Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
83/15.9GILRS.L1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SÃO MARCOS
Descritores: COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VÍCIOS DO ARTº 410 CPP
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
DUPLA CONFORME
QUESTÃO NOVA
TRÂNSITO EM JULGADO PARCIAL
REJEIÇÃO PARCIAL
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
HOMICÍDIO QUALIFICADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CÚMULO JURÍDICO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
PENA ÚNICA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
ILICITUDE
Data do Acordão: 05/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA.
Doutrina:
-Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 291 e ss..
-J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição revista, Coimbra Editora, p. 516.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 374.º, N.º 2, 379.º, N.º 1, ALÍNEA A), 400.º, N.º 1, ALÍNEA F), 410.º, N.ºS 1, 2 E 3, 412.º, N.ºS 3 E 4, 414.º, N.ºS 2 E 3, 420.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 131.º, 132.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS C) E E) E 152.º, N.ºS 1, ALÍNEA D), 2, E 3, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 12-11-2009, PROCESSO N.º 200/06.0JAPTM;
- DE 02-10-2010, PROCESSO N.º 651/09.8PBFAR.E1.S1;
- DE 24-05-2012, PROCESSO N.º 281/09.4JAAVR.C1.S1;
- DE 11-07-2013, PROCESSO N.º 631/05, TAEPS.G1.S1;
- DE 11-07-2013, PROCESSO N.º 1690/10.1JAPRT.L1.S1;
- DE 12-09-2013, PROCESSO N.º 617/11.8JABRG.G1.S1;
- DE 02-12-2013, PROCESSO N.º 237/12.0GDSTB.E1.S1;
- DE 18-12-2013, PROCESSO N.º 137/08.8SWLSB.L1.S1;
- DE 18-12-2013, PROCESSO N.º 1086/09.8JACBR.C1.S1;
- DE 14-05-2014, PROCESSO N.º 42/11.0JALRA.C1.S1;
- DE 17-12-2014, PROCESSO N.º 937/12.4JAPRT.P1.S1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:



- DE 21-12-2011, ACÓRDÃO N.º 659/2011, PROCESSO N.º 670/11;
- DE 04-04-2013, ACÓRDÃO N.º 186/2013.
Sumário :
I - Tendo o Ministério Público no recurso interposto para a Relação impugnado a matéria de facto dada como provada pelo tribunal de 1ª instância, mas apenas e tão-só restrita aos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, logo limitada ao texto da decisão recorrida, improcede a alegada inobservância, por parte do recorrente Ministério Público, do disposto no art. 412.º, n.º s 3, e 4, do CPP. II - Limitando-se o Tribunal da Relação a apreciar e decidir a questão de facto colocada pelo Ministério Público na perspectiva da existência de vício de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, o Tribunal da Relação não a enfrentou sequer sob a vertente da existência de eventual erro notório na apreciação da prova, pelo que, é despropositada a questão suscitada pelo recorrente no que respeita à alegada inexistência de erro notório na apreciação da prova no que tange à decisão proferida em 1.ª instância. III - Apesar de no art. 434.º do CPP se fazer menção ao disposto no artigo 410.º, n.ºs 2, e 3 do citado diploma, verdade é que o conhecimento dos referidos vícios acha-se subtraído à alegação do recorrente e, como tal, não pode constituir fundamento de recurso. IV - Tal não impede o STJ de se pronunciar oficiosamente, o que vale por dizer por sua iniciativa, sobre os mencionados vícios, contanto que resultem do texto da decisão recorrida e como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito aos factos que, porventura, se revelem manifestamente insuficientes, fundados em errónea apreciação ou assentes em pressupostos contraditórios. V - Não tendo o arguido recorrente impugnado pela via recursiva o segmento do acórdão proferido em 1.ª instância, que o condenou no pagamento de uma indemnização fixada a favor do assistente, o mesmo transitou em julgado. Daí que, nesta parte e por iniciativa do arguido e ora recorrente, a decisão não seja passível de recurso, havendo, como tal, que rejeitá-lo nessa parte (arts. 434.º, 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.ºs 2, e 3, todos do CPP). VI - Tendo o tribunal recorrido fundamentado tanto quanto baste a sua decisão quer quanto à requalificação jurídica dos factos a que procedeu quer quanto à medida da pena parcelar que aplicou pelo crime de homicídio qualificado e bem assim à pena conjunta, forçoso é considerar improcedente a nulidade por falta de fundamentação [arts. 379.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 374.º, n.º 2, aplicável ex vi art. 425.º, n.º 4, todos do CPP] invocada pelo recorrente. VII - Atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, não é admissível recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirme a decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, pelo que se decide rejeitar o recurso apresentado pelo arguido na parte em que impugna a pena parcelar de 3 anos de prisão pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, e 3, al. a), do CP, em que foi condenado. VIII - De harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 410.º do CPP, os recursos dirigidos a um tribunal superior, maxime ao STJ, não se destinando a apreciar questões novas, não visam resolver, em primeira linha, questões que não hajam sido suscitadas e apreciadas nas instâncias. IX - Considerando que emerge da factualidade provada que o arguido (de 29 anos de idade), causou a morte de uma criança, de 2 anos de idade (filha da sua companheira, com quem vivia em economia comum), sobrevinda às múltiplas lesões sofridas, em resultado de pancadas e sobretudo socos que o arguido, de forma «rápida e brutal» e indiferente à dor e ao horror que lhe causava, desferiu, atingindo-a em várias partes do corpo, designadamente na cabeça, actuando este com dolo eventual, ciente que a mesma, devido à idade e compleição física, era especialmente vulnerável, e representando como possível resultado dessa sua conduta, que fossem atingidos órgãos vitais e viesse a provocar a morte, resultado com o qual se conformou, não merece censura a requalificação jurídica dos factos efectuada pelo tribunal recorrido que condenou o recorrente pela prática como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. c) e e), todos do CP. X - Não postergando embora a inquestionável gravidade dos factos, a indesmentível intensidade da culpa com que o mesmo agiu, bem como o grau de exigibilidade, consabidamente elevado, que reclamam as necessidades de prevenção geral, mas ponderando, a par de todo este circunstancialismo, a circunstância de o crime em referência ter sido cometido com dolo eventual (a mais leve das modalidades que o mesmo pode assumir), as condições pessoais do arguido, designadamente as atinentes à idade que contava aquando dos factos (29 anos), à sua modesta condição social e situação económica, ao apoio familiar com que conta, e à capacidade que tem revelado possuir para, em contexto institucional, manter um comportamento adequado às regras estabelecidas, julga- se mais ajustada aplicação ao arguido pela prática do crime de homicídio qualificado a pena de 12 anos de prisão, em detrimento da pena de 13 anos de prisão aplicada na decisão recorrida. XI - Perante uma moldura abstracta de cúmulo jurídico entre 12 e 15 anos de prisão, ponderando a imagem global dos factos ilícitos da responsabilidade do arguido, que, se representa muito desvaliosa, tendo em conta a acentuada gravidade de que se revestem os mesmos factos, em especial os configurativos do crime de homicídio, mas sem esquecer os integradores do crime de violência doméstica, e o fortíssimo juízo de censura e repúdio que merecem à comunidade, consabidamente muito sensível ao supremo bem jurídico, que é a vida humana, mas também aos maus tratos físicos e psicológicos infligidos, em contexto familiar, às vítimas de violência doméstica, julga-se adequada a pena conjunta de 13 anos de prisão.
Decisão Texto Integral:

I. Relatório

1.

Na Comarca de Lisboa Norte - Instância Central - Secção Criminal – J1, e no âmbito do processo comum colectivo n.º 83/15.9GILRS, o arguido AA foi julgado e, no que para o que ora releva, por acórdão de 29.04.2016:

- Absolvido da prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, e 132.º, números 1, e 2, alíneas c), e e) todos do Código Penal, bem como da pena acessória de expulsão do território nacional prevista nos artigos 151º e 144.º, ambos da Lei n.º 23/2007;

- Condenado, como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, número 1, alínea d), e número 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão – vítima BB;
- Condenado, por via da convolação da qualificação jurídica decorrente da acusação, como autor material de um crime de violência doméstica, agravado pelo resultado, previsto e punido pelo artigo 152.º, números 1, alínea d), 2, e 3, alínea a), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão – vítima CC;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido AA condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Mais foi o arguido AA condenado a pagar aos demandantes:
- DD a quantia de €20.000 (vinte mil euros), acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a data da prolação do acórdão proferido em 1.ª Instância até efectivo e integral pagamento;
- Centro Hospitalar de Lisboa Norte (EPE) a quantia de €4.725,81 (quatro mil setecentos e vinte e cinco euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a data da prolação do acórdão proferido em 1.ª Instância até efectivo e integral pagamento.

2.
Inconformado com esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, limitado à questão da qualificação jurídica dos factos dados como assentes e integradores do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, números 1, alínea d), 2, e 3, alínea a), do Código Penal, perpetrados na pessoa da menor CC, e bem assim à questão relativa à condenação do arguido na pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão, com reflexos no cúmulo jurídico efectuado, e por via do qual foi o arguido AA condenado na pena conjunta de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

3.

Por acórdão de 09.11.2016 do Tribunal da Relação de Lisboa, foi decidido dar provimento ao recurso e, em resultado disso:

- Excluir-se do facto provado descrito no ponto 30 o uso do cabo da vassoura bem como outras referências que no acórdão recorrido vêm feitas a tal propósito e relativas à vítima Isabel;

- Alterar, nos termos sobreditos, o ponto 31 dos factos provados e, em consequência, condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º, e 132 números 1 e 2, alíneas c), e e), do Código Penal (de que foi vítima menor CC), na pena de 13 anos de prisão.

- Em cúmulo jurídico dessa pena com a pena de 3 (três) anos de prisão, cominada pelo crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigoº 152º, números 1, alínea d), e 2, do Código Penal (de que foi ofendido o menor BB), condenar o arguido na pena conjunta de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Manter, no mais, o acórdão recorrido.

4.        

Irresignado com o assim decidido, o arguido AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo da motivação apresentada extraído as seguintes conclusões[1]:

1- O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa pelo qual, dando provimento ao Recurso interposto pelo MP, procedeu à alteração dos factos provados, pontos 30 e 31 do douto acórdão da 1ª Inst., elevando a pena aplicada de 7 anos e 6 meses para 14 anos de prisão.

2- Isto por se considerar que, a conclusão a que chegou o tribunal recorrido no tocante à não conformação com o resultado morte (ponto 31) não se adequa às circunstâncias concretas e efectivamente apuradas, pelo que...verificando-se o vicio previsto no art.º 410º/2, al. b) do CPP, pelo que deve o recurso proceder, o que implica a modificação da matéria de facto dada como provada no ponto 31, no sentido seguinte:" O arguido agiu com o propósito conseguido de molestar a integridade física da CC, o que quis e conseguiu, bem sabendo que a mesma, devido à sua idade e compleição física, era especialmente vulnerável tendo representado como possível resultado da sua conduta, mormente dos socos que desferiu na cabeça da ofendida, que poderia atingir órgãos vitais, o que aconteceu, sendo que foi de tal agressão que sobreveio a morte da CC, resultado com o qual se conformou.

3- Decisão com a qual o ora recorrente não pode concordar. Senão vejamos:

4- No recurso interposto da matéria de facto, o MP não deu cumprimento ao disposto no art.º 412º n.º 3 e 4 do CPP (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa), razão porque e em consequência com a jurisprudência dominante e o disposto nos artigos 419º n.º 4 a) e 420º do CPP, deveria/deve julgar-se improcedente a impugnação da matéria de facto, rejeitando-se o recurso.

5- Pelo que, infundada se mostra a decisão ora recorrida perante ausência de tais elementos de prova, desde logo na parte da referida matéria de facto constante dos pontos 30 e 31 dos factos provados. Com efeito,

6- Resultou, ademais, como matéria de facto provada, quer pelas declarações das testemunhas inquiridas em audiência, incluindo as da acusação, que o arguido jamais maltratou os menores BB e CC que era quem tomava conta delas uma vez que a mãe trabalhava durante o dia todo, cuidava delas, dava-lhes refeições banhos, leva-os a creche, entre outros cuidados do dia-a-dia (CD1).

7 - Por sua vez, em audiência de julgamento, o arguido negou, por não corresponder à realidade, que tenha violentado os menores, CC e BB e, asseverou ante o tribunal da 1.ª instância que sempre procurou dar-lhes o maior conforto possível, pois não tinha filhos e os considerava como tais. Pelo que,

8- Jamais quis ou tenha representado, sequer, como possível que da sua conduta proviesse a morte de CC.

9- Aliás, o próprio MP recorrente, embora discordando da pena de 7 anos e 6 meses aplicada ao ora recorrente, pediu que a pena fosse alterada de 7 anos e 6 meses, para 9 anos de prisão, porém, jamais os 14 anos ora imposta. Isto porque,

10- A senhora procuradora da república recorrente, percepcionou a forma clara, sincera e credível, como o ora recorrente relatou os factos ocorridos, bem como a forma não tão menos sincera e credível como as 8 testemunhas que presenciaram os factos depuseram em audiência de julgamento;

11- Tanto assim é que, a própria mãe das crianças (com quem o recorrente continua mantendo relacionamento normal e que o visita nos EPs), no decurso das audiências, escutou as declarações deste, em silêncio, sem que as tenha desmentido, em alguma momento, não obstante ter-lhe sido dada essa oportunidade de o fazer caso quisesse. Pelo que,

12- O Tribunal da 1.ª instância fez uma correcta análise e interpretação da prova, apreciando-a segundo os ditames legais do artigo 127º do CPP, ou seja, segundo as regras da experiência comum e a lógica do homem médio, sempre na procura da verdade material.

13- Atento que o princípio da livre apreciação da prova atribui ao julgador uma liberdade que visa exclusivamente a descoberta da verdade devendo obediência a critérios de objectividade e às regras da vida, formulando conclusões subordinadas apenas à razão e á lógica.

14- Aliás, baseando-se em tal princípio, o Tribunal em 1ª instância, pôde formar a sua convicção optando pelos depoimentos das testemunhas de acusação e da defesa, bem como outros meios de prova que considerou verdadeiros e isentos.

15- Aliás, toda a factualidade se encontra descrita de forma suficiente, clara e escorreita sem qualquer obscuridade, erros ou contradições, correspondendo de forma fidedigna à prova produzida em julgamento ou obtida no decurso do processo, não se verificando no douto Acórdão, quaisquer dos vícios a que se reporta o artigo 410º nº 2 do CPP, mantendo a fundamentação colhida de que o arguido não se conformou (ponto 31), com o resultado morte.

16- Sendo certo que qualquer dos apontados vícios só pode ocorrer se resultasse do texto do Acórdão por si só ou conjugado com as regras da experiência.

17 - Pelo que, inexiste em nossa opinião qualquer erro notório na apreciação da matéria de facto provada e não provada no douto acórdão da la instância (art.º 410º/ CPP).

18- O qual só "Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrada a partir do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum». (Ac. STJ de 17.12.97, BMJ, 472,407).

19- O que não é o caso, a nosso ver.

20- Acresce que, o acórdão recorrido padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no que se refere aos pontos 30 e 31 dos factos considerados provados pelo tribunal a quo.

21- Mostrando-se também violados nessa parte, os comandos legais contidos nos artºs 283º/3 al. b) e 374º/2 do CPP e 32º/1 da CRP.

22- De resto a interpretação do disposto nos artºs 283/3 al. b), 374º/2 ambos do CPP, no sentido de que é permitido o uso de formas verbais condicionais e conceitos vagos na imputação dos factos ao recorrente, constitui violação do princípio constitucional da tipicidade, da proibição do recurso à antologia e do in dubio pro reo, consagrados nos art.º 29º/1 e 3 e 32º/2 ambos da CRP.

23- O acórdão sob censura padece ainda do vício de contradição insanável entre a sua fundamentação e a decisão, quanto à matéria de facto provada art.º 410/2 al. b) do CPP.

24- Igualmente enferma o acórdão, ora recorrido do vício de omissão de fundamentação, no que concerne à qualificação jurídica operada e á consequente medida concreta da pena aplicada ao recorrente.

25- Além do mais, a pena concreta a aplicar ao recorrente, atentas as razões já indicada, isto sem conceder, deveria ter-se situada no limite inferior a 9 anos de prisão, 8 anos e 6 meses, pelo que,

26- Tanto as penas parcelares de 13 anos e 3 anos de prisão, como a pena única de 14 anos de prisão são exageradas.

27 - Por fim, entende o recorrente que, perante os factos dados como provados, e a prova produzidas em audiência de julgamento, o tribunal recorrido qualificou incorrectamente a norma jurídica àqueles mesmos factos, designadamente os constantes dos citados pontos 30 e 28- Por outro lado e, quanto ao pedido civil, inexiste nexo causal entre a sua conduta e os eventuais prejuízos sofridos pelo assistente, Pai, pelo que o pedido de indemnização contra si deve improceder, igualmente por falta de prova, pois dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência depreendeu-se que o assistente, não cuidava da filha, enquanto viva, nem mesmo quanto á pensão de alimentos a que estava obrigado e condenado a pagar.

29- Por todo o exposto, entende-se não ser possível estabelecer um nexo causal que impute ao recorrente a prática de um crime de homicídio, devendo, em consequência, ser revogada o acórdão recorrido;

30- Considerando que, como ficou vincado supra, nem no decurso do inquérito ou em audiência de julgamento resultou da matéria de facto provada que o mesmo tenha desferido socos na cabeça da CC, com violência, representando como possível que daí adviesse a morte da mesma, como se depreende do acordo recorrido.

31- Sendo certo que a uma prova produzida nesse sentido foi pela confissão do recorrente que afirma ter desferido carolas no couro cabelo da vítima, quando se apercebeu que os miúdos tinham feito coco na sala, acrescentado ainda que CC caiu na casa de banho e bateu com a cabeça num dos canos (provou que a casa de banho estava em obras), no momento em que se ausentou, para um dos quartos á procura de toalha, tê-la aí deixado sozinha.

32- Daí em consequência deve o arguido ora recorrente, ser absolvido, da prática dos crimes de homicídio qualificado e violência doméstica, bem como do pedido de indemnização cível (atenta a prova feita de que o demandante jamais quis saber da filha enquanto esta era viva, entende o arguido) e/ou punindo-o nos termos do art.º 155º CP, pela prática de um crime de ofensa á integridade física na pessoa de CC, na pena de prisão que não ultrapasse os 5 anos suspensa na sua execução.

33- Porém, sem conceder, a dar os factos como provados, a pena pela prática de homicídio devia situar-se em 8 anos e a pena pelo crime de violência doméstica em 1 anos e 6 meses e em cúmulo na pena única de 8 anos e 6 meses.

34- Assim foram violados os artºs 71º e 72º do C.P, 127º, 283º/3 al b), 374º do CPP, art.º 32/1º da CRP.

5.

Notificado do motivado e assim concluído pelo recorrente, respondeu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando, em resumo:

a. O recurso do Ministério Público da decisão condenatória da 1.ª instância fundamentou-se na existência do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão (artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP);

b. Apreciando o recurso, no uso dos seus poderes de cognição em matéria de facto e em matéria de direito e dentro do âmbito definido pelas conclusões do Ministério Público e pelos poderes de conhecimento oficioso, o acórdão recorrido baseou-se exclusivamente no texto da decisão da 1.ª instância;

c. Sendo fundamento do recurso a existência do referido vício, resultante do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência (artigo 410.º, n.º 2, do CPP), não poderia este tribunal da Relação socorrer-se, como não se socorreu, de outros elementos, nomeadamente dos resultantes da gravação da prova em audiência;

d. A modificação da matéria de facto relativamente aos factos que preenchem o ilícito típico do crime de homicídio qualificado de que foi vítima CC ocorreu no âmbito dos poderes conferidos ao tribunal da Relação para suprimento do vício da decisão verificado no acórdão recorrido (artigo 426.º e 431.º do CPP);

e. Carece, assim de fundamento, o argumento do recorrente de que tal modificação só poderia ter ocorrido na procedência de recurso da decisão em matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º s 3 e 4, do CPP;

f. Os factos provados integram o tipo de crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, al. c), e e), do Código Penal.

g. Tendo em conta a moldura da pena correspondente a este tipo de crime, de 12 a 25 anos de prisão, e os factores de determinação da pena a que se refere o artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, a pena de 13 anos de prisão não é excessiva;

h. Tal como não é excessiva a pena única de 14 anos e 6 meses de prisão resultante das penas parcelares dos crimes de homicídio e de violência doméstica, em concurso, de 13 e 3 anos de prisão, respectivamente, tendo em consideração a moldura do cúmulo – de 13 a 16 anos – e os factores de determinação da pena estabelecidos no artigo 77.º do Código Penal;

i. O acórdão recorrido não se mostra afectado por qualquer dos vícios a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP e observa as exigências de fundamentação do artigo 374.º, n.º 2, não se verificando qualquer das nulidades previstas no artigo 379.º, aplicável ex vi artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma.

Rematou o Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.

6.

Admitido o recurso, foram os autos remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça, onde, na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, número 1, do Código de Processo Penal, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta apôs o seu visto.

7.

Por ter sido requerida a realização de audiência (número 5 do artigo 411.º do Código de Processo Penal), procedeu-se à mesma para, de acordo com o peticionado pelo recorrente, serem debatidos “30 e 31 do acórdão recorrido, 29 e 30 da conclusão do recurso, bem como toda a matéria de factos provados e não provados”.

Assim, no início da audiência, a Relatora enunciou as questões que, abordadas na motivação do recurso e respectivas conclusões, são merecedoras de exame por parte deste Tribunal, nos termos do número 1 do artigo 423.º do Código de Processo Penal.

Nas alegações oralmente proferidas, o Excelentíssimo Mandatário do arguido AA reiterou, em suma, a posição já defendida no recurso que interpôs para este Tribunal, e o Excelentíssimo Mandatário do demandante DD pugnou, em resumo, pela manutenção da decisão recorrida.

Por sua vez, a Excelentíssima Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal deu por reproduzida a resposta apresentada pelo Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa e, como assim, pronunciou-se no sentido de não merecer provimento o recurso interposto pelo arguido.

8.

Tudo visto, cabe decidir.

***

II. Dos Fundamentos

II.1  ̶  De Facto

A matéria de facto dada como assente pelo tribunal recorrido é a seguinte:

1 - O arguido AA, também conhecido por "..." ou "tio ..." e a arguida EE, viveram como se de marido e mulher se tratassem, em comunhão de mesa, leito e habitação desde data não concretamente apurada, mas que se situa entre o final do ano de 2013 e o início do ano de 2014 e até ao dia 10 de Abril de 2015, na Rua ...

2 - Durante esse período de tempo, com o casal viveram igualmente os filhos da arguida EE, BB, nascido a ....2010, o qual não possui no seu registo civil o nome do seu pai e CC, nascida a ....2012, filha de DD, assistente nestes autos.

3 - CC e BB estavam entregues ao cuidado da sua mãe, a arguida EE, residindo com esta, conforme acordo de responsabilidades parentais homologado por sentença judicial, pelo que, incumbia a EE, nomeadamente, durante o período temporal aqui descrito, na qualidade de progenitora de ambos, além do mais, obrigação legal de zelar pela segurança e saúde dos seus filhos.

 4 - Durante esse período, a arguida EE trabalhou com empregada de limpeza no Mercado Abastecedor da Região de Lisboa, saindo de casa muito cedo, cerca das 6 horas e 30 minutos, só regressando à referida residência por volta das 17 horas.

5 - Durante o período em que viveram todos juntos, o arguido assumiu, perante a arguida e as crianças, o papel de cuidar e educar as mesmas durante a maior parte do dia.

6 - Sendo que, algumas semanas depois de terem iniciado a sua vida em comum, AA, por ter disponibilidade e em comum acordo com a arguida, durante o dia, quando esta não se encontrava em casa, passou a tomar conta de BB e CC, dispensando os serviços de uma ama.

7 - Assim, era o arguido AA, que todos os dias, desde que EE saía para o trabalho e até ao seu regresso, que cuidava dos seus dois filhos, CC e BB.

8 - Designadamente, o arguido ia deixar BB à escola que este frequentava, pelas 9 horas, acompanhado de CC.

9 - Após, regressava a casa com CC e cuidava desta.

10 - Indo, durante a tarde, buscar BB à escola, ficando com os dois menores a seu cargo até que a arguida EE voltasse para casa do trabalho.

11 - Sendo que, por vezes, BB não ia à escola, ficando o arguido sozinho, naquela casa com ambos os menores, durante todo o período de ausência da arguida.

12 - Nos dias que antecederam o dia 9 de Abril de 2015 e nesse mesmo dia, por razões que não foram possíveis apurar, o arguido AA desferiu diversas pancadas, de modo não totalmente apurado, usando para tanto, as mãos ou o cabo de uma vassoura, na face, costas e glúteos de BB.

13 - Como consequência directa e necessária da conduta descrita do arguido, BB sofreu dores nas regiões atingidas, bem como um hematoma no olho esquerdo.

14 - Como habitual e já descrito, no dia 10 de Abril de 2015, por volta das 8 horas e 45 minutos, depois de EE ter saído para trabalhar, o arguido AA encontrava-se na residência que partilhava com a arguida EE e os dois filhos desta.

15 - Dirigiu-se, então, à divisão onde dormiam CC e BB e apercebeu-se que estes tinham defecado e sujado, assim, a cama onde dormiam e as roupas que vestiam e que tendo acordado antes dele se entretinham a brincar com as fezes, assim conspurcando a divisão.

16 - Irritado com esse facto, o arguido desferiu um número não concretamente determinado de socos que atingiram ambas as crianças na cabeça.

17 - Acto contínuo, levou as crianças para a casa de banho, onde lhes deu banho com água fria.

18 - Aterrorizadas com o comportamento do arguido, tanto CC como BB choravam compulsivamente.

19 - De seguida, enfurecido com o choro das crianças, o arguido voltou a desferir um número não concretamente apurado de socos, com extrema força e violência, de forma indómita e repetidamente no seu corpo, que atingiram as duas crianças em diversas partes do corpo, nomeadamente, na cabeça, bem como diversas palmadas nas nádegas destas crianças.

20 - Mais concretamente, o arguido AA atingiu CC na cabeça, nas nádegas e nas costas e BB na cabeça, nas nádegas e no tórax.

21 - Em resultado da conduta do arguido e no momento seguinte ao ora descrito CC caiu inanimada, no chão, perdendo os sentidos, tendo sido assistida pelos bombeiros e assistida e transportada pela equipa médica do INEM para o Hospital de Santa Maria onde deu entrada em "estado neurológico comatoso secundário a extensas lesões cerebrais traumáticas e isquémicas irreversíveis" e onde foi prontamente assistida.

22 - Mais concretamente, aquando da sua entrada no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, CC, em resultado da conduta descrita do arguido, apresentava diversas lesões no corpo de CC, designadamente:

- traumatismo craniencefálico grave;

- hematoma subdural fronto-temporo-parieto-occipital esquerdo extenso;

- hematomas epicranianos frontal direito

- lesões isquémicas de todo o hemisfério esquerdo e território da artéria cerebral anterior direita;

- estado neurológico comatoso secundário a extensas lesões cerebrais traumáticas e isquémicas irreversíveis.

23 - Em consequência directa e necessária de tal conduta do arguido, CC veio a falecer no dia ,,,.2015, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, tendo o seu óbito sido declarado às 19 horas e 45 minutos.

24 - Sendo que sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia médico-legal de fls. 578 a 584, cujo teor se dá por reproduzido, designadamente:

- hematomas epicranianos frontal direito, parietal esquerdo e occipital esquerdo e "hematoma subdural agudo fronto-temporo-parieto-occipital esquerdo medindo 10 mm de maior espessura";

- infiltrações hemorrágicas múltiplas do couro cabeludo e aponevrose e epicraniana, hematoma subdural, hemorragia lepto meníngea, subaracnoídea;

- infiltrações hemorrágicas múltiplas nas regiões glúteas e no membro superior direito

- lesões traumáticas meníngeo-encefálicas descritas.

25 - Tais lesões causadas pelo arguido da forma descrita produzidas por acção de natureza contundente - lesões traumáticas meníngeo-encefálicas descritas - foram a causa directa e necessária da morte de CC (tudo conforme consta do relatório de autópsia de fls. 578 a 584, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).

26 - Em consequência directa e necessária de tal conduta do arguido, BB ficou internado no Hospital de Santa Maria entre 10.04.2015 e 05.05.2015 e sofreu dores nas regiões do corpo atingidas, bem como hematoma epicraniano parieto-occipital direito com extensão frontal, hematomas na face, na pirâmide nasal à direita e na zona infra orbitária esquerda, escoriações cervicais e na região infra mamilar à esquerda, escoriações nos membros superiores, hematoma na face interna do cotovelo esquerdo e face interna do antebraço esquerdo, escoriações no dorso, hematoma longitudinal com cerca de 50 mm na região lombar esquerda, hematoma longitudinal na região externa da coxa esquerda com cerca de 70 mm, bem como múltiplas escoriações em ambas as nádegas, volumoso hematoma eritematoso na nádega esquerda com zonas violáceas, quente, duro ao toque, doloroso e múltiplas escoriações eritematosas de várias tonalidades (eritematosas, violáceas, castanhas) na nádega direita.

27 - As diversas lesões apresentadas pelo ofendido BB, designadamente as lesões apresentadas na região glútea, evidenciavam diferentes colorações (vermelho, arroxeado e castanho), sendo que algumas delas foram causadas pelo arguido antes do dia 10.04.2015, nos moldes já descritos.

28 - Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, BB ficou internado no Serviço de Pediatria daquele hospital até dia 5 de Maio de 2015, data em que teve alta, tendo as suas lesões determinado o período de 30 dias de doença para curar, todos com incapacidade para a frequência escolar.

29 - O arguido mede cerca de 1,90 metros de altura, possuindo uma compleição física forte e força física compatível com estas características, tendo consciência da força que possui.

30 - A sua força e a violência com que as suas mãos (e o cabo da vassoura, instrumentos contundentes, utilizados pelo arguido contra o corpo e a cabeça de uma criança de dois anos de idade) eram adequados a produzir lesões mortais, o que ele bem sabia, e cujas características perigosas e potencialidades letais bem conhecia.[2]

31 - O arguido agiu com o propósito conseguido de molestar a integridade física da CC, o que quis e conseguiu, bem sabendo que a mesma, devido à sua idade e compleição física, era especialmente vulnerável tendo representado como possível resultado da sua conduta, mormente dos socos que desferiu na cabeça da ofendida, que poderia atingir órgãos vitais, o que aconteceu, sendo que foi de tal agressão que sobreveio a morte da CC, resultado com o qual se conformou mas que adveio directa e necessariamente da sua conduta.[3]

32 - O arguido quis usar as suas mãos e o cabo da vassoura nas condições supra descritas.

33 - Sabia o arguido que agredindo CC da forma descrita, rápida e brutal de sem que a mesma pudesse evitar a agressão atenta a sua idade ou dela se pudesse defender, a qual dependia de si para os seus cuidados, utilizando a sua superioridade física, tornava impossível a defesa por parte desta.

34 - O arguido agiu por irritação com a circunstâncias daquelas crianças terem sujado a roupa com as suas fezes e por CC, de dois anos de idade, estar a chorar compulsivamente perante o comportamento descrito do arguido, revelando com tal actuação infundamentada um completo desprezo pela vida humana, concretizando os seus intentos, indiferente à dor e ao horror causados a CC e a BB.

35 - O arguido sabia que a sua conduta era apta a maltratar a integridade física e psíquica de BB e CC, lesar a sua integridade moral e dignidade pessoal, bem como sabia que os mesmos eram filhos da sua companheira, que dependiam de si para os seus cuidados básicos e estavam entregues aos seus cuidados, residindo todos juntos, e que os estava a maltratar física e psiquicamente na residência desta família e, por vezes agindo deste modo enquanto cada uma destas crianças assistia ao que o seu irmão sofria e, não obstante, quis agir da forma por que o fez com o propósito de alcançar tal resultado, o que conseguiu, agindo sempre com desprezo e crueldade.

36 - O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

37 - Das condições sociais do arguido AA: Nascido em Portugal e um de três filhos de casal oriundo de ... radicado no nosso país há já muitos anos, o período da primeira infância do arguido terá decorrido no agregado familiar de origem, contexto familiar que, do apurado, seria regido por uma dinâmica familiar disfuncional devido a problemas relacionais e comunicativos entre os progenitores, destacando-se também a desestruturação familiar e um quotidiano marcado pela negligência em termos dos cuidados que eram prestados ao arguido.

 Sem qualquer intervenção em termos de acção educativa, na sequência do clima de conflitualidade existente entre os progenitores, e com a saída da mãe do lar familiar, o arguido e o irmão mais novo ficaram entregues aos cuidados do pai, que entretanto viria a encetar outro relacionamento afectivo.

A presença da companheira do pai não terá sido factor de promoção na estabilidade familiar, sendo descrita pelo arguido como figura com alguma capacidade afectiva mas também muito autoritária e punitiva, que recorreria a castigos corporais, por vezes com uso de um cinto, como forma de impor a sua autoridade ao arguido. O progenitor, subempreiteiro na construção civil, por força das obrigações laborais seria pessoa muito ausente no lar. A ruptura do relacionamento afectivo do pai viria a registar-se quando o arguido contava onze anos de idade sendo que refere ter sido por volta dessa data que se registou a sua reaproximação afectiva com a respectiva progenitora,

Ainda no plano familiar o pai do arguido viria a desenvolver novo relacionamento afectivo com outra companheira, o que promoveu alguma estabilidade familiar, ainda que de forma muito ténue.

A desestruturação familiar vivenciada pelo arguido desde tenra idade associada a um crescimento em bairro economicamente desfavorecido e conotado por problemas de delinquência juvenil muito significativos surgem como factores de impacto no seu percurso escolar, que se traduziram em escasso aproveitamento académico, com registo de problemas no âmbito comportamental e reprovações por elevado absentismo. Frequentou a Escola Primária do ... do 1º ao 4º ano de escolaridade tendo então sido transferido para a Escola B+E 2.3 João Vilaret; em ..., onde concluiu o 6° ano de escolaridade, sendo que os dois últimos anos são mencionados pelo próprio como problemáticos identificando os seus comportamentos desajustados à então influência do grupo de pares e início da conduta aditiva (haxixe e consumos abusivas de bebidas de teor alcoólico).

A manutenção de um estilo de vida errático e marcado pela conduta aditiva precipitaram o arguido à prática de ilícitos que culminaram na instauração de um processo tutelar, aos quinze anos de idade, com aplicação de medida de internamento em regime fechado pelo período de dois anos e sete meses, mencionando ter permanecido no Centro Educativo do ... e posteriormente em ..., no Centro Educativo de ..., tendo saído com dezassete anos e meio, após passagem pelo Centro Educativo de ..., Durante a sua institucionalização, o arguido frequentou o ensino recorrente, sem que tenha terminado o equivalente ao 9º ano de escolaridade.

O regresso ao lar familiar do progenitor foi marcado pela sua inserção no mercado laboral, onde passou a colaborar com o respectivo progenitor em tarefas diversas ligadas à construção civil.

Aos vinte anos de idade e ainda integrado no agregado do pai, madrasta e irmão, AA passou a vivenciar um período de alguma escassez laboral, primeiro pelo facto do pai ter abandonado a sua ocupação como subempreiteiro, ficando assim dependente de trabalhos por conta de outrem.

O quadro de precariedade laboral viria a agravar-se por volta dos vinte e cinco anos de idade, conseguindo apenas trabalhos irregulares tipo "biscastes" em obras ou em ferros-velhos, facto que associa à recessão entretanto instalada nesse sector e também à falta de documentação legal, que refere como tendo sido o maior obstáculo no seu acesso ao mercado laboral.

 Em períodos de total inactividade, o arguido diz ter auxiliado a progenitora na gestão do pequeno café que explorava, não havendo conhecimento de qualquer outro desempenho laboral estruturado.

No âmbito afectivo, AA viria a encetar uma relação afectiva com a co-arguida, EE, jovem que terá travado conhecimento através de pessoa conhecida de ambos e ama dos filhos daquela.

Esse conhecimento terá tido na sua origem a cedência/arrendamento de pequeno apartamento de um primo seu a EE e dois filhos menores, situação que seria urgente considerando a expulsão daquela e menores da habitação do respectivo padrasto. AA refere ter cedido a esse pedido urgente, tendo arrendado em Outubro/Novembro de 2013 a habitação à co-arguida e dois filhos menores, nunca tendo todavia exigido qualquer pagamento de renda, sendo que viria a estabelecer uma relação de maior proximidade afectiva com EE, que visitaria com alguma regularidade para ajudar em pequenas reparações domésticas.

Em meados de 2014, o arguido e EE juntamente com os dois menores passaram a viver na habitação do pai do arguido O pai do arguido faleceu há já alguns anos, sendo que a habitação seria habitada pela então companheira, que em 2014, abandonou a habitação,

O relacionamento afectivo entre o arguido e EE foi avaliado por ambos como tendo sido afectivamente gratificante e marcado por laços de interajuda destacando-se todavia a figura de EE como a principal fonte de sustento do lar familiar, pelo menos numa base mais regular, considerando que o AA apenas conseguiria trabalhos irregulares na construção civil.

O contexto sócio familiar do agregado familiar é descrito como precário do ponto de vista económico, considerando os rendimentos modestos auferidos por EE, factor de peso na decisão de ambos em manterem a menor na respectiva habitação à guarda do arguido, no período em que a mãe se encontrava ausente nos seus afazeres laborais, período de ausência que seria entre as 6 horas da manhã até aproximadamente às 17 horas.

A decisão de não manterem a menor sob os cuidados da ama, terá sido meramente por razões de ordem económica, ficando o arguido incumbido de lhe prestar todos os cuidados durante a ausência de EE, bem como de todos os cuidados para com o filho mais velho de EE, que passariam pelos cuidados de higiene e alimentação até ser conduzido à escola.

O relacionamento do arguido para com os menores é avaliado pelo próprio como responsável, afectivo, e sempre presente nos cuidados necessários ao seu bem-estar, rejeitando a punição física sob eles, mencionando apenas ter (sic) “'dado algumas palmadas no rabo da miúda" por esta ter urinado na cama, descrevendo de forma persistente a sua preocupação em manter um quotidiano assente no bem-estar deles, especialmente em relação a menor com quem permaneceria mais tempo,

Do observado, AA apresenta-se como um indivíduo aparentemente calmo, auto-avaliando-se como uma pessoa calma e pacífica, não deixando contudo transparecer as suas emoções, tendo apresentado um discurso centrado na sua pessoa, os seus valores pessoais e como foi sempre um bom "pai" para os dois menores, sendo apenas perceptível numa segunda entrevista traços de alguma emotividade, mencionando ter sido (sic) "uma fatalidade".

Por seu lado, da entrevista realizada com EE, é perceptível uma postura solidária para com o arguido, que refere como uma pessoa afectiva e ter sido sic “um verdadeiro pai” para com os seus filhos, discurso que por vezes surgiu como confuso e algo ambivalente, quando refere ter ouvido da filha menor algumas queixas do arguido lhe bater pelo facto de urinar na cama.

O discurso de EE surge como algo preocupante, percepcionando-se quase que uma ausência de instinto maternal), sobrepondo-se sempre um discurso marcado na sua pessoa, especialmente no momento actual em que faz menção de forma quase que exuberante, ao novo relacionamento afectivo que estabeleceu com novo companheiro, o que parece ser factor para não visitar agora o arguido. Por outro lado, a narração que fez sobre o dia em que a filha deu entrada no hospital é mencionado com preocupação pela sua pessoa por sic" não imagina as horas que estive no hospital sem comer nada", parecendo desvalorizar de certa forma a tragédia ocorrida à filha.

Preso no Estabelecimento Prisional de Lisboa o arguido tem mantido um comportamento institucional correcto, sendo visitado por elementos do respectivo agregado familiar de origem, nomeadamente um dos irmãos e cunhada. A mãe dos menores chegou a visitá-lo, o que não tem acontecido à data presente.

A presente situação jurídico-legal, para além da privação de liberdade e exposição pública associada aos acontecimentos parece deter algum impacto no âmbito afectivo, especialmente no que concerne à ausência de visitas de EE, que parece ser motivo de alguma consternação pessoal, crendo assim que o arguido desejaria manter a relação afectiva com a companheira,

Do observado, o arguido denota consciência da gravidade dos actos pelos quais irá responder em audiência de julgamento.

Do apurado, AA apresenta-se como um indivíduo com factores de risco presentes, quer a nível externo, onde se relevam as reduzidas condições de inserção profissional, condicionadas pela ausência de uma formação profissional e hábitos de trabalho pouco significativos, mas também a nível interno-por características da sua personalidade associadas talvez a um grau 'de baixa tolerância à frustração e mesmo alguma impulsividade com dificuldades na sua gestão.

O discurso do arguido revelou-se conceptualmente pobre, com pouco vocabulário e muito focalizado, quando espontâneo, às circunstâncias constantes no presente processo, com explicação das mesmas numa perspectiva de defesa pessoal. Revelou-se defensivo e com atitude de dissimulação/manipulação, em benefício da sua imagem, no relato que realizou sobre a sua história passada revelando incoerências significativas no expressado nas entrevistas anteriores a que foi exposto no âmbito da elaboração de outros relatórios sociais. Foi confrontado com os relatos anteriormente prestados e teve percepção das incoerências.

Revelou pouca capacidade auto avaliativa e quando a expõe fá-lo de forma a esconder aspectos negativos pessoais e das suas vivências, que possam acarretar prejuízo para o presente processo e comprometam a sua pessoa. Mostrou pouca afectação emocional no relato e evocação que realizou dos factos referentes ao processo.

Em termos intelectuais, AA apresenta uma capacidade de nível médio comparativamente com a sua faixa etária. O pensamento revela-se conceptualmente pouco elaborado, rudimentar e circunstancial, com fraca capacidade de abstracção. A baixa escolaridade, os limitados e pouco diferenciados estímulos sociais e culturais com que lidou e instáveis e indiferenciadas experiências profissionais, constituem aspectos determinantes para este funcionamento.

As suas faculdades mentais tornam-no capaz de entender os significados morais, os interditos sociojurídicos e a licitude/ilicitude dos seus actos, sendo por isso passível de ser responsável pelos seus actos.

Revela uma percepção de si próprio pouco realista e por vezes deturpada, com dificuldade em avaliar as suas dificuldades e em colocar-se em causa (baixa capacidade de insight e atribuição externa de responsabilidades), tendendo a não reconhecer aspectos pessoais mais negativos ou a minimizá-los e desvalorizá-los, dificilmente dando-se a conhecer.

A atitude de manipulação sobre os dados da sua história pessoal e a negação/desconhecimento que revelou sobre os registos no QPC da sua zona de residência e as informações, sobre a sua conduta, prestadas por aquele órgão policial colocam, em evidência, o do traço de personalidade acima avaliado.

A percepção que apresenta de prejuízo pessoal, ao se considerar vítima de discriminação pela sociedade onde se integra, por razões raciais e pela condição sociocomunitária carenciada e conotada com problemática social/criminal, originaram-lhe sentimentos generalizados de desconfiança e frustração.

O desenvolvimento psicossocial e emocional de AA encontra-se eivado de vivências e sentimentos frustrantes e pouco gratificantes, com uma infância vivida com graves carências afectivas e educativas, vítima de maus-tratos ao nível intrafamiliar e de condutas agressivas dos pares pela sua fragilidade e deficiência física (o braço deformado), que lhe definiram uma organização psíquica e defesas a este nível pouco estruturadas/integradas, com consequências negativas na sua auto-estima com falhas, nos recursos internos de gestão/resolução de problemas e nos comportamentos, que posteriormente se revelaram reactivos, impulsivos e hétero agressivos.

De uma infância vivida como vitima, passou a agressor na pré-adolescência/adolescência, esta marcada por identificação a pares e valores associais, exibição de condutas delinquentes com agressividade, contexto que culminou com a sua colocação em Centro Educativo em situação de regime fechado face à gravidade dos seus comportamentos. Já na fase adulta, os contactos com o sistema da justiça, pelos quais foi condenado e os registos do ope da zona de residência) são por crimes de ofensa à integridade física simples e injúria, situações que revelam, da parte de AA, tendência para agir agressivamente, em contexto inter-relacional ou vivencial frustrante.

O tipo de impulsividade que transparece em AA é de característica impulsivo-agressiva, em que a resposta comportamental impulsivo-agressiva é espoletada, quando confrontado com situações sentidas como frustrantes e com carga emocional, como reacção às mesmas, com défices ao nível do planeamento e leitura da realidade e por vezes desproporcionada. A impulsividade é reactiva, emocional e não planeada, com falhas no controlo inibitório dos impulsos.

A exposição a contextos vivenciais de violência, durante a infância, como vítima, e na pré-adolescência/adolescência já como agressor, não lhe terão permitido a estruturação equilibrada desta componente psíquica, emocional/comportamental, que a par de défices que apresenta ao nível do processo de socialização, da capacidade de conceptualização, de auto-avaliação e avaliação das situações sociais/interrelacionais em que se insere e a presença de sentimentos de frustração, de prejuízo pessoal e de sentir-se incompreendido e rejeitado, constituem-se factores predisponentes e explicativos para este traço de personalidade.

Não revela crenças que possam legitimar o uso de violência física enquanto estratégia educativa.

Da avaliação psicológica efectuada conclui-se que:

- O processo de socialização de AA revela problemáticas ao nível do desenvolvimento emocional, psicossocial e comportamental, verificando-se experiências traumáticas na infância, respeitantes ao acidente de viação sofrido e que deixou sequelas físicas que motivaram um longo internamento hospitalar e vivências de humilhação e descriminação interpares em contexto residencial e escolar, a par com negligência e punição física e psicológica nos aspectos dos cuidados educativos intrafamiliares.

A pré-adolescência/adolescência foi marcada por condutas de delinquência juvenil realizada em contexto de pares desviantes e exibição de comportamentos aditivos e internamento em Centro Educativo em regime fechado entre os 15 e os 17 anos e meio, tendo revelado um percurso escolar desajustado, que não lhe permitiu progredir ao nível académico.

Em termos profissionais mostra experiências essencialmente indiferenciadas e pouco regulares. Viveu alguns anos em França, sendo que à data da prisão constituía agregado familiar, com a companheira EE, co-arguida do presente processo e os dois filhos desta, menores vítimas do presente processo. Vivenciava uma situação de vida pouco estruturada, sem exercer uma actividade laboral consistente dependendo socioeconomicamente dos seus familiares, sendo identificado pelo ope da sua zona de residência como um indivíduo que usava o seu poder físico para amedrontar os residentes do bairro para estes não denunciarem as várias ilegalidades praticadas por ele e ainda por indivíduos seus conhecidos e residentes no local, com existência de registos em que é suspeito de ofensas à integridade física simples, crime pelo qual já tinha sido condenado. Durante a sua vida somente conseguiu obter, recentemente, o Título de Autorização de Residência em Portugal, entretanto já caducado.

- Durante a recolha dos dados da sua história pessoal, o arguido revelou incoerências, dissimulando/negando vivências passadas problemáticas e que lhe pudessem vir a ser prejudiciais, como forma de obter ganhos pessoais, dificilmente dando-se a conhecer de uma forma realista. Tem dificuldade em avaliar as suas problemáticas pessoais e a auto- responsabilizar-se, revelando fraco insight.

- Apresenta um desenvolvimento intelectual de nível médio, mas com acentuada incapacidade em aceder a conceptualizações complexas, mas que lhe permite compreender a licitude/ilicitude dos seus actos e das suas consequências, sendo passível de ser responsável pelas suas atitudes e comportamentos.

- Revela superficialidade e pouca ressonância afectiva nas relações interpessoais e nas experiências pessoais e denota sentimentos de vitimização por discriminação racial, que lhe provocam um estado emocional de frustração, desconfiança e de prejuízo pessoal, estado emocional este que poderá ter sobressaído do impacto da presente situação jurídico-penal.

- A impulsividade surge como sintoma de natureza impulsiva-agressiva, onde a resposta comportamental/emocional é reactiva e não planeada e aparece perante experiências subjectivas de frustração, falhando o controlo inibitório dos impulsos/agressividade.

Os fracos recursos que apresenta na gestão emocional/comportamental dos problemas e situações emocionalmente não gratificantes poderão comprometer respostas adaptadas quando confrontado com os mesmos.

Da história pessoal de AA sobressaem uma constelação significativa de factores de risco, estáticos e dinâmicos, identificados no LS/CMI e PCL-R e que poderão contribuir para a avaliação da sua perigosidade, no que respeita à exibição de eventuais comportamentos não normativos futuros, na sua generalidade, dos quais se salienta: a existência de problemas familiares na infância, esta marcada pelo sofrimento de maus-tratos e agressividade pelos pares; delinquência juvenil e pares anti-sociais, comportamentos aditivos; baixa escolaridade, precariedade laboral; condenação penal por ofensas à integridade física simples e registos no OPC por factos de idêntica natureza; padrão anti-social, estilo de vida parasita, superficialidade afectiva, irresponsabilidade e deficiente controlo comportamental e a falta de legalização em Portugal. Apresenta como factores de protecção: os apoios familiares, a capacidade que tem revelado em manter uma conduta adequada em contexto institucional e o enquadramento familiar e profissional futuro, caso em liberdade.

38 - Do CRC do arguido consta:

a) Uma condenação proferida em 11.09.2013, pelo 2º Juízo Criminal do Tribunal de Loures, no âmbito do NUIPC 60/11.9GILRS, transitada em 11.10.2013 pela prática, em 17.01.2011, de um crime de injúria na pena de 50 dias de multa à razão diária de 5 €, pena esta substituída por PTFC, e já extinta pelo cumprimento;

b) Uma condenação proferida em 16.12.2013, pela 2ª Vara de Competência Mista do Tribunal de Loures, no âmbito do NUIPC 58/12.0GILRS, transitada em 28.01.2014 pela prática, em 21.02.2012, de um crime de ofensas á integridade física simples na pena de 120 dias de multa à razão diária de 5 €, pena esta substituída por PTFC, e já extinta pelo cumprimento;

c) Uma condenação proferida em 08.04.2015 pela Secção Criminal da Instância Local de Loures do Tribunal de Lisboa Norte – J4 -, no âmbito do NUIPC 219/13.4GILRS, transitada em 08.05.2015 pela prática, em 28.06.2013, de um crime de ameaças na pena de 100 dias de multa à razão diária de 5 €;

39 - Em consequência destes factos o Centro Hospitalar de Lisboa Norte E.P.E., prestou, no exercício da sua actividade, a seguinte assistência hospitalar à CC:

- Cuidados de saúde, em episódio de internamento (GDH 55 - Traumatismo craniano com coma> 1 hora ou hemorragia), 110 Serviço de Pediatria - Unidade de Cuidados Intensivos, de 10 a 11/04/2015, no valor de € 2.933,88.

40 - Em consequência dos mesmos factos, prestou ainda, no exercício da sua actividade, a seguinte assistência hospitalar ao Ofendido BB:

- Cuidados de saúde, em episódio de internamento (GDH 384 - Contusão, ferida aberta e/ou outros traumas da pele e/ou tecido subcutâneo), no Serviço de Pediatria, de 11 a 22/04/2015, no valor de € 1.407,33;

- Cuidados de saúde, em consulta externa de Psiquiatria Pediátrica, nos dias 28/04/2015, 19/05/2015, 26/05/2015, 02/06/2015, 16/06/2015, 29/06/2015, 07/07/2015, 21/07/2015, 18/08/2015, 01/09/2015, 15/09/2015, 21/09/2015,28/09/2015, 12/10/2015 e 20/10/2015, no valor total de € 240,00;

- Cuidados de saúde em sessões de psicoterapia individual, realizadas nos dias 16/06/2015, 18/08/2015, 21/09/2015, 12/10/2015 e 20/10/2015, e familiar, no dia 15/09/2015, no valor total de € 144,60”.

**

II.2  ̶  De Direito

Face à motivação e às conclusões formuladas pelo recorrente [que, salvo as de conhecimento oficioso, são, como se sabe, as que definem e delimitam o objecto do recurso (número 1 do artigo 412º do Código de Processo Penal], constata-se que as questões suscitadas são as seguintes:

A – Inobservância, por parte do recorrente Ministério Público, do disposto no artigo 412.º, números 3, e 4, do Código de Processo Penal, no recurso que o mesmo interpôs para a Relação da decisão sobre matéria de facto proferida em 1.ª Instância, pelo que infundada se representa a modificação que quanto à mesma, designadamente quanto aos pontos 30, e 31, o tribunal recorrido efectuou (conclusões 4.ª, e 15.ª);

B – Inexistência do vício da decisão consistente em erro notório na apreciação da prova que o tribunal recorrido considerou inquinar o acórdão proferido em 1.ª Instância (conclusões 6.ª a 19.ª);

C – Verificação do vício consistente em insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada pela Relação, no que concerne aos pontos 30, e 31 (conclusão 20.ª);

D – Ocorrência do vício consistente em contradição insanável da fundamentação que afecta a decisão recorrida (conclusão 23.ª);

E – Nulidade da decisão sob impugnação por falta de fundamentação no que diz respeito à qualificação jurídica dos factos e à medida concreta das penas parcelares de treze anos e de três a nos de prisão, e bem assim à pena conjunta de catorze anos e seis meses de prisão (e não de catorze anos de prisão, como refere o recorrente), que são exageradas (conclusões 25.ª a 27.ª);

F – Inexistência de nexo causal entre a conduta do recorrente e os eventuais prejuízos sofridos pelo assistente DD, pai da vítima CC, em relação ao pedido de indemnização civil que, deduzido pelo mesmo, deverá improceder (conclusões 28.ª, e 29.ª);

G – Violação das normas dos artigos 127.º, 283.º, número 3, alínea b), 374.º, números 1, e 2, do Código de Processo Penal, 71.º, e 72.º, do Código Penal, 29.º, números 1, e 3, 32.º, números 1, e 2, da Constituição da República (conclusões 21.ª, 22.ª, e 34.ª).     

Posto isto, vejamos se assiste razão ao recorrente, cuja alegação – há que dizê-lo muito claramente –, assentando numa manifesta e incompreensível imprecisão de conceitos e bem assim numa patente confusão das questões que, apreciadas e decididas por uma e outra das instâncias, o recorrente submete à apreciação deste Supremo Tribunal.

**

2.1

2.1.1 – Das questões sobre a matéria de facto

2.1.1.1 – Da alegada inobservância, por parte do recorrente Ministério Público, do disposto no artigo 412.º, números 3, e 4, do Código de Processo Penal e invocada inexistência de erro notório na apreciação da prova no que concerne à decisão proferida em 1.ª Instância

Como se viu, sustenta o recorrente que a Relação não podia modificar a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal de 1.ª instância, designadamente no que concerne aos pontos 30, e 31 dos factos provados, uma vez que o recorrente Ministério Público não observou o disposto no artigo 412.º, números 3, e 4, do Código de Processo Penal.

Questão que, aliás, o recorrente já havia levantado na resposta que apresentou ao recurso que o Ministério Público interpôs da decisão proferida em 1.ª instância.

Porém, como linearmente flui das conclusões que o Ministério Público entendeu extrair da sua motivação e bem assim do acórdão da Relação ora sob análise, não foi de forma ampla, logo em conformidade com o modelo previsto na citada norma do artigo 412.º, números 3, e 4, do Código de Processo Penal, que o ali recorrente impugnou a matéria de facto dada como provada pelo tribunal de 1.ª instância, mas apenas e tão-só restrita aos vícios do artigo 410.º, número 2, do referido diploma, logo limitada ao texto da decisão recorrida.

Efectivamente, no mencionado recurso que interpôs para a Relação da decisão prolatada em 1.ª instância, o Ministério Público pugnou, então, no sentido de que a mesma se encontrava inquinada do vício a que alude a alínea b) do número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, sendo que, para o caso de assim se não entender, sustentou, à cautela, que a decisão sempre enfermaria do vício a que se refere a alínea c) do mencionado normativo (confira-se conclusões 3.ª a 19.ª da motivação do recurso – páginas 2, e 5 do acórdão recorrido).

Foi assim que, apreciando a questão colocada pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação de Lisboa, considerando que “…os factos provados colidem inconciliavelmente entre si e, ainda, com a fundamentação da decisão, verificando-se, pois, o vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP”, concluiu no sentido de dar provimento ao recurso e, como consequência disso, que havia que proceder à modificação da matéria de facto dada como provada pelo tribunal de 1.ª instância no aludido ponto 31, de sorte que, em relação à mesma, teve como assente que “- O arguido agiu com o propósito conseguido de molestar a integridade física da CC, o que quis e conseguiu, bem sabendo que a mesma, devido à sua idade e compleição física, era especialmente vulnerável tendo representado como possível resultado da sua conduta, mormente dos socos que desferiu na cabeça da ofendida, que poderia atingir órgãos vitais, o que aconteceu, sendo que foi de tal agressão que sobreveio a morte da Isabel, resultado com o qual se conformou.

Quer isto dizer que, limitando-se a apreciar e decidir a questão de facto colocada pelo Ministério Público na perspectiva da existência do invocado vício de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa não a enfrentou sequer sob a vertente da existência de eventual erro notório na apreciação da prova, à cautela alegado pelo recorrente, como referido.

Em face disto, representa-se de todo em todo despropositadas as questões que, suscitadas pelo arguido e ora recorrente AA, se prendem quer com a invocada inobservância, por parte do Ministério Público, do estatuído no artigo 412.º, números 3, e 4, do Código de Processo Penal, quer com a alegada inexistência de erro notório na apreciação da prova no que tange à decisão proferida em 1.ª instância.

Improcede, pois, manifestamente o recurso, neste segmento.

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2.1.2 – Dos invocados vícios da decisão recorrida sobre matéria de facto

Como já aqui se deu conta, sustenta o recorrente que o Tribunal da Relação de Lisboa incorreu nos vícios da decisão a que aludem as alíneas a) e b) do número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal ao modificar a matéria de facto dada como provada pelo tribunal de 1.ª instância nos referenciados pontos 30, e 31, e bem assim em violação das normas dos artigos 128.º, e 283.º, número 3, do Código de Processo Penal.

Porém, como repara o Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça é exclusivamente de direito quando, como no caso em apreciação, intervém, como tribunal de revista.

 E isto ainda que a impugnação da matéria de facto seja limitada aos vícios a que alude o número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Na realidade, como sistematicamente vem afirmando a jurisprudência deste Tribunal[4], apesar de no artigo 434.º do Código de Processo Penal se fazer menção ao disposto no artigo 410.º, números 2, e 3 do citado diploma, verdade é que o conhecimento dos referidos vícios acha-se subtraído à alegação do recorrente e, como tal, não pode constituir fundamento de recurso.

O que, como é bom de ver, não impede o Supremo Tribunal de Justiça de se pronunciar oficiosamente, o que vale por dizer por sua iniciativa, sobre os mencionados vícios, contanto que resultem do texto da decisão recorrida e como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito aos factos que, porventura, se revelem manifestamente insuficientes, fundados em errónea apreciação ou assentes em pressupostos contraditórios[5].

Condicionalismo que, mais adiante se verá se ocorre, ou não, no caso sub juditio, já que, para aplicar o direito, este Supremo Tribunal terá de dispor da indispensável base factual.

De todo o modo, considerando o que acima se deixou referido, importa afirmar, desde já, que a decisão sob impugnação é, neste conspecto, insusceptível de recurso, impondo-se, como tal, rejeitá-lo [artigos 434.º, 420.º, número 1, alínea b), e 414.º, números 2, e 3, todos do Código de Processo Penal].

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2.1.2 – Das questões de direito colocadas no recurso

2.1.2.1 – Do pedido de indemnização civil

Como bem decorre do que mais para trás se referiu a respeito da limitação do recurso que o Ministério Público interpôs da decisão proferida em 1.ª instância para o Tribunal da Relação, tal questão não foi, nem podia ser aliás, suscitada pelo recorrente, posto que, não representando nem o assistente DD nem o demandante Centro Hospitalar de Lisboa Norte (EPE), carecia o mesmo de legitimidade para o efeito.

O que significa que a dita questão não foi sequer objecto de apreciação.

De resto, não tendo o arguido contestado o pedido cível deduzido quer pelo assistente quer pelo demandante, ou interposto recurso do acórdão proferido em 1.ª instância para a Relação que, quanto a esta questão não introduziu qualquer modificação àqueloutra decisão, mal se compreende que venha agora por em causa o resolvido a respeito, designadamente quanto à indemnização fixada a favor do assistente DD.

E mal se compreende que assim aconteça na medida em que, não tendo sido objecto de impugnação pela via recursiva o aludido segmento do acórdão proferido em 1.ª instância, por princípio e sem prejuízo (se for caso disso) do disposto no número 3 do artigo 403.º do Código de Processo Penal, o mesmo transitou em julgado.

Daí que, nesta parte e por iniciativa do arguido e ora recorrente, a decisão não seja passível de recurso, havendo, como tal, que rejeitá-lo [artigos 434.º, 420.º, número 1, alínea b), e 414.º, números 2, e 3, todos do Código de Processo Penal].

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2.1.2.2 – Da arguida nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação

Como referido, sustenta o recorrente que o acórdão sob impugnação se encontra inquinado do vício a que alude a alínea a) [primeiro segmento] do número 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, visto o Tribunal não ter fundamentado o decidido quanto à requalificação jurídica dos factos a que procedeu, e bem assim quanto à medida das penas parcelares de treze anos de prisão e de três anos de prisão, aplicadas pelos crimes de homicídio voluntário qualificado e de violência doméstica, e da pena conjunta de catorze anos e seis meses de prisão.

Não lhe assiste, porém razão.

2.1.2.2.1

A.

Com efeito, pronunciando-se sobre a primeira das problemáticas (a atinente à requalificação jurídica dos factos), o tribunal recorrido, depois de a ter abordado sobre um ponto de vista doutrinal e jurisprudencial, considerou assim (confira-se folhas 1300 a 1304 dos autos (ou páginas 42 a 51 acórdão recorrido):
Como resulta do acima relatado no concernente à vítima CC, o tribunal a quo absolveu o arguido da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c) e e) todos do Código Penal, tendo-o condenado como autor material de um crime de violência doméstica agravado pelo resultado p. e p. pelo art.º p. e p. pelo art.º 152.º, nº1, al. d), 2 e 3 al. a) do Código Penal.

Para assim decidir considerou aquele douto tribunal, no que tange ao elemento subjectivo do tipo não se ter aquele conformado com o resultado morte.
Considera, no entanto, a Ilustre recorrente que “ao invés do decidido pelo Tribunal a quo”, os factos elencados nomeadamente nos parágrafos 14 a 25, 29 a 34 e 36, são subsumíveis no crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas c) e e), ambos do Código Penal «ainda que na modalidade de dolo eventual».

 [T]emos para nós que a conclusão a que chegou o tribunal recorrido no tocante à não conformação com o resultado morte (ponto 31) não se adequa às circunstâncias concretas efectivamente apuradas.

Vejamos então o que resulta da matéria dada como provada.

Primeiro, que o arguido conhecia a potencialidade letal do meio utilizado: as mãos.

Faça-se aqui um parêntesis para referir, por uma questão de rigor, aludir-se no ponto 30 ao uso das mãos e também ao uso do cabo da vassoura [tal como constava da acusação] a verdade é que nos pontos 16, 19, 20, 21 22, 23, 24 e 25 do provado tal utilização nunca é referida.

A utilização do cabo da vassoura vem mencionado no ponto 12 «nos dias que antecederam o dia 9 de Abril de 2015 e nesse dia, por razões que não foram possíveis apurar, o arguido AA desferiu diversas pancadas, de modo não totalmente apurado, usando para tanto, as mãos ou o cabo de uma vassoura, na face, costas e glúteos de BB», tendo portanto por referência outra vitima que não a CC.

A esse respeito esclarece-se na motivação da decisão ter a testemunha - médica pediatra do HSM: FF – relatado apresentar o referido menor marcas de agressões ocorridas em momentos diferentes «mas que com toda a certeza não haviam sido produzidas no dia do atendimento [dia 10.4] e designadamente «um vergão nas costas, compatível com uma paulada».

De resto, deu-se como não provado - e não contestado - que «No dia 10 de Abril o arguido atingiu ambas as crianças com o cabo de uma vassoura em todo o corpo».

Assim e embora - no tocante à aludida utilização do cabo da vassoura -se perspective alguma contradição ela jamais se apresenta como insanável, sendo patente que sempre se resolveria pela simples leitura ou pela confrontação do texto da própria decisão recorrida, tal como acabamos de ver.
Como tal entende-se ser de excluir do facto provado descrito no ponto 30 o uso do cabo da vassoura bem como outras referências que no acórdão recorrido vêm feitas a tal propósito e relativas à vítima CC.

Dito isto e retomando o que vínhamos de dizer o arguido [um jovem com «cerca de 1,90 metros de altura possuindo uma compleição física forte e força física compatível com estas características»] tinha perfeita consciência da força que possuía sabendo que a sua força e a violência com as suas mãos contra o corpo e a cabeça de uma criança de dois anos de idade que sabia «especialmente vulnerável» eram adequados a produzir lesões mortais – ponto 30 e 31.

Segundo, ter o arguido desferido num primeiro momento «um número não concretamente determinado de socos que atingiram ambas as crianças na cabeça» e num segundo momento aquando do banho «enfurecido» com o choro compulsivo das crianças aterrorizadas com o seu comportamento) voltado a desferir-lhes um número não concretamente apurado de socos, com extrema força e violência, de forma indómita e repetidamente no seu corpo, que atingiram as duas crianças em diversas partes do corpo, nomeadamente, na cabeça, bem como diversas palmadas nas nádegas destas crianças»; «mais concretamente atingiu CC na cabeça» agredindo-a de forma «rápida e brutal», «indiferente à dor e ao horror causados a CC» - pontos 16, 17, 19, 20, 33 e 34.
Ora a concreta forma como o arguido actuou contra uma criança de apenas dois anos de idade que sabia ser especialmente vulnerável e «indiferente à dor e ao horror causados a CC» [o que denota um carácter particularmente insensível e propenso à violência] desferindo-lhe socos com extrema força e violência, de forma indómita e repetida, sabendo da potencialidade letal do meio utilizado, atingindo-a nomeadamente “na cabeça” local onde consabidamente se alojam órgãos vitais, causando-lhe graves lesões traumáticas [bem espelhadas no relatório da autópsia] é revelador - face a um tão elevado grau de perigo – que teria o arguido, casualmente, de representar como possível - como qualquer pessoa ainda que que “impulsiva” e “irritada” - a possibilidade de provocar a sua morte e com ela se conformar.
É por isso que, s.d.r., entendemos não ser de manter a conclusão a que se chegou no acórdão recorrido no sentido de considerar provada a não conformação do arguido, com a produção do resultado morte da vítima (ponto 31 da matéria de facto provada).
Anote-se, ainda, surgir essa não conformação fundamentada no «facto de o arguido ter prontamente acorrido ao chamamento do BB, o ter diligenciado pelo socorro e o querer acompanhar a menor aliado ao facto de anteriormente sempre ter demonstrado interesse pelos menores, demonstra que o mesmo a quis manter viva, não resultando que o mesmo tivesse sequer previsto a possibilidade da sua morte».
Acontece, porém, e desde logo, não resultar do provado ter o arguido ocorrido prontamente ao chamamento do BB, nem o ter diligenciado pelo socorro e o querer acompanhar a menor nem tão pouco que anteriormente sempre tivesse demonstrado interesse pelos menores.
É na motivação da decisão que se extrai ter o arguido ficado «genuinamente preocupado tanto mais que veio logo e logo pediu socorro» - cf. pág. 23 [fls. 1138] do douto acórdão recorrido.
De qualquer modo e ainda que assim fosse, ou seja, que o arguido tivesse ocorrido logo ao chamamento do BB e ficado genuinamente preocupado e logo ter pedido socorro, tal não basta em nossa opinião para afastar o dolo de homicídio na modalidade de dolo eventual. É que, do nosso ponto de vista, a conformação ou não conformação com a produção do resultado letal não pode ser desligada do contexto factual em que ocorreu a execução do crime e supra referida.
O que vale por dizer não se mostrar suficientemente fundada a não conformação com o resultado morte.

Posto isto, temos para nós que os factos provados colidem inconciliavelmente entre si e, ainda, com a fundamentação da decisão, verificando-se, pois, o vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP.

Nesta conformidade deve o recurso proceder.

Tal implica necessariamente, a modificação da matéria de facto dada como provada no ponto 31, no sentido seguinte:

- O arguido agiu com o propósito conseguido de molestar a integridade física da CC, o que quis e conseguiu, bem sabendo que a mesma, devido à sua idade e compleição física, era especialmente vulnerável tendo representado como possível resultado da sua conduta, mormente dos socos que desferiu na cabeça da ofendida, que poderia atingir órgãos vitais, o que aconteceu, sendo que foi de tal agressão que sobreveio a morte da CC, resultado com o qual se conformou.

Com esta alteração da fundamentação de facto, a conduta do arguido preenche, para além do crime de violência doméstica (vitima BB) por que foi condenado, em concurso efectivo, com ele, o crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.º 131 e 132 nº 1 e 2, al. c) e e) do Código Penal (vitima CC) ”.

B.

Depois, com respeito à medida concreta das penas parcelares e conjunta aplicadas, motivou o tribunal recorrido a sua decisão nos seguintes termos:

“Em decorrência, da alteração dos factos e consequente alteração da qualificação jurídica dos mesmos, há que reponderar a pena aplicar ao recorrente, que agora se tem de achar dentro de uma moldura penal entre os 12 e 25 anos de prisão.

Como consabido, a dosimetria concreta da pena nos termos dos artºs. 71.º, nº 1 e 2, do Código Penal, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, considerada a finalidade das penas indicada no art.º 40.º, do C. Penal, havendo ainda que atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, possam depor a favor do arguido ou contra ele, designadamente, às enunciadas exemplificativamente no art.º 71.º, n.º 2, do C. Penal.

No entanto, a pena tendo como suporte axiológico uma culpa concreta, a sua individualização pressupõe proporcionalidade entre a pena e a culpabilidade, e não esquecendo as exigências de prevenção e de reprovação do crime, a execução deve nortear-se num sentido pedagógico e ressocializador e, em caso algum, a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de violação do princípio" de proibição de excesso" (art.º 40.º, nº 2, do C.Penal).

E, assim considerando, por um lado, as exigências de prevenção geral, consabidamente muitíssimo elevadas estando em causa o valor absoluto da vida; o elevado grau de ilicitude da conduta, face à violência empregue; o grau de culpa - ainda que na modalidade de dolo eventual – elevado [atente-se ainda ao ponto 34 do provado] e, por outro, exigências de prevenção especial evidenciadas na «personalidade do arguido na forma como actuou, actuando com absoluta insensibilidade pelos valores defendidos pela norma mostrando desprezo pela dignidade da pessoa humana, não se esgotando na mera prevenção da reincidência de que carece pois que, tristemente, o arguido ainda hoje assume uma postura dual de que também é vítima do sucedido» como referido na douta decisão recorrida; que revela «superficialidade e pouca ressonância afectiva nas relações interpessoais» surgindo a impulsividade «como sintoma de natureza impulsiva-agressiva, onde a resposta comportamental/emocional é reactiva e não planeada e aparece perante experiências subjectivas de frustração, falhando o controlo inibitório dos impulsos/agressividade» a que acrescem os seus antecedentes criminais. A seu favor a circunstância referida na motivação da decisão de ter diligenciado pelo socorro e o querer acompanhar a menor, a denotar alguma responsabilização e bem ainda a sua modesta origem social, pelo que tendo em consideração a acima aludida moldura penal (de 12 a 25 anos de prisão), consideramos ajustado fixar a pena em 13 anos de prisão.

Impõe-se, ainda, e também em consequência, refazer o cúmulo jurídico das penas em situação de concurso.

Estabelece o n.º 2 do artigo 77.º do C.P, que a moldura penal abstracta do concurso de crimes é encontrada em função das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso, correspondendo o limite mínimo à pena mais elevada das penas concretamente aplicadas e o limite máximo à soma de todas as penas concretamente aplicadas (não podendo ultrapassar, porém, 25 anos, tratando-se de pena de prisão)

A medida concreta da pena do concurso determinar-se-á, no quadro da moldura abstracta, segundo o critério do artigo 77.º, n.º 1, segundo parte, do C.P, para o qual o artigo 78.º, n.º 1, do mesmo diploma, remete – na determinação da pena do concurso são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente.

E assim considerando o conjunto dos factos praticados, a conexão entre eles e a personalidade do arguido, fixa-se a pena única da sua condenação em 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Procede, pois, parcialmente o pedido do Ministério Público”.

2.1.2.2.2

Por via do que se acabou de reparar, decorre, pois, que o tribunal recorrido fundamentou tanto quanto baste a sua decisão quer quanto à requalificação jurídica dos factos a que procedeu quer quanto à medida da pena parcelar que aplicou pelo crime de homicídio qualificado e bem assim à pena conjunta.

De forma mais ou menos pormenorizada, isso é outra questão, mas que fundamentou a sua decisão fundamentou, e em moldes compreensíveis e convincentes.

E isto porque, com respeito à requalificação jurídica dos factos provados a cuja modificação procedeu parcialmente, indicando os motivos que o levavam a fazê-lo, concluiu o tribunal recorrido no sentido de que com a descrita conduta, mostrava-se o recorrente incurso na prática, para além de um crime de violência doméstica, de um crime de homicídio qualificado.

Sendo que, com referência à medida da pena parcelar a aplicar pelo mencionado crime de homicídio qualificado e à pena conjunta, com igual clareza justificou o seu entendimento.

Em resultado do exposto, julga-se que da arguida nulidade por falta de fundamentação [artigos 379.º, número 1, alínea a), por referência ao artigo 374.º, número 2, aplicável às decisões proferidas em recurso pelos tribunais superiores, por via do disposto no artigo 425.º, número 4, todos do Código de Processo Penal] não se encontra, de todo em todo, inquinado o acórdão sob impugnação, de onde que, ainda nesta parte, improceda o recurso do arguido AA.

*

2.1.2.3 – Da irrecorribilidade da decisão sob impugnação no que concerne à pena parcelar de 3 (três) anos de prisão

2. 1.2.3.1

A.

Como se referiu, em relação à questão atinente à medida concreta da pena, insurge-se o arguido e ora recorrente, entre o mais, contra a pena de três anos de prisão que, tendo-lhe sido imposta pelo crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, números 1, alínea d), e 2, do Código Penal, considera excessiva.

Segmento da decisão que, aliás, não tendo sido objecto de impugnação para a Relação por parte do recorrente, que com o decidido se conformou, o Ministério Público, no recurso que interpôs para a Relação, também não impugnou, de onde que tal questão não houvesse sido sequer objecto de apreciação por parte do tribunal recorrido, posto que, neste conspecto, se limitou a manter o resolvido pelo tribunal de 1.ª instância.

Ora, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a recorribilidade para o mesmo Tribunal de decisões penais encontra-se prevista, específica e autonomamente, no artigo 432º do Código de Processo Penal, sendo de uma forma directa nas alíneas a), c) e d) do número 1 e de um modo indirecto na alínea b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, nos termos do artigo 400º, número 1, do Código de Processo Penal.

E, de harmonia com o estatuído na alínea f) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos de prisão.

 De que decorre que constituem pressupostos de irrecorribilidade: i) o acórdão da Relação confirmar a decisão prolatada em primeira instância; ii) a pena aplicada na Relação não ultrapassar 8 anos de prisão.

Trata-se, em suma, da consagração do princípio da denominada dupla conforme, em resultado do qual o legislador ordinário, movido pelo objectivo de restringir os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, reservando-os para os casos mais complexos, considera definitivos os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem as decisões condenatórias, proferidas em primeira instância, que hajam aplicado penas que não ultrapassem determinado limite, no caso penas de medida não superior a 8 anos de prisão, como resulta do disposto na referenciada na alínea f) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal.

De onde que o que releva para o efeito é, pois, a pena aplicada por cada crime conexo, por princípio objecto de um processo individualizado e cuja competência para o conhecimento de todos foi determinada pela conexão, nos termos dos artigos 24º e 25º do Código de Processo Penal.

Posição que, sendo já defendida no domínio da lei anterior à reforma feita ao Código de Processo Penal pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, tem sido adoptada por este Supremo Tribunal, pese embora tenha sido eliminada a expressão mesmo em caso de concurso de infracções, que existia na redacção anterior.

É que, como tem sido enfatizado em vários arestos, resultaria, efectivamente, incompreensível, em face do indiscutível desígnio de restringir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que o legislador, ao aludir à pena aplicada em concreto, em vez de pena aplicável, pretendesse que este Tribunal conhecesse de todos os crimes que porventura integrem o concurso, ainda que os referidos crimes correspondam à chamada “criminalidade bagatelar” ou que, não se tratando propriamente de tal tipo de criminalidade, tendo sido sujeitos à apreciação da Relação, viram confirmadas as respectivas condenações, contanto que a gravidade de que se revestem não atinja uma tal dimensão que reclame a sua revisão pelo Supremo Tribunal de Justiça[6].

Assim, em caso de concurso de crimes e verificada a dupla conforme, a terem sido aplicadas ao recorrente várias penas pelos crimes que, integrando o concurso, devem, por via do disposto no artigo 77º do Código Penal, ser unificadas numa única pena, sempre cabe apurar quais as penas de medida superior a 8 anos de prisão e apenas em relação aos crimes punidos com essas penas parcelares (de medida superior a 8 anos de prisão) ou à pena conjunta de medida superior a 8 anos de prisão resultará admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

O que significa que, com respeito a cada um dos crimes e penas em concurso, tudo se passa como se para cada qual tivesse sido instaurado um processo autónomo e nele houvesse sido imposta uma determinada pena[7].

De onde que, como se observou no citado acórdão deste Supremo Tribunal de 11.07.2013, prolatado no Processo nº 631/06.5TAEPS.G1.S1 da 5ª Secção, a interpretação da citada norma da alínea f) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, no sentido de que, havendo uma pena única de medida superior a 8 anos, não pode ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, contém-se, ainda, no sentido possível das palavras usadas na lei, sem que isso comporte analogia proibida, e observa uma das declaradas finalidades do regime de recursos em processo penal, vigente a partir da Lei nº 59/98, de 25.08, de restrição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Entendimento que, assumido pacificamente pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, não implica restrição inadmissível das garantias de defesa do arguido, em particular do direito ao recurso, consagrado no número 1 do artigo 32º da Constituição da República, na consideração de que, traduzindo-se o mesmo na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto[8], dele não decorre de todo em todo a possibilidade de uso irrestrito do direito ao recurso e, como consequência disso, um amplo acesso aos tribunais superiores.

Daí que, reunido em plenário, o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 186/2013, de 04.04.2013, tivesse decidido não julgar inconstitucional a norma da alínea f) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, na interpretação de que, havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.

Em resultado do que se acabou de referir, e sem perder de vista que, não impondo as garantias de defesa do arguido o duplo grau de recurso, em caso de dupla conforme deve o recurso restringir-se às situações mais graves, e que esta interpretação sobre a norma da alínea f) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal colhe o apoio do Tribunal Constitucional, impõe-se concluir que o recurso que o arguido AA interpôs para este Supremo Tribunal não é admissível na parte relativa ao crime de violência doméstica e à pena singular de três anos de prisão aplicada, em face do disposto na citada alínea f) do número 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.

Entendimento que recolhe o apoio do Tribunal Constitucional que, no seu acórdão nº 659/2011, de 21.12.2011, proferido no Processo nº 670/11, decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 400º, nº 1, alínea f) do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirme a decisão de 1ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão”.

B.

Para além de que, tratando-se de “questão nova”, posto que não impugnada pelo ora recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa nem tão pouco colocada pelo Ministério Público no recurso que interpôs para o mesmo Tribunal que, nesse segmento, se limitou a confirmar o decidido pelo tribunal de 1.ª instância, nunca tal questão seria susceptível de recurso para este Supremo Tribunal.

É que, de harmonia com o disposto no número 1 do artigo 410º do Código de Processo Penal, os recursos dirigidos a um tribunal superior, maxime ao Supremo Tribunal de Justiça, não se destinando a apreciar questões novas, não visam resolver, em primeira linha, questões que não hajam sido suscitadas e apreciadas nas instâncias.

Na verdade, esse meio de impugnação das decisões judiciais, que é o recurso, tem por escopo reexaminar, reapreciar, sindicar, as questões que já foram objecto de análise e de decisão por parte do tribunal recorrido ou que, podendo e devendo ter sido por ele conhecidas, não foram, com vista à detecção e correcção de vícios, omissões ou à escolha da solução jurídica mais adequada ao caso concreto.

O que bem se compreende já que, a não ser assim, o recurso interposto, ao invés de representar um meio de impugnação e de sindicação das decisões judiciais, constituiria uma forma de vinculação do tribunal de recurso à decisão de questões novas que não foram objecto de apreciação por parte do tribunal recorrido.

Daí que, como se considerou no acórdão de 02.12.2013, prolatado no Processo nº 237/12.0GDSTB.E1.S1, da 5ª Secção, sob pena de violação dos princípios constitucionais relativos ao recurso, designadamente do princípio do duplo grau de jurisdição, não incumba, de facto, ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conhecer de questões que não tenham sido já apreciadas pelo tribunal de jurisdição inferior.

Tudo isto para dizer que, não tendo, como se referiu, o recorrente suscitado aquela questão perante o Tribunal da Relação de Lisboa, que era competente para dela conhecer, ao Supremo Tribunal de Justiça sempre estaria vedado o seu conhecimento.

Termos em que, nesta parte, se decide rejeitar o recurso [artigos 432º, número 1, alínea b), 410º, número 1 a contrario, 400º, número 1, alínea c), 420º, número 1, alínea b), 414º, números 2 e 3, todos do Código de Processo Penal].

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2.2 – Da qualificação jurídica

2.2.1

2.2.1.1

Como visto, na procedência parcial que reconheceu ao recurso interposto pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação de Lisboa, modificando parte da matéria de facto dada como provada pelo tribunal de 1.ª instância, designadamente o facto 31, condenou o arguido AA, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º, e 132.º, números 1, e 2, alíneas c), e e), do Código Penal (cometido na pessoa da menor CC), na pena de treze anos de prisão. Crime de que o mesmo arguido havia sido absolvido pelo tribunal de 1.ª instância que, procedendo à convolação da qualificação jurídica constante da acusação, condenou-o, como autor material, de um crime de violência doméstica agravado pelo resultado, previsto e punido pelo artigo 152.º, números 1, alínea d), 2, e 3, alínea a), do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão. Sendo que, para além deste crime, condenou ainda o tribunal de 1.ª instância o arguido, pela prática de um outro crime de violência doméstica (ora, na pessoa do menor BB), previsto e punido pelo artigo 152.º, números 1, alínea d), e 2, do Código Penal, na pena de três anos de prisão.

E, como também se observou, insurgindo-se o arguido e ora recorrente contra o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no que concerne à modificação da matéria de facto a que procedeu e bem assim quanto à convolação da qualificação jurídica e à medida concreta da pena, sustenta o mesmo que a base factual que suporta a dita condenação não só é insuficiente como contraditória, conquanto não diga, como já se referiu, em que consiste tal contradição.

Encontrando-se embora subtraída ao recorrente a possibilidade de impugnação, perante o Supremo Tribunal de Justiça, dos vícios da matéria de facto a que alude o artigo 410.º, número 2, do Código de Processo Penal, quando, como no caso, intervém como tribunal de revista, como já aqui se disse, nada obsta, antes tudo impõe que, oficiosamente, o mesmo Supremo Tribunal indague sobre a eventual verificação de um qualquer dos aludidos vícios.

É o que iremos fazer.

2.2.1.2

2.2.1.2.1

Limitando-se ao texto da decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância [âmbito a que teria de ater-se em face dos moldes como a matéria de facto dada como provada por aqueloutro tribunal fora impugnada pelo recorrente Ministério Público, que lhe assacou o vício da alínea b), e à cautela o da alínea c), ambos do número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal], o Tribunal da Relação de Lisboa considerou – recorde-se – “que a conclusão a que chegou o tribunal recorrido no tocante à não conformação com o resultado morte (ponto 31) não se adequa às circunstâncias concretas efectivamente apuradas”.

E isto, em suma, tendo em atenção:

Primeiro, a potencialidade letal do meio, as mãos, que o arguido – um jovem com cerca de 1 metro e 90 centímetros, possuidor de uma compleição física forte e força física com ela compatível – utilizou para, com violência, desferir socos contra o corpo e a cabeça de uma criança de dois anos de idade, que sabia «ser especialmente vulnerável», com consciência de que eram adequadas a produzir lesões mortais (pontos 30, e 31 dos factos provados);

Segundo, ter o arguido desferido, num primeiro momento, «um número não concretamente determinado de socos que atingiram ambas as crianças na cabeça», designadamente a infeliz CC. E, num segundo momento, aquando do banho», ocasião em que, «enfurecido» com o choro compulsivo de ambas as crianças, que se mostravam aterrorizadas com o seu comportamento, o arguido voltou a desferir-lhes um número não concretamente apurado de socos, com extrema violência e de forma indómita e repetida, que as atingiram em diversas partes do corpo, entre elas na cabeça, e bem assim palmadas nas nádegas, mais concretamente na cabeça da CC, a quem agrediu de forma «rápida e brutal», indiferente à dor e ao horror que lhe ocasionava.

Por via destas considerações e na ponderação de que na cabeça – atingida por vários e violentos socos desferidos sucessivamente contra a infeliz CC, causadores de graves e múltiplas lesões traumáticas – se alojam órgãos vitais, concluiu o tribunal recorrido que, face a um tão elevado perigo, teria o arguido causalmente que representar a possibilidade de provocar a sua morte, resultado com o qual se conformou.

Daí que, como atrás se viu, entendendo que os factos provados colidiam inconciliavelmente entre si e, ainda, com a fundamentação da decisão e, como assim, que não era de manter a conclusão a que o tribunal de 1.ª instância chegara quanto à não conformação do arguido com o resultado morte da menor CC, procedesse o tribunal recorrido à modificação da matéria de facto dada como provada no citado ponto 31, de sorte que dela passasse a constar que:

O arguido agiu com o propósito conseguido de molestar a integridade física da CC, o que quis e conseguiu, bem sabendo que a mesma, devido à sua idade e compleição física, era especialmente vulnerável tendo representado como possível resultado da sua conduta, mormente dos socos que desferiu na cabeça da ofendida, que poderia atingir órgãos vitais, o que aconteceu, sendo que foi de tal agressão que sobreveio a morte da CC, resultado com o qual se conformou”.

Em consequência desta modificação introduzida à matéria de facto dada como provada pelo tribunal de 1.ª instância, considerou, então, a Relação que a conduta do arguido AA integrava – para além de um crime de violência doméstica, de que foi ofendido o menor BB – um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º, e 132.º, números 1, e 2, alíneas c), e e), do Código Penal, de que foi vítima mortal a menor CC.

2.2.1.2.2

Posto isto e em consonância com o que atrás se deixou referido, cabe, antes de mais, indagar se a matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido, designadamente no que concernente ao que passou a constar do mencionado ponto 31 esteve na origem da requalificação jurídica efectuada, é, em conjugação com a demais, adequada e suficiente para o Supremo Tribunal de Justiça aplicar o direito, maxime para permitir-lhe aferir da correcção dessa verificada requalificação jurídica.

Procedendo, pois, a tal indagação, julga-se que para aplicar o direito este Supremo Tribunal não só dispõe da indispensável base factual, como esta se encontra isenta de quaisquer contradições ou obscuridades que a isso obstem.

Matéria de facto onde, efectivamente, se mostram preenchidos os elementos subjectivo e objectivo do referenciado crime de homicídio qualificado, por cuja prática (e em concurso efectivo com o crime de violência doméstica) o arguido foi condenado no acórdão sob impugnação.

Desde logo, o elemento objectivo do tipo de ilícito, consistente na morte da infeliz criança, a CC, de dois anos de idade, sobrevinda às múltiplas lesões sofridas (confira-se relatório de autópsia de folhas 578 a 584), em resultado das pancadas e sobretudo socos que o arguido, de forma «rápida e brutal» e indiferente à dor e ao horror que lhe causava (confira-se factos provados nos pontos 16 a 20, 23 a 25, 31, 32, 33, e 34), desferiu, atingindo-a em várias partes do corpo, designadamente na cabeça.

Depois, o elemento subjectivo do ilícito que, exigindo o dolo em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º, do Código Penal, no caso em apreciação assume a forma de dolo eventual (confira-se facto provado no ponto 31), na medida em que, ao molestar fisicamente, na forma referida, a menor CC, ciente que a mesma, devido à idade e compleição física, era especialmente vulnerável, e representando como possível resultado dessa sua conduta, designadamente dos socos que desferiu na cabeça daquela, que fossem atingidos órgãos vitais, o que, tendo acontecido, determinou a morte da infeliz criança, resultado com o qual se conformou.

Tipo de ilícito agravado em função da verificação das circunstâncias previstas nas alíneas c), e e) do número 2 do artigo 132.º do Código Penal, no caso consubstanciadas na por demais evidente situação de indefesa, de desamparo da vítima (confira-se facto provado no ponto 33), decorrente da sua tenra idade e vulnerabilidade [alínea c)], e bem assim na razão de nenhum relevo, importância, ou valia que levou o arguido a agredir repetidamente de uma forma brutal, cruel e fatal uma criança de tão tenra idade como a infeliz CC: nada mais nada menos que a circunstância (confira-se facto provado no ponto 34) de a mesma e de o seu irmão de quatro anos de idade, o BB, terem conspurcado a roupa com as próprias fezes, e a primeira chorar de jeito compulsivo, horrorizada e dorida com as terríveis agressões que lhe eram infligidas por aquele a cuja guarda se encontravam uma e outra [alínea e)].

Em face do que se acabou de anotar, julgando-se não ser passível de qualquer censura a requalificação jurídica dos factos efectuada pelo tribunal recorrido, confirma-se o decidido a respeito.

*

2.2.2 – Da Pena

Como atrás se viu, insurge-se, por fim, o arguido AA contra as penas parcelares de treze anos e de três anos de prisão, que lhe foram impostas pela prática dos crimes de homicídio qualificado e de violência doméstica, e bem assim contra a pena conjunta de catorze anos e seis meses de prisão aplicada.

E sendo que, pelas razões que se aduziram em 2.1.2.3 a respeito da irrecorribilidade da decisão sob impugnação no que concerne ao crime de violência doméstica e à pena parcelar de três anos de prisão aplicada pelo tribunal de 1.ª instância e que não foram objecto de qualquer modificação pelo tribunal recorrido, neste conspecto, importa então aferir da justeza (ou não) da pena parcelar de treze anos de prisão aplicada pelo crime de homicídio qualificado e da pena conjunta de catorze anos e seis meses de prisão imposta.

2.2.2.1

2.2.2.1.1

Como bem se sabe, as finalidades das penas são, como claramente decorre do disposto no artigo 40.º, número 1, do Código Penal, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

De que decorre que, se a aplicação da pena é determinada pela necessidade de proteger os bens jurídicos, e já não de retribuição da culpa e do facto, toda a pena visa finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, sendo que, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva, devem sempre ponderar as exigências de prevenção especial, vistas como a necessidade de socialização do agente, o que vale por dizer de prepará-lo para, no futuro, não cometer outros crimes.
E sendo que em caso algum a medida da pena poderá exceder a medida da culpa, o limite a partir do qual aquela não pode ultrapassar esta serve de barreira intransponível às considerações preventivas.
Mas, como também se sabe, para efeitos de determinação da medida concreta da pena, a efectuar dentro dos limites da respectiva moldura, a lei manda atender, no artigo 71.º, do Código Penal, a determinados factores, que relevam tanto pela culpa como pela prevenção.

Ora, no que concerne a esses factores, elencados de forma não exaustiva, são de ter em conta, entre o mais, os atinentes ao grau de ilicitude do facto, ao seu modo de execução, à gravidade das suas consequências, bem como ao grau de violação dos deveres impostos ao agente; à intensidade do dolo ou da negligência; aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins ou motivos que o determinaram; às condições pessoais do agente e à sua situação económica; à conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando se destine a reparar as consequências do crime; à falta de preparação para o agente manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (número 2).

2.2.2.1.2

Retendo então tudo isto, e ponderando na conduta do arguido (já suficientemente caracterizada em função do que foi sendo anotado a propósito de cada uma das questões que para trás se apreciaram), julga-se que, no âmbito da respectiva moldura penal abstracta (doze a vinte e cinco anos de prisão), a pena parcelar de treze anos de prisão revela-se algo excessiva.
E, isto, não postergando embora, e para além do mais: i) a inquestionável gravidade de que se revestem os factos ilícitos que custaram a vida à infeliz CC, uma criança de apenas dois anos de idade; ii) a indesmentível intensidade da culpa com que o mesmo agiu; iii) o grau de exigibilidade, consabidamente elevado, que reclamam as necessidades de prevenção geral quando em causa se encontram comportamentos ilícitos deste jaez, a demandarem das instâncias formais de controlo grande firmeza no sentido de reprimi-los; iv) as necessidades de prevenção especial que, embora não muito acentuadas, ainda assim se fazem sentir, tendo em conta as três condenações que o arguido já sofreu pela prática de crimes contra as pessoas (de injurias, ameaças, e de ofensa à integridade física simples, perpetrados em 17.01.2011, 21.02.2012, e 28.06.2013, respectivamente);
Porém, a par de todo este circunstancialismo, importa não perder de vista, para além da circunstância de o crime em referência ter sido cometido com dolo eventual (a mais leve das modalidades que o mesmo pode assumir), as condições pessoais do arguido, designadamente as atinentes à idade que contava aquando dos factos (29 anos), à sua modesta condição social e situação económica, ao apoio familiar com que conta, e à capacidade que tem revelado possuir para, em contexto institucional, manter um comportamento adequado às regras estabelecidas.
Fazendo, pois, o balanço de tudo isto, julga-se que a pena de 12 (doze) de prisão revela-se mais ajustada, posto que, assegurando a protecção do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, e não se revelando de molde a comprometer a visada reintegração social do arguido, cumpre ainda de modo satisfatório os critérios definidos nos artigos 40.º, e 71.º do Código Penal.
Com esta dimensão, procede, assim, parcialmente, neste segmento, o recurso.
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2.2.2.2

Com a referida pena parcelar de 12 (doze) anos de prisão, a impor ao arguido AA pelo mencionado crime de homicídio qualificado, terá de ser cumulada a pena singular de 3 (três) anos de prisão que lhe foi aplicada pelo crime de violência doméstica (cometido na pessoa do ofendido BB), visto encontrarem‑se numa relação de concurso (artigo 77.º do Código Penal).
2.2.2.2.1

Ora, no que concerne à pena conjunta, estabelece o artigo 77.º do Código Penal, no seu número 1, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

 Depois, quanto ao modo de pôr em prática os mencionados critérios definidos no número 1 do artigo 77.º do Código Penal, diz Figueiredo Dias[9]: «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

Por sua vez, dispõe o número 2 do artigo 77.º do Código Penal que “[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Quer isto dizer que a medida concreta da pena do concurso (dentro da moldura abstracta aplicável, que é calculada a partir das penas impostas pelos diversos crimes que integram o mesmo concurso) é determinada, tal qual sucede com a medida das penas parcelares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º, número 1, do Código Penal), que é o critério geral, e a que acresce, tratando-se de concurso (quer do artigo 77.º quer do artigo 78.º do Código Penal), o critério específico, consistente, como visto, na necessidade de ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente.

Porém, como adverte Figueiredo Dias[10], tratando-se de determinar a medida da pena do concurso, os factores de determinação da medida das penas parcelares, por via do princípio da proibição da dupla valoração, funcionam ora apenas como guia, a menos que se refiram, não a um dos concretos e específicos factos ilícitos singulares mas, ao conjunto deles.

B.

No caso sub juditio, a moldura abstracta do concurso tem, como limite mínimo 12 (doze) anos de prisão (a mais elevada das penas parcelares impostas) e como limite máximo 15 (quinze anos de prisão (a soma material das referidas duas penas singulares aplicadas (artigo 77.º, número 2, do Código Penal).

Recuperando, então, tudo quanto antes se disse, cabe, ora, atentar na imagem global dos factos ilícitos da responsabilidade do arguido, que, como já se reparou, se representa muito desvaliosa, tendo em conta a acentuada gravidade de que se revestem os mesmos factos, em especial os configurativos do crime de homicídio, mas sem esquecer os integradores do crime de violência doméstica, e o fortíssimo juízo de censura e repúdio que merecem à comunidade, consabidamente muito sensível ao supremo bem jurídico, que é a vida humana, mas também aos maus tratos físicos e psicológicos infligidos, em contexto familiar, às vítimas de violência doméstica.

Fazendo o balanço de tudo isto, julga-se que a pena conjunta de 13 (treze) anos de prisão, mostrando-se ainda adequada a garantir a protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas violadas e bem assim a não comprometer a reintegração social do agente, cumpre de forma bastante os critérios definidos pelo artigo 77.º do Código Penal.

Por via do aduzido, procede, parcialmente, o recurso do arguido, ainda neste segmento.

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2.3 – Da invocada violação das normas dos artigos 29.º, números 1, e 3, e 32.º, números 1, e 2 da Constituição da República

Na última conclusão (a 34.ª) que entendeu extrair da motivação do recurso que interpôs para este Supremo Tribunal, diz o recorrente que, para além de outras normas de direito penal e processual penal a que já foi aqui feita aqui referência, com o acórdão recorrido foi violada a norma do artigo 32.º, número 1, da Constituição, não esclarecendo, todavia, em que exacta medida tal sucedeu.

Ora, se em face da natureza das questões que, colocadas pelo recorrente e aqui apreciadas, se prendem com a sua condenação pela prática do crime de homicídio qualificado, poderia compreender-se que o mesmo aludisse à norma do número 2 do artigo 32.º da Constituição, que consagra o princípio da presunção de inocência do arguido, o mesmo já não sucede em relação à norma do número 1 do citado preceito, que estabelece que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

De todo o modo, sempre se dirá que, por via de tudo quanto aqui se deixou referido, não houve, no acórdão recorrido, violação da mencionada norma.

 Em consequência, o recurso improcede ainda nesta parte.

***

III. Decisão

Termos em que, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, se acorda:

1.º - Rejeitar o recurso do arguido AA, por inadmissibilidade legal, na parte relativa à pena parcelar imposta pelo crime de violência doméstica, e bem assim na parte atinente à impugnação da matéria de facto, e ao pedido de indemnização civil (artigos 434.º, 432.º, número 1, alínea b), 420.º, número 1, alínea b), 410.º, número 1, e 400.º, número 1, alínea f), todos do Código de Processo Penal];

2.º - Conceder parcial provimento ao recurso do arguido AA e, em consequência disso, condená-lo:

a) - Na pena parcelar de 12 (doze) anos de prisão, pela prática do crime de homicídio voluntário, previsto e punido pelos artigos 131.º, e 132.º, número 2, alíneas c), e e), do Código Penal;

b) – Em cúmulo jurídico, dessa pena parcelar de 12 (doze) anos de prisão com a pena parcelar de 3 (três) anos de prisão, imposta pelo crime de violência doméstica, na pena conjunta de 13 (treze) anos de prisão;

3.º - Julgar improcedente o recurso o arguido AA quanto ao demais e, em consequência, nessa parte manter o acórdão recorrido.

Tendo sido dado parcial provimento ao recurso do arguido, não é pelo mesmo devida taxa de justiça (artigo 513.º, número 1, do Código de Processo Penal).

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Lisboa, 4 de Maio de 2017

Os Juízes Conselheiros

Isabel São Marcos (Relatora)

Helena Moniz

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[1] Na parte transcrita, o texto corresponde integralmente ao que foi apresentado pelo recorrente.
[2]O segmento entre parêntesis corresponde à modificação que, introduzida pelo Tribunal da Relação, levou à exclusão do pau de vassoura como instrumento usado pelo arguido para agredir a vítima CC..
[3]O segmento sublinhado, nos factos descritos no ponto 31 da matéria de facto provada, corresponde à modificação efectuada pelo Tribunal da Relação.
[4]Assim, e entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2014, Processo n.º 42/11.0JALRA.C1.S1 ou o acórdão do mesmo Tribunal de 17.12.2014, Processo n.º 937/12.4JAPRT.P1.S1, ambos da 5ª Secção, e de que foi relatora a aqui relatora.
[5]De conferir, no mesmo sentido e para citar os mais recentes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2013, Processos n.º 1690/10.1JAPRT.L1.S1 e n.º 631/06.5TAEPS.G1.S1, ambos da 5ª Secção.
[6] De conferir no mesmo sentido e, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.11.2009, Processo nº 200/06.0JAPTM, 3ª Secção; de 02.10.2010, Processo nº 651/09.8PBFAR.E1.S1, 3ª Secção; de 24.05.2012, Processo nº 281/09.4JAAVR.C1.S1, 5ª Secção; de 12.09.2013, Processo nº 617/11.8JABRG.G1.S1, 5ª Secção.
[7] Assim, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2013, Processo nº 631/05, TAEPS.G1.S1; de 18.12.2013, Processo nº 137/08.8SWLSB.L1.S1; de 18.12.2013, Processo nº 1086/09.8JACBR.C1.S1.
[8] Como J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, páginas 516. 
[9] “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, páginas 291 e seguintes.
[10] Obra e local citados.