Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1211/08.6TBAND-A.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
Data do Acordão: 10/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIDO O OBJECTO DE RECURSO QUANTO AO INCIDENTE DO INCUMPRIMENTO, NEGADA A RESTANTE REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / DOMICÍLIO - DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / RESPONSABILIDADES PARENTAIS / MENORES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - COMPETÊNCIA INTERNACIONAL / MODIFICAÇÕES DA COMPETÊNCIA - PROCESSO ESPECIAIS - RECURSOS.
Doutrina:
- Carlos Melo Marinho, in Textos de Cooperação Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial, 2008, p. 56.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, N.º2, 13.º, 85.º, N.º1, 1905.º, 1906.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 65.º, 65.º-A, 99.º, 722.º, N.º2, 729.°, N.ºS 1 E 2, 1094.º, 1102.º, 1409.º A 1411.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 8.º.
LEI N.º 61/2008, DE 31.10: - ARTIGOS 9.º, 10.º.
ORGANIZAÇÃO TUTELAR DE MENORES (OTM): – ARTIGOS 150.º, 180.º, 182.º.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) Nº2201/2003, DO CONSELHO, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2003: - ARTIGOS 1.º, AL. B), 2.º, N.ºS 7 E 9, 8.º, 11.º, N.º2, 15.º, 24.º, 72.º.
TRATADO QUE INSTITUIU A COMUNIDADE EUROPEIA: - ARTIGOS 1.°, 68.°, 76.°.
Sumário :
- Em face do Regulamento (CE) nº2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, duas situações se desenham para que se considere ter havido ilicitude na deslocação ou retenção de uma criança para o estrangeiro:

a) – ter havido violação do direito de guarda conferido por decisão judicial;

b) – estar, no momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse esta a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção, sendo que se considera que “a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade”.

- Ao escolher o seu lugar de residência num determinado país, o progenitor a quem atribuído o exercício do poder paternal limitou-se a exercer um direito que lhe era conferido face ao conteúdo do “direito de guarda” referido no nº9 do artigo 2º do Regulamento, como comportando “os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência”.

- Não é ilícita a conduta do progenitor a quem a guarda do menor foi entregue se informa o outro progenitor dois dias depois da deslocação.

- O regime introduzido pela Lei 61/2008, de 31.10, não se aplica aos processos pendentes em tribunal quando entrou em vigor.

- O requerimento de alteração do regime sobre o exercício do poder parental, para o efeito da fixação da competência do tribunal, não constitui um processo autónomo.

- Face ao disposto no artigo 8º do Regulamento, a regra geral sobre a competência internacional dos tribunais em matéria de responsabilidade parental é que é competente o tribunal do país onde o menor resida habitualmente à data em que o processo for instaurado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 2008.11.28, no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, AA instaurou ação especial de regulação do exercício do poder paternal contra BB e em relação ao menor CC, filho de ambos.

Em 2009.01.13, foi proferida sentença que homologou o acordo conseguido em conferência sobre a regulação, ficando o menor confiado à guarda e cuidados da mãe, que exerceria o poder paternal e regulado o regime de visitas e a prestação de alimentos.

Posteriormente, foi instaurado um incidente de incumprimento do poder paternal por parte da mãe do menor, tendo a final sido proferido decisão julgando inverificado o incumprimento por parte da progenitora, determinando-se o arquivamento dos autos.

Inconformado, o pai do menor interpôs apelação.

Por acórdão de 2013.04.23, a Relação de Coimbra confirmou o decidido na 1ª instância quanto à inexistência de incumprimento.

Em 2012.02.02, o pai do menor instaurou, junto do Tribunal de Família e de Menores de Oliveira do Bairro – Comarca do Baixo Vouga, contra a mãe do mesmo, “ação para alteração do regime do poder paternal.

Em 2012.05.30 foi proferida sentença, em que que se absolveu a mãe da instância, por se ter julgado o tribunal internacionalmente incompetente.

Inconformado, veio o pai do menor deduzir apelação.

No mesmo acórdão acima referido, veio a Relação de Coimbra também confirmar o decidido na 1ª instância quanto à incompetência do tribunal.

Inconformado com tais decisões, veio o pai do menor interpor recurso de revista para este Supremo, apresentando alegações e conclusões.

Apresentado o procceso à formação a que alude o nº3 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, foi por ela decidido admitir o recurso quanto à competência internacional, deixando para decisão na revista “normal” o recebimento do recurso quanto ao incidente do incumprimento.

Assim e antes de mais, há que decidir se o recurso sobre se a decisão deste último incidente pode ser admitido.

Cremos que não.

Na verdade e nos termos do disposto no artigo 150º da Organização Tutelar de Menores (OTM), nos processos tutelares cíveis, nos quais se inclui o processo de regulação do exercício do pode paternal, a resolução de questões a este respeitantes – como a questão que nos ocupa relacionada com o incumprimento com o acordado quanto à regulação do exercício do poder paternal - é considerado de jurisdição voluntária.

As disposições gerais dos processos de jurisdição voluntária estão previstas nos artigos 1409º a 1411º do Código de Processo Civil.

Assim, refere o artigo 1410º que “nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”.

Portanto e em princípio, as decisões relativas ao poder paternal, designadamente no tocante ao incumprimento do acordado quanto ao destino do menor, regime de visitas do progenitor que não ficar com ele, aos alimentos que lhe devidos e à forma de os prestar, são proferidas segundo critérios de conveniência e oportunidade, tendo sempre em vista o interesse do mesmo – cfr. arts 180º da OTM e 1905º e 1906, ambos do Código Civil – pelo que, de uma maneira geral, não poderá haver recurso para este Supremo Tribunal de Justiça – cfr. artigo 1411º, nº2, do Código de Processo Civil.

Ora, como se infere do que acima ficou dito, do ponto de vista de direito material, do direito substantivo, a questão que vem colocada pelo recorrente AA tem apenas a ver com o destino do menor, melhor dizendo, com a sua residência.

Sendo assim, o juízo formulado é da competência exclusiva da Relação, estando vedado a este Supremo o conhecimento de recurso de revista.

Concluímos, pois, que não é de admitir o recurso interposto por aquele recorrente quanto ao incidente do incumprimento, pelo que não pode este Supremo conhecer do seu objeto.

Atentemos agora na questão relacionada com a competência dos tribunais portugueses para conhecer do recurso sobre a alteração do exercício das responsabilidades parentais.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

1 – A criança CC nasceu ..., ..., França, no dia …/0../20…, sendo filho do Requerente e da Requerida (fls. 4 dos ‘principais’).

2 – Por acordo celebrado entre os progenitores no dia 13/01/2009, homologado por sentença transitada em julgado, proferida nesse dia no Processo nº 1211/08.6TBAND, de que os presentes constituem apenso, foi regulado o exercício do ‘poder paternal’, nos termos do qual ‘O menor CC ficará confiado à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal’, tendo ali sido fixado o regime de visitas ao progenitor e contribuição por parte do mesmo para o sustento do filho (fls. 26 e 27 dos ‘principais’).

3 – No dia 14/09/2011 a progenitora deslocou-se para França, para ir trabalhar, levando consigo o filho, passando a residir em tal País, do que o progenitor teve conhecimento no dia 16/09/2011 através de comunicação escrita que a progenitora lhe dirigiu via postal (fls. 2, 3 e 5 a 10 do apenso ‘A’).

4 – Em tal país encontram-se a viver os tios e primos da progenitora, o avô materno e o tio materno da criança, a qual frequenta a escola e ATL, e onde a progenitora teve trabalho até 31 de Dezembro de 2011, encontrando-se atualmente a frequentar um curso de francês (fls. 13 a 16 e 27 do apenso ‘A’).

5 – A criança faltou dois dias à escola em França por causa da Conferência de Pais aqui realizada no dia 02/02/2012 no processo de incumprimento apenso ‘A’ (fls. 27 do ‘A’).

6 - Na conferência de pais realizada no pretérito dia 02/02/2012 no incidente de incumprimento, apenso ‘A’, o progenitor recusou qualquer acordo quanto à revisão/alteração do atual regime de visitas (fls. 20 e 21 do ‘A’).

7 – No dia 09/12/2011 foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra a progenitora, em processo sumaríssimo, acusando-a da prática de um crime de subtração de menor, p. e p. pelo art.º 249º, nº, 1, al. c) do C. Penal (fls. 23 a 30).

8 - No dia 05/12/2011 foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra ambos os progenitores, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, acusando-os da prática, a cada um deles, em autoria material, no dia 27/08/2011, de um crime de ofensa à integridade física, recíproco, p. e p. pelo art.º 143º, nº, 1 do C. Penal (requerimento eletrónico de 27/12/2011, do apenso ‘A’).

9 – O progenitor permanece a residir em Portugal, bem como os avós paternos e avó materna da criança, a qual com eles tem uma boa relação.

10 – A presente ação foi proposta no dia 01/02/2012 (fls. 36).

O Recurso, os Factos e o Direito

No acórdão recorrido julgou-se que os tribunais portugueses eram incompetentes internacionalmente face ao Regulamento (CE) nº2001/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 (“o novo regulamento Bruxelas II”), uma vez que se considerou o preenchimento da regra estabelecida no artigo 8º do referido Regulamento, na medida em que se entendeu que residência habitual do menor à data em que o presente processo foi instaurado era em França e não em Portugal e que não se verificavam as reservas estabelecidas nos artigo 9º e 10º daquele Regulamento para a não aplicação daquela regra geral, ou seja, a ação ter sido instaurada no período de três meses após a deslocação do menor para França e o menor ter sido deslocado e retido ilicitamente para lá pela sua mãe.

O recorrente entende que os tribunais portugueses são competentes internacionalmente porque ocorreu uma deslocação ilícita do menor para França promovida pela sua mãe na medida em que esta não o informou da deslocação – violando assim o disposto no nº6 do artigo 1906º do Código Civil, na redação que lhe foi introduzida pela Lei 61/2008, de 31.10, aplicável ao caso concreto em apreço por força do disposto no nº2 do artigo 12º do Código Civil – privando-o  de se pronunciar sobre a decisão da mãe de deslocar o menor para França e violando o regime de visitas que se encontrava fixado judicialmente.

Mas mesmo que assim não se entendesse, considera que não existem factos que demonstrem que o menor tenha a sua residência habitual em França.

E ainda que também assim não se entendesse, sempre as normas que prescrevem o direito de informação atribuído ao progenitor que não exerça a responsabilidade parental e a maior proximidade do menor aos sue pais são de interesse e ordem pública, pelo que qualquer norma de direito internacional com ela incompatível não poderia ser aplicável.

Cremos que não tem razão e se decidiu bem.

A competência do tribunal constitui um pressuposto processual, sendo assim um dos elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a pretensão deduzida.

Como qualquer outro pressuposto processual, a competência é aferida em relação ao objeto da ação apresentado pelo autor.

São normas de competência internacional aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais.

Vigoram na ordem jurídica portuguesa normas de fonte interna e normas de fonte supra estadual.

Destas, destacam-se, como fonte comunitária e com relevo para o caso dos autos, o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, aplicável às ações judiciais, atos autênticos e acordos posteriores a 1 de Março de 2005 – cfr. artigo 72º do Regulamento.

O Regulamento é diretamente aplicável a todos os Estados Membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (artigos 1°, 68° e 76° e, em Portugal, o artigo 8° da Constituição da República Portuguesa e prevalece perante as normas reguladoras da competência internacional previstas nos arts. 65°, 65°A, 99°, 1094° e 1102° do Código de Processo Civil.

Aliás, a atual redação do art. 65° n.º1 já ressalva o que se acha estabelecido em tratados, convenções e regulamentos comunitários.

Nos termos da alínea b) do artigo 1º do Regulamento, o mesmo é aplicável às matérias civis relativas “à atribuição, ao exercício, à delegação, à delimitação ou à cessação da responsabilidade parental”, sendo esta definida como “o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou coletiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo relativo à pessoa ou aos bens de uma criança”, compreendendo nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita” – cfr. nº 7 do artigo 2º do Regulamento.

As regras estabelecidas naquele Regulamento para a competência dos tribunais quanto à responsabilidade parental, na parte que interessa para a decisão do presente recurso são as seguintes:

Artigo 8º

Competência geral

1. Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

2. O nº 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9º, 10º e 12º.

Artigo 9º

Prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança

1. Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado-Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado-Membro da anterior residência habituais da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8º, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado-Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado-Membro da anterior residência habitual da criança.

2. O nº 1 não é aplicável se o titular do direito de visita referido no nº 1 tiver aceitado a competência dos tribunais do Estado-Membro da nova residência habitual da criança, participando no processo instaurado nesses tribunais, sem contestar a sua competência.

Artigo 10º

Competência em caso de rapto da criança

Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro e:

a) Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção; ou

b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado-Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:

i) não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado-Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida,

ii) o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i),

iii) o processo instaurado num tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do nº 7 do artigo 11º,

iv) os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.

Face à questão posta e tendo em conta as regras de competência acima transcritas, temos, pois, que determinar se ocorre uma deslocação ilícita do menor de Portugal para França e em caso negativo, qual a residência habitual do menor à data da instauração desta ação de alteração do regime de exercício do poder paternal.

Para efeitos do Regulamento, a deslocação ou retenção ilícita de uma criança é entendida da seguinte forma, definida no nº11º do artigo 2º:

Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”, a deslocação

ou a retenção de uma criança, quando:

a) Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e

b) No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção.

Considera-se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade.”

Temos, pois, que em face do Regulamento, duas situações se desenham para que se considere ter havido ilicitude na deslocação ou retenção de uma criança:

a) – ter havido violação do direito de guarda conferido por decisão judicial;

b) – estar, no momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse esta a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção, sendo que se considera que “a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade”.

Ora, no caso concreto em apreço e face aos factos dados como provados nas instâncias, nenhuma destas situações se verificam.

Na verdade e conforme o acordado pelos pais em conferência realizada em 2009.01.13 e homologada por sentença judicial, já transitada em julgado, o menor CC ficou “confiado à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal”, podendo o pai visitá-lo nos termos ali acordados.

Nada mais aí se refere quanto ao assunto.

Nomeadamente, quanto à necessidade de consentimento do pai do menor para a fixação da residência do mesmo, em Portugal ou no estrangeiro.

Daqui se conclui que, com o consentimento do pai, foi atribuído à mãe o direito de guarda do menor, com a consequente fixação da residência deste.

Sendo assim, ao deslocar-se com o menor para França para aí viver consigo, a mãe do mesmo não se colocou em nenhuma das situações de deslocação ilícita previstas no Regulamento e acima referidas.

Ao escolher o seu lugar de residência naquele país, limitou-se a exercer um direito que lhe era conferido face ao conteúdo do “direito de guarda” referido no nº9 do artigo 2º do Regulamento, como comportando “os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência”.

Continuando ao recorrente, como pai do menor que não exerce o poder paternal, a assistir “o poder de vigiar a educação e as condições de vida do filho” – cfr. nº4 do artigo 1906º do Código Civil, na redação aplicável ao caso concreto em apreço introduzida pela Lei 59/99, de 30.06, conforme adiante se vai decidir – e, obviamente, a poder requerer a alteração do regime do exercício do poder paternal então em vigor se se verificassem circunstâncias supervenientes que o tornassem necessário – cfr. artigo 182º da OTM – o que, aliás, o recorrente veio a fazer com o presente processo.

E não esquecendo que mesmo em face da lei portuguesa, se o menor não tiver família – como acontece no caso concreto em apreço –  “tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver” – cfr. nº1 do artigo 85º do Código Civil.

Temos, assim, que à face do Regulamento, a deslocação do menor para França não pode ser considerada ilícita.

Mas e como acima já ficou referido, o recorrente entende que a ilicitude da deslocação existe na medida em que a mãe do menor não o informou da deslocação, violando assim o disposto no nº6 do artigo 1906º do Código Civil, na redação que lhe foi introduzida pela Lei 61/2008, de 31.10, que seria aplicável ao caso por força do disposto no nº2 do artigo 12º do Código Civil, privando-o de se pronunciar sobre a decisão de deslocar o menor para França e violando o regime de visitas que se encontrava fixado judicialmente.

Não tem razão.

A referida Lei 61/2008 veio alterar o regime jurídico do divórcio ou separação.

E no que concerne ao exercício das responsabilidades parentais, determinou-se no nº6 que “ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais, assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho”.

O recorrente entende que não foi informado pela mãe do menor da deslocação deste para França, pelo que a sua conduta foi ilícita.

Mas não é assim.

Primeiro, porque na realidade o recorrente foi informado dessa deslocação, embora dois dias depois da mesma.

É o que resulta dos factos elencados sob o nº3 do elenco dos factos dados como provados acima referidos.

Depois, porque o regime introduzido por aquela Lei não se aplicava aos processos pendentes em tribunal quando entrou em vigor – cfr. artigo 9º da mesma Lei – o que era o caso do presente processo.

Na verdade, entrando aquela lei em vigor em 30 de Novembro de 2008 – cfr. artigo 10º - o processo de regulação de poder paternal já então tinha sido instaurado, uma vez que o foi em 28 do mesmo mês.

E não se diga que o requerimento de alteração do regime sobre o exercício do poder parental constitui, para este efeito, um processo autónomo.

Não o é.

Trata-.se apenas, como bem de diz na sentença proferida na 1ª instância, de “adjetivar o direito substantivo”.

Atente-se, a esse respeito, que o requerimento é autuado por apenso ao processo onde o regime que se pretende alterar foi fixado – cfr. nº2 do artigo 182º da Organização Tutelar de Menores – o que indica que sob o ponto de vista substantivo, o processo continua a ser o mesmo.

Em terceiro lugar, não é caso aqui para aplicação retroativa daquela Lei, com base no nº2 do artigo 12º do Código Civil, como pretende o recorrente.

Na verdade, mesmo na hipótese referida na 2ª parte daquele nº2, há sempre que excecionar os casos em que o conteúdo do direito esteja salvaguardado pelo ato que lhe deu origem, ou seja e no caso concreto em apreço, a confiança da guarda do menor e consequente fixação da sua residência pela mãe do menor estava já fixada, salvaguardada, por uma sentença passada em julgado, pelo que o regime novo só prevaleceria na parte em que não conflituasse com o já fixado naquela sentença.

Exemplo expresso deste entendimento quanto às leis interpretativas está na disciplina sobre as mesmas estabelecidas no artigo 13º do Código Civil.

Concluímos, pois, que nem com base no citado artigo 12º se pode aplicar ao caso concreto em apreço o novo regime introduzido pela Lei 61/2008.

De tudo o que se disse resulta que não se pode concluir dos factos dados como provados que a mãe do menor tenha procedido ilicitamente ao levar o seu filho para França.

Deparamo-nos agora, arredada a verificação da hipótese de a deslocação do menor para França poder ser considerada ilícita, com a questão da residência do mesmo para o efeito de determinação da competência internacional.

Já vimos que nos termos do artigo 8º do Regulamento, o que interessa para o efeito é a residência habitual do mesmo à data da instauração deste incidente de alteração do exercício do poder paternal.

 Conforme refere Carlos Melo Marinho “in” Textos de Cooperação Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial, 2008, a página 56, “a definição de residência habitual não está vertida no Regulamento Bruxelas bis e não corresponde, também, a qualquer definição nativa. Deverá, antes, ser obtida perlo juiz à luz dos elementos fácticos disponíveis e dos fins e objetivos do sempre invocado Regulamento, tendo presente que se está perante um conceito autónomo emergente do Direito Comunitário. Tal conceito, de natureza flexível e alargada, permite ao julgador, por exemplo, concluir, em função das circunstâncias específicas da situação em apreço, ter a criança adquirido uma residência habitual num Estado Membro no próprio dia da chegada a esse Estado”.

No caso concreto em apreço, os factos dados como provados apenas referem quem 2011.09.14, a mãe do menor se deslocou com este para França, para ir trabalhar, “passando a residir em tal País”, onde se entravam a viver familiares seus, frequentando o menor uma escola.

Não existem quaisquer factos que tenham sido dados como provados pelas instâncias dos quais resulte que o menor não reside em França nos termos referidos.

A este respeito há que assinalar que este Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue aplicável – artigo 729°, n.º1, do Código de Processo Civil.

Consequentemente, não conhece de matéria de facto, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova - artigos 729º, n.º2 e 722°, nº 2, do mesmo diploma – exceções estas que não ocorrem no caso concreto em apreço.

E também não esquecer o âmbito da questão em que estamos a abordar: a competência internacional para este incidente de alteração do poder paternal.

O que significa que não nos compete abordar o fundo causa, ou seja, em que termos a deslocação da mãe do menor acompanhada deste pode alterar o exercício do poder paternal a ela confiado, aceitável que é que essa mudança de residência - legítima para a mãe face ao direito de deslocação e de emigração constitucionalmente garantido pelo artigo 44º Constituição da República Portuguesa – pode dificultar o exercício direito de visita do recorrente e que essa deslocação tem que ser vista sempre na perspectiva do interesse do menor, com ponderação das relação afetiva do menor com os pais e da eventual alteração da decisão de regulação das responsabilidades parentais a favor do outro progenitor, do impacto que a mudança de residência pode ter sobre a sua personalidade, sopesando a relação com vizinhos, amigos, escola, etc.

Entende o recorrente que se a presente ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais tramitasse por um Tribunal Francês correr-se-ia o risco de não se acautelar de forma preponderante o supremo interesse do menor e violar-se-ia o princípio da proximidade da criança aos seus pais “à jurisdição nacional competente”.

Mas face aos factos que foram dados como provados – únicos, como se disse, que este Supremo se pode socorrer para decidir a questão da incompetência internacional em apreço – é precisamente a consideração de que em função do superior interesse do menor e do princípio da proximidade a ele inerente que a questão deve ser apreciadas pelo tribunal competente do país onde se encontrava habitualmente a residir à data da instauração da ação que, como já ficou dito, é a França.

De qualquer forma e em abono desse superior interesse, excecionalmente prevê o Regulamento a transferência do procceso para um tribunal mais bem colocado para apreciar a ação – cfr. art 15º.

Finalmente, entende o recorrente que as normas do Regulamento respeitantes aos critérios de competência internacional em ações de responsabilidade parental quando conducentes à não informação ao progenitor que não tem a guarda da criança do seu destino são incompatíveis com a ordem pública e, portanto, não devem ser aplicadas.

Mas já vimos que nenhuma das normas em causa se debruça sobre a questão, uma vez que esta, repete-se, consiste apenas e tão só na determinação de qual é o tribunal competente internacionalmente para conhecer da questão e não em pronunciar-se sobre sobre o direito de informação dos progenitores e quais as suas consequências da sua omissão, questão esta que, como se disse, se situa antes no domínio do fundo da causa.

De qualquer forma e como se referiu, no caso concreto em apreço, o recorrente foi informado, pelo que aqui nem sequer se pode colocar a questão.

Resta assinalar que de acordo com o artigo 24º do Regulamento, o critério da ordem pública não pode ser aplicado às regras de competência sobre responsabilidade parental.

Em conclusão: não merece censura o acórdão recorrido ao se considerar incompetentes os tribunais portugueses para conhecer do mérito do pedido de alteração do exercício do poder paternal formulado pelo recorrente.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em

- não receber o recurso quanto ao incidente do incumprimento;

- negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, quanto à incompetência territorial dos tribunais portugueses para conhecer do incidente da alteração do poder paternal.

Custas pelo recorrente.

Lisboa,10 de Outubro de 2013

Oliveira Vasconcelos (Relator)

Serra Baptista

Álvaro Rodrigues