Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
541/09.4 YFLSB
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: CONVERSÃO DO NEGÓCIO
CONTRATO DE SUBARRENDAMENTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I- No que à conversão dos negócios jurídicos concerne, importa, desde logo, recordar as palavras de um eminente jurisconsulto brasileiro que, referindo-se ao instituto da conversão dos negócios jurídicos, afirmou: «A conversão, instituto posto a meio caminho entre as exigências formais do Direito e as exigências substanciais da Justiça, é figura que atenua as exigências do direito estrito, permitindo, conforme o princípio da conservação dos negócios jurídicos – tomado em sua acepção mais ampla – o aproveitamento de atos realizados» (Junqueira de Azevedo, no prefácio-apresentação da obra de DEL NERO, João Alberto Schützer, «Conversão Substancial do Negócio Jurídico». Ed. Renovar, 2001).
II- A conversão dos negócios jurídicos não é um acto de diminuta relevância, nem discricionário, pelo que a sua aplicação requer o devido rigor!
III- Como se decidiu nos Acórdãos de 16-12-1999 e de 25-11-2003 deste Supremo Tribunal, o Tribunal não pode conhecer oficiosamente da conversão, mas já a nulidade é do conhecimento oficioso ( respectivamente in BMJ 492º-437 e Col Jur/STJ 2003, 3º-161).
IV- Nos termos do artº 293º do C.Civil, para que ocorra a conversão do negócio nulo ou anulado, exige-se que «o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade».
V- Sendo o contrato uma auto-regulamentação de interesses contrapostos que se ajustam reciprocamente, um «duorum vel plurium in idem placitus consensus» como diziam os praxistas, a vontade das partes, manifestada livremente, de acordo com o princípio da autonomia da vontade e do seu corolário que é o da liberdade contratual, nas vertentes de liberdade de contratação e liberdade de estipulação, assume capital preponderância para se aquilatar de qual o negócio jurídico hipoteticamente querido, se fosse prevista a nulidade do efectivamente celebrado.
VI- Daí que, como advertia Antunes Varela «para que possa verificar-se a conversão não basta que o negócio nulo ou anulado contenha os requisitos essenciais de substância e de forma do negócio que vai substituí-lo. É ainda necessário, de acordo com a parte final do artigo 293º, que a conversão se harmonize com a vontade hipotética ou conjectural das partes» ( P. Lima e A. Varela, Código Civil anotado, I, 4ª ed. pg. 269).
VII- Assim, para se operar a conversão do subarrendamento nulo em contrato-promessa válido, seria necessário que se demonstrasse ser essa a vontade conjectural das partes, o que, in casu, não resulta, como dissemos, da factualidade provada, antes resultando que as partes quiseram efectiva e unicamente o subarrendamento clausulado (embora se propondo a formalizá-lo mais tarde mediante a escritura legalmente imposta) e adoptando a denominação jurídica de contrato-promessa.
Decisão Texto Integral:


Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


RELATÓRIO


AA - SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, LDA., com sede na .............., n.° ....., ......°, em Lisboa, intentou contra BB - SOCIEDADE NACIONAL DE COMÉRCIO DE ELECTRODOMÉSTICOS, S.A., com sede na ......., n.°...° ...... em Lisboa, a acção declarativa com processo ordinário, através da qual pede a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de Esc. 139.871.046$00, acrescida de juros contados à taxa supletiva legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Fundamentou a Autora, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de ter celebrado com a I........ um contrato de locação financeira tendo por objecto um imóvel descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob a ficha n.° 951, denominado «Edifício T......», e que, no âmbito desse contrato, ficou autorizada a subarrendar a terceiros o referido edifício.
Invocou que em 12.01.98 celebrou com a Ré um contrato-promessa de subarrendamento de uma parte do referido imóvel, com a área de 7.239 m2, tendo ficado estabelecido que o contrato definitivo teria o seu início em 01.02.98, vigorando por um período de 5 anos e que a renda mensal acordada importava em Esc. 6.500.000$00, a pagar por transferência bancária para conta da Autora.
Mais alegou que a Ré pagou, a título de 1a renda e mês de caução, a quantia de Esc. 13.000.000$00 e que a escritura de arrendamento seria outorgada em dia e cartório a designar pela Autora que, para tanto, devia contactar a Ré, com 10 dias de antecedência. Ficou ainda convencionado que, até à celebração da escritura pública, a Ré cumpriria todas as obrigações relativas ao contrato prometido, como se este tivesse sido concluído, designadamente, as de carácter pecuniário.
Invocou ainda a Autora que cedeu à Ré, a pedido desta, a título precário, o uso para escritório de uma área de 1420 m2 sita no piso O, que a Ré, de imediato, ocupou e que se integra no grupo de empresas SIL, liderado pelo empresário DD e que, no âmbito de uma reestruturação, cedeu a sua posição contratual de locatária financeira a uma sociedade imobiliária do grupo, a S........... - Sociedade Predial, S.A.
A Ré não aceitou a cessão da posição contratual, sendo que a recusa do consentimento determinava apenas a ineficácia da cessão e a sua oponibilidade à Ré. Esta estava entretanto a negociar a aquisição de instalações próprias e pretendeu que a cessão referida implicava a resolução do contrato promessa de subarrendamento, por – em seu entender – haver impossibilidade definitiva de cumprir o contrato prometido por parte da Autora, considerando que esta não estaria mais em condições de outorgar o contrato de arrendamento, ao que a Autora respondeu que o não consentimento relativamente à cessão da posição contratual no contrato de leasing em nada prejudicava o contrato promessa, visto que mantinha condições para cumprir o prometido, a celebração da escritura pública.
Alegou ainda a Autora, que a Ré deixou de pagar as rendas devidas desde Junho de 1998, inclusive, não obstante a garantia por diversas vezes prestada pela Autora de que estava em condições de celebrar o contrato prometido e que nada impedia a promessa de arrendamento de coisa alheia, estando em causa uma mera impossibilidade subjectiva, sendo o contrato possível e válido.
Não tendo a Ré dado consentimento à pretendida cessão da posição contratual, a Autora readquiriu a qualidade de «senhoria» autorizada a subarrendar o prédio prometido arrendar à Ré.
Mais invoca a Autora que, por carta de 09.11.98, convocou a ré para a celebração da escritura pública, a ter lugar no dia 24/11/98, no 5.° Cartório Notarial de Lisboa, pelas 15.00 horas, que não foi realizada por falta de comparência da Ré, assim se constituindo esta em situação de incumprimento contratual, sendo o prejuízo resultante do incumprimento corresponde às rendas que a ré deveria ter pago desde Junho de 1998 até à data em que conseguiu de novo subarrendar o espaço contratado, tendo direito às rendas de Junho a Novembro de 1998, no valor total de Esc. 39.000.000$00.
A Ré, na altura em que declarou que ia «entregar» o espaço locado, manteve-se a ocupar a área de 1.471 m2 cedida gratuitamente, a título precário, de escritórios, que apenas deixou devoluta no final do mês de Julho, não obstante as insistências da Autora em reaver esse local, para o qual até tinha interessados, tendo a ré impedido a Autora de arrendar esse espaço até então, espaço esse que teria um valor de arrendamento não inferior a Esc. 3.000$00.
Para liquidar o dano relativamente aos meses de Junho e Julho - correspondentes ao não pagamento das rendas devidas pela área de 7.239 m2 objecto da promessa, atribui a Autora o valor de renda aos 1.471 m2 de área cedida para escritórios, o valor de Esc. 898$00 por m2 de área locada, no âmbito da promessa de arrendamento, devendo a Ré indemnizar a Autora pelo valor de Esc. 2.641.916$00. E, relativamente aos espaços arrendados ou cedidos à Ré, a Autora conseguiu arrendar a área de escritórios de 1.471 m2 a partir de 01/12/98 à GENERAL ELECTRIC, uma área de apenas 2.725 m2 da área de armazém dos 7.239 m2 contratados com a ré, tendo sido fixada em Esc. 6.055.000$00 a renda total, que seria acrescida de Esc. 375.000$00 nos 2° e 3° anos de arrendamento. A restante área inicialmente contratada com a Ré apenas veio a ser arrendada à sociedade DLI, por contrato promessa assinado em 24/06/99.
Alegou, finalmente, a Autora, que o prazo de arrendamento contratado era de 5 anos, com início em Fevereiro de 1998 e termo em Janeiro de 2003 e que o facto de a Ré não ter cumprido o contrato, constituiu-a na obrigação de indemnizar a Autora pelos prejuízos causados, designadamente, os relativos à perda das rendas devidas pelo espaço contratado, pelo que assiste à autora o direito de reclamar, a título de indemnização, os proveitos que deixou de auferir até recebimento efectivo de rendas dos novos locatários relativamente às áreas prometidas arrendar à ré.
Constituiu-se, assim, a Ré na obrigação de reparar os danos a que deu causa, no valor global de Esc. 139.871.046$00.

Citada, a Ré apresentou contestação invocando que a cedência foi efectuada porque a área principal (7.239m2), objecto do contrato promessa de subarrendamento, não se encontrava licenciada nem apta para escritório, necessitando de obras de adaptação e do respectivo licenciamento, obras que ficaram a cargo da Autora que, todavia, nunca as executou nem licenciou, pelo que a cedência consistiu numa forma de compensar a Ré pelo facto de as instalações que havia prometido arrendar carecerem de obras, sem as quais não poderia nelas a Ré exercer a sua actividade e instalar também o seu escritório.
Negou que a Autora houvesse cedido a sua posição contratual a qualquer empresa do seu Grupo ou terceira, e que no dia 24 de Abril de 1998 a Autora e a I..............resolveram o contrato de locação financeira que haviam celebrado entre si, o qual servia de causa e fundamento ao contrato promessa de subarrendamento, ao abrigo do qual a Autora deduz o seu pedido, e que a Autora restituiu àquela a posse e as chaves do imóvel locado, tendo feito a sua entrega livre de pessoas e bens e recebido, como contrapartida da referida resolução, a quantia de Esc. 2.423.820.341$00.
Outrossim, alegou que a Autora se colocou em situação de incumprimento contratual, por não mais poder proporcionar à Ré o gozo da coisa e ainda que o subarrendamento caduca com a extinção, por qualquer causa, do vínculo locatício, sem prejuízo da responsabilidade do sublocador para com o sublocatário, quando o motivo da extinção lhe seja imputável.
Que só por má fé pode a Autora invocar a manutenção do vínculo estabelecido com a Ré, através do contrato de subarrendamento celebrado, isto porque, tal contrato é intuitu personae e, para a Ré, a sua manutenção dependia da permanência da Autora como locatária do imóvel, facto de que a Ré deu conhecimento à Autora por carta de 18 de Junho de 1998, sendo irrelevante que a sociedade CC tenha sido, seja ou que venha a ser do Grupo da Autora, dado que o contrato que serviu de causa à promessa de subarrendamento foi resolvido.
O contrato de locação financeira celebrado entre a Autora e a I..........., encontrava-se subordinado e dependente das cláusulas deste mesmo contrato, pelo que, após a resolução do contrato de locação financeira que a ligava à Autora, a I............ celebrou com a referida BB novo contrato de locação financeira, o qual continha cláusulas e condições diferentes das estabelecidas no contrato anteriormente celebrado com a Autora.
O novo contrato, para além de ser titulado por empresa cuja situação económico-financeira a Ré desconhece, consubstanciava para esta maiores riscos que, com todo o direito, a BB considerou inaceitáveis.
A Autora reconheceu não ter a Ré qualquer título para se manter nos locais objecto do contrato promessa de subarrendamento, o que fez por cartas de 25 de Junho de 1998 e 10 de Julho de 1998.
Para além do mais afirmado, alegou que a Autora intimou a Ré a deixar livre e desocupada a área em causa, assim reconhecendo que não existia qualquer transmissão da posição contratual e que à Autora são imputáveis os motivos obstativos da entrega do imóvel em 30 de Junho de 1998, não existindo qualquer responsabilidade contratual da Ré perante a Autora e, muito menos, obrigação de indemnização.
Concluiu pela improcedência da acção, pedindo a sua absolvição do pedido e condenação da Autora como litigante de má-fé.

Julgada a acção, foi proferida sentença que:

A) Declarou nulo, por vício de forma, o contrato de arrendamento comercial em causa nos autos;

B) Condenou a Ré BB – SOCIEDADE NACIONAL DE COMÉRCIO DE ELECTRODOMÉSTICOS, S.A. a pagar à Autora AA - SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, LDA. a quantia de € 32.421,86 (trinta e dois mil, quatrocentos e vinte e um euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor para os juros moratórios relativos aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, desde a data da citação - ocorrida em 29/01/2001 (cfr. fIs. 27) - até efectivo e integral pagamento;

C) Absolveu a Ré BB – SOCIEDADE NACIONAL DE COMÉRCIO DE ELECTRODOMÉSTICOS, S.A. do demais contra si peticionado pela Autora AA – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, LDA.

D) Julgou não verificada qualquer litigância de má fé, no comportamento processual das partes.

Inconformada, interpôs a Autora recurso de Apelação da mesma para o Tribunal da Relação de Lisboa, da parte da decisão que julgou nulo, por vício de forma, o contrato celebrado entre a Autora e a Ré.
Por sua vez, também a Ré apelou relativamente à sentença proferida, da parte em que foi condenada a pagar a quantia de € 32 421,86, acrescida de juros vencidos e vincendos.
A Relação julgou improcedente o recurso da Autora e procedente o recurso da Ré, confirmando a decisão recorrida «salvo na parte em que condenou a Ré no pagamento da quantia de € 32 421,86, já que, embora devido esse valor, o mesmo se mostra compensado com o quantitativo que a Autora recebeu da Ré, a título de caução».
Novamente inconformada, a Autora veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes:

CONCLUSÕES

a) Ao contrário do que doutamente se sustenta na decisão recorrida, o contrato de fls. 78 e segs. é um verdadeiro contrato-promessa de arrendamento, que não enferma de qualquer vício que afecte a sua validade.
b) Ao decidir que o contrato é nulo por falta de forma, a decisão recorrida procedeu a uma interpretação do contrato que desrespeitou as regras estabelecidas nos artigos 236º e 238º do Código Civil e fez errada aplicação dos artigos 410º e segs. do Código Civil e do artº 664º do C.P.C..
c) Desde logo, não é exacto o pressuposto de que partiu o Acórdão para concluir pela qualificação do contrato como contrato de arrendamento comercial, segundo o qual, “a autora concedeu logo o gozo do local arrendado”; resulta da cláusula 3ª Nº 2 do contrato que nenhuma parcela do local foi logo cedida, sendo certo que uma das parcelas só seria disponibilizada à promitente arrendatária até cerca de seis meses depois do contrato-promessa.
d) A correcta interpretação do contrato, de harmonia com os critérios legais, aponta para a conclusão de que as partes, deparando-se com dificuldades na celebração imediata do contrato de arrendamento comercial, mas tendo interesse em vincular-se imediatamente à celebração desse contrato, decidiram estipular o contrato-promessa.
e) Tais dificuldades estão suficientemente patenteadas nas cláusulas do contrato celebrado:
(i) A impossibilidade de ceder imediatamente o uso do local objecto do contrato, por à data estar ocupado por outra entidade;
(ii) A necessidade de realizar obras no local para o que era obrigatório licenciamento municipal (cfr. cláusulas 4ª Nº 3, 10ª e 20ª do contrato de fls. 80 e segs).
(iii) Necessidade de, após a realização das obras, obter licença de utilização para o uso que a promitente arrendatária iria fazer (cfr. cláusula 20ª);
(iv) Conveniência em construir o prédio em regime de propriedade horizontal, para que o futuro contrato viesse a incidir sobre a(s) fracção(ões) autónoma(s) que iria(m) abranger os locais arrendados (cláusula 6ª do contrato);
(v) Exigência, prévia à celebração do contrato, de que a promitente arrendatária prestasse garantia bancária pelas obrigações assumidas (cfr. cláusula 15ª do contrato).

f)Por outro lado, existem no contrato celebrado cláusulas absolutamente incompatíveis com um contrato de arrendamento comercial:

(i) A cláusula 20ª, que estabelece uma dupla condição para a realização do contrato definitivo: a obtenção de licenciamento para as obras a realizar no local e a obtenção de licença de utilização do local após a realização das obras;
(ii) A cláusula 18ª, contendo estipulações pormenorizadas para o caso de não vir a ser realizada a escritura pública do contrato prometido;
(iii) A cláusula 19ª, onde se estipula o regime da execução específica do artº 830º do Código Civil, obviamente incompatível com um contrato definitivo de arrendamento.
g) Mesmo que se entendesse que, com a entrega de parte das instalações à R., em 1 de Fevereiro de 1998, o contrato passaria a ser correctamente qualificado, como contrato de arrendamento, então as partes teriam celebrado um contrato misto.
h) Um contrato que reúne um contrato-promessa de arrendamento, em relação à parte das instalações que só seriam entregues para utilização da Ré, até 1 de Julho de 1998, e um contrato de arrendamento, em relação às instalações entregues, no dia 1 de Fevereiro de 1998.
i) Uma análise atenta do conteúdo contratual evidencia com nitidez, que, no contrato misto celebrado entre as partes, o contrato-promessa de arrendamento é o tipo contratual dominante.
j) Por aplicação da teoria da absorção, todo o contrato fica submetido às normas legais aplicáveis ao tipo de contrato dominante, sendo assim o contrato válido, uma vez que cumpre as exigências de forma estabelecidas para o contrato-promessa de arrendamento.
k) Caso se entendesse que não há um tipo contratual prevalente, teria de aplicar-se a teoria da combinação, na regulamentação dos contratos mistos: a componente do contrato que consubstancia uma promessa de arrendamento ficaria subordinada ao regime do contrato-promessa de arrendamento, mantendo-se inteiramente válida, uma vez que cumpriu a forma legalmente exigida.
l) Mesmo que se seguisse o entendimento do Acórdão recorrido -- ou seja que se trata de um contrato de arrendamento comercial, nulo por vício de forma -- deveria, então, o Tribunal converter este contrato nulo num contrato-promessa de arrendamento válido, nos termos do artigo 293º do Código Civil.
m) Solução que colhe o apoio da Doutrina e da Jurisprudência, por se verificarem, no presente caso, os requisitos de admissibilidade da conversão: (i) o contrato cumpre os requisitos de forma necessários para a validade do contrato-promessa de arrendamento; (ii) as declarações negociais constantes do contrato-promessa mostram que, se na data em que celebraram o “contrato-promessa de arrendamento”, as partes se tivessem apercebido que estavam a celebrar um contrato de arrendamento, nulo por vício de forma, então teriam querido o negócio sucedâneo de promessa de arrendamento.
n) Pelo contrato, as partes pretenderam que a A. entregasse e a R. utilizasse, no futuro, as instalações arrendadas, finalidade esta que poderia perfeitamente ser prosseguida, através de um contrato-promessa de arrendamento, pelo que é evidente que as partes teriam querido este negócio sucedâneo, se tivessem previsto o vício de forma do contrato.
o) Mesmo que se considerasse que a vontade hipotética ou conjectural das partes não permitiria presumir que, prevendo o vício de forma, as mesmas teriam querido celebrar uma promessa de arrendamento, os ditames da boa fé exigiriam a conversão.
p) Em qualquer caso, o instituto do abuso de direito (artº 334º do Código Civil) impediria que a Ré se prevalecesse da nulidade que provocou para se eximir ao cumprimento das obrigações assumidas.
q) Nas suas alegações de direito, a R. alude à nulidade do contrato por vício de forma, alegação esta absolutamente inaceitável, uma vez que foi a própria R. que impediu que o contrato observasse a forma legalmente exigida.
r) Este comportamento desonesto e desleal esbarra numa sólida corrente jurisprudencial desenvolvida por este Supremo Tribunal, que impede a alegação do vício de forma, pela própria parte que lhe deu causa.
s) Em todo o caso, os Tribunais têm-se abstido (e devem abster-se) de conhecer oficiosamente a nulidade, em benefício da parte que a provocou: não faria qualquer sentido que, sendo abusiva a invocação da nulidade para as partes, pudesse o Tribunal, nas mesmas circunstâncias, declarar oficiosamente a nulidade, em gritante penalização da parte lesada e aberrante benefício da parte que a provocou ...
t) Assim, deve considerar-se válido e eficaz o contrato celebrado entre as partes.
u) A R. incumpriu abertamente a convenção de forma constante da cláusula 18ª do contrato.
v) Pelo que, mesmo que a convenção de forma fosse afectada pela nulidade, ao recusar-se a celebrar a escritura a que se comprometera, a R. sempre seria responsabilizada pela não realização da escritura, nos termos do artigo 227º do C. Civil, como este Supremo Tribunal já decidiu, em situações semelhantes.
w) Ainda que o contrato fosse nulo, a acção deveria proceder parcialmente, sendo devido pela R. o valor de Esc. 6 500 000$00 (presentemente, € 32 421,86), correspondente à ocupação do imóvel, em Julho.
x) O que se comprova pela imputação das vários rendas pagas, aos sucessivos meses de ocupação do imóvel: (i) com a assinatura do contrato, a R. pagou a primeira renda (Fevereiro) e um mês de caução (Março); (ii) em Março de 1998, a R. pagou a renda correspondente ao mês de Abril (estando assegurado o pagamento do mês de Março, pela caução); (iii) em Abril de 1998, a R. pagou a renda correspondente ao mês de Maio (estando assegurado o pagamento do mês de Abril, pela caução); (iv) Em Maio de 1998, a R. pagou a renda correspondente ao mês de Junho (estando assegurado o pagamento do mês de Maio, pela caução); (v) em Junho de 1998, a R. deveria ter pago a renda correspondente ao mês de Julho (estando assegurado o pagamento do mês de Junho, pela caução).
y) A R. não pagou a renda devida em Junho e só devolveu as instalações, no final de Julho de 1998, pelo que só o mês de Junho se encontra pago, através da caução, devendo a R. ser condenada a pagar o mês de Julho, que se encontra em dívida.
z) A A. celebrou com a R. um contrato de comodato, pelo qual a autorizou "a ocupar a título precário, gratuito uma área de 1421 metros quadrados de escritórios sitos no mesmo edifício", contrato este que não carece de escritura pública, pelo que não pode ser afectado pela suposta invalidade do “contrato-promessa de arrendamento”;
aa) A R. ocupou estas instalações até final de Julho de 1998, incumprindo a sua obrigação de restituição imediata deste espaço, apesar de sucessivamente interpelada para o efeito, pela A.;
bb) Pelo que a R. sempre será responsabilizada pelos danos que causou à A. com o não cumprimento pontual desta obrigação de restituição, correspondentes ao valor mínimo de utilização desse valioso espaço, nos meses de Junho e Julho de 1998.
cc) Os factos provados revelam, sem margem para dúvidas, que a Ré incumpriu definitiva e culposamente (com dolo) o contrato-promessa de subarrendamento, celebrado com a Autora, a 12 de Janeiro de 1998.
dd) A obrigação principal que resultava para a Autora (AA, Lda) e para a Ré (BB, S.A.), do contrato-promessa de sub-arrendamento era a celebração do contrato-prometido;
ee) A Ré BB, S.A., incumpriu a obrigação de celebrar o contrato-prometido: “Por carta registada de 09/11/98, a autora convocou a ré para a celebração da escritura pública (…) no dia 24/11/98, no 5º Cartório Notarial de Lisboa, pelas 15 horas”, mas “a escritura não foi realizada, por falta de comparência da ré” (Termo de Protesto por não Consumação da Escritura, junto a fls. 302 e 303 - Resposta aos quesitos 9º e 10º).
ff) Ao não efectuar a principal prestação a que se obrigara pelo contrato-promessa de subarrendamento, a Ré colocou-se em situação de incumprimento definitivo deste contrato.
gg) A R. alega que a obrigação de celebrar o contrato-prometido se teria extinguido antes da “falta de comparência” na escritura, em consequência da resolução do contrato-promessa por si efectuada.
hh) Esta resolução, de acordo com a Ré, teria resultado da “impossibilidade definitiva” de a Autora cumprir o contrato-promessa (Cartas da Ré de 05 06 98 – a fls. 206 - de 17 06 98 – a fls. 209 e de 10 11 98 – a fls. 221, e nºs 16º e segs. da Contestação).
ii) Mais tarde, já na contestação da presente acção, além daquela impossibilidade, a Ré veio alegar a perda definitiva do interesse na celebração do contrato de sub-arrendamento (nºs 29 e segs. da Contestação).
jj) Do quadro factual assente resulta que não se verificou qualquer impossibilidade de a Autora cumprir o contrato-promessa de subarrendamento, nem qualquer perda objectiva do interesse da R. na celebração do mesmo:

1) A A. sempre declarou à R. que podia cumprir o contrato-promessa de sub-arrendamento (Resposta ao quesito 5º e carta de fls. 212);

2) A A. tanto podia cumprir o contrato-promessa, que o cumpriu (!), tendo convocado a R. para a respectiva escritura pública, a qual só não se realizou por “falta de comparência da Ré” (Resposta aos quesitos 9º e 10º);

kk) Por outro lado, como se reconhece no Acórdão recorrido, “nada impedia a celebração do negócio referido em 14) dos Factos provados, sendo certo que, tal negócio apenas teria, relativamente à Ré, a consequência de a “renda” passar a dever ser paga ao novo locador (a CC), transmissário da posição antes detida pela autora…
ll) Mas, os Factos Provados em audiência de julgamento vieram a revelar uma realidade bem pior e altamente censurável: a resolução do contrato-promessa não foi mais do que um subterfúgio utilizado pela R. para incumprir dolosamente este contrato. Tal resulta das alíneas I), J), O), C), L) M), N) dos Factos Assentes e respostas aos nºs 54, 55, 56-A, 60, 61 e 62 da Base Instrutória.
mm) Isto é, os Factos Provados demonstram que a Ré optou por instalar as empresas do grupo BB no prédio prometido comprar à SIFAR, perdendo o interesse na celebração do contrato-prometido de subarrendamento a que se comprometera perante a Autora;
nn) Os Factos Provados mostram, sem margem para dúvidas, que não assistiram à R. quaisquer motivos para a resolução do contrato, uma vez que:

A) Não se verificou qualquer impossibilidade definitiva de a Autora cumprir o contrato-promessa de subarrendamento;

B) Não se verificou qualquer perda objectiva do interesse da R. no cumprimento do contrato;

C) Verificou-se um exercício abusivo do direito de resolução, de forma a ocultar o incumprimento doloso do contrato-promessa de subarrendamento, pela Ré;

oo) A A., que se integra “num grupo de empresas denominado “Grupo Sil”, liderado pelo empresário DD, disponibilizou-se a cumprir a obrigação de celebração do contrato-prometido, através de uma sociedade pertencente ao mesmo Grupo, a CC – Sociedade Predial, S.A., (Resposta aos quesitos 3º e 5º e fax junto a fls. 201);
pp) O que é perfeitamente legítimo, à luz do artigo 767º, nº 1, do C. Civil, “A prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação”.
qq) Nos termos do artigo 767º, nº 2, do C. Civil, a Ré só poderia recusar-se a receber a prestação (celebração do contrato-prometido) da CC − Sociedade Predial, S.A., se se tivesse acordado expressamente que aquela prestação devia ser feita pela Autora ou se a substituição a prejudicasse.
rr) Não existe qualquer acordo expresso no contrato-promessa de arrendamento, que impedisse a Autora de cumprir a sua obrigação de celebrar o contrato-prometido, através da CC, S.A.;
ss) E, uma apreciação objectiva permite concluir que a Ré não ficaria prejudicada com a substituição, uma vez que teria como sublocadora uma empresa pertencente ao Grupo de Empresas em que se integra a Autora, com idêntica credibilidade e solvabilidade;
tt) Ainda assim, o zelo da A. no cumprimento do contrato-promessa de subarrendamento foi ao ponto de readquirir a posição de locatária no contrato de locação financeira (como se vê pelo contrato de fls. 323 e pela certidão de Registo Predial junta, a fls. 63).
uu) Só que a R., através do Eng.EE, optou por instalar as empresas do grupo BB, no imóvel que a Sociedade Agro-Pecuária de São Bento, S.A. igualmente dominada pelo Eng.EE, prometera comprar à SIFAR e veio a comprar (sociedade do Grupo T...P...), e incumprir o contrato-promessa de subarrendamento que celebrara com a Autora, ocultando este incumprimento atrás de um (inexistente) direito de resolução do contrato, nas cartas de 5 de Junho de 1998 (a fls. 206) e de 18 06 98 (a fls. 133);
vv) Ainda que se entendesse que se verificou uma verdadeira e própria cessão de posição contratual de sub-locadora da Autora, a consequência da não aceitação da cessão por parte da Ré (cedida) será a simples ineficácia da cessão, e não, como é óbvio, a resolução do contrato-promessa.
ww) Sendo ineficaz a cessão, assistia à Ré o direito de exigir o cumprimento do contrato, por parte da Autora;
xx) E os Factos Provados mostram que a A. comunicou sempre à R. que estava em condições de cumprir o contrato-promessa, o que não deixaria de fazer (Resposta ao quesito nº 5).
yy) A não aceitação da cessão não conferia à Ré qualquer direito de resolver o contrato-promessa, invocando uma alegada impossibilidade de cumprimento, sem sequer dar à Autora a possibilidade de cumprir o contrato.
zz) Até porque, no contrato-promessa de subarrendamento, A. e R. não previram que a cessão da posição contratual (não aceite) seria causa de resolução do contrato (art. 432º, nº 1, do C. Civil);
aaa) Não há assim margem para dúvidas, de que não se verificou qualquer impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa que pudesse justificar a resolução operada pela Ré.
bbb) Em qualquer caso, o direito de resolução do contrato-promessa só poderia ser exercido com base “na lei ou em convenção (art. 432º, nº 1, do C. Civil);
ccc) O contrato-promessa não contém qualquer convenção no sentido de a cedência da posição contratual constituir causa de resolução do contrato;
ddd) Assim, a resolução operada pela R. só se poderia fundamentar no art. 801º, nº 2, do C. Civil, que prevê a faculdade de resolução nos contratos bilaterais, quando a prestação de uma das partes se tornar impossível;
eee) Mas, como vimos, a prestação da A. (celebração do contrato-prometido de subarrendamento) não se tornou impossível pela cedência da posição contratual a favor da CC;
fff) Como resulta dos factos provados, o verdadeiro e único motivo que levou a R. a rescindir o contrato-promessa de sub-arrendamento foi o facto de, entretanto, ter adquirido outras instalações para as empresas do Grupo BB (Resposta aos quesitos nºs 4º, 54º, 55º, 56º-A e Alíneas N) e O) dos Factos Assentes);
ggg) Pelo que a resolução do contrato-promessa de subarrendamento não passou de um subterfúgio para ocultar um incumprimento doloso do contrato-promessa;
hhh) Ao dissimular sob a capa de uma resolução contratual um incumprimento intencional do contrato-promessa de subarrendamento, a R. comportou-se com intensa má fé, violando o art. 762º, nº 2, do C. Civil, e
iii) e abusou do direito de resolução do contrato, uma vez que exerceu este direito muito para lá dos “limites impostos pela boa fé” e “pelo fim económico ou social” deste direito (art. 334º do C. Civil).
jjj) A invocação do direito de resolução do contrato, muito para além do fim que este direito tutela, constitui um claro abuso de direito, que terá como consequência a impossibilidade de exercício do direito de resolução.
kkk) Ao incumprir definitiva e culposamente o contrato-promessa de subarrendamento, a Ré ficou obrigada a indemnizar à Autora os danos que este incumprimento lhe causou (art. 798º do C. Civil);
lll) Os factos provados são claros quanto à culpa (ao dolo) da Autora no incumprimento, culpa esta que, em todo o caso se presume, nos termos do art. 799º, nº 1, do C. Civil.
mmm) Pelo que a R. está obrigada a indemnizar o interesse contratual positivo, tendo de colocar a A. na situação em que estaria se o contrato-promessa tivesse sido correctamente cumprido (art. 562º do C. Civil);
nnn) Os danos que a Ré causou à Autora ascendem ao montante global de Esc. 139 871 046$00, como também está supra demonstrado.
ooo) Em moeda actual, o montante global dos danos que a R. causou à A. e que deverá ressarcir ascende à quantia de Euros 697 673.84 (seiscentos e noventa e sete mil seiscentos e setenta e três euros e oitenta e quatro cêntimos).
ppp) A esta quantia deverão ser adicionados os juros de mora à taxa supletiva legal própria das obrigações comerciais, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento da quantia peticionada.
qqq) Assim, deverá o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por uma Decisão que condene a Ré a pagar à Autora, a título indemnizatório, a quantia de € 697.673,84 (seiscentos e noventa e sete mil, seiscentos e setenta e três euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora às taxas legais aplicáveis aos critérios de que sejam titulares empresas comerciais.

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a parte contrária pela manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal


FUNDAMENTOS

Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade:

1) A autora celebrou com a sociedade ..........um contrato de locação financeira, tendo por objecto um imóvel descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha n.º 951, denominado «EDIFÍCIO T......».

2) No âmbito desse contrato, a autora ficou desde logo autorizada a subarrendar a terceiros, no todo ou em parte, o referido edifício.

3) Em 12 de Janeiro de 1998, a autora celebrou com a ré um contrato-promessa de subarrendamento de uma parte do referido imóvel, com a área de 7.239 m2.

4) Nos termos desse contrato, foi desde logo estabelecido que o contrato definitivo teria o seu início em 01/02/98, vigorando por um período de 5 anos.

5) A renda mensal acordada importava em Esc. 6.500.000$00, a pagar por transferência bancária, para a conta da autora.

6) O «prometido arrendamento teria o seu início em 1 de Fevereiro de 1998, vigorando por um prazo inicial de cinco anos e renovando-se automaticamente, por períodos sucessivos de dois anos (…)» - cláusula 3.ª do Contrato Promessa de Arrendamento.

7) A renda mensal estipulada no referido contrato foi de Esc. 6.500.000$00 (seis milhões e quinhentos mil escudos).

8) Tendo a ré pago a título de 1.ª renda e mês de caução, conforme contratualmente previsto, a quantia de Esc. 13.000.000$00.

9) A renda devida a partir de Fevereiro de 1999 era objecto das actualizações legais.

10) De acordo com o estipulado na cláusula 18.ª do contrato, a escritura pública de arrendamento seria outorgada em dia e cartório a designar pela autora que, para tanto, devia contactar a ré, com 10 dias de antecedência.

11) Na cláusula 17.ª do Contrato de Promessa de Arrendamento, celebrado a 12 de Janeiro de 1998, entre AA - Sociedade Construtora de Obras Gerais, Lda. e BB – Sociedade Nacional de Comércio de Electrodomésticos, S.A., estabelece-se que: «As partes expressamente acordam que, com a entrega da primeira parte dos locais ora prometidos arrendar, a promitente arrendatária obriga-se a cumprir todas as obrigações, designadamente, pecuniárias, que lhe seriam exigíveis como se o contrato prometido tivesse sido concluído (…)».

12) A AA - Sociedade Construtora de Obras Gerais, Lda. autorizou a BB – Sociedade Nacional de Comércio de Electrodomésticos, S.A., na mesma data do contrato supra referido, «a ocupar, a título precário, gratuito, uma área de 1.421 metros quadrados de escritórios sitos no mesmo edifício» - edifício T......, em Carnaxide, Oeiras.

13) A autora integra-se num grupo de empresas, denominado «Grupo SIL», liderado pelo empresário DD e em 24 de Abril de 1998 celebrou o contrato que consta de fls. 123 a 126 dos autos e, para entrar em vigor na mesma data, 24 de Abril de 1998, foi celebrado o contrato de fls. 138 a 152 dos autos.

14) No dia 24 de Abril de 1998, a autora e a ..........resolveram o Contrato de Locação Financeira que haviam celebrado entre si, nos termos que constam referidos no documento de fls. 123 a 126 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

15) A autora (locatária) restituiu à ..........(locadora) a posse e as chaves do imóvel locado, tendo feito a sua entrega livre de pessoas e bens.

16) Como contrapartida da referida resolução recebeu a quantia de Esc. 2.423.820.341$00 (dois mil quatrocentos e vinte e três milhões, oitocentos e vinte mil, trezentos e quarenta e um escudos).

17) Após a resolução do Contrato de Locação Financeira que a ligava à autora, a ..........celebrou com a referida CC novo Contrato de Locação Financeira, do qual consta cópia de fls. 138 a 153 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

18) A locação financeira encontra-se registada a favor da sociedade CC – Sociedade Predial, S.A.

19) A autora remeteu à ré, em 12 de Maio de 1998, o «fax», cuja cópia consta de fls. 201 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de onde consta, designadamente, o seguinte:
«Por contrato outorgado no passado dia 24/04/98 a AA Lda. cedeu à sociedade do mesmo grupo económico denominada CC – Sociedade Predial, S.A., o contrato de leasing imobiliário do edifício T...... referenciado na cláusula I do contrato-promessa de arrendamento. Por via deste contrato, transferiram-se para a CC – Sociedade Predial, S.A., as posições de Senhorio em todos os contratos de promessa de arrendamento de partes especificadas do edifício T...... (…)» (cf. artigo 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

20) A ré não aceitou a cessão da posição contratual (cfr. alínea H) da matéria de facto assente) conforme comunicação cujo teor consta de fls. 206 e 207 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

21) Em resposta à comunicação referida em 17), por «fax» datado de 05/06/98, a autora comunicou à ré o que consta no documento de fls. 208 dos autos - «(…) Contrariamente ao afirmado na Vossa correspondência de hoje, não se verifica qualquer impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa em causa, mantendo-se esta empresa em condições de dar cumprimento ao objecto daquele e consequentemente executar o contrato prometido, o que tenciona fazer» - , cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

22) Por carta datada de 18/06/98, a ré deu conhecimento à autora de que a manutenção do contrato promessa estabelecido entre ambas dependia da permanência da autora como locatária do imóvel.

23) Por carta registada de 09/11/98, a autora convocou a ré para a celebração da escritura pública, a qual teria lugar no dia 24/11/98, no 5.º Cartório Notarial de Lisboa, pelas 15.00 horas.

24) Nesse dia e hora, a escritura não foi realizada, por falta de comparência da ré, que, a 5 de Junho de 1998, enviou à autora a carta de fls. 206 e 207 dos autos, a 10 de Novembro de 1998 a carta de fls. 221 dos autos e a 24 de Novembro de 1998, às 15.30 horas, foi lavrado o «Termo de Protesto por Não Consumação da Escritura», de fls. 302 e 303 dos autos.

25) A autora manteve o local a arrendar disponível.

26) A ré é uma sociedade dominada pelo Eng. EE, que é titular de participações representativas, senão da totalidade, pelo menos de mais de metade do seu capital social.

27) O mesmo Eng. EE domina inteiramente a Sociedade Agro-Pecuária de São Bento, S.A., com sede na .............., Vila Verde de Ficalho, quer através da sociedade off shore denominada Basset Holding Ltd., quer através de sua mulher e filhas.

28) O Eng. EE é, na prática, a pessoa que determina a vontade da sociedade ré e da Sociedade Agro-Pecuária de São Bento, S.A.

29) Durante o ano de 1997, o Eng. EE negociou com o grupo T...P... a aquisição das instalações situadas no Impasse B à E.M. n.º 581, lugar de Outorela, freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, inscrito na matriz sob o artigo 8883 da mesma freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º 4182, não tendo, porém, reunido as condições económico-financeiras para concluir o negócio.

30) A ré entretanto estava a negociar a aquisição de instalações próprias.

31) Algum tempo após a celebrado do contrato referido em 3), e muito antes da resolução do contrato de locação financeira celebrado entre a autora e a ..........(fls. 123) e da celebração simultânea do contrato de locação financeira entre a ..........e a CC (fls. 138), o Eng. EE decidiu comprar instalações próprias para as empresas do grupo BB.

32) Em 17/04/98, a Sociedade Agropecuária de São Bento celebrou com a SIFAR e Companhia & Comandita o acordo cujo teor consta de fls. 683 a 687 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

33) Por «fax» de 03/06/98. do Dr. FF, quadro do grupo SIL, foi comunicado ao Eng.EE os termos de uma possível transacção.

34) A esse «fax» do Dr. FF respondeu o Eng.EE, em nome da Sociedade Agro-Pecuária de São Bento, S.A., com a carta junta a fls. 203, datada de 4 de Junho de 1998.

35) No dia 4 de Junho de 1998, a Sociedade Agro-Pecuária de São Bento dirigiu à S.......... a carta de fls. 205 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dela constando, nomeadamente, escrito o seguinte:---
«(…) ASSUNTO: INSTALAÇÕES DA T...P... EM CARNAXIDE---
Exmos. Senhores,---
Fazemos referência às conversações tidas com o vosso representante, o Sr. Dr. FF, durante a corrente semana e, em especial, à reunião realizada hoje de manhã.---
Nessas conversações interveio em nossa representação o Sr. Eng.EE, que igualmente representa a BB, S.A., entidade com quem tínhamos um acordo referente à utilização das instalações que possuímos em Carnaxide.---
A nossa decisão de colocar estas instalações no mercado tinha como base o pressuposto de um outro entendimento que o Eng.EE estava a negociar com outra empresa do vosso grupo, relativo às instalações que a BB actualmente ocupa.---
Informa-nos agora a BB que os pressupostos e “timings” desse acordo não estão a ser cumpridos, segundo correspondência recebida do vosso Administrador, o Sr. Dr. GG, não obstante o compromisso hoje de manhã assumido sem reserva pelo Dr. FF.---
Nestes termos, comunicamos que suspendemos os efeitos da nossa proposta de hoje de manhã relativa à comercialização das ex-instalações da T...P..., até que se defina o quadro negocial em curso.---
Assim, não devem V. Exas. tomar qualquer iniciativa quanto às hipóteses de comercialização que vos propusemos, até posterior comunicação da nossa parte (…)» (cfr. resposta dada aos artigos 60º), 61º) e 62º) da base instrutória).---

36) Tal como previsto e sempre sob a direcção do Eng. EE, em 17 de Julho de 1998, foi celebrado um contrato de locação financeira entre a ..........e a Sociedade Agro-Pecuária de São Bento, S.A., junto a fls. 399 e ss.

37) A 17 de Junho de 1998, a BB encontrava-se numa situação de mora relativamente ao pagamento da renda vencida no dia 8 de Junho de 1998.

38) A ré procedeu à devolução das instalações em 31 de Julho de 1998.

39) A dimensão da área em causa para a qual a autora tinha de encontrar locatário era de 7.240 m2.

40) Em obras de adaptação a autora gastou mais de 100.000 contos.

41) Entre a autora e a GENERAL ELECTRIC CAPITAL INFORMATION TECNOLOGY SOLUTIONS – TECNOLOGIA DE INFORMAÇÃO, S.A. foi celebrado o acordo, denominado «CONTRATO PROMESSA DE SUBARRENDAMENTO», cuja cópia consta de fls. 96 a 105 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

42) A renda total foi fixada em Esc. 6.055.000$00, a qual seria acrescida de Esc. 375.000$00, no segundo e terceiro anos de arrendamento.

43) A primeira renda devida por esta arrendatária apenas seria devida a partir do mês de Maio de 1999.

44) Da cláusula 2.ª, ponto 1, do Contrato Promessa de Subarrendamento, presente de fls. 107 a 118 dos autos, datado de 24 de Junho de 1999, consta que o promitente senhorio (AA – Sociedade Construtora de Obras Gerais, Lda.) promete dar de subarrendamento à promitente arrendatária (DLI – Distribuição e Logística para a Informática, S.A.), que promete tomar de subarrendamento para si uma área total aproximada de 4.490 m2.

45) Com data de 25 de Junho de 1998, a autora remeteu à ré a carta cujo teor consta de fls. 154 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, nomeadamente, escrito o seguinte:---
«(…) ASSUNTO: Desocupação da área de escritórios sita no Piso 0 – 1421 metros quadrados – do Edifício T......, ........... em .......---
Exmos. Senhores,---
Pela presente vimos comunicar que tendo já sido entregue a área “B” a que se refere a Cláusula 2ª, n.º 1 do Contrato-Promessa de 12.01.98, em face da inexistência de qualquer título bastante que legitime a utilização da área de 1421 metros quadrados de escritórios do piso 0, sito na Av. do Forte, número 4, em Carnaxide, deverão V. Exas. desocupar de pessoas e bens essas instalações até final do mês, sob pena de não o fazendo se tornarem responsáveis pela cobertura de todos os prejuízos em que esta empresa vier a incorrer por força da ocupação ilegal do imóvel mencionado, para além da data acima estipulada (…)».

46) Com data de 10 de Julho de 1998, a autora remeteu à ré a carta cujo teor consta de fls. 155 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, nomeadamente, escrito o seguinte:---
«(…) Assunto: Vossa carta de 09-07-98---
Exmos. Senhores,---
Fazemos referência à vossa carta de 09-07-98.---
Desde o dia 25-06-98, através da n/carta Ref. 232/98-3039 ps.tr, que V. Exas. estão intimados para deixar livre e desocupada a área de escritórios em causa.---
Têm, portanto, conhecimento da necessidade de providenciar pelos actos de desocupação da área desde então.
Tendo V.Exªs. persistido em manter-se ilicitamente no local, todas as consequências decorrentes da ocupação ilícita são-vos exclusivamente imputáveis, incluindo as consequências resultantes do corte de fornecimento de energia, que tem sido assegurada por anteriores ocupantes do local.---
Salientamos ainda, que vos alertámos atempadamente para esta eventualidade, pelo que declinamos quaisquer responsabilidades pelas consequências de actos que são imputáveis apenas a V. Exas. (…)».

47) Por «fax» datado de 30 de Julho de 1998, a autora comunicou à ré que não receberia quaisquer chaves dos locais arrendados à BB, porquanto considerava que o respectivo contrato se encontrava válido e em pleno vigor (cfr. resposta dada ao artigo 53º) da base instrutória);

Exposta, destarte, a longa fiada de conclusões da extensa alegação da Recorrente, procuremos equacionar as questões decidendas no presente recurso.
São 7 as questões levantadas pela Recorrente no presente recurso, de que cumpre apreciar:

1- Qualificação Jurídica do Contrato de que tratam os autos
2- Interpretação do mesmo
3- A pretendida conversão do negócio
4- O imputado abuso de direito por invocação do vício de forma pela Recorrida que, segundo a Recorrente, provocou tal vício
5- Incumprimento pela Recorrida da Convenção de forma acordada na cláusula 18ª
6- Erro do acórdão recorrido na aplicação dos efeitos da alegada nulidade.
7- Incumprimento do contrato pela recorrida

Começando pelas duas primeiras questões (intimamente conexionadas), verifica-se que ao longo desta batalha jurídica, a Recorrente insiste e persiste na qualificação do contrato celebrado com a Recorrida, como sendo um contrato-promessa de subarrendamento, e, consequentemente, não enfermando de qualquer vício, maxime, de forma, gerador da sua nulidade, e, de resto, como foi designado no instrumento em que ficou plasmado, e não um contrato de subarrendamento comercial que se mostra inquinado de vício de forma, em virtude de não ter sido cumprida a formalidade ad substantiam que é a celebração de tal contrato por escritura pública e cuja falta de forma gera a nulidade do mesmo, como é sabido, em face do disposto no artº 220º do Código Civil.
Contrária é a posição da Recorrida que defende tratar-se de um contrato de subarrendamento, não obstante o nomen juris atribuído, dado que a regulamentação contratual nele inserta respeita essencialmente a esta espécie de negócio jurídico.

Vejamos, antes do mais, o que considerou o Tribunal da Relação para sustentar que, não obstante o contrato junto aos autos ter o título de contrato-promessa de arrendamento, o mesmo configurava um verdadeiro contrato de subarrendamento comercial.
Para tanto, permitimo-nos, pelo sua evidente importância para a decisão do presente recurso, transcrever as passagens mais relevantes neste ponto, da decisão recorrida:

« É verdade que no escrito que foi junto aos autos as partes intitularam o contrato que pretendiam celebrar como de "contrato promessa de arrendamento".
Sucede, porém, que através de uma regulamentação concreta e completa, as partes quiseram, desde logo, com base em tal documento, vincular-se em termos de contrato definitivo. Senão vejamos,
Verificou-se, efectivamente, uma cedência temporária, efectuada pela autora a favor da ré, da utilização de parte de um prédio urbano - "Edifício T......", a que corresponde a licença para armazéns e fábrica - parte essa que se mostra identificada nas cláusulas primeira e segunda do escrito em análise.
Ficou desde logo estipulado nas cláusulas terceira e quinta o início da vigência do contrato - 01.02.1998 - e o período durante o qual o mesmo vigoraria, bem como a renda mensal convencionada e a forma como deveria ser paga, sendo que, com a assinatura do contrato, a ré pagou, além do mais, a primeira renda.
Ficou igualmente convencionado, na cláusula terceira, n° 2, que "as instalações arrendadas" seriam entregues à ré faseadamente, uma parte em 01.02.1998 e outra parte até 01.07.1998, encontrando-se as mesmas identificada no anexo ao aludido contrato.
Também se prevê o fim comercial a que se destinava parte do designado "Edifício T......" em causa - exercício das actividades comerciais da ré discriminadas na cláusula quarta.
Igualmente se regularam as demais condições a que o contrato estava subordinado, nomeadamente, a forma de conservação do local em causa, a autorização dada pela autora à ré para efectuar obras nas instalações, (...) por forma a adaptá-las ao fim do arrendamento(...), tendo em consideração as condições constantes da cláusula décima, para quem reverteriam as benfeitorias resultantes das obras, findo o arrendamento, e a proibição da sublocação sem consentimento da autora.
É verdade que nas cláusulas décima oitava e décima nona se prevê a comparência das partes perante o notário para outorga da escritura pública de arrendamento, se define a quem incumbia efectuar a devida convocação e quais as consequências decorrentes da falta de celebração dessa escritura.
Dúvidas, porém, não podem restar que no escrito ern apreciação se encontram previstos todos os elementos essenciais do contrato de arrendamento: entrega do locado, pagamento das rendas e demais cláusulas, nada dali ficando para o contrato "prometido", o qual apenas se resumiria à formalização do contrato, o que se não pode considerar como integrando a celebração de qualquer encontro de vontades, já que o mesmo foi concretizado, e de forma global, no primeiro contrato, não sendo as aludidas cláusulas décima oitava e décima nona susceptíveis de pôr em causa esta constatação e muito menos as cláusulas onde se prevêem a eventual sujeição do prédio ao regime da propriedade horizontal ou à necessidade de obtenção de adequadas licenças.
O contrato efectivamente celebrado foi, por conseguinte, um contrato de subarrendamento comercial, detendo a autora, locatária, por virtude da celebração de um contrato de locação financeira, autorização da locadora para efectivar tal contrato.
No aludido contrato, a autora obrigou-se a proporcionar à ré - como efectivamente proporcionou - o gozo e a fruição das identificadas instalações, pelo período inicial de cinco anos e sucessivamente renovável por períodos de dois anos, vinculando-se, por seu turno, e em contrapartida, a ré, ao pagamento de uma retribuição - renda mensal de Esc. 6.500.000$00.
E, este tem sido, com efeito, o entendimento jurisprudencial generalizado sempre que os elementos essenciais do contrato de arrendamento estão demonstrados, corno é o caso dos autos. Com efeito, a entrega do objecto do contrato, a sua utilização imediata, a retribuição mensal desde logo acordada, constituem indícios claros que permitem qualificar o negócio como sendo definitivo - v. a título meramente exemplificativo, e complementando as referências jurisprudenciais constantes da sentença recorrida, Acs. STJ de 08.06.2006 e de 28.01.2003, acessíveis no sítio da Internet, www.dgsi.pt (p 06A1483 e 02A3574,
respectivamente).
Assim, e pese embora a qualificação constante do escrito que as partes subscreveram - contrato-promessa de arrendamento - o mesmo consubstancia, como acima ficou dito, um efectivo contrato que tem por objecto o gozo e a fruição das ali identificadas instalações, com destino ao comércio desenvolvido pela ré, mediante o pagamento de rendas, logo, um verdadeiro contrato de arrendamento, neste caso de subarrendamento, atenta a posição de locatária da autora, face ao objecto locado.».

As passagens transcritas demonstram que a Relação ponderou adequadamente a factualidade provada concernente, para efectuar o enquadramento pertinente em termos legais, doutrinários e jurisprudenciais.
Na verdade, nesta mesma linha de posição se ponderou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de Junho de 2006 ( Relator, o Exmº Conselheiro João Camilo):

«O contrato escrito datado de 1998 denominado pelas partes de contrato promessa de arrendamento comercial em que foram previstas todas as cláusulas típicas do contrato de arrendamento, nomeadamente, ali se prevendo a utilização pelo "promitente" inquilino do locado a partir do dia seguinte da assinatura do mesmo, com o correspectivo e imediato pagamento da renda, e apenas ficando para o "contrato prometido" a formalização daquele pela celebração da escritura pública, tem de ser considerado como contrato de arrendamento comercial nulo por vício de forma, e não como contrato promessa de arrendamento comercial» (Pº 06A1483disponível em www.dgsi.pt).

Em idêntico sentido, num outro caso em que foi celebrado um contrato de arrendamento comercial de um prédio urbano e em que tal acordo havia sido designado como contrato-promessa, se pronunciou este Supremo Tribunal no seu Acórdão de 3-6-2002, de que foi Relator, o Exmº Conselheiro Pinto Monteiro ( Pº 02A3574, disponível em www.dgsi.pt).
A ambos os arestos referidos se arrimou, aliás, a Relação, para qualificar o contrato sub judicio, como se colhe da parcela transcrita.
Tendo em consideração os factos provados 3 a 9, não temos dívida em constatar o acerto da decisão recorrida em qualificar o vínculo contratual celebrado como um contrato de subarrendamento comercial, não obstante a sua designação como contrato-promessa.
Com efeito, não cabe no âmbito de um contrato-promessa estabelecer o clausulado referente quer ao montante da renda mensal, quer à data do início do pagamento das rendas ( mês seguinte ao da celebração do referido convénio), quer o tempo da vigência do arrendamento, quer a cláusula de actualização das rendas a partir de determinado ano, etc.
Também uma cláusula como a 17ª, que vem referida no facto provado 11, segundo a qual, «as partes expressamente acordam que, com a entrega da primeira parte dos locais ora prometidos arrendar, a promitente arrendatária obriga-se a cumprir todas as obrigações, que lhe seriam exigíveis como se o contrato promessa tivesse sido concluído (...)»
Finalmente, não cabe no âmbito de um contrato-promessa de arrendamento, o pagamento, sem a realização do contrato prometido, não só da rendas devidas a partir do mês seguinte, como da «caução» destinada a garanti-las, que, aliás, nestas alegações de recurso, a Recorrente afirma ter recebido.
Por isso, não temos dúvidas em considerar que bem andou a Relação ao julgar que «pese embora a qualificação constante do escrito que as partes subscreveram - contrato-promessa de arrendamento - o mesmo consubstancia, como acima ficou dito, um efectivo contrato que tem por objecto o gozo e a fruição das ali identificadas instalações, com destino ao comércio desenvolvido pela ré, mediante o pagamento de rendas, logo, um verdadeiro contrato de arrendamento, neste caso de subarrendamento, atenta a posição de locatária da autora, face ao objecto locado».
Pelos motivos sobreditos, também não se vislumbram contornos da figura dogmática de contrato misto, como sugere a Recorrente, sendo, de resto, dificilmente compaginável a fusão (1) (que caracteriza o contrato misto) de um contrato-promessa com o próprio contrato prometido que é o seu objecto.
Também não se nos afigura estarmos perante uma união de contratos, figura em que cada um dos contratos unidos mantém a sua individualidade, sendo um dos contratos de subarrendamento, «em relação às instalações entregues no dia 1de Julho de 1998 e o outro um contrato-promessa de subarrendamento, em relação à parte das instalações que só seria entregues para utilização da Ré, até 1 de Julho de 1998», porque nada no acervo factual permite traçar tal configuração.
De todo os modos, face à factualidade provada, nada permite concluir diversamente do que decidiu a Relação ao sentenciar que «dúvidas, porém, não podem restar que no escrito ern apreciação se encontram previstos todos os elementos essenciais do contrato de arrendamento: entrega do locado, pagamento das rendas e demais cláusulas, nada dali ficando para o contrato "prometido", o qual apenas se resumiria à formalização do contrato, o que se não pode considerar como integrando a celebração de qualquer encontro de vontades, já que o mesmo foi concretizado, e de forma global, no primeiro contrato, não sendo as aludidas cláusulas décima oitava e décima nona susceptíveis de pôr em causa esta constatação e muito menos as cláusulas onde se prevêem a eventual sujeição do prédio ao regime da propriedade horizontal ou à necessidade de obtenção de adequadas licenças.».
Daí que se haja de concluir, não obstante a douta argumentação da Recorrente em sentido inverso, nos exactos termos em que concluiram as Instâncias, isto é, que estamos perante um contrato de subarrendamento comercial e não perante um contrato-promessa.

Improcedem assim as duas primeiras questões levantadas.
Estamos assim perante um contrato de subarrendamento que as partes puseram em vigor, de facto, embora nulo por vício de forma, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 1029º, nº 1 do C.Civil, vigente à data da celebração do referido convénio, e artº 220º do mesmo diploma legal, como bem decidiram as Instâncias.

8- Relativamente à terceira questão (a pretendida conversão do negócio),
sustenta a Recorrente que mesmo que se tratasse de um contrato de arrendamento comercial nulo por vício de forma «deveria, então, o Tribunal converter este contrato nulo num contrato de arrendamento válido, nos temos do artº 293º do Código Civil» (conclusão l das alegações de recurso).
Para tanto, estriba-se, além de vários outros argumentos, no sentenciado pela Relação de Lisboa no seu Acórdão de 15 de Dezembro de 1999, no qual se decidiu que um determinado arrendamento comercial feito por escrito particular é nulo, logo de seguida considerando que «o Tribunal pode converter este contrato nulo, num contrato-promessa de arrendamento válido, se o fim prosseguido pelas partes permitir supor que elas teriam querido outorgar o último tipo negocial, caso tivessem previsto a referida invalidade»
Transcreve, depois, extensas passagens do aresto em referência, assim como doutrinárias, para demonstrar a validade da sua tese.

Não tem razão, com o respeito que lhe é devido!
Se não, vejamos!
Antes do mais importa aqui recordar as palavras de um eminente jurisconsulto brasileiro que, referindo-se ao instituto da conversão dos negócios jurídicos, afirmou: «A conversão, instituto posto a meio caminho entre as exigências formais do Direito e as exigências substanciais da Justiça, é figura que atenua as exigências do direito estrito, permitindo, conforme o princípio da conservação dos negócios jurídicos – tomado em sua acepção mais ampla – o aproveitamento de atos realizados» (2)
.
A conversão dos negócios jurídicos não é um acto de diminuta relevância, nem discricionário, pelo que a sua aplicação requer o devido rigor!
Como se decidiu nos Acórdãos de 16-12-1999 e de 25-11-2003 deste Supremo Tribunal, o Tribunal não pode conhecer oficiosamente da conversão, mas já a nulidade é do conhecimento oficioso ( respectivamente in BMJ 492º-437 e Col Jur/STJ 2003, 3º-161).

Nos termos do artº 293º do C.Civil, para que ocorra a conversão do negócio nulo ou anulado, exige-se que «o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade».

Em primeiro lugar, nada nos autos permite supor que as partes desconhecessem ou que não tivessem previsto a nulidade do arrendamento estipulado (sob a designação de contrato-promessa), tanto mais que convencionaram a realização da escritura legalmente imposta, para o formalizarem em consonância com a lei.
Depois, resulta demostrado, em face do acervo factual apurado, que, embora intitulando o contrato celebrado como contrato-promessa, elas quiseram afinal celebrar um contrato de subarrendamento e pô-lo em prática, de facto, embora com outro nomen juris, justamente por terem conhecimento que, por falta dos requisitos necessários para a realização imediata da escritura, não podiam fazê-lo de jure.
Sendo o contrato uma auto-regulamentação de interesses contrapostos que se ajustam reciprocamente, um «duorum vel plurium in idem placitus consensus» como diziam os praxistas, a vontade das partes, manifestada livremente, de acordo com o princípio da autonomia da vontade e do seu corolário que é o da liberdade contratual, nas vertentes de liberdade de contratação e liberdade de estipulação, assume capital preponderância para se aquilatar de qual o negócio jurídico hipoteticamente querido, se fosse prevista a nulidade do efectivamente celebrado.
Daí que, como advertia Antunes Varela «para que possa verificar-se a conversão não basta que o negócio nulo ou anulado contenha os requisitos essenciais de substância e de forma do negócio que vai substituí-lo. É ainda necessário, de acordo com a parte final do artigo 293º, que a conversão se harmonize com a vontade hipotética ou conjectural das partes».
Assim, para se operar a conversão do subarrendamento nulo em contrato-promessa válido, seria necessário que se demonstrasse ser essa a vontade conjectural das partes, o que, in casu, não resulta, como dissemos, da factualidade provada, antes resultando que as partes quiseram efectiva e unicamente o subarrendamento clausulado (embora se propondo a formalizá-lo mais tarde mediante a escritura legalmente imposta) e adoptando a denominação jurídica de contrato-promessa.
Improcede, desta sorte, a questão suscitada.

Quanto à quarta questão (o imputado abuso de direito por invocação do vício de forma pela Recorrida que foi quem (segundo a Recorrente), provocou tal vício), não é mais feliz a Recorrente, adiante-se desde já!
Com efeito, provado vem o que consta dos factos 23 e 24 do acervo factual apurado.
Todavia, o facto de por carta registada de 9 de Novembro de 1998, a Autora, aqui Recorrente, ter convocado a Ré para a celebração da escritura pública, a qual teria lugar em 24 de Novembro de 1998 ( facto 23) e de a Ré/Recorrida não ter comparecido no Cartório Notarial e o mais que consta do facto 24, não revelam, sem mais, que a Ré tenha provocado a situação da inviabilidade da celebração da escritura.
Muito menos, ainda, que esteja a agir em situação de «venire contra factum proprium», uma das modalidades do exercício abusivo do direito.
Como se ponderou no Ac. STJ de 18-12-2008, Pº 08B2688, de que foi Relator, o Exmº Conselheiro Santos Bernardino, que neste Acórdão intervem como Adjunto:

«Segundo BAPTISTA MACHADO, a proibição do venire contra factum proprium tem, antes de mais, como pressuposto, uma situação objectiva de confiança — uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é idónea a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de certa maneira.
Mas, "para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação da confiança, é preciso que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro."
Por outro lado, a proibição do venire só surge "quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada. Para que se verifique uma relação de causalidade entre o facto gerador da confiança e o «investimento» dessa contraparte é preciso que esse «investimento» haja sido feito apenas com base na dita confiança. Se esta não influenciou as decisões da contraparte, porque esta por outros motivos as teria igualmente tomado, não se verifica a necessidade de fazer intervir o princípio da protecção da confiança."
E, finalmente, exige-se a boa fé da contraparte que confiou. Vale dizer que nos casos em que a intenção aparente do responsável pela confiança diverge da sua intenção real, a confiança da contraparte só merece protecção jurídica quando esta estiver de boa fé (por desconhecer aquela divergência) e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico Autor e obra citados, págs. 416/418 (Ac. STJ de 18-12-2008, Pº 08B2688, disponível em www.dgsi.pt).

No mesmo sentido, pode ver-se o Ac. STJ de 18.03.2004, acessível no citado sítio da Internet (Pº 6594/2003-6) onde se refere que: «Tem de concluir-se que, nos casos de nulidade formal dos negócios, não é qualquer actuação que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, desde logo porque as regras imperativas de forma visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral. Portanto, só excepcionalmente é que se pode submeter a invocação da nulidade à invocação do venire contra factum proprium.».

Ora, sendo verdade que a Autora/ Recorrente AA – Sociedade Construtora de Obras Gerais, Lda, convocou a Ré, por carta registada datada de 9 de Novembro de 1998, para a celebração da escritura a realizar em 24 de Novembro de 1998, menos verdadeiro não é que a ora Autora/Recorrente AA, segundo resulta da factualidade provada, não detinha na data da convocação, a qualidade de arrendatária do imóvel, posto que, como consta do facto provado 14, «No dia 24 de Abril de 1998, a autora e a ..........resolveram o Contrato de Locação Financeira que haviam celebrado entre si, nos termos que constam referidos no documento de fls. 123 a 126 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.»
Deste modo, tendo sido resolvido o contrato de arrendamento que a vinculava à ..........( dona do imóvel) em 24 de Abril de 1998, é óbvio que a autora, sem a qualidade de arrendatária do referido imóvel, quer na data em que subscreveu a carta de convocação (9.11.1998) quer na data da designada para escritura (24 de Novembro de 1998) não podia validamente subarrendar.
O próprio contrato de subarrendamento que as partes haviam estabelecido entre si, por escrito particular que denominaram de contrato-promessa de arrendamento, se não fosse nulo por vício de forma, como é, teria caducado após a cessação do vínculo contratual de locação que ligava a Autora à sua senhoria Imoleasing, nos termos do artº 45º do RAU aplicável.
Com efeito, o referido preceito legal estatuía que «o subarrendamento caduca com a extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento, sem prejuízo da responsabilidade do locador para com o locatário quando o motivo da extinção lhe seja imputável» ( sublinhado nosso).
Aliás, embora inexista uma definitio legis do conceito de subarrendamento, a doutrina civilista não tem poupado esforços no sentido de elaborar tal definição, como se verifica, v. g., pela noção elaborada por Neto Ferreirinha e Zulmira Lino da Silva, para quem «subarrendamento é um contrato subordinado, através do qual o sublocador, em face da sua qualidade de arrendatário, proporciona a outrem, o subarrendatário, o gozo total ou parcial da coisa locada, mediante o pagamento de uma retribuição» (Neto Ferreirinha e Zulmira L. da Silva Manual de Direito Notarial, Teoria e Prática, 4ª edição, 2008, pg. 562).
Os mesmos autores acrescentam que «celebrada a sublocação, passa a haver dois contratos de locação sobrepostos, com o segundo a depender do primeiro numa relação de subordinação ( por exemplo, em caso de extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento, o subarrendamento caduca)». ( op. cit. pg. 563).
É certo que a Recorrente alega, na conclusão tt o seguinte:
«O zelo da A. no cumprimento do contrato-promessa de subarrendamento foi ao ponto de readquirir a posição de locatária no contrato de locação financeira (como se vê pelo contrato de fls. 323 e pela certidão de Registo Predial junta, a fls. 63)»
Todavia, tal reaquisição não foi dada como provada pelas instâncias, nada constando a tal respeito no acervo factual definitivamente fixado.
Em face do exposto, assiste razão à Recorrida BB, quando, nas suas doutas contra-alegações do presente recurso, afirma que «no caso em apreço, a Ré não criou na Autora uma confiança juridicamente relevante para depois a defraudar», não tendo entendimento contrário qualquer suporte factual no presente pleito!
Improcede assim, manifestamente, a imputação de abuso de direito à Ré/Recorrida, na presente acção.

O que se acaba de dizer relativamente à quarta questão é mutatis mutandi aplicável também à quinta questão ( incumprimento pela Ré da convenção de forma acordada na cláusula 18ª).
Já se disse o suficiente para demonstrar que na data em que a Autora escreveu a carta para convocar a Ré para a escritura, e mesmo na data designada para a realização da mesma escritura, a ora recorrente já não era locatária do prédio em causa, pelo qual não podia validamente sublocar.
Se, em vez dela, surgiria outra qualquer empresa do grupo que, sem anuência da Ré, seria a nova locatária que se assumiria como entidade que outorgaria na escritura de sublocação à ora Ré, é acordo que unicamente vincula quem o estabeleceu que não, obviamente, a ora Recorrida, já que nele não só não tomou parte como manifestou o seu desagrado.
Trata-se de «res inter alios acta» e, como se sabe, «res inter alios acta aliis non nocet neque prodest» ou seja, o que for combinado ou pactuado entre terceiros não pode prejudicar nem aproveitar a estranhos a tal convénio, ressalvadas naturalmente as excepções legais!
Com efeito, ninguém pode impor a um dos contraentes no contrato-promessa, contra a sua vontade no momento genético (da celebração) do contrato prometido, pessoa diversa daquela com que ele se havia comprometido celebrar tal contrato.
Diferente já seria a situação, se no decurso do subarrendamento válido, se verificasse uma transferência, inter vivos ou mortis causa da posição do locador, uma vez que não foi atribuído ao locatário o direito de obstar a que se realize tal transferência ( cfr. Romano Martinez, Contratos em Especial, Universidade Católica Editora, 1996, pg. 165).
Sendo assim, de forma alguma se pode imputar à Ré BB a não celebração da escritura ou qualquer comportamento contraditório.
Não se vislumbra, portanto, qualquer sinal do imputado incumprimento à Ré, improcedendo a questão levantada.

Relativamente às sexta e sétima questões (erro do acórdão recorrido e incumprimento contratual da Ré), e com relevo para a boa decisão do presente recurso, a Recorrente, insurge-se contra o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ora em recurso, afirmando que o Acórdão recorrido erra clamorosamente (sic), devido a um vício de raciocínio que o leva a duplicar a imputação da caução (correspondente a um mês de renda) ao pagamento de dois meses de renda: Junho e Julho.
O que a Relação ponderou, foi o que se passa a transcrever:
«Invoca, todavia, a ré/apelante ter prestado caução, na data da assinatura do contrato em causa, no valor correspondente a um mês de renda, o que permitiu que esta pudesse usar e fruir o locado durante o período correspondente ao mês de Julho de 1998.
Ora, ficou apurado nos autos - N° 8 da Fundamentação de Facto - que a ré entregou à autora, aquando da celebração do contrato, a quantia de Esc. 13.000.000$00, a título de 1a renda e mês de caução, sendo que, como é sabido, a caução é um meio pelo qual se assegura ou se garante o cumprimento de uma obrigação.
Razão assiste à ré na argumentação aduzida na sua apelação.
É que o valor que se encontra em dívida, pela ré à autora, atinente ao montante da contrapartida devida, e não paga, pelo uso e fruição das identificadas instalações no mês de Julho de 1998 - valor esse correspondente ao acordado a título de renda - carece de ser compensado com o montante da caução oportunamente entregue à autora e que é de igual quantitativo».
Com base em tal raciocínio, alterou radicalmente a decisão proferida, neste concreto aspecto, pela 1ª Instância (que tinha condenado a Ré a pagar à Autora «a quantia de 6.500.000$00, correspondente à ocupação que teve do locado no mês de Julho de 1998, sem que a Autora, por isso, tivesse sido remunerada»), revogando tal condenação, por entender que a caução prestada assegurava o cumprimento de tal obrigação, afirmando, como se viu, que o valor correspondente ao uso e fruição das identificadas instalações no mês de Julho de 1998 «carece de ser compensado com o montante da caução oportunamente entregue à autora e que é de igual quantitativo»!
Ora os factos dados como provados, atinentes a esta matéria são apenas estes:
«7-A renda mensal estipulada no referido contrato foi de Esc. 6.500.000$00 (seis milhões e quinhentos mil escudos).
8-Tendo a ré pago a título de 1.ª renda e mês de caução, conforme contratualmente previsto, a quantia de Esc. 13.000.000$00».

Com efeito, desse acervo factual, apenas consta – facto 37 – que a 17 de Junho de 1998, a BB encontrava-se numa situação de mora relativamente ao pagamento da renda vencida no dia 8 de Junho de 1998, o que faz presumir que se trate da renda de Julho [(dado que a renda se vence no primeiro dia do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito ( artº 20º do RAU)] que naquela data não se encontrava paga.
Ora o que a Recorrida denomina de caução, aliás de acordo com a terminologia vulgar, mais não é do que o pagamento antecipado da renda do mês seguinte, ao abrigo do que estipulava o artº 20º do RAU aplicável ao caso sub judicio, do seguinte teor:
«Na falta de convenção em contrário, se as rendas estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito» .
Como exemplificava o saudoso Conselheiro Dr. Aragão Seia, na sua obra Arrendamento Urbano «celebrado, por exemplo, o contrato no dia 1 de Março, ou para vigorar a partir do dia 1 de Março, haverá que pagar nesse dia a renda correspondente a esse mês e ainda a relativa ao mês de Abril; no dia 1 de Abril, vencer-se-á a renda do mês de Maio, e assim sucessivamente» (Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6ª edição, Almedina, pg. 244).
É justamente o que se passou no caso em apreço.
Assim, tendo a Ré pago, no 1º mês (Fevereiro), a quantia de 13.000.000$00, conforme vem provado no facto 8, temos que foram logo pagos dois meses de renda, as concernentes ao meses de Fevereiro e de Março, em Março venceu-se a renda de Abril, em Abril, a renda de Maio, em Maio, a renda de Junho, em Junho a renda de Julho ( que não foi paga).
Portanto, a Ré permaneceu no imóvel por 6 meses ( Fevereiro a Julho) tendo pago apenas 5 prestações de 6.500.000$00 cada.
Concretizando melhor, pagou duas prestações (13.000.000$00 = 6.500.000$00 + 6.500.000$00) em Fevereiro (meses de Fevereiro e Março), uma em Março (correspondente à renda de Abril), uma em Abril (correspondente à de Maio) e uma em Maio ( correspondente à de Junho) ou seja, um total de 5 (cinco) prestações de 6.500.000$00 cada, tendo, no entanto, permanecido no referido local 6 meses, de Fevereiro a Julho inclusive.
Como só deixou as instalações em finais de Julho, como vem provado, está efectivamente em dívida a renda daquele mês, no valor de 6.500.000$00, na moeda actual € 32.421, 86, como bem havia decidido a 1ª Instância.
Na verdade, ficou provado, que a Ré só largou tais instalações no final do mês de Julho, como se constata do facto 38º, do seguinte teor:
«38) A ré procedeu à devolução das instalações em 31 de Julho de 1998.».

Não há assim lugar à compensação invocada pela Recorrida e referida no Acórdão recorrido, importando, neste específico aspecto, revogar o segmento de tal Acórdão, que havia considerado estar compensada a dívida da renda do mês de Julho de 1998, por banda da Ré BB, S.A., com a «caução» prestada, repristinando a condenação da Ré, ora Recorrida, proferida pela 1ª Instância, no pagamento à Autora, aqui Recorrente, AA Lda, da quantia de € 32.421, 86, acrescida dos juros de mora que haviam sido considerados na referida decisão.

DECISÃO

Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcialmente a Revista, revogando a decisão recorrida na parte em que em que considerou estar compensada a dívida, por banda da Ré BB – Sociedade Nacional de Comércio de Electrodomésticos, SA, da renda do mês de Julho de 1998, repristinando a condenação da Ré, ora Recorrida, proferida pela 1ª Instância, no pagamento à Autora, aqui Recorrente, AA – Sociedade Construtora de Obras Gerais, Lda, da quantia de € 32.421,86 (trinta e dois mil, quatrocentos e vinte e um euros e oitenta e seis cêntimos) referente àquela mensalidade, acrescida dos juros de mora que haviam sido considerados na referida decisão, mantendo-se, em tudo o mais, o Acórdão recorrido.

Custas por ambas as partes, na proporção da respectiva sucumbência.

Processado e revisto pelo Relator.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Janeiro de 2010


Álvaro Rodrigues (Relator)
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria
__________________________________

(1) Como ensinou o saudoso Prof. ANTUNES VARELA, «no contrato misto há a fusão, num só negócio, de elementos contratuais distintos que, além de fazerem perder a sua autonomia no esquema negocial unitário, fazem simultaneamente parte do conteúdo deste» ( A. Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª edição, pg. 284.

(2) Junqueira de Azevedo, no prefácio-apresentação da obra de DEL NERO, João Alberto Schützer Conversão Substancial do Negócio Jurídico. Ed. Renovar, 2001.