Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO CURA MARIANO | ||
Descritores: | AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO ARRENDAMENTO URBANO FORMALIDADES AD PROBATIONEM DOCUMENTO ESCRITO DEPOIMENTO DE PARTE CONFISSÃO NULIDADE DE ACÓRDÃO OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 01/12/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. A exigência da forma escrita para os contratos de arrendamento constante do artigo 1069.º, n.º 1, do Código Civil, é meramente ad probationem, pelo que, mesmo que não se demonstre que a falta de observância de forma é imputável ao senhorio, a celebração do contrato de arrendamento pode ser provada por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório (artigo 364.º, n.º 2, do Código Civil). II. Esta confissão tem que ser expressa, pelo que estão excluídas as confissões resultantes da não impugnação de factos nos articulados, razão pela qual não é possível na fase de condensação apurar da celebração de um contrato de arrendamento não escrito, mas já poderá resultar de depoimento de parte, o qual poderá ser determinado pelo juiz. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Autora: Ultracaseiro, Comércio e Indústria, Limitada
Ré: LTHC, Unipessoal, Limitada
* 1. Relatório
A Autora intentou contra a Ré ação declarativa, sob a forma de processo comum em que pediu a condenação da demandada a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Praceta ..., na ..., e a proceder à restituição do mesmo, bem como a pagar-lhe a quantia de € 9.655,31 relativa à fruição que a demandada fez do prédio entre Março e Setembro de 2019, mais € 1.379,33 mensais por cada mês que, após Outubro de 2019, se mantenha na posse desse imóvel, quantias todas elas acrescidas de juros desde a citação.
Contestou a Ré, alegando o seguinte: - Quando a anterior ocupante do imóvel, a sociedade A..., Limitada, ia encerrar o ginásio que aí se encontrava instalado, a Ré viu uma oportunidade para dar continuidade à atividade aí desenvolvida, pelo que manifestou à Autora o seu interesse nesse espaço; - Entre Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017 a Autora e a Ré iniciaram negociações com vista a celebrar um contrato de arrendamento tendo por objeto o imóvel reivindicado; - Embora as negociações não tenham conduzido à formalização de um contrato de arrendamento, a Autora autorizou a Ré a ocupar o imóvel, mediante o pagamento de uma renda, cujo montante inicialmente acordado foi de € 1.350,00; - Este valor foi posteriormente aumentado por decisão unilateral da Autora, tendo sido pago até março de 2019, altura em que a se Ré recusou a pagar a renda enquanto a Autora não realizasse as obras necessárias ao exercício da atividade da Ré; - A Ré não está obrigada a pagar a renda, em virtude do imóvel em causa não estar apto a ser usado para a actividade de ginásio, uma vez que, além de não ter licença de utilização, não tem as condições físicas, de higiene e de segurança necessárias para o efeito e a Autora recusa-se a realizar ou custear as obras que permitam ultrapassar tal situação e a obter a necessária licença de utilização; - Após ter sido autorizada pela Autora a ocupar o imóvel em causa a Ré realizou nele diversas obras de conservação, reparação e beneficiação que o valorizaram e cujo custo ascendeu a € 37 527,41. - Porque a Autora se recusou a fazer outras obras necessárias, em razão de infiltrações, humidade e encharcamento do chão, parte das obras por si realizadas estragaram-se, bem como materiais e equipamentos que tinha no local; - As deficientes condições do espaço levaram à interdição temporária para a prática desportiva de algumas zonas do ginásio e à perda de 349 clientes entre 2017 e 2019, o que representou para si uma perda de receitas no valor de € 115.196,00. Concluiu pela improcedência da ação e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe € 37.527,42, a título de benfeitorias feitas pela Ré no imóvel reivindicado, e € 115.196,00, a título de lucros cessantes e perda de clientela, a tudo acrescendo juros de mora desde a “citação”.
A Autora replicou, pronunciando-se pela improcedência da exceção de não cumprimento e da reconvenção.
Foi proferido saneador sentença onde, por se entender conter os autos todos - condenar a Ré a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº....30 da freguesia da ..., sito na Praceta ...; - absolver a Ré do demais peticionado; - absolver a Autora do pedido reconvencional.
A Autora recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação que, por acórdão proferido em 17.06.2021, julgou procedente o recurso e, em consequência, condenou a Ré a entregar à Autora o imóvel em causa e a pagar-lhe os montantes vencidos desde Março de 2019 e vincendos até à efetiva entrega do imóvel.
Desta decisão a Ré interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: A decisão recorrida enferma da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º e 666.º do CPC, porquanto os fundamentos do acórdão estão em contradição com a decisão. B) O direito de propriedade da Autora/ Recorrida nunca constituiu uma questão controversa pois a Ré/ Recorrente nunca negou essa titularidade nem se arrogou um direito incompatível com aquele. C) Não basta o reconhecimento do direito de propriedade para que a obrigação de restituir a coisa seja imposta. D) Tendo-se demonstrado que a Ré/ Recorrente, enquanto detentora ou possuidora da coisa reivindicada, é titular de um direito licitamente constituído e compatível com o direito do proprietário, não há fundamento para a restituição. E) Nada no acervo factual apurado e definitivamente fixado permite concluir que a ocupação tenha sido ilícita, ilegítima ou abusiva na medida em que a mesma foi autorizada pela Autora/ Recorrida. F) A Ré/ Recorrente tem um título legítimo para estar a ocupar o imóvel, de modo que, nos termos do artigo 1311.º, n.º 2 do CPC é legítima a recusa em restituí-la pelo que não assiste qualquer razão à Autor/ Recorrida. G) Considera-se assim que o douto acórdão recorrido viola o artigo 1311, n.º 2, do CPC uma vez que a Ré / Recorrida ocupou o espaço com o conhecimento e consentimento da Autora e embora não tenham celebrado um contrato de arrendamento é inequívoco, conforme muito bem descortinou o Tribunal de 1.ª instância, que imediou das provas documentais juntas aos autos, que há, e não pode deixar de haver, um contrato entre as partes que impede a restituição do imóvel à Autora/ Recorrida. H) Neste sentido, e considerando que a causa de pedir da indemnização pretendida pela Autora/Recorrida é a pretensa ocupação ilícita, porém, como foi anteriormente referido, deve improceder o pedido indemnizatório. Terminou, pedindo a revogação do acórdão recorrido, mantendo-se o decidido na 1.ª instância.
A Ré respondeu, sustentando a manutenção do decidido pelo acórdão recorrido.
Foi proferido acórdão em que não se reconheceu a verificação da nulidade arguida.
As partes foram notificadas, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, para se pronunciarem sobre a possibilidade de a relação jurídica entre as partes ser qualificada como contrato de arrendamento e o mesmo ser nulo, por falta de observância da forma legalmente prescrita, tendo ambas as partes apresentado alegações, nas quais a Autora sustentou a existência de um contrato de arrendamento nulo por falta de forma e de licença de utilização, tendo a Ré igualmente admitido a existência de um contrato de arrendamento nulo por falta de licença de utilização, mas sustentando que enquanto essa nulidade não for decretada a ocupação do arrendado é lícita.
* II – Do objeto do recurso Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações do recurso e o conteúdo da decisão recorrida cumpre apreciar as seguintes questões: - o acórdão recorrido é nulo, por contradição entre a fundamentação e a decisão? - a Ré tem um título que legitima a ocupação do imóvel da Autora?
* III – A nulidade da decisão recorrida A Ré, nas alegações de recurso apresentadas sustenta que o acórdão do Tribunal da Relação enferma de nulidade, por contradição entre os seus fundamentos e o sentido da sua decisão, uma vez que, apesar de ter considerado que a Ré não tinha título que justificasse a ocupação do imóvel reivindicado, condenou-a a pagar a quantia que havia acordado com a Autora como contrapartida para essa ocupação. Se é verdade que os pressupostos desta arguição de nulidade se constatam na leitura do acórdão recorrido, isso não determina inexoravelmente a existência de uma contradição geradora da nulidade daquela decisão, nos termos do artigo 615.º, c), do Código de Processo Civil. Apesar do acórdão recorrido não ser totalmente explícito e transparente neste aspeto é possível dele deduzir que a condenação no pagamento de uma quantia igual à que foi acordada entre as partes, como contrapartida para a ocupação do imóvel, não partiu necessariamente do pressuposto que a Ré permanecia obrigada a satisfazer aquela obrigação contratual, mas apenas que esse valor correspondia ao dano causado pela ocupação ilegítima do imóvel, tendo em consideração que foi esse o valor que as partes tinham acordado ser o seu valor de utilização, tal como a Autora construiu a causa de pedir, relativamente a este pedido, na petição inicial. Não é possível, pois, concluir que se verifica uma contradição entre os fundamentos do acórdão do Tribunal da Relação e a decisão por este adotada, pelo que improcede este fundamento do recurso.
* IV – Dos factos As instâncias consideraram já apurados, na fase de condensação, os seguintes factos: 1. A Autora adquiriu por compra a propriedade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº....30 da freguesia da ..., sito na Praceta .... 2. Existiram entre as partes conversas e troca de propostas relativas à celebração entre ambas de um contrato de arrendamento respeitante ao prédio referido em 1), sem que tenha chegado a haver consenso quanto aos seus termos. 3. No início de 2017 a Autora permitiu que a R. instalasse e explorasse no prédio referido em 1) um ginásio. 4. Então a R. começou a pagar à A. uma contrapartida mensal em dinheiro, cujo valor mais recente é de € 1.379,22. 5. A R. deixou de pagar o valor referido em 4) em Março de 2019. 6. A R. mantém no prédio aludido em 1) o ginásio dito em 3).
* V – O direito aplicável 1. O thema decidendum A Autora propôs uma ação de reivindicação em que pede a condenação da Ré a entregar-lhe um imóvel da qual é proprietária e a pagar-lhe um valor mensal pela ocupação que vem fazendo do mesmo desde Março de 2019. Nas ações de reivindicação (artigo 1311.º do Código Civil), com fundamento na titularidade de um direito de propriedade, compete ao demandante alegar e provar que é o titular desse direito e que o objeto desse direito se encontra ocupado pelo demandado. Com vista a obstar à procedência da ação, cabe ao demandado alegar e demonstrar que ocupa a coisa reivindicada munido de um título que lhe faculta essa ocupação. Não se colocando quaisquer dúvidas sobre a titularidade pela Autora do direito de propriedade sobre o imóvel reivindicado e a sua ocupação pela Ré, restringe-se o presente litígio à existência de um título que permite à Ré a ocupação deste imóvel. A ocupação do imóvel reivindicado pela Ré, na versão alegada pela Autora, foi a seguinte: - em 2016 a anterior arrendatária do imóvel, a sociedade A..., Limitada comunicou à Autora que iria trespassar à Ré o estabelecimento (um ginásio) que aí funcionava, incluindo o direito ao arrendamento, tendo a Ré se apresentado em fins de 2016, princípios de 2017, como a nova inquilina, embora manifestando interesse em celebrar um novo contrato de arrendamento. - apesar de terem existido negociações, nunca chegou a ser celebrado qualquer contrato de arrendamento, tendo a Autora permitido que a Ré ocupasse o imóvel contra o pagamento de uma renda no valor de € 1.379,22, porque estava convencida da existência do aludido contrato de trespasse. - em Março de 2019 a Ré deixou de pagar a renda, com fundamento na necessidade de a Autora realizar obras no imóvel, tendo a Autora apurado que não tinha sido celebrado qualquer contrato de trespasse que permitisse á Ré usufruir do imóvel. A Ré apresentou uma diferente versão dos acontecimentos: - quando a anterior ocupante do imóvel, a sociedade A..., Limitada, ia encerrar o ginásio que aí se encontrava instalado, a Ré viu uma oportunidade para dar continuidade à atividade aí desenvolvida, pelo que manifestou à Autora o seu interesse nesse espaço; - entre Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017 a Autora e a Ré iniciaram negociações para celebrar um contrato de arrendamento tendo por objeto o imóvel reivindicado; - entretanto a Autora autorizou a Ré a desenvolver a sua atividade comercial no imóvel, mediante o pagamento de uma renda que inicialmente foi de € 1.350,00, a qual foi aumentada por decisão unilateral da Autora em Janeiro de 2019 para o valor indicado por esta; - embora as negociações não tenham conduzido à formalização de um contrato de arrendamento, a Ré continuou a ocupar o imóvel naquelas condições; - em março de 2019, a Ré recusou-se a continuar a pagar a renda enquanto a Autora não realizasse as obras necessárias ao exercício da sua atividade. O tribunal da 1.ª instância, em saneador-sentença, tendo considerado assente, apor acordo das partes nos articulados, a ocupação do imóvel reivindicado pela Ré e o pagamento por esta de uma contrapartida em dinheiro por essa ocupação, entendeu que foi celebrado um contrato atípico entre as partes que permitia o gozo do imóvel reivindicado pela Ré, tendo concluído que, enquanto esse acordo se mantiver válido e eficaz, a detenção do imóvel pela Ré não é ilegítima. Por esta razão, a ação foi julgada improcedente, incluindo o pedido de pagamento do valor das “rendas” desde Março de 2019, por se ter considerado que o mesmo foi deduzido com fundamento no enriquecimento sem causa, o que não se verificava, e não por incumprimento contratual. Interposto recurso, o Tribunal da Relação, decidiu em sentido contrário, por ter entendido que “a ocupação foi feita na perspetiva da celebração do contrato de arrendamento e nessa mesma perspetiva foi fixada uma contrapartida monetária. Não tendo sido possível as partes alcançarem acordo quanto aos termos desse contrato deixa de haver título legítimo para essa mesma ocupação. Contrariamente ao defendido na decisão recorrida, não vemos que o negócio possa ser configurado entre as partes que legitime a ocupação pela Ré do espaço em causa, sendo certo que as partes estão de acordo não terem outorgado qualquer contrato de arrendamento”. Tendo a ação sido decidida em sede de saneador sentença e competindo à Ré a prova da existência de um título de ocupação do imóvel reivindicado, a procedência dessa exceção perentória não pode resultar da mera análise dos factos que, nesta fase processual intermédia, se encontram provados por acordo das partes nos articulados. Há que verificar se a versão alegada pela Ré, a provar-se, em toda a sua extensão e não só na parte em que coincide com a da Autora, é idónea a concluir-se pela existência de um título que legitime a ocupação. Porque, se assim for, o processo deve prosseguir para apuramento dessa versão em sede de audiência de julgamento, pois, só no seu termo, é possível apurar da existência do alegado título, atentas as atuais contradições entre as versões das partes expostas nos articulados. Ora, na versão da Ré, embora a ocupação do imóvel se tenha iniciado como antecipação dos efeitos de um contrato de arrendamento em negociação, frustradas essas negociações, essa utilização manteve-se com o acordo das duas partes, o que corresponde à alegação da existência de uma relação contratual típica de arrendamento de prédio urbano destinado a fim comercial – cessão do gozo do imóvel arrendado e pagamento de uma retribuição por esse gozo (artigos 1022.º e 1064.º do Código Civil). O facto da Ré invocar a inexistência de licença de utilização, além de se mostrar em contradição com o alegado pela Autora na petição inicial e, portanto, ser um facto ainda controvertido, também não é um dado que, a provar-se, determine a nulidade do alegado contrato, atenta a previsão nos n.º 5 e 7, do artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto, de outras consequências para a ausência de licenciamento. Contudo, segundo a alegação concordante de ambas as partes, o invocado contrato de arrendamento não se mostra celebrado na forma escrita. Ora, à data em que o mesmo se terá iniciado, o artigo 1069.º do Código Civil, na redação que lhe havia sido dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, exigia que os contratos de arrendamento urbano fossem celebrados por escrito, independentemente da sua modalidade. Posteriormente, a Lei n.º 13/2019, de 12/02, veio aditar um número 2, ao artigo 1069.º, do Código Civil, permitindo que o arrendatário, na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não lhe seja imputável, possa provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário, sem oposição do senhorio, e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses. O artigo 14.º, n.º 2, desta mesma Lei, determinou que o disposto no artigo 1069.º, n.º 2, do Código Civil, com as alterações por ela introduzidas, aplica-se igualmente a arrendamentos existentes em vigor da mesma, pelo que, apesar dos contratos de arrendamento celebrados entre Autora e Ré não terem sido celebrados por escrito, a Ré poderia provar a sua existência, por qualquer meio probatório, desde que alegasse e provasse que a falta de observância da forma escrita não lhe era imputável. Não tendo a Ré alegado qualquer factualidade capaz de afastar a sua responsabilidade pela não observância da forma prevista na lei e devendo toda a defesa ser deduzida na contestação (artigo 573.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), já não parece ser possível beneficiar da facilidade probatória prevista no novo n.º 2, do artigo 1069.º do Código Civil. No entanto, a introdução deste novo número veio evidenciar que a exigência da forma escrita para os contratos de arrendamento é meramente ad probationem [1], pelo que, nos termos do artigo 364.º, n.º 2, do Código Civil, a celebração do contrato de arrendamento pode ser provada por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório. Esta confissão tem que ser expressa, pelo que estão excluídas as confissões resultantes da não impugnação de factos nos articulados, razão pela qual não é possível na fase de condensação apurar da celebração de um contrato de arrendamento não escrito, mas já poderá resultar de depoimento de parte prestado na audiência de julgamento, o qual poderá ser determinado pelo juiz (artigo 452.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Assim, ainda é possível no presente processo ser feita a prova da existência de um contrato de arrendamento celebrado entre as partes que legitime a ocupação do imóvel reivindicado. Além disso, a Autora também apresentou uma versão sobre a constituição das relações jurídicas entre as partes, relativa à ocupação do imóvel reivindicado, suscetível de poder ter influência na decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis da questão de direito, uma vez que alegou que apenas autorizou que a Ré desenvolvesse a sua atividade no imóvel, porque lhe foi dito pela anterior arrendatária e posteriormente assumido pela Ré que esta tinha adquirido por trespasse o estabelecimento ali instalado, incluindo o direito ao arrendamento daquele espaço. O processo deverá, pois, prosseguir para permitir a produção de prova sobre a factualidade pertinentemente alegada, quer pela Autora, quer pela Ré, e que se mostra ainda controvertida, nos termos do artigo 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e será em função desse julgamento que se poderá ponderar sobre a eventual existência de um contrato de arrendamento que legitime a ocupação do imóvel reivindicado pela Ré. Impõe-se, por isso, o reenvio do processo para o Tribunal da Relação, para que se determine o prosseguimento da tramitação processual para apreciação dos pedidos formulados pela Autora (a decisão sobre o pedido reconvencional já transitou em julgado).
* Decisão Pelo exposto, anula-se o acórdão recorrido para ampliação da matéria de facto, determinando-se o reenvio do processo para o Tribunal da Relação, com vista a que seja ordenado o prosseguimento do processo para apreciação dos pedidos formulados pela Autora.
* Custas do recurso segundo o critério a definir no final.
* Notifique.
Lisboa, 12 de janeiro de 2022
João Cura Mariano (relator)
Fernando Baptista
Vieira e Cunha _______ [1] OLINDA GARCIA, Alterações em Matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, cit., pág. 15 |