após a venda da sociedade AA, ficou acordado que o Dr. CC se manteria como director técnico do laboratório de análises, tendo sido celebrada a adenda ao contrato de trabalho.

21. A GG pertence ao Dr. CC e esposa.

22. O AA funcionava no edifício da GG e os serviços de saúde da GG remetiam trabalho a este laboratório.

23. A sociedade Dr. BB pretendia que os serviços de saúde existentes na Clínica GG continuassem a enviar trabalho para o laboratório de análises clínicas AA depois de este ter sido adquirido por aquela sociedade.

24. A adenda ao contrato de trabalho foi celebrada também para impedir que no espaço da GG houvesse outro laboratório, tendo sido vontade das partes limitar a actividade e actuação do Dr. CC em situações de que adviesse conflitualidade com a relação laboral e prejuízos para a entidade empregadora.

25. Em data não concretamente apurada, mas situada em finais de 2012 princípio de 2013, a sociedade Dr. BB tomou a decisão de encerrar o laboratório da AA, passando a actividade desse laboratório a ser realizada pelo laboratório da Dr. BB, em M....

26. O encerramento do AA foi feito de forma gradual ao longo dos meses, tendo o laboratório funcionado até data não concretamente apurada mas situada por volta de Junho de 2013.

27. Durante o processo gradual de encerramento, algumas análises eram efectuadas no AA.

28. Quando acabavam os reagentes e produtos necessários para fazer uma análise, não eram adquiridos novos e a realização dessas análises era transferida definitivamente para o laboratório em M....

29. Quando o laboratório do AA encerrou definitivamente passou a haver apenas um posto de colheita do laboratório Dr. BB.

30. Em determinada altura, após a decisão de encerramento do AA, os resultados das análises clínicas deixaram de ser impressos em papel com o timbre do AA e passaram a ser em papel com o timbre Laboratório Dr. BB com referência ao respectivo director técnico que era o Dr. BB.

31. O Réu exerceu sempre as funções de director técnico da AA até à data em que foi suspenso preventivamente pela Autora.

32. A prática efectiva de tais funções foi feita em consonância com a actividade que o AA tinha, actividade essa que foi sendo progressivamente diminuída em função do encerramento gradual do laboratório.

33. Desde o início de 2013 que a Autora tinha em curso um processo de despedimento colectivo dos trabalhadores da AA na sequência da decisão de proceder ao encerramento definitivo desse laboratório.

34. No início do ano de 2013, em data não concretamente apurada, ocorreu uma reunião entre o Dr. CC e o Dr. OO, director dos recursos humanos da Autora.

35. Nessa reunião o Dr. OO perguntou ao Réu se pretendia apresentar a sua demissão.

36. Numa reunião ocorrida entre o Dr. CC e os representantes da Autora Dr. BB e Dr.ª PP, o primeiro informou que considerava muito importante a existência de um laboratório de análises clínicas no edifício GG e que era sua intenção procurar outros parceiros para colmatar essa falha decorrente do encerramento do AA.

37. O EE e o DD, antes da venda do AA, enviavam para este os trabalhos de análises clínicas que não conseguiam fazer visto serem pequenos laboratórios.

38. Depois da venda do AA, o EE e o DD passaram a enviar os trabalhos para a JJ e esta, por sua vez, enviava tais trabalhos para o laboratório Dr. BB.

39. A Autora nunca revogou a autorização de permanência do Dr. CC nas sociedades a que alude a cláusula terceira, segundo parágrafo da adenda ao contrato de trabalho celebrada em 8 de agosto de 2008.

40. O Réu assumiu a gerência da EE e da DD depois dos anteriores gerentes QQ e RR terem renunciado à gerência das referidas sociedades.

41. Houve uma reunião entre o Réu e os representantes da Autora em 5 de Dezembro de 2012 em que foi estabelecido um plano de pagamento das dívidas do JJ ao laboratório Dr. BB.

42. A Autora teve conhecimento que o Réu tinha assumido o cargo de gerente da EE e da DD em dia não concretamente apurado do mês de Maio de 2013, mas nunca posterior ao dia 17.

43. Aquando da celebração da adenda ao contrato de trabalho, a Autora tinha conhecimento que o Réu era legal representante de algumas das sociedades que vêm referidas na cláusula 3ª, 1º parágrafo da adenda.

44. O Réu foi gerente da DD, Lda. de 29.5.2001 a 24.9.2010, data em que cessou tais funções, por renúncia.

45. Posteriormente, assumiu as funções de gerente em 8.10.2012.

46. O Réu foi gerente de EE, Lda. de 20.11.1997 a 24.9.2010, data em que cessou tais funções, por renúncia.

47. Posteriormente, assumiu as funções de gerente em 8.10.2012.

48. Com data de 31.7.2009 o réu comunicou à autora que se encontrava em negociações para a venda das quotas que tinha nas sociedades MM, Análises Clínicas, Lda., DD, Laboratório de Análises, Lda. e EE, Laboratório de Análises Clínicas da …, Lda».

3---

         E decidindo:

A autora intentou a presente acção para pedir a condenação do R, seu ex‑trabalhador e director técnico do laboratório de análises clínicas, no pagamento da quantia de € 1.000.000, valor acordado em cláusula penal pela violação das obrigações assumidas numa adenda ao contrato de trabalho que vigorava entre ambos.

Para tanto alegou que nesta adenda, celebrada em 8 de Agosto de 2008, o R assumiu a obrigação de não constituir, participar ou colaborar, directa ou indirectamente, quer como sócio, quer como legal representante, ou ainda como colaborador ou empregado em qualquer outro Laboratório de Análises Clínicas, obrigação assumida pelo prazo de cinco anos.

E apesar de terem sido identificadas no § primeiro as sociedades comerciais de laboratórios de análises clínicas onde o R já detinha participação, alegou a autora que o mesmo violou aquela obrigação contratual por, dentro do prazo estabelecido, ter assumido a gerência de duas dessas sociedades comerciais, detentoras de laboratórios de análises clínicas e concorrentes da autora.

A 1.ª instância julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido, considerando não ter o mesmo violado a cláusula terceira da aludida adenda, nem o dever de lealdade advindo do contrato, pois a autorização para permanecer nas sociedades identificadas no § primeiro incluía o direito de participar na sua gerência.

Desta sentença apelou a A, tendo o Tribunal da Relação julgado o recurso parcialmente procedente, argumentando para tanto que o R violou a obrigação contratual assumida no corpo da cláusula 3ª da adenda ao contrato de trabalho celebrada em 8 de Agosto de 2008, em virtude de, em 4 de Outubro de 2012, ter sido designado gerente da sociedade DD, Laboratório de Análises Clínicas, Lda, e também da sociedade EE, Laboratório de Análises Clínicas …, Lda, empresas cujo objecto social é, respectivamente, “laboratório de análises clínicas e actividades afins” e “prestação de serviços de análises clínicas, meios auxiliares de diagnóstico e afins”, sem ter dado conhecimento à sua entidade empregadora de que havia assumido essas funções.

É deste acórdão que o réu interpôs revista onde suscita as seguintes questões, conforme se colhe do teor das conclusões da sua alegação:

Legalidade da cláusula terceira da Adenda ao Contrato de Trabalho outorgada em 8 de Agosto de 2008;

Sendo tal cláusula válida, questiona o recorrente se o comportamento do réu traduz um incumprimento do acordado;

Verificado tal incumprimento, discute ainda o recorrente que a indemnização arbitrada é excessiva, devendo fixar-se um montante equitativo.

Sendo estas as matérias a tratar na revista, vejamos então cada uma delas.

3.1----

É o seguinte o teor da cláusula 3.ª da adenda ao contrato de trabalho que foi celebrada em 8 de agosto de 2008:     

 “Cláusula Terceira

Durante o prazo de 5 (cinco) anos a contar da data da assinatura da presente Adenda o segundo outorgante obriga-se a não constituir, a não participar, ou a não colaborar, directa ou indirectamente, quer como sócio, quer como legal representante, ou ainda como colaborador ou empregado, em qualquer outro Laboratório de Análises Clínicas, independentemente da sua forma ou natureza jurídicas.

§ Primeiro: A Primeira Outorgante tem pleno e directo conhecimento que o Segundo Outorgante tem participações directamente ou através da sociedade II, SA, nas seguintes sociedades comerciais de Laboratórios de Análises Clínicas:

JJ, Ldª.

KK, Ldª.

LL, SA

MM, Análises Clínicas, Ldª.

NN, Análises Clinicas Ldª.

DD, Ldª.

EE, Ldª.

§ Segundo: A Primeira Outorgante autoriza a permanência do Segundo Outorgante nas aludidas sociedades em que detém participações ou acções, porém esta autorização pode a qualquer momento ser revogada.

§ Terceiro: O Segundo Outorgante compromete-se a desenvolver esforços tendentes à sua desvinculação das sociedades comerciais nas quais detém participações, sendo que a desvinculação supra referida só deverá ser efectivada se não prejudicar os interesses da Primeira Outorgante.

§ Quarto: A violação do disposto nesta cláusula conferirá o direito à Primeira Outorgante de exigir do Segundo Contraente, uma indemnização no valor de 1.000.000 € (um milhão de euros).”

Apesar do R ter invocado a nulidade da cláusula, a sentença da 1.ª instância concluiu que a adenda ao contrato de trabalho celebrada pelas partes contém cláusulas válidas e oponíveis ao trabalhador réu, apenas não sendo válido o seu § 3º, por impor ao R que a sua desvinculação em relação às sociedades identificadas só poderia ocorrer se não prejudicasse os interesses da autora.

Todavia, entendeu a 1.ª instância que a invalidade parcial da cláusula não determina a invalidade de toda a adenda, considerando por isso válido todo o restante clausulado.

Esta posição da sentença quanto à validade da cláusula 3ª da adenda, (exceptuado o seu § 3º, aliás irrelevante para a solução do litígio) não foi posta em causa na apelação, pelo que o Tribunal da Relação não apreciou esta questão, pois, partindo logo do pressuposto da sua validade, procedeu à sua análise com vista a aferir se o réu assumiu um comportamento violador dos deveres nela estabelecidos.

Assim sendo, tendo a decisão da 1ª instância que considerou válida a cláusula 3ª (com excepção do seu § 3º) transitado em julgado, improcede, sem necessidade de mais considerações, esta primeira questão suscitada pelo recorrente.

3.2----

Discute-se se o R, que tinha sido gerente da DD - Laboratório de Análises, Lda. de 29.5.2001 a 24.9.2010, data em que cessou tais funções por renúncia, violou a obrigação resultante da cláusula 3ª da adenda ao contrato de trabalho ao assumir as funções de gerente desta empresa em 8.10.2012.

E da mesma forma discute-se se o Réu, que havia sido gerente da DD, Lda. de 29.5.2001 a 24.9.2010, data em que cessou tais funções por renúncia, violou tal obrigação ao assumir as funções de gerente desta empresa em 8.10.2012.

Para apreciação desta questão, temos de atender a que:

O R, Dr. CC, exerceu as funções de Director Técnico do Laboratório de análises clinicas da AA, S.A. de 4 de Dezembro de 1981 a 20 de Junho de 2013, data em que foi despedido com invocação de justa causa.

Nesta empresa, que era uma sociedade comercial cujo objecto social era de laboratório de análises clínicas, análises químico-biológicas e comércio de importação e exportação de equipamento técnico, desempenhava o R as supracitadas funções de director, sendo o responsável máximo pela actividade e laboratorial e o superior hierárquico do pessoal afecto a esse sector de actividade.

Mas era também accionista da AA, estando aquela sociedade intimamente ligada ao seu nome e ao prestígio que este havia firmado ao longo de cerca de trinta anos de actividade.

A 7 de agosto de 2008, o R CC, a sua esposa, e a sociedade II, SA, cujo capital social era detido pelo casal, venderam à sociedade Dr. BB, S.A. (que agora tem o papel de A.) a totalidade do capital social da sociedade AA, S.A.

E por convénio formalizado no dia seguinte, as partes acordaram que o R continuaria a assumir o cargo de Director Técnico, sendo então que subscreveram a adenda ao contrato de trabalho documentada a fls. 39 a 42 da qual fizeram constar a cláusula terceira acima reproduzida, em cujo incumprimento a A fundou o pedido formulado nesta acção.

Aqui chegados, vejamos o que foi convencionado na sua cláusula terceira, que é a que agora interessa.

No corpo da cláusula o R obrigou-se a, durante o prazo de cinco anos contados a partir de 8/8/2008, a não constituir, a não participar, a não colaborar, directa ou indirectamente, quer como sócio, quer como legal representante, quer como colaborador ou empregado, em qualquer outro Laboratório de Análises Clínicas, independentemente da sua forma ou natureza.

E no § primeiro declarou a ora A, como primeira outorgante, que tendo conhecimento directo de que o R detinha naquela data participações, directamente ou através da sociedade II, SA, nas sociedades comerciais de Laboratórios de Análises Clínicas, JJ, Ldª, KK, Ldª, LL, SA, MM, Análises Clínicas, Ldª, NN, Análises Clinicas Ldª, DD, Ldª e EE, Ldª, autorizava a permanência do R nestas sociedades, embora esta autorização pudesse ser revogada a qualquer momento (§ segundo).

E no § quarto contratualizaram as partes que a violação pelo R do disposto nesta cláusula, conferirá à A o direito de exigir uma indemnização no valor de 1.000.000 euros, montante justificado pelo facto do R CC e a respectiva esposa terem recebido, directa e indirectamente, o preço global de € 11.975.000 pelo negócio da venda das acções representativas da totalidade do capital social da sociedade A. nos presentes autos e da sociedade FF, SA, conforme consta do facto nº 12.

Suscita-se agora a questão se saber se a autorização concedida pela A para o R permanecer nas sociedades elencadas no § 1º abrangia a possibilidade de acumular com a sua gerência.

Efectivamente é este o cerne da problemática que agora se discute, pois o que motiva a presente acção é a violação da cláusula terceira da adenda de 8/8/2008, em virtude do R ter assumido funções de gerência nas empresas DD, Ldª e EE, Ldª, que constam do elenco do § 1º.

As instâncias divergiram na solução dada quanto a esta matéria, tendo a 1ª instância considerado que a obrigação assumida pelo R não comportava a renúncia à gerência as sociedades supra mencionadas, concluindo assim que a circunstância de ter renunciado à gerência daquelas empresas em 2010, e de a ter reassumido em 2012, não traduz qualquer violação do acordo por si assumido na adenda contratual de 2008.

Já a Relação considerou que a autorização corporizada no § 2 se reporta apenas à possibilidade do R continuar a deter “participações e acções” nas sociedades elencadas no § 1º.

Na abordagem desta problemática temos que apelar às regras de interpretação do sentido normal da declaração de vontade e que vêm fixadas no artigo 236.º do Código Civil, de cujo nº 1 resulta que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Consagrou assim o legislador como critério primeiro da interpretação da declaração negocial que a mesma se efectue de acordo com a denominada teoria da impressão do destinatário, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico.

No entanto, estabelece o n.º 2 do supracitado preceito que sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.

De qualquer forma e quanto aos negócios formais – como é o caso presente – dispõe o n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

No entanto, e conforme prescreve o seu nº 2, esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.

Munidos destas directivas, constatamos que, e quanto à real vontade dos contratantes, se apurou que a A visou limitar a actuação do R CC de modo a prevenir situações de que pudesse advir conflito entre esta actuação e a relação laboral. Além disso, a A pretendeu evitar que viesse a sofrer prejuízos decorrentes desta actuação do R, conforme resulta do facto 24.

Na verdade, a sociedade AA, que havia sido adquirida pela A, estava intimamente ligada ao nome do R, e ao prestígio que este havia firmado ao longo de cerca de trinta anos de actividade (facto 19), tendo sido por esta razão que após a venda desta sociedade ficou acordado que o Dr. CC se manteria como director técnico do laboratório de análises, conforme resulta do facto nº 20.

Por outro lado, apurou-se ainda que com a adenda ao contrato de trabalho a A visou também impedir que no espaço da GG, que pertencia ao R e à esposa, e onde funcionava a AA, houvesse outro laboratório (facto 24).

Por isso se pode concluir, como se faz no acórdão recorrido, que com a adenda ao contrato de trabalho a A pretendeu reforçar e dar particular ênfase ao cumprimento do dever do trabalhador de guardar lealdade para com o empregador, configurando do modo particular nela descrito os contornos do dever de não concorrência do Dr. CC relativamente à actividade da AA, S.A.

É neste enquadramento que temos de colocar a celebração da adenda contratual de 8/8/08, através da qual a A quis garantir o retorno do investimento feito com a aquisição da AA (cerca de 12 milhões de euros), mantendo o Dr. CC como director técnico do laboratório de análises, e aproveitando-se assim do nome e do prestígio que este havia firmado ao longo de cerca de trinta anos de actividade, conforme se colhe dos factos 19 e 20.

E assim se compreende que com a adenda ao contrato de trabalho a A quisesse proibir o R de constituir, participar, ou simplesmente colaborar, directa ou indirectamente, quer como sócio, quer como legal representante, ou ainda como colaborador ou empregado, em qualquer outro laboratório de análises clínicas, independentemente da sua forma ou natureza, obrigação por este assumida pelo prazo de cinco anos.

E tendo a A conhecimento de que o R tinha, naquela data, participações no JJ, Ldª, no KK, Ldª, LL, SA, e nas empresas MM, Análises Clínicas, Ldª, NN, Análises Clínicas Ldª, DD, Ldª e EE, Ldª, a A autorizava expressamente a sua permanência nestas sociedades, embora esta autorização pudesse ser revogada a qualquer momento, conforme se retira dos §§ 1º e 2º.

Concluiu a Relação que esta autorização não abrangia a faculdade do R integrar a sua gerência ou administração, argumentando para tanto que:

“Tendo em consideração os termos em que se mostra redigido este § 2.º, cremos que a autorização que corporiza se reporta, apenas, a ter o R. “participações e acções” nas sociedades elencadas no § 1.º.

Com efeito, e em primeiro lugar, os termos literais § 2.º, cuja importância já salientámos, não fazem qualquer alusão, expressa ou implícita, à actividade da gerência social.

Em segundo lugar, como bem é dito na sentença a propósito do corpo da cláusula (embora reportando-se à afirmação negativa nele contida), “participar” traduz-‑se em “adquirir quotas ou acções, de sociedades”, pelo que não compreende qualquer outra forma de colaboração, directa ou indirecta, na sociedade.

Em terceiro lugar, uma interpretação sistemática da cláusula denota que no seu corpo as partes tiveram o cuidado de referenciar os vários tipos de actos vedados ao Dr. CC, e no § 2.º apenas se referencia a autorização da sua permanência nas sociedades em que detém participações e acções, pelo que, em coerência, apenas se autoriza a manter a titularidade das participações sociais que, à data da celebração da adenda, detinha em sociedades que exploram outros laboratórios de análises clínicas. Se no corpo da cláusula as partes elencam os vários actos vedados, não se compreende que, pretendendo autorizar vários desses actos relativamente a determinadas sociedades, se limitem a referenciar um desses actos.

Em quarto lugar, o apurado objectivo da adenda de limitar a actividade e actuação do Dr. CC em situações de que adviesse conflitualidade com a relação laboral e prejuízos para a entidade empregadora (facto 24.) – explicando-se que a sociedade AA estava intimamente ligada ao nome do Dr. CC e ao prestígio que este havia firmado ao longo de cerca de trinta anos de actividade (facto 19.) e que “por isso”, após a venda da sociedade AA, ficou acordado que o Dr. CC se manteria como director técnico do laboratório de análises, tendo sido celebrada a adenda ao contrato de trabalho (facto 20.) – se demandou uma convenção autónoma do dever de não concorrência em termos mais restritivos do que os que resultam da lei, não consente também uma interpretação da cláusula que conduza a um sentido mais permissivo do que o que resultaria do regime legal[3].

Em quinto lugar, ainda que não possa considerar-se válido o estipulado no § 3.º da mesma cláusula – o que irreleva na medida em que não é invocada na presente acção a violação deste parágrafo – o facto de as partes o terem subscrito torna inequívoco que o autorizado no § 2.º constitui excepção à obrigação traçada no corpo da cláusula e denota ser sua vontade a de que essa excepção se limite ao que dela expressamente consta (assim o indicia a estipulação da obrigação de desvinculação do R. das referidas sociedades detentoras de laboratórios de análises clínicas, desvinculação que, a verificar-se, implicaria que a excepção do § 2.º deixasse de ter sentido).

Por último, não pode perder-se de vista que, configurando o § 2.º desta cláusula uma excepção ao regime de não concorrência nela consagrado, se mostra à partida vedada uma interpretação extensiva dos seus termos.

Em suma, entendemos que a autorização constante do § 2.º, tendo em atenção os seus termos literais, o sentido rigoroso dos mesmos, a sua interpretação sistemática, o objectivo que presidiu à adenda e o facto de o mesmo corporizar uma excepção ao dever de não concorrência acordado pelas partes nos termos enunciados no corpo da cláusula, não pode ser interpretada extensivamente no sentido de se entender que a referência à autorização de permanência nas sociedades em que detém participações e acções inclua, também, a possibilidade de o R. Dr. CC assumir futuramente a qualidade de gerente das referidas sociedades.”

Também sufragamos esta posição da Relação, atentas as razões apontadas e a que aderimos.

Efectivamente, o teor literal deste § segundo “A Primeira Outorgante autoriza a permanência do Segundo Outorgante nas aludidas sociedades em que detém participações ou acções…” aponta claramente neste sentido, pois o que se permite ao R é apenas a possibilidade de manter as participações ou acções que detinha nas sociedades elencadas no § primeiro.

Além disso, pretendendo a A com esta adenda salvaguardar o investimento feito com a aquisição da AA, mal se compreenderia que esta autorização englobasse a possibilidade de intervir na gerência daquelas empresas, pois conhecendo o R os negócios da AA, facilmente poderia tomar nas mencionadas empresas medidas de gestão de concorrência com a A que poderiam colocar em causa o retorno do investimento que a A tinha feito.

Ademais, tendo-se o R obrigado a não assumir a qualidade de legal representante de qualquer outro laboratório de análises clínicas, proibição que o impedia de ser um mero colaborador ou empregado, mal se compreenderia que a autorização de permanência nos laboratórios elencados no § primeiro abrangesse a possibilidade de acumular com a sua gerência.

E embora se tenha provado que à data da celebração da adenda o R já era gerente das sociedades DD, Lda. e EE, Lda. e que nessa altura a A tinha conhecimento de que era legal representante de algumas das sociedades mencionadas neste § 1º, conforme consta do facto nº 43, não se tendo provado quais eram elas, não se pode concluir que a autorização da A integrasse a possibilidade do R integrar a gerência daquelas empresas.

E só a prova desse facto é que permitiria concluir pela ilegitimidade do exercício do direito da A reclamar a indemnização pedida, conforme preceituado no artigo 334.º do Código Civil, por vir invocar um incumprimento da cláusula da adenda contratual de que já tinha conhecimento no momento da celebração do negócio.

Concluímos assim que o R CC violou a obrigação assumida na cláusula terceira que as partes fizeram constar da adenda contratual, quando em 4 de Outubro de 2012, foi designado gerente das sociedades DD e da EE, cujo objecto social é, respectivamente, “laboratório de análises clínicas e actividades afins” e “prestação de serviços de análises clínicas, meios auxiliares de diagnóstico e afins”, conforme resulta dos factos 7, 8, 45 e 47.

E não tendo dado conhecimento à sua entidade empregadora, a AA, SA, agora integrada na A, de que havia assumido essas funções, violou a obrigação contratual assumida na mencionada cláusula 3ª por nessa altura ainda não terem decorrido os 5 anos que nela haviam sido fixados.

3.3---

Quanto ao valor da indemnização:

         Conforme resulta do nº 1 do artigo 810º do CC, as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível em caso de incumprimento contratual.

É o que se designa por cláusula penal que consiste numa estipulação em que as partes fixam antecipadamente o montante da indemnização exigível ao devedor inadimplente.

Foi ao abrigo desta norma que no § 4.º da cláusula terceira se previu que a violação do ali acordado conferia à A. o direito de exigir do R. uma indemnização no valor de € 1.000.000 (um milhão de euros).

Já perante a Relação o R suscitara a questão do valor mencionado dever ser reduzido por ser manifestamente excessivo em face das circunstâncias do caso concreto em que a obrigação foi violada apenas em 4 de Outubro de 2012 quando havia sido estabelecida pelo prazo de 5 anos contados a partir de 8 de Agosto de 2008, pelo que o seu termo ocorreria em 7 de Agosto de 2013.

Conforme resulta do artigo 812.º, n.º 1 do Código Civil, a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.

Enfrentando esta questão diz o acórdão recorrido:

“No caso sub judice entendemos dever ponderar-se, antes de mais, ter ficado provado que as partes sujeitaram a violação pelo Réu daquele dever de não concorrência ao pagamento de uma indemnização a favor da A. no montante de € 1.000.000 (um milhão de euros) pelo facto do casal constituído pelo Réu e pela Dra. HH ter recebido, directa e indirectamente, o preço global de € 11.975.000,00 pelo negócio da venda das acções representativas da totalidade do capital social da sociedade A. nos presentes autos [e] da sociedade - FF, SA. – facto 12.

Perante os princípios fundamentais da autonomia da vontade (nas suas vertentes da autorregulação e autorresponsabilidade) e da força vinculativa dos contratos (pacta sunt servand-a), bem como tendo presente a complexidade da relação contratual – constituída por uma multiplicidade de elementos que se coligam em função de uma “identidade de fim” e lhe imprimem um “carácter unitário e funcional” –, cremos que a convenção desta cláusula penal ia de encontro à satisfação dos diversos interesses envolvidos na relação obrigacional e visava compelir ao cumprimento do convencionado por parte do R., salvaguardando relativamente a posição da A. face aos montantes envolvidos em caso de inadimplemento[4].

Era pois, à data em que foi convencionada, equilibrada.”

Também concordamos com esta posição, pois os elevados valores da venda da AA, e a necessidade da A se salvaguardar para garantir o retorno do investimento, justificam a fixação da cláusula penal no montante acordado, ainda que o R auferisse ao serviço da A a retribuição mensal de 1 200 euros.

No entanto, e como acentua a Relação, “não pode perder-se de vista que a obrigação foi incumprida apenas em 4 de Outubro de 2012 quando foi estabelecida pelo prazo de 5 anos com início em 8 de Agosto de 2008 e termo em 7 de Agosto de 2013 (factos 5., 6., 7. e 8.), pelo que os actos do R. violadores da obrigação de não concorrência prevista na adenda contratual se verificaram relativamente perto do termo do período total de 5 anos de vigência da mesma.

Decorreu pois um período assinalável de mais de 4 anos em que a cláusula terceira da adenda contratual produziu efeitos e não se conhecem actos do R. susceptíveis de a afrontar, o que torna excessivo o valor convencionado.”

E nesta linha a Relação reduziu o montante da cláusula penal proporcionalmente ao período por que persistiria o incumprimento, assim se alcançando o valor arredondado de € 130.000, que se considerou justo e equitativo.

Também aderimos a este entendimento, pois se o valor acordado (um milhão) reflectiu a necessidade de salvaguarda do investimento feito pela A, é razoável que o mesmo seja proporcionalmente reduzido ao tempo que faltava para o termo do prazo acordado, pois o tempo decorrido já foi de molde a proporcionar algum do retorno esperado.

Por isso, mantemos o valor atribuído pela Relação que nos parece razoável e adequado ao circunstancialismo do caso.

Improcede por isso a revista.

4----

Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

Custas a cargo do R

Anexa-se o sumário do acórdão.
                                                                                                        
Lisboa, 21 de Setembro de 2017

Gonçalves Rocha (Relator)

Leones Dantas

Ana Luísa Geraldes

______________
[1] Conforme despacho de fls. 170.
 A fusão de sociedades foi registada em 23 de Dezembro de 2013 (fls. 156 e ss.).
[2] Transcreve-se a parte que se nos afigura relevante do documento, para além da cláusula terceira, para melhor esclarecimento, uma vez que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 663.º, n.º 2 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, ambos aplicáveis ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, os factos relevantes plenamente provados por documento devem ser atendidos pelo Tribunal da Relação.
[3] É pacífica a jurisprudência no sentido de que viola o dever de lealdade, na dimensão da proibição de concorrência, o comportamento do trabalhador que se torna gerente de uma sociedade comercial com objecto social idêntico ao do empregador e que prossegue a mesma actividade – vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.06.12, Recurso n.º 745/03 - 4.ª Secção,  de 2012.09.12, Recurso n.º 605/07.9TTMTS.P1.S1 - 4.ª Secção  e de 2015.09.09, Recurso n.º 477/11.9TTVRL.G1.S1 – 4.ª Secção (este último relativo a um trabalhador que se tornou  sócio de uma sociedade comercial com objecto social idêntico ao do empregador), todos sumariados in www.stj.pt.
[4] Vide Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 10.ª edição, Coimbra, pp. 74-75.