Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B1417
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: ESCRITURA PÚBLICA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA
PROVA TESTEMUNHAL
CESSÃO DE QUOTA
PREÇO
Nº do Documento: SJ200506090014172
Data do Acordão: 06/09/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4954/04
Data: 11/25/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I. O contrato de cessão de quotas deve, face ao preceituado no artº 228 do CSC 86, ser celebrado por escritura pública sob pena de nulidade (artº 220 do CC).

II. As escrituras públicas como documentos autênticos que são (artº 371º do CC) fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.

III. Tal força probatória não se estende, porém, à veracidade, realidade ou verosimilhança das declarações dos outorgantes-intervenientes.

IV. A prova de que as declarações produzidas pelos outorgantes em presença do oficial público (notário) não correspondem à verdade não implica a necessidade de arguir a falsidade do documento por ele elaborado.

V. O preço e respectivo pagamento só estarão cobertos pela força probatória plena do documento autêntico se o notário tiver atestado esse facto através de percepção sua (directa), ou seja que tal pagamento haja sido feito na sua presença.

VI. Há que distinguir entre confissão e admissão ou mera declaração de um facto (ou situação factual): assim, a declaração constante de uma escritura de cessão de quotas na qual é mencionado pelo cedente o recebimento do preço ou de um dado preço, não pode ser havida como confissão, por não conter a admissão pelo declarante da veracidade de tal recebimento; a materialidade da declaração é indiscutível, porém o respectivo conteúdo, porque não atestado pelo oficial público, é passível de demonstração/impugnação, designadamente através de prova testemunhal

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. "A", residente na Av. dos Bombeiros Voluntários, n°..., Oeiras, intentou, com data de 7-7-03, acção ordinária contra B, residente na Rua Carlos Oliveira, n°..., em Lisboa, alegando resumidamente o seguinte:
- o A. era detentor de duas quotas no capital social da sociedade «C - Empreendimentos Desportivos e Recreativos, Lda.», tendo acordado com o R. cedê-las pelo preço global de 13.000.000$00;
- da escritura pública de cessão não constaram os valores reais pelos quais esta teria lugar, embora tal constasse de uma acta da Assembleia Geral Extraordinária da C;
- o R. apenas pagou 2.000.000$00 do valor que havia sido convencionado.
Solicitou, a final, a condenação do R. a pagar-lhe a importância global de 8.000.000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações não pagas.

2. Contestou o Réu pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

3. Por sentença de 28-1-03, foi a acção julgada improcedente e, em consequência, o Réu absolvido do pedido.

4. Inconformado, apelou o A., tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 25-11-04, julgado procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, e, em consequência, condenado o R. a pagar ao A. a peticionada quantia de € 39.903,83 (8.000.000$00), acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde 1 de Novembro de 1996 sobre € 14.963,94 (3.000.000$00), desde 1 de Maio de 1997 sobre € 9.975,96 (2.000.000$00) e desde 1 de Maio de 1999 sobre € 14.963,94 (3.000.000$00).

5. Irresignado agora o Réu com tal aresto, dele veio o mesmo recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

Iª- A cessão de quotas em apreço foi realizada através de escritura pública, cujo teor se encontra reproduzido na al. I) da matéria assente e que constitui documento autêntico, fazendo prova plena relativamente aos factos nela documentados (cfr. artºs. 363, n.° 1 e 2 e 371.° do Código Civil), termos em que ao socorrer-se de prova testemunhal para decidir que a acta n.° 84 consubstanciava uma convenção contrária a tal acto notarial, o acórdão em crise viola o disposto no art. 394.°, n° 1 do C.C., de acordo com o qual, nestes casos e sem excepção, a prova testemunhal é inadmissível;

IIª- De qualquer modo, as declarações do A. documentadas na escritura constituem confissão nos termos do art. 352.° do Código Civil, mais concretamente confissão extrajudicial, possuindo força probatória plena porque feita à parte contrária, i. e. ao ora recorrrente (cfr. artºs 354. ° e 358º, n ° 2, do Código Civil);

IIIª- Consequentemente, não é admitida para prova de facto contrário - preço da cessão de quotas e respectivo pagamento - nem a prova testemunhal, nem presunção judicial, uma vez que não foi arguida nem a nulidade nem a anulabilidade da declaração confessória documentada na escritura, por falta ou vícios da vontade;
IVª- Porém, tal facto - alteração da resposta dada ao artº 7º da base instrutória - veio a ser dado como provado pela Relação, com recurso a prova testemunhal e a presunção judicial, contra o disposto no artº 393°, n° 2, e no artº 351° do C.C.;

Vª- Termos em que, por violação do artº 394°, n° 1 e, ou, do art. 358°, n° 2, ambos do Código Civil, há que aplicar em consequência, o disposto no artº 646°, n° 4 do C.P.C., considerando-se não escrita a resposta dada pelo Tribunal da Relação ao artº 7° da base instrutória;
VIª- Acresce que, como já anteriormente foi referido, a Relação não teve em consideração todos os factos assentes e provados (maxime a existência de dois negócios entre A. e R.) nem fez o exame crítico das provas que lhe cumpria conhecer, violando assim o disposto no artº 659°, n.° 3, aplicável "ex vi" do art. 713°, n° 2, ambos do C.P.C.;
VIIª- Com efeito, resulta claramente de toda a matéria assente e provada que a mera cessão das quotas não era de per si idónea à produção dos efeitos queridos pelas partes (ou seja, o negócio global querido pelas partes, mencionado na al. C) da matéria assente) e que a assinatura da acta n° 84 pelo R. foi imposta pelo A. como condição para a viabilização desse negócio;
VIIIª- Daí resultando, contrariamente ao que conclui a decisão recorrida, que a cessão de quotas não conserva a sua autonomia, pois na verdade flui da prova que essa cessão constituiu um elemento incindível do negócio global querido pelas partes (vide al. C) da matéria assente em conjugação com as respostas aos arts. 14°, 16° e 25 da Base Instrutória);
IXª- Finalmente e, para além disso, haverá sempre que ter em conta que a Relação concluiu existir uma divergência entre uma pressuposta "vontade real" e a declarada na escritura, sem que contudo o A. houvesse arguido a falsidade desta ou a nulidade ou anulabilidade da declaração confessória dirigida à parte contrária e que aí se encontra documentada, o que atendendo à respectiva força probatória plena, obsta, sem mais, à decisão tomada;

Xª- De tudo resultando em suma, e salvo melhor opinião que, ainda que existisse um eventual crédito do A. sobre o R. - hipótese que apenas se pondera sem conceder - nunca poderia dar lugar a uma condenação na presente acção, pela singela razão de que aquele não invocou a falsidade do acto notarial nem peticionou a nulidade ou a anulação da declaração confessória dirigida à parte contrária, documentada.

6. Contra-alegou o A. sustentando a correcção do julgado pela Relação.
7. Colhidos o vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
8. Em matéria de facto deu a Relação como assentes os seguintes pontos:
1º- Em Julho de 1996, o Réu que também é sócio da "C", manifestou ao A. e aos demais sócios a sua intenção de vir a adquirir a totalidade do capital social. No âmbito destas específicas negociações, o A. e o R. chegaram a acordo quanto ao preço da cessão das quotas e quanto ao modo de pagamento: o A. cederia as suas quotas na "C" ao Réu pelo preço global de 13.000.000$00, os quais seriam pagos da seguinte forma: 2.000.000$00 na data da escritura pública de cessão de quotas; 3.000.000$00 em Outubro de 1996; 2.000.000$00 em Abril de 1997; 3.000.000$00 em Abril de 1999 e 3.000.000$00 em Outubro de 1999;
2º- A escritura pública de cessão de quotas realizou-se no dia 31 de Julho de 1996 no 2º Cartório Notarial de Lisboa, tendo sido marcada pelo Dr. D, à data advogado do réu;
3º- Nessa escritura - fls 88 a 95 dos autos - ficou consignado que o A. A, sendo titular de duas quotas dos valores nominais de 600.000$00 e 50.000$00 "pela presente escritura cede aquelas suas duas quotas, de 600.000$00 e 50.000$00, com os correspondentes direitos e obrigações, ao quarto outorgante, B, seu consócio, por preços iguais aos seus valores nominais já recebidos ",
4º- Porém, naquele mesmo dia 31-7-96, reuniu-se a assembleia extraordinária dos sócios da "C" (entre os quais o A. e o R.) tendo deliberado conforme consta da acta nº 84 (fls 16 e 17) dos autos, por todos eles assinada nessa data, e na qual nomeadamente se lê:
"Aberta a sessão o sócio B disse que hoje, dia 30 e um de Julho de 1996 ia comprar a totalidade das quotas dos restantes sócios. Pela aquisição das quotas o sócio B compromete-se, sem quaisquer desvios, a fazer os pagamentos das quotas que adquire, nas seguintes datas e valores: Ao Dr. A paga quando fizer a escritura: 2.000.000$00; no mês de Outubro do ano de 1996 paga 3.000.000$00; no mês de Abril do ano de 1997 paga 2.000.000$00; no mês de Abril de 1999 paga 3.000.000$00; no mês de Outubro do ano de 1999 paga 3.000.000$00...".
5º- Foi o A. quem, na data agendada para a escritura, compareceu no 2º Cartório Notarial de Lisboa, trazendo consigo o Livro de actas da "C", tendo condicionado a realização da escritura ao pagamento imediato pelo Réu dos 2.000.000$00, bem como à assinatura por este da acta que ali mesmo redigiu, tendo deixado bem claro que, ou o Réu pagava os 2.000.000$00, e assinava a acta, ou então ele A. não outorgava a escritura inviabilizando assim todo o negócio. O Réu assinou a acta e passou ao A. um cheque de 2.000.000$00, pelo que naquele dia o A. efectivamente recebeu do Réu a importância de 2.000.000$00,
6º- Na escritura pública - marcada pelo advogado do Réu - consta que as quotas foram cedidas por preços iguais aos seus valores nominais.
Direito aplicável.

9. Depara-se-nos um contrato de cessão de quotas, o qual, face ao preceituado no artº 228 do CSC86, deve, em princípio ser celebrado por escritura pública sob pena de nulidade (conf. artº 220 do C. Civil).
Tal formalização ocorreu no 2º cartório Notarial de Lisboa com data de 31-7-96.
E, como é sabido, as escrituras públicas como documentos autênticos que são, revestidos da força probatória contemplada no art. 371 do CC), fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
Tal força probatória não se estende à veracidade ou verosimilhança, ou seja a correspondência com a realidade dos factos das declarações dos outorgantes-intervenientes. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado (ver Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. 1, 4ª ed, pag. 328).
E a prova de que as declarações produzidas pelos particulares em presença do oficial público (notário) não correspondem à verdade não implica a necessidade de arguir a falsidade do documento por ele elaborado, tal como vem sendo geralmente entendido pela jurisprudência.
Reportando-nos à escritura pública de cessão de quotas a que se reportam os autos, apenas resultou provado plenamente que na presença do notário foi declarado que as quotas seriam cedidas por preços iguais aos seus valores nominais, já recebidos.
Mas isto sem que ficasse inviabilizada a prova de o preço recebido haver sido de montante superior ao declarado sem necessidade - repete-se - da respectiva arguição de falsidade.
Assim, a estatuição do artº 371º, nº 1 do C.Civil não preclude a demonstração da falta de correspondência com a realidade dos factos declarados, nem que as declarações dos outorgantes hajam sido viciadas por erro, dolo ou coacção ou que o acto não seja simulado.
No que tange ao preço e respectivo pagamento, o mesmo só estará coberto pela força probatória plena do documento autêntico se o notário tiver atestado esse facto através de percepção sua (directa), isto é que tal pagamento haja sido feito na sua presença. De contrário só está plenamente provado que os vendedores declararam já terem recebido o preço da venda que efectuaram - Ac STJ de 10-4-03, in Proc. 544/02 - 2ª Sec
Nas conclusões da respectiva alegação, parece pretender o Réu voltar a sindicar a matéria de facto apurada pela Relação.
Ora, a determinação do real preço do negócio constituem «a se» matéria de facto cujo apuramento é da exclusiva competência das instâncias, satisfeitos que sejam - é claro - o ónus da alegação e da prova da banda do demandante. Tal como tradutores de matéria de facto do foro exclusiva das instâncias são a indagação, a pesquisa, e o apuramento da intenção dos contraentes ou outorgantes em determinado negócio jurídico, bem como a questão de saber se o declaratário conhecia a vontade real do declarante e qual a vontade deste (artº 236º nº 2) - conf. Acs do STJ de 11-12-03, in Proc 2992/03 e de 18-12-03, in Proc 3794/03, ambos da 2ª Sec.
Contra o que sustenta o recorrente, a Relação fez o exame crítico da prova processualmente adquirida para concluir como concluiu em sede factual.
E há que observar que o STJ, na sua qualidade de tribunal de revista, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido - artºs 26º da LOFTJ 99 aprovada pela L 3/99 de 13/1 e 729º nº 1 do CPC; daí que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só poderá ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art.ºs 729, n.º 2 e 722º, n.º 2 do CPC).
Vem aqui à colação a suposta violação por parte da Relação - ao alterar a resposta ao quesito 7º - do disposto no artº 394º do C. Civil.
Nos termos deste preceito de lei, é inadmissível a prova testemunhal se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico, ou dos documentos particulares mencionados nos artºs 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
E desde já se adianta que se reputa de inteiramente correcta a interpretação que do preceito é feita pelo tribunal recorrido.
Essa norma aplica-se, tão-somente, às convenções contrárias aos documentos na parte em que estes têm força probatória plena e às convenções adicionais ou acessórias.
Ora, a estipulação de um preço superior ao que consta da escritura pública parece corresponder a uma convenção contrária ao conteúdo de documento autêntico na parte em que este não tem força probatória plena.

Na esteira de Vaz Serra in RLJ, ano 103º, pág 13, «os artºs 394º e 395º não formulam expressamente excepções às regras neles contempladas. Mas tal não quer dizer que tais regras não sejam aplicáveis, pois da razão de ser destas concluiu-se que não têm alcance absoluto, havendo que ressalvar algumas hipóteses em que a prova testemunhal será admissível apesar de ter por objecto uma convenção contrária ou adicional ao conteúdo do documento ».
Quando há «um começo de prova por escrito que torne verosímil o facto alegado, a prova testemunhal já não é o único meio de prova do facto, justificando-se a excepção, por então o perigo da prova testemunhal ser eliminado em grande parte, visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento. Também no nosso direito se o facto a provar já está tornado verosímil por um começo de prova escrito, a prova de testemunhas é de admitir, pois não oferece os perigos que teria quando desacompanhada de tal começo de prova» ( conf. mesmo autor, in RLJ, ano 107º, pág 312 ) e Mota Pinto/Pinto Monteiro, in Parecer publicado em CJ, Ano X, tomo III, pág 11 e ss.
No caso «sub-specie», a prova testemunhal (a que a Relação atendeu) eventualmente relacionada com a convenção contrária ao conteúdo do documento autêntico (escritura de cessão de quotas) seria sempre admissível porque complementar (coadjuvante) de um elemento de prova escrito e de particular relevância, precisamente a Acta nº 84 de 31-7-96, o mesmo se podendo dizer da prova por presunção judicial - artº 351º do C. Civi - conf. Vaz Serra, in RLJ ano 107º atrás citado.
No entender do recorrente, o acórdão teria também violado o disposto no nº 2 do artº 393º do C. Civil, ao admitir prova testemunhal sobre o preço real das cessões de quotas a ele feitas pelo recorrido. E isto porque a escritura pública de 31-7-96 faria prova plena dos preços e o recorrido teria confessado, extrajudicialmente, que tais preços haviam sido os respectivos valores nominais aquando da outorga dessa escritura.
Mas a verdade é que se não demonstra que tal confissão (extra-judicial) haja sido emitida com o alcance que o recorrente lhe pretende associar. Declarou-se, é certo, na escritura que os preços das cessões eram os correspondentes aos seus valores nominais e que os respectivos preços já haviam sido recebidos, mas a verdade é que se veio a provar que os outorgantes, aquando da celebração da escritura, tinham plena consciência de que os preços desse acto constantes não correspondiam aos preços reais.
Na peugada dos Acs desta Secção de 23-9-99 e 16-12-99, in Procs 544/99 e 988/99, existe uma diferença entre a confissão e a admissão ou mera declaração de um facto (ou situação factual); esta última, queda-se no adiantamento de uma proposição ou juízo cuja veracidade se não confirma; aquela, traduz a afirmação de uma facto (ou situação factual) como verdadeiro. «Assim, a declaração constante de uma escritura de cessão de quotas na qual é mencionado pelo cedente o recebimento do preço ou de um dado preço, não pode ser havida como confissão, por não conter a admissão pelo declarante da veracidade de tal recebimento; a materialidade da declaração é indiscutível, porém o respectivo conteúdo, porque não atestado pelo oficial público, é passível de demonstração/impugnação, designadamente através de prova testemunhal.
Dúvidas não restam - como a Relação concluiu em sede afctual - de que os contraentes quiseram fazer as cessões de quotas pelos preços exarados na acta nº 84, e que de resto reflectiam o que havia já ficado expresso na acta da AG da C de 12-6-94, sendo que logo nessa ocasião o A. recebeu do Réu um cheque respeitante à primeira prestação do preço, prestação esta ela própria de valor superior ao constante da escritura como sendo o preço global da cessão.
Nada pois a censurar à conclusão extraída pela Relação de que o valor global a considerar como contrapartida da cessão das quotas a que se reportam os autos é o efectivamente querido pelas partes, ou seja o de 13.000.000$00, e não aquele que consta da escritura pública adrede celebrada.
Não se mostram, deste modo, violados pela Relação os preceitos legais invocados pelo recorrente, nomeadamente os artºs 351º, 358º, nº 2, 393º, 394º, nº 1, e 395º do C. Civil.

10. Decisão:
Em face do exposto decidem:
- negar a revista,
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pelo Réu recorrente no Supremo e nas instâncias.

Lisboa, 9 de Junho de 2005
Ferreira de Almeida,
Abílio Vasconcelos,
Duarte Soares.