Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2104/12.8TBALM.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
DECISÃO SINGULAR
Data da Decisão Sumária: 12/20/2021
Votação: -
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Prevendo o nº 7 do art. 6º do RCP, na redação introduzida pela Lei nº 7/12, de 13-2, a dispensa de pagamento da parcela correspondente à taxa de justiça remanescente devida nas ações cujo valor ultrapasse € 275.000,00, tal permite que o tribunal opte pela redução dessa taxa de justiça quando tal se justifique em função do princípio da proporcionalidade.

II. A regulamentação dos aspetos relacionados com a dispensa ou com a redução da taxa de justiça remanescente prevista no nº 7 do art. 6º do RCP apresenta diversas insuficiências, uma das quais está relacionada com a oportunidade da suscitação ou da apreciação dessa questão, questão cuja resposta foi uniformizada pelo AUJ de 16-11-2021, no âmbito do RUJ nº 1118/16.3T8VRL-B.G1.S1-A, já transitado em julgado e ainda não publicado. Assim, a referida questão pode ser suscitada enquanto não transitar em julgado a decisão.

III. Nos termos do nº 9 do art. 14º do RCP, introduzido pela Lei nº 27/19, de 28-3, a parte totalmente vencedora fica automaticamente dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente. Por outro lado, segundo o disposto nos arts. 29º, nº 1, e 30º, nº 1, a conta é elaborada após o trânsito em julgado da decisão final, relativamente a cada sujeito processual, de acordo com o julgado em última instância.

IV. A condenação em custas por decisão de que seja interposto recurso de apelação ou de revista assume sempre natureza provisória, na medida em que a sua efetivação fica condicionada pelo resultado que vier a ser declarado pela Relação ou pelo Supremo que, podendo consistir na confirmação da decisão recorrida, pode também traduzir-se na sua anulação, revogação ou alteração, com efeitos que se projetam na determinação ou na amplitude da responsabilidade tributária e ainda na exigibilidade ou não da taxa de justiça remanescente.

V. Numa situação em que a dispensa da taxa de justiça remanescente foi suscitada num instrumento de transação apresentado na pendência de um recurso de revista no Supremo Tribunal de Justiça, uma vez homologada a transação, cabe ao Supremo analisar a questão suscitada, não apenas relativamente às taxas de justiça remanescentes a cargo de cada uma das partes no recurso de revista como ainda às respeitantes ao precedente recurso de apelação e à tramitação da ação na 1ª instância, repercutindo em cada uma dessas fases processuais e relativamente a cada uma das partes os fatores previstos no nº 7 do art. 6º do RCP.

VI. A complexidade da causa ou a conduta das partes constituem fatores que devem ser atendidos, mas outros podem ser relevantes para o efeito em função do princípio da proporcionalidade, designadamente a natureza e a atividade exercida pelos sujeitos processuais, o valor dos interesses económicos em discussão ou os resultados obtidos.

VII. Numa ação com valor superior a € 3.000.000,00, cuja complexidade deriva não apenas da natureza das questões de direito material e adjetivo que foram suscitadas como ainda da forte litigância promovida por cada uma das partes, com mútuas acusações de litigância de má fé, da variedade de meios de prova que foram produzidos ou do número de sessões de julgamento realizadas, não se justifica nem a dispensa nem a redução da taxa de justiça remanescente na 1ª instância.

VIII. Já por outro lado, relativamente ao recurso de apelação em que praticamente nada há a assinalar, para além da complexidade das questões de direito adjetivo e material, a aplicação dos referidos fatores justifica a redução da taxa de justiça em 40%, redução que igualmente se justifica nos recursos de revista (50% e 75% respetivamente), tendo em atenção, além do mais, o facto de ter sido apresentada transação que foi homologada, com distribuição da responsabilidade pelas custas por ambas as partes.

Decisão Texto Integral:

1. Juntamente com o instrumento de transação judicial que foi apresentado na presente ação declarativa com processo comum pela A. e pela R., foi requerida por ambas as partes a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, pretendendo que tal efeito abarque não apenas a parte respeitante à tramitação dos autos no Supremo (dois recursos de revista) mas ainda toda a tramitação processual que ocorreu na 1ª e na 2ª instância.

A transação foi judicialmente homologada por decisão do ora relator que abarcou a distribuição por ambas as partes, e na proporção de metade para cada, da responsabilidade pelas custas processuais, seguindo, aliás, a regra supletiva do nº 2 do art. 537º do CPC.

Mas porque a questão atinente à dispensa ou à redução da(s) taxa(s) de justiça remanescente(s) interessa especialmente ao Estado, foi ouvido o Min. Público que emitiu parecer no sentido de se decidir que a “dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a deferir não deverá exceder os 50%”.


2. Antes de mais, enunciemos os elementos processuais que são relevantes para o enquadramento jurídico da questão:

- Estamos no âmbito de uma ação declarativa que se iniciou com o valor correspondente ao pedido de pagamento da quantia de € 1.246.994,75, com juros vencidos no valor de € 706.550,64 e juros vincendos;

- A R. contestou e deduziu reconvenção traduzida na condenação da A. no pagamento da quantia de € 1.101.766,00, acrescido das rendas mensais vincendas;

- Foi fixado o valor processual e tributário de € 3.053.312,09;

- Foi proferida sentença que julgou procedente a ação e improcedente a reconvenção, condenando a R. nas custas processuais, sem qualquer menção ao pagamento da taxa de justiça remanescente;

- A R. interpôs recurso de apelação que foi julgado improcedente, sendo confirmada a sentença e condenada a R. nas custas reportadas a tal recurso;

- A R. interpôs um primeiro recurso de revista que foi julgado por acórdão deste Supremo declarando a nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronúncia, e condenando a A. nas custas da revista;

- Foi proferido novo acórdão pela Relação que manteve o que fora decidido no anterior acórdão, incluindo a atribuição da responsabilidade pelas custas à R.;

- Foi interposto novo recurso de revista simultaneamente na modalidade de revista excecional, na parte em que se verificava dupla conformidade, e de revista geral, na parte em que era questionada a ofensa da autoridade de caso julgado, sendo recusada pela Formação prevista no nº 3 do art. 672º do CPC a revista excecional, com indicação de que as “custas seriam da recorrente”;

- Quanto ao recurso de revista nos termos gerais não chegou a ser apreciado, uma vez que as partes puseram termo ao litígio por transação que foi homologada.


3. Em matéria de custas processuais, o CPC praticamente assumiu apenas a regulamentação dos aspetos relacionados com responsabilidade pelo seu pagamento, sendo remetidos para o RCP outros aspetos, designadamente os atinentes à determinação do quantitativo da taxa de justiça, à oportunidade do seu pagamento e, com interesse para o caso, à dispensa (ou redução) de pagamento da taxa de justiça remanescente nas ações cujo valor tributário exceda € 275.000,00.

Nos termos do art. 6º do RCP:

“7. Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

8. Quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente”.

As normas dos nºs 7 e 8 do art. 6º foram introduzidas pela Lei nº 7/12, de 13-2, em resposta a declarações de inconstitucionalidade do regime anterior que não estabelecia qualquer possibilidade de dispensa de pagamento ou de redução do montante da taxa de justiça remanescente nas ações com valores mais elevados. [1]-[2]

Relevante é ainda o que dispõe agora art. 14º do RCP:

“9. Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do nº 7 do art. 6º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final”.

A inserção deste preceito pela Lei nº 27/19, de 28-3, também correspondeu a uma resposta à declaração de inconstitucionalidade do anterior preceito interpretado no sentido de que a parte totalmente vencedora na ação, ainda assim, ficaria obrigada ao pagamento da taxa de justiça remanescente [3] que depois cobraria da parte vencida a título de custas de parte.

Outro preceito que ganha relevo neste campo é o do art. 30º, nº 1, do RCP, segundo o qual a conta é elaborada, relativamente a cada sujeito processual, de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos. E nos termos dos nºs 2 e 3, als. a) e f), a conta deve discriminar as taxas pagas e as taxas devidas, assim como os montantes a pagar por cada sujeito responsável.


3. Representando a taxa de justiça o quantitativo que se destina a compensar o Estado pelas despesas inerentes a qualquer processo judicial, é natural que o seu pagamento seja exigido aos interessados que não estejam isentos, na medida em que não se encontra instituído um regime que se traduza na gratuitidade absoluta e generalizada do recurso aos meios judiciais.

Como já foi exposto no Ac. do STJ, de 19-9-13, 738/98, relatado pelo ora relator, www.dgsi.pt, o nº 5 do art. 6º do RCP já previa a possibilidade de o juiz, a final, determinar a aplicação da tabela 1-C (taxa de justiça agravada em 50%), às ações e recursos que revelassem especial complexidade definida em função dos parâmetros elencados pelo nº 7 do art. 530º. Assim, independentemente do valor da ação, é legítimo que o juiz proceda ao agravamento da responsabilidade tributária nos casos em que tal se justifique.

Porém, em sentido inverso, não se estabelecia a possibilidade de dispensa ou redução da taxa de justiça nas ações, independentemente da complexidade da causa, da sua duração, do comportamento das partes ou dos custos efetivos da mobilização dos instrumentos processuais, a qual era estabelecida por via da aplicação automática dos valores resultantes das tabelas anexas ao RCP (tabelas 1-A e 1-B).

Com as referidas alterações, embora continue a não existir qualquer limite para a taxa de justiça a cobrar, prevê-se que nas ações cujo valor tributário exceda € 275.000,00 a taxa de justiça seja dividida em dois segmentos: até esse valor, a taxa de justiça é paga antecipadamente por cada uma das partes na ação ou nos recursos interpostos (salvo os casos de isenção subjetiva e objetiva); o remanescente dessa taxa de justiça apenas é exigível a final à parte ou partes que não sejam totalmente vencedoras, salvo se o juiz dispensar esse pagamento ou se reduzir o respetivo montante.


4. Sendo claro o objetivo do legislador de moderar o valor da contrapartida global devida ao Estado nas ações em que, apesar do seu elevado valor, se revele uma desproporção entre a taxa de justiça remanescente e os custos associados ao serviço público concretamente prestado, a previsão do nº 7 do art. 6º do RCP, associada à do nº 9 do art. 14º, deixou, contudo, sem regulamentação específica diversos aspetos.

Entre eles encontra-se o relativo ao momento até ao qual pode o interessado ou o tribunal intervir na dispensa (ou na redução) da taxa de justiça remanescente. Circunscritos à jurisprudência, existiam duas vias distintas:

a) Uma considerava que a questão apenas poderia ser suscitada ou apreciada até ao trânsito em julgado da decisão, ou seja, na própria decisão respeitante à responsabilidade pelo pagamento das custas processuais ou na que incidisse sobre o incidente de reforma daquela decisão quanto a custas.

Assim era defendido designadamente nos Acs. do STJ, de 4-7-19, 314/07, de 26-2-19, 3791/14, de 31-1-19, 478/08, de 8-11-18, 4867/08, de 8-11-18, 567/11, de 11-10-18, 103/13, de 24-5-18, 1194/14 e de 13-7-17, 669/10 e no Ac. da Rel. de Coimbra, de 14-3-17, 3943/15, todos em www.dgsi.pt.

b) Outra advogava a possibilidade de a questão ser suscitada ou apreciada em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão sobre custas ainda assim com subdivisão em 3 soluções:

- Até à elaboração da conta (Acs. do STJ 11-12-18, 1286/14 e de 3-10-17, 473/12 e Ac. da Rel. do Porto, de 26-4-18, 3791/14, em www.dgsi.pt);

- Depois de a parte ser notificada, ao abrigo do nº 9 do art. 14º do RCP, para efetuar o pagamento da taxa remanescente (Ac. da Rel. de Coimbra, de 3-12-13, 1394/09, em www.dgsi.pt);

- E até mesmo depois de a parte ser notificada da elaboração da conta (Ac. do STJ, de 12-10-17, 3863/12, com menção de outros arestos, e Ac. da Rel. de Lisboa, de 14-1-16, 7973/08, em www.dgsi.pt).

A divergência jurisprudencial foi levada ao Pleno das Secções Cíveis e foi resolvida pelo Ac. de Uniformização de Jurisprudência proferido no âmbito do recurso extraordinário nº 1118/16.3T8VRL-B.G1.S1-A, ainda não publicado no D.R., mas já transitado em julgado, cujo segmento uniformizador é o seguinte:

A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 do art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.

Por conseguinte, com valor uniformizador, qualquer requerimento a respeito da dispensa (ou da redução) da taxa de justiça remanescente deve ser apresentado antes do trânsito em julgado da decisão ou, no limite, dentro do prazo para a dedução do incidente de reforma da decisão quanto a custas, nos termos do art. 616º do CPC.


5. Todavia, outras questões ficaram por resolver por via de uma opção do legislador que, pretendendo poupar na regulamentação normativa, potencia a insegurança jurídica e incrementa o grau de litigiosidade numa matéria em que deveriam estar assegurados os fatores da certeza e da segurança a bem da boa administração da justiça e dos interesses do Estado ou das partes que, numa posição ou noutra, recorrem aos tribunais.

a) Assim acontece com a possibilidade de reduzir a taxa de justiça remanescente, com ponderação dos princípios da causalidade e da proporcionalidade, solução que vem sendo pacificamente assumida: v.g., Acs. do STJ 31-1-19, 478/08, de 3-7-18, 1008/14, e de 12-12-13, 1319/12, em www.dgsi.pt.

Por conseguinte, embora a norma do nº 7 do art. 6º do RCP apenas aluda à dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, nada obsta a que, em função das particularidades do caso e da sua conjugação com o princípio da proporcionalidade, se opte pela redução na proporção que se considere justificada.


b) Mais problemática é a verificação da amplitude da intervenção judicial, ou seja, se nos casos em que a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente é apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça (ou, noutros casos, pela Relação), a decisão está circunscrita à taxa ou taxas de justiça remanescentes correspondentes à tramitação que ocorreu nesse grau de jurisdição ou se deve ser alargada a toda a tramitação processual.

Esta questão foi respondida negativamente pelo Ac. do STJ, de 2-3-21, 1939/15, em www.dgsi.pt, no qual se considerou que “não compete ao STJ, ainda que tenha decidido em último grau, emitir pronúncia sobre o pedido de dispensa do pagamento das taxas de justiça remanescentes (referentes à 1ª instância, Relação e Supremo). No limite, apenas se conceberá que o Supremo se pronuncie relativamente à taxa de justiça devida pelo recurso sobre que ele próprio decidiu, mas isso só se imporá se acaso a 1ª instância e a Relação também o tiverem feito relativamente às custas devidas perante elas. É ao tribunal da causa (o tribunal onde a ação foi proposta e para onde, em caso de recurso, o processo regressa definitivamente) que compete decidir, oficiosamente ou a requerimento da parte, sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça”.

Simplesmente esta resposta negativa partia do pressuposto de que a questão da dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente ainda poderia ser suscitada pelas partes mesmo depois de transitar em julgado a decisão final no processo, solução que não foi acolhida pelo mencionado AUJ que fixou como termo ad quem o trânsito em julgado da decisão sobre custas.

Neste contexto, parece mais correta a tese segundo a qual o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes, como se reconheceu explicitamente nos Acs. do STJ, de 24-5-18, 1194/14 e de 8-11-18, 567/11, em www.dgsi.pt.

Aliás, esta é a única solução que se harmoniza com o regime da taxa de justiça remanescente que agora emerge do nº 9 do art. 14º do RCP que recentemente foi introduzido, nos termos do qual a parte totalmente vencedora na ação - o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão - fica desonerada do pagamento da taxa de justiça remanescente.

Este preceito revela que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias, com efeitos designadamente na exigibilidade da taxa de justiça remanescente, assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente dos resultados futuros. Por isso, terminando o processo na Relação ou, depois, no Supremo, o apuramento da quantia devida a título de taxas de justiça remanescente, assim como a identificação do interessado a quem é de imputar a responsabilidade pelos eu pagamento estão condicionados pelo resultado que a final vier a ser declarado.

Por exemplo: o R. que na sentença de 1ª instância tenha sido absolvido do pedido não tem qualquer ónus de suscitar a questão da dispensa da taxa de justiça remanescente, a não ser que no posterior recurso de apelação interposto pelo A. a Relação revogue ou modifique a sentença e acabe por julgar a ação total ou parcialmente procedente. O mesmo ocorre, a respeito do A., nos casos em que na 1ª instância a ação é julgada totalmente procedente, sendo revogada ou modificada pela Relação. Resultados que ainda podem ser modificados pelo Supremo se acaso for interposto recurso de revista, pois só então cada um dos sujeitos, em função do resultado definitivo, será confrontado ou não com a obrigação de pagamento da taxa de justiça remanescente

Acresce ainda que a possibilidade de diferir a apreciação da dispensa ou da redução da taxa de justiça remanescente para a decisão do recurso na Relação ou no Supremo é a que melhor garante que sejam ponderados de uma “forma fundamentada” os fatores previstos no nº 7 do art. 6º, procedendo a uma avaliação global da “especificidade da situação”, tendo em conta designadamente a complexidade da causa, a conduta processual das partes, os resultados que foram alcançados e todos os demais aspetos relevantes.

É, ademais, a solução que melhor se conjuga com os arts. 29º, nº 1, e 30º do RCP, segundo os quais, a “conta é elaborada depois do trânsito em julgado da decisão final” sendo “efetuada de harmonia com o julgado em última instância”. Com efeito, sendo a conta elaborada apenas depois de o processo ser remetido ao tribunal de 1ª instância, deve ser seguido na sua elaboração o que decorra do que foi definitivamente decidido, atendendo designadamente à dispensa automática prevista no nº 9 do art. 14º relativamente à parte que seja totalmente vencedora.

Por isso, mesmo nos casos em que a questão da dispensa ou da redução da taxa de justiça seja apreciada na sentença de 1ª instância, o que acerca dessa questão for decidido acabará por ficar dependente do resultado final que só se estabiliza com o trânsito em julgado, o que tanto pode ocorrer na 1ª instância, como na Relação ou no Supremo.


c) Ainda com interesse para a solução do caso concreto, podemos afirmar que a apreciação da dispensa ou da redução da taxa de justiça remanescente deve ser feita relativamente a cada sujeito, solução que está implícita no facto de se prever que na elaboração da conta final por parte da secretaria deve ser tido em consideração o que relativamente a cada sujeito processual foi decidido (art. 30º, nº 1, do RCP).

Com efeito, sendo relevante a apreciação da complexidade do processo, dos resultados obtidos e especialmente do comportamento processual da parte, é natural que o juízo formulado possa variar em função da atuação ou da estratégia de cada um dos sujeitos.

Por conseguinte, o facto de uma das partes beneficiar da dispensa ou da redução em função do seu comportamento processual idóneo não justifica que semelhante benefício seja concedido à contraparte que tenha tido precisamente um comportamento processual reprovável. O mesmo se verifica se para o efeito for de ponderar a complexidade das peças processuais apresentadas, a natureza e a atividade exercida por cada uma das partes, os interesses económicos em discussão ou os resultados que cada uma delas procurou assegurar.


6. Outras dificuldades decorrem da técnica legislativa que foi empregue na redação do preceito, já que, implicando naturalmente uma decisão fundamentada do juiz, os fatores a ponderar têm natureza meramente exemplificativa.

Assim, tendo sido atribuído especial relevo à “complexidade da causa” e à “conduta processual das partes”, nada obsta a que se poderem outros fatores associados, num sentido ou noutro, ao princípio da proporcionalidade, como seja o valor dos interesses económicos em causa, os resultados obtidos, o facto de alguma ou de ambas as partes serem pessoas individuais ou coletivas ou de exercerem ou não uma atividade comercial empresarial ou prosseguirem outros fins.

Também não está afastada a possibilidade de se ponderar a necessidade de contribuição das partes para os encargos inerentes à disponibilização de um sistema de justiça de acesso livre e universal, assim como a utilidade que os interessados pretendem extrair dos serviços prestados. Ou bem assim o facto de alguma das partes ter formulado pedidos com valor manifestamente excessivo relativamente ao que foi concedido, aspeto que, quando tal seja relevante, não deve penalizar a parte contrária.

A aferição de cada um dos referidos aspetos poderá ser facilitada através da análise da jurisprudência deste Supremo (em www.dgsi.pt).

a) Rejeição de dispensa ou de redução:

- Ac. do STJ, de 25-5-21, 89359/10: foi rejeitada a dispensa por não se considerar que o valor da taxa de justiça a pagar fosse manifestamente desproporcionado ao custo ou utilidade do serviço prestado face à simplicidade da causa, numa ação em que, defendendo a recorrente que a causa não revestia especial complexidade para justificar a concessão do indicado benefício em matéria de custas, já defendia, para justificar a admissibilidade da revista exceciona, a manifesta complexidade das questões fundamentais de direito que se suscitavam no processo e a sua difícil resolução;

- STJ 27-4-17, 4154/15, relatado pelo ora relator: recusa de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela interposição desse recurso de revista numa ação em que, apesar de não ter sido contestada, o objeto do recurso de revista, necessariamente reconduzido a questões de direito, era integrado por questões complexas e cuja resposta jurisprudencial e doutrinal não era pacífica;

- Ac. do STJ, de 19-9-13, 738/98, relatado pelo ora relator: recusa de dispensa de taxa de justiça numa situação em que o recurso de revista, ainda que restrito a matéria de incompetência internacional, fora interposto no âmbito de um processo volumoso e de elevada complexidade, com extensos articulados, alegações e contra-alegações, incluindo a ampliação do objeto do recurso, e no qual foram apresentados diversos pareceres jurídicos. Considerou-se, além do mais, que na exigibilidade do pagamento das taxas de justiça, incluindo a taxa de justiça remanescente, não estava afastada a possibilidade de se ponderar a necessidade de contribuição das partes para os encargos inerentes à disponibilização de um sistema de justiça de acesso livre e universal, assim como a utilidade que os interessados pretendiam extrair dos serviços prestados.


b) Redução da taxa de justiça remanescente:

- Ac. do STJ, de 14-10-21, 3655/06: redução de 50% da taxa de justiça, ponderando o facto de se tratar de um processo bastante trabalhoso, com prolixos articulados (e alegações dos recursos), onde se suscitaram, e foram apreciadas, múltiplas questões, a exigir significativo tempo e estudo para a sua decisão, nada havendo a assinalar a respeito de comportamentos dilatórios das partes;

- Ac. do STJ, de 14-10-21, 5985/13: fixação oficiosa da taxa de justiça em € 15.000,00, numa ação de cerca de € 6.000.000,00, atenta a complexidade da causa, a prolixidade das peças processuais e a capacidade tributária evidenciada;

- Ac. do STJ, de 14-7-21, 26897/18: redução de 70% e 40% na ação e no recurso relativamente à A. e à R., considerando, além do mais, que o valor económico dos interesses envolvidos no presente caso era muito elevado e que a atuação processual das partes fora marcada pela lisura, tendo cumprido os deveres gerais de boa-fé e de cooperação processuais. Em contrapartida, considerou-se que a complexidade da causa era elevada, em resultado de múltiplos fatores: a extensão dos articulados e das peças de recurso das partes, o número de questões a apreciar, o escasso tratamento doutrinário e jurisprudencial das questões relacionadas com o instituto (insuficientemente estudado) do anatocismo, a necessidade, na sequência disto, de as partes juntarem pareceres jurídicos que corroborem os seus pontos de vista, a ampliação do objeto do recurso, a extensão do acórdão recorrido, reveladora da avaliação pormenorizada das alegações e denso estudo das matérias convocadas. Ainda assim, considerou-se que as quantias a pagar pelas partes a título de remanescente da taxa de justiça eram desproporcionadas, tendo em conta, sobretudo, o serviço público de justiça prestado e destacando-se que na 1ª instância o processo findou na fase do saneador;

- Ac. do STJ, de 25-3-21, 13125/16: redução de 70% da taxa de justiça no recurso, uma vez que a tramitação processual não se revestira, em sede de recurso, de grande complexidade e também não o era a questão a decidir. Por outro lado, não se descortinara a violação dos deveres de boa fé e de cooperação, mas, no entanto, a interposição do recurso de revista mais não representara do que um mero interesse da recorrente em aceder ao terceiro grau de jurisdição;

- Solução semelhante fora adotada já no Ac. do STJ, de 14-1-21, 6024/17, para justificar a redução em 50% da taxa de justiça remanescente devida na revista;

- Ac. do STJ, de 24-11-20, 844/12: redução de 50% da taxa de justiça remanescente (que era no valor de € 180.234,00) numa ação que não se revestira de especial complexidade, a tramitação processual decorrera com normalidade e o comportamento processual das partes fora pautado pela lealdade na defesa dos interesses em causa, não merecendo censura;

- Ac. do STJ, de 30-6-20, 2142/15: redução para 75% a taxa de justiça remanescente numa ação cujo valor era de € 835.784,18, uma vez que a conduta processual não merecia censura e que a complexidade não fora inferior à média. Mas por outro lado, ponderou-se o facto de a recorrente ser uma grande empresa multinacional, para a qual a taxa de justiça que lhe era exigida não tinha o mesmo impacto que teria junto de outra parte com menos capacidade económica;

- Ac. do STJ, de 5-5-20, 324/14: redução para 25% da taxa de justiça remanescente num processo com alguma complexidade e em que a conduta das partes se pautara pela lealdade e correção processual;

- No Ac. do STJ, de 17-10-19, 8765/16, redução para 50% numa ação com o valor de € 9.150.000,00, na qual os RR. contestaram, a 1ª instância julgou a ação improcedente, foi interposto recurso de apelação que foi julgado improcedente pela Relação, foi interposto recurso para o STJ que negou a revista, nada havendo a apontar de negativo à conduta processual das partes, mas tendo sido submetidas ao STJ questões de âmbito muito diverso, com alguma especificidade;

- Ac. do STJ 31-1-19, 478/08: redução da taxa de justiça num recurso de revista que tinha o valor de € 1.152.116,80, pelo que a taxa de justiça devida seria da ordem dos € 6.324,00, tendo sido já paga a taxa de € 816,00, reconhecendo-se que a complexidade e amplitude da atividade decisória desenvolvida, conjugada com a lisura das partes ao longo do processo, não era de molde a justificar um valor tão elevado, mas que também não ia ao ponto de valer uma dispensa total da taxa de justiça remanescente como vem requerido;

- Ac. do STJ 8-11-18, 567/11: redução em 40% as taxas de justiça remanescentes na ação e nos recursos, ponderando a utilidade económica dos interesses em litígio, o comportamento processual das partes, a complexidade da tramitação processual e a complexidade das questões jurídicas apreciadas. Tratava-se de um caso em que o valor da ação era de € 17.157.038,00, o valor do pedido reconvencional era de € 1.312.700,00, houve redução do pedido para € 11.094.506,00, tanto o recurso de apelação como o recurso de revista da A. tinham o valor de € 4.035.476,00 e tanto o recurso de apelação como o recurso de revista da R. têm o valor de € 8.362.106,00;

- Ac. do STJ, de 3-7-18, 1008/14: redução para 1/6 da taxa de justiça remanescente no valor aproximado de € 1.000.000,00 na revista num caso em que a Relação, que funcionara como tribunal de 1ª instância, e o Supremo tiveram que desenvolver um aturado, exigente e extenso trabalho material e jurídico em face da natureza das questões jurídicas discutidas no processo e da dimensão e profundidade das peças que formavam o processo (articulados, documentos, pareceres);

- Ac. do STJ, de 24-5-18, 1194/14: dispensa de pagamento de 60% da taxa de justiça remanescente numa ação com elevado valor económico e em que houve uso normal dos meios impugnatórios, sem qualquer excesso, tramitação processual sem grande complexidade, mas com 6 réus, dois dos quais outorgaram transação com a A., questões de elevado grau de complexidade substancial e de excecional relevância jurídica.

- Ac. do STJ, de 22-5-18, 5844/13: redução para 40% da taxa de justiça num caso em que tramitação processual do recurso de revista, não revelou especial complexidade nem impôs a análise conjugada de diversificados problemas jurídicos que demandasse uma muito elevada especialização jurídica ou de outra natureza. O comportamento processual das partes também se desenrolou na mais completa normalidade e sem justificar qualquer reparo a não ser a prolixidade das peças processuais;

- Ac. do STJ 19-2-18, 2353/13: redução em 80% da taxa de justiça remanescente considerando a dimensão do serviço prestado, designadamente, a natureza jurídica da demanda, na vertente substantiva e adjetiva, a extensão dos articulados, a natureza e quantidade dos documentos apresentados e juntos aos autos, a apreciação dos meios de prova apresentados em juízo, a realização de diligências, o número de sessões efetuadas, a apreciação da conduta processual das partes, o tempo despendido pelo tribunal na preparação, estudo e decisão da demanda trazida a juízo, o valor económico da pretensão jurídica arrogada pelas partes ou o tempo despendido pelos serviços da secção e secretaria;

- Ac. do STJ, de 18-1-18, 7831/16: redução para 40% da taxa de justiça remanescente na apelação e na revista numa ação com o valor de € 8.750.000,00 e em que a taxa de justiça ascenderia a € 158.049,00. A Relação apreciou a extensa, prolixa e complexa matéria de facto, tendo as recorridas formulado elevado número de conclusões e envolvendo a questão de direito a apreciar considerável complexidade;

- STJ 12-12-13, 1319/12: redução a 10% da taxa de justiça remanescente de mais de € 150.000,00 no âmbito de procedimento cautelar em que a decisão se consubstanciou essencialmente na emissão e confirmação de um juízo de inadmissibilidade de um recurso de apelação. Tratava-se de um procedimento cautelar em que nada havia a censurar quanto ao comportamento das partes, nada há a censurar.


c) Dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente:

- Ac. do STJ, de 25-5-21, 17893/17: dispensa de ambas as partes de taxa remanescente, considerando que a conduta processual da recorrente não merecia qualquer reparo ou censura, tendo-se revelado adequada e justa à defesa dos seus interesses, não tendo suscitado quaisquer questões desnecessárias e/ou feito uso de expedientes dilatórios ou violação dos deveres de boa-fé, cooperação, razoabilidade e prudência. Mais se considerou que a causa não era especialmente complexa e que se tratava de um recurso de decisão interlocutória;

- Ac. do STJ, de 20-5-21, 5745/16: dispensa de pagamento de taxa de justiça remanescente numa ação com o valor de € 2.000.000,00, sem nada relevante no campo da complexidade e da conduta processual das partes;

- Ac. do STJ, de 2-6-21, 4140/16: dispensa de taxa de justiça remanescente numa ação de valor superior a € 275.000,00, sem complexidade, em que estiveram em causa questões processuais, e em que o comportamento processual do recorrente não extravasou a sua defesa legal;

- Ac. do STJ, 12-1-19, 763/15: dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente no recurso de revista atendendo a que as questões não tinham especial dificuldade, nem por isso demandariam extensas e complexas averiguações jurisprudenciais e doutrinais ou o desenvolvimento de aprofundadas lucubrações dogmáticas.


7. Estamos em sede de apreciação de um requerimento que foi apresentado por ambas as partes neste Supremo Tribunal de Justiça e que foi inserido numa transação que pôs termo ao litígio, efeito que se repercutiu, em primeira linha, na extinção da instância no recurso de revista que se encontrava pendente.

Tendo havido nos autos já diversas decisões sobre custas processuais (na sentença de 1ª instância, na Relação, em dois acórdãos diferentes e mesmo neste Supremo, no primeiro acórdão que anulou o primeiro acórdão da Relação), em nenhuma delas foi apreciada a questão da dispensa de pagamento das taxas de justiça remanescentes.

Mas por isso mesmo e também porque não existe qualquer decisão que tenha incidido sobre essa questão com eficácia de caso julgado, a amplitude da intervenção deste Supremo não deve ficar circunscrita ao recurso de revista que estava pendente nem ao anterior recurso de revista que já fora julgado e no qual se declarara a nulidade do primeiro acórdão da Relação.

Numa situação como esta, a apreciação da dispensa ou da eventual redução da taxa de justiça deve estender-se a todo o processado anterior, máxime a toda a tramitação que correu termos na 1ª instância, até à sentença, e na Relação, até ser proferido o segundo acórdão, o que, além do mais, permite que sejam ponderados globalmente todos os parâmetros relevantes em cada uma das fases processuais.

Acresce ainda que a condenação em custas constante da sentença de 1ª instância, assim como as condenações em custas constantes de cada um dos dois acórdãos da Relação não ganharam foros de definitividade. Como já se referiu, o resultado que então foi declarado ficou dependente do que viesse a ser decidido na instância imediatamente superior.

Neste contexto, bem podemos concluir que as anteriores condenações da R. nas custas da ação e dos recursos de apelação, assim como a condenação da A. no precedente recurso de revista assumiram cariz meramente provisório, o que no caso é comprovado pelo facto de a homologação da transação ter abarcado a repartição por ambas as partes da responsabilidade pelo pagamento das custas processuais reportadas a todo o processo.

Por conseguinte, a aplicação do disposto no art. 6º, nº 7, do RCP, envolverá toda a tramitação processual que ocorreu na presente ação, apreciando se se verificam condições para declarar a dispensa ou a redução das taxas de justiça remanescentes que ainda não foram pagas na 1ª instância, na Relação e neste Supremo, nas parcelas que excedem os valores liquidados em função do plafond de € 275.000,00.


8. Enunciemos, antes de mais, de forma sintética, os elementos relevantes:

8.1. Natureza e a complexidade do processo:

- Ação instaurada em 11-4-12 sendo pedido o pagamento da quantia de € 1.246.994,75 e júris vencidos de € 706.550,64 e vincendos;

- Extensíssima petição inicial com 62 laudas e 216 artigos, com diversas questões de direito material e também de direito adjetivo para superar os efeitos decorrentes do trânsito em julgado de duas anteriores ações que a A. instaurou contra a R. emergentes do mesmo conflito de interesses;

- Extensa contestação com 150 artigos e diversas questões de ordem processual (incompetência territorial, litispendência, caso julgado) e de ordem material, com dedução de reconvenção, sendo atribuído á reconvenção o valor de € 3-053.312,09;

- Réplica com 286 artigos;

- Decisão a julgar improcedente o incidente de incompetência territorial;

- Documentos e mais documentos juntos por cada uma das partes;

- Audiência preliminar e despacho saneador, sendo julgada improcedente a exceção de litispendência;

- Enunciação de 51 artigos de base instrutória, seguida de reclamações contra o despacho por cada uma das partes;

- Atribuição à ação do valor processual e tributário de € 3.053.312,09;

- Requerimentos probatórios multifacetados, com indicação de diversos meios de prova e designadamente de prova pericial complexa;

- Múltiplos requerimentos e despachos na fase intercalar entre o saneamento e a audiência de julgamento;

- Realização de duas perícias complexas, com pedido de esclarecimento;

- Interposição de um recurso de apelação conexo com a prova pericial, o qual veio a ser rejeitado;

- Realização de uma segunda perícia, com pedidos de esclarecimento a prestar na audiência final;

… e nisto se passaram 3 anos.

- Marcação da audiência em maio de 2017;

- 7 sessões da audiência final, com depoimento de parte, esclarecimento de peritos audição de múltiplas testemunhas em 10-10, 12-10, 13-10, 3-11 e 17-11-17, 5-7-18 (depois de duas desmarcações) e 22-2-19 (depois de duas desmarcações);

- Realização de inspeção judicial;

- Apresentação de parecer em matéria de direito substantivo;

- Apresentação de múltipla documentação complementar;

- Dedução cruzada de incidentes de condenação como litigantes de má fé;

- Sentença proferida a 15-4-19, com alguma complexidade, sendo a ação julgada parcialmente procedente e improcedente a reconvenção;

- Recurso de apelação interposto pela R. com 213 págs. e 66 conclusões, com múltiplas questões de direito adjetivo e processual;

- Esse recurso de apelação envolveu uma extensa e complexa impugnação da decisão da matéria de facto;

- Contra-alegações com 314 págs.;

- Acórdão da Relação com 124 áginas e respostas a múltiplas questões suscitadas, envolvendo a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto em diversos pontos que também envolveram a prova oralmente produzida, a qual foi julgada totalmente improcedente;

- Recurso de revista nos termos gerais, ainda que sustentado na verificação da autoridade de caso julgado, de elevadíssima complexidade, como o revelam designadamente os pareceres que foram juntos por cada uma das partes e ainda recurso de revista excecional, com alegação do elevado relevo jurídico de questões de direito material, tudo em 119 págs. e 75 conclusões;

- Contra-alegações com 112 págs.;

- Junção de um parecer jurídico sobre a matéria da autoridade de caso julgado, cuja junção sofreu objeções;

- Junção de outro parecer pela parte contrária;

- Acórdão do Supremo a declarar a nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia quanto à questão da autoridade de caso julgado;

- Novo acórdão da Relação a suprir a nulidade por omissão de pronúncia quanto á exceção de autoridade de caso julgado;

- Novo recurso de revista nos termos gerais e de revista excecional, quanto à dupla conformidade, reproduzindo, na prática as anteriores alegações no primeiro recurso de revista, com 149 págs.;

- Questionamento da falta de junção de segundo parecer referido nas alegações mas não junto com as mesmas;

- Contra-alegações com 121 págs.;

- Junção de novo parecer pela recorrente;

- Junção de parecer complementar pela recorrida;

- Apreciação e indeferimento da revista excecional pela Formação prevista no nº 3 do art. 672º do CPC;

- O histórico do processo regista 52 decisões e despachos e 224 notificações por via postal

… e em 19-10-21, ou seja, 9 anos depois de ter sido instaurada a ação, ambas as partes vieram revelar nos autos que pretendiam estabelecer um acordo, pedindo prazo para o efeito, que foi concedido e prorrogado.

Na sequência, foi apresentado o requerimento integrando a transação estabelecida entre as partes que integra ainda um acordo quanto á divisão da responsabilidade pelas custas, na proporção de metade para cada.


8.2. Conduta das partes:

- Elevado grau de litigiosidade que se revelou não apenas no exercício natural do direito de ação e de defesa, mas também por uma recíproca “marcação cerrada” a toda e qualquer iniciativa da contraparte, requerimentos probatórios, junção de documentos, junção de pareceres, etc.;

- Esse grau de litigiosidade foi ao ponto de mutuamente deduzirem incidentes de condenação como litigante de má fé; desde logo, o que foi suscitado pela R. na contestação, a que a A. igualmente ripostou com pedido semelhante na réplica;

- Nem sequer faltou a invocação pela R., na contestação, da violação de sigilo profissional de advogado por parte da A.;

- Entre articulados, requerimentos e alegações, o histórico do processo regista 126 intervenções das partes, o que determinou 52 intervenções judiciais com despachos e decisões dos tribunais nas diversas instâncias

- Praticamente cada meio de prova que foi indicado por uma das partes teve objeções apresentadas pela contraparte, com especial destaque para as perícias e depoimentos de parte;

- Tudo isto a envolver necessariamente uma intervenção judicial.


8.3. Outros aspetos a ponderar:

- À ação foi atribuído o valor de € 1.953.545,39;

- Na reconvenção a R. pretendia a condenação da A. no pagamento de uma quantia superior a € 1.101.000;

- A A. é uma multinacional, cotada na Bolsa, com interesse na área da energia em diversos países e continentes;

- A R. é uma sociedade de investimentos imobiliários com capital social de € 500.000,00;

- Ambas visam a obtenção de lucros no interesse dos respetivos acionistas;

- A transação traduziu-se na assunção por parte da R. da obrigação de pagamento à A. de uma quantia que supera os € 700.000,00, pondo termo definitivo a um litígio que envolvia elevados valores económicos e que se arrastava há mais de 10 anos.


9. As taxas em geral e as taxas de justiça em particular não têm que encontrar uma equivalência absoluta nos serviços prestados, não estando liminarmente afastada a possibilidade de o legislador ponderar também, para efeitos da fixação do seu montante, a utilidade que os interessados pretendem extrair dos serviços solicitados e prestados, especialmente quando, como ocorre no caso, estamos perante sociedades anónimas que exercem atividades que envolvem elevadíssimos fluxos financeiros.

Não é de estranhar também que quem faz uso de estruturas complexas como os serviços judiciários seja onerado com a realização de contrapartidas que, em lugar de mero sinalagma de serviços de que beneficia, sirva também para suportar uma parcela dos custos globais do funcionamento do sistema de justiça. Como já se decidiu no Ac. do STJ, de 19-9-13, 738/98, relatado pelo ora relator, www.dgsi.pt, a disponibilização genérica e universal do acesso aos tribunais e de uma estrutura judiciária decomposta em diversos graus de jurisdição implica a existência de uma organização de meios humanos e materiais disseminada por todo o território nacional, com a tarefa de tramitar e decidir, em qualquer momento, sem possibilidade de recusa, quaisquer questões que os interessados entendam apresentar.

Exigível é que, como decorre da jurisprudência constitucional sobre a matéria, o pagamento da taxa tenha a sua causa e justificação – material e não meramente formal – na perceção de um dado serviço.

No caso concreto aflora especialmente a elevada complexidade das peças e da tramitação processual, não apenas pela natureza das questões de facto ou de direito adjetivo e substantivo que foram suscitadas como ainda pela acirrada oposição de cada parte em numerosas ocasiões.

Verifica-se ainda que estamos perante sociedades comerciais anónimas que visam a obtenção de lucros e em que naturalmente as despesas relacionadas com litígios, seja as referentes a honorários de advogado, sejam a reportadas a taxas de justiça constituem um elemento que necessariamente entra na respetiva contabilidade ou é projetado nos orçamentos anuais.


a) No que concerne à 1ª instância, a ponderação de todos os fatores que foram assinalados justifica que seja rejeitada qualquer dispensa ou até qualquer redução, tal o nível de litigiosidade que as partes revelaram e o tempo em que para dirimirem os seus interesses mantiveram mobilizado o aparelho de justiça, sejam os juízes que intervieram na ação, sejam os funcionários da secretaria.

O prolongamento da duração da tramitação processual nessa instância tem subjacente a complexidade das questões suscitadas mas sobretudo a complexidade da fase de instrução, fatores que nenhuma das partes facilitou.

Por conseguinte, relativamente ao processado na 1ª instância, é de manter o pagamento da taxa de justiça remanescente.


b) Já na Relação, a complexidade das alegações e da atividade jurisdicional desenvolvida encontra correspondência na complexidade do litígio. Por outro lado, a litigiosidade manteve-se em moldes moderados e apenas foi pressentida a respeito da apresentação de pareceres por cada uma das partes, aspeto marginal que não ultrapassou os limites da razoabilidade.

A atividade exigida da Relação foi de elevada complexidade, não apenas por ter envolvido a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto em diversos pontos relacionados com meios de prova que foram oralmente produzidos como ainda na parte respeitante à resolução de diversas questões de direito adjetivo e material.

Em contraponto, tratando-se de uma instância de recurso, não pode deixar de se ponderar que a sua mobilização envolve a intervenção de magistrados judiciais especialmente qualificados pelo seu mérito profissional.

Já, porém, o facto de terem sido proferidos dois acórdãos pela Relação deveu-se simplesmente a que foi detetada a nulidade do primeiro, por omissão de pronúncia.

Daí que na Relação se justifique uma redução da taxa de justiça remanescente em 40%, ficando em falta, por isso, 60%.


c) Quanto ao Supremo Tribunal de Justiça, é bastante mais fácil formular um juízo de proporcionalidade em face do que aqui ocorreu com a interposição de recursos de revista nos termos gerais e em termos excecionais.

Tratando-se de um tribunal de revista cujo acesso é condicionado por múltiplos fatores, é natural que devam ser mais exigentes os requisitos para moderar a dispensa de taxa de justiça remanescente.

Mas, por outro lado, o facto de ter sido proferido um anterior acórdão deveu-se, como já se afirmou, à verificação de uma nulidade do primeiro acórdão da Relação, por omissão de pronúncia.

Nestas circunstâncias, o elemento que permite justificar uma redução significativa da taxa de justiça liga-se especialmente ao facto de, antes de o processo estar inscrito para tabela, ambas as partes terem assinalado o propósito de alcançarem um acordo global, assim ficando dispensado o aturado estudo que exigiria a apreciação do mérito do recurso. Tal propósito veio a confirmar-se através da transação que foi homologada e que, além do mais, envolveu a repartição da responsabilidade pelas custas por ambas as partes na proporção de metade.

Ainda que tal resultado final não obscureça o nível de litigiosidade anterior, o tempo de duração do processo e a complexidade da tramitação e das questões jurídicas que estavam em causa, trata-se de um elemento objetivo que necessariamente deve entrar na equação quando se pretenda valorizar o comportamento das partes e o facto de não ter existido necessidade de uma pronúncia sobre o mérito deste segundo recurso de revista.

Nesta medida, parece proporcionado, adequado e justo que se reduza a taxa de justiça remanescente em 50% no primeiro recurso de revista e em 75% neste segundo recurso de revista, ficando em dívida a parte restante de 50% no primeiro e de 25% no segundo.


10. Face ao exposto:

- Indefere-se o requerimento de ambas as partes no sentido da dispensa de pagamento de taxas de justiça remanescentes;

- Declara-se relativamente a cada uma das partes:

a) A manutenção da exigibilidade das taxas remanescentes na 1ª instância;

b) A redução em 40% das taxas de justiça remanescentes na Relação

e

c) A redução em 50% e em 75%, respetivamente, das taxas de justiça remanescentes no primeiro e no segundo recurso de revista.

Notifique.


Lisboa, 20-12-21


Abrantes Geraldes (relator)

_______

[1] O legislador acabou por recuperar uma solução que já constara do art. 27º do anterior CCJ, no qual se previa que “nas causas de valor superior a € 250.000,00 não é considerado o excesso para efeito do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente”, “sendo o remanescente considerado na conta a final” (nºs 1 e 2). Mais se prescrevia que “se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente” (nº 3). Previa-se ainda no nº 4 que “quando o processo termine antes de concluída a fase de discussão e julgamento da causa não há lugar ao pagamento do remanescente”.
[2] No Ac. do Trib. Const. nº 421/2013, foi julgado inconstitucional a norma do art. 6º, na versão emergente do Dec. Lei nº 52/11, de 13-4, conjugada com a Tabela I-A, “quando interpretada no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo, não permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título”.
[3] Já depois disso, considerou-se que o novo preceito não estava ferido de inconstitucionalidade num caso em que, apesar de o réu ter sido absolvido da instância, a reconvenção foi julgada parcialmente procedente, verificando-se, assim, que o seu vencimento era meramente parcial – Ac. do Trib. Const. nº 116/2020.