Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B2202
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
AMBIENTE
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Nº do Documento: SJ200309250022027
Data do Acordão: 09/25/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 10/01
Data: 01/28/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I - Para além dos depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas que refere, o artº. 1347º C.Civ., instituindo responsabilidade objectiva a coberto do artº. 483º, nº. 2 do mesmo, abarca genericamente quaisquer obras ou instalações susceptíveis de ter efeitos nocivos não permitidos por lei sobre o prédio vizinho: neles incluídos tanto os que directamente afectem o prédio, desvalorizando-o em maior ou menor escala, como os que possam atingir a saúde ou a tranquilidade das pessoas.
II - Os direitos fundamentais não constituem prerrogativas absolutas: obedecendo, embora, a determinados limites, são consentidas interferências ou restrições a esses direitos que devem satisfazer a três pontos essenciais: - serem justificados pelos objectivos de interesse público a alcançar: - serem proporcionais a esses objectivos; - não atingirem a substância do direito protegido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Em 26/6/97, A intentou na comarca de Paredes de Coura acção declarativa com processo comum na forma ordinária contra a "B, S.A.", pedindo a condenação da demandada a pagar-lhe indemnização no montante de 40.000.000$00 e no mais que viesse a fixar-se em execução de sentença.
Para tanto, alegou, em síntese de extensa petição (82 artigos), que, ao definir o traçado da A 3 - Auto-Estrada Porto-Valença, a demandada não teve em conta a ocupação do solo pré-existente, vindo a implantar dois pilares de sustentação dos tabuleiros de viaduto dessa auto-estrada em terreno confinante com o alçado poente de prédio do A., à distância de 8 metros da fachada desse imóvel, vindo a distância entre o telhado do prédio e o bordo do tabuleiro a ser de 5 metros.
O A., que tem instalado, no r/c desse imóvel, café, restaurante e snack bar, e no 1º andar do mesmo albergue destinado ao turismo, alega prejuízo estético e da exposição solar do prédio, e sujeição a ruído, vibrações e trepidações, com provável abertura de fissuras.
Reclama, por isso, desvalorização do prédio avaliada em 30.000.000$00, e perda de clientela e consequentes lucros cessantes computáveis em 10.000.000$00.
Invocou, a final, o disposto nos artºs.18º, nº. 1, e 66º, nºs. 1 e 2, da Constituição, 40º, nºs. 4 e 5, da Lei de Bases do Ambiente (aprovada pela Lei nº. 11/87, de 7/4) e 483º, nº. 2, 562º, 564º, nº. 1, 566º, nº. 1, 1305º, e 1347º C.Civ.
Foi deduzida contestação, um tanto repetitiva, com 53 páginas, em que, no essencial, se opôs ter havido prévia consulta pública no âmbito do estudo do impacto ambiental pelo Ministério do Ambiente e a aprovação do projecto pela JAE (Junta Autónoma de Estradas), se impugnaram as distâncias e prejuízos arguidos pelo A., e se invocaram os artºs. 335º e 1305º C.Civ., este na parte relativa às limitações do direito de propriedade (1).
Seguiu-se audiência preliminar com tentativa de conciliação infrutífera, após a qual veio a ser proferido saneador tabelar, com seguida indicação da matéria de facto assente e fixação da base instrutória.
Instruída a causa, veio, já em fase de julgamento, a ser apresentado pelo A., com invocação do artº. 506º, nº. 1, CPC, articulado superveniente.
Afirma-se, em melhor ordenação, nesse articulado, com referência aos artºs. 569º e 1365º C.Civ., que:
a) - nos dias de chuva, os tubos de drenagem ou escoamento de águas pluviais as escoam em grande quantidade, misturadas com pedras, directamente sobre o prédio do A., que assim recebe, de forma concentrada, grande quantidade de água e pedras que até então não recebia, tal que rasga a própria roupa estendida a secar e impede o estacionamento de veículos automóveis; e que
b) - privado, por acção da auto-estrada, de incidência solar que assegure um normal aquecimento e o desaparecimento de humidades, isso mesmo contribui para uma maior e mais rápida degradação dos materiais de construção integrados no prédio do A., como sejam tinta e reboco.
Outrossim arguido que a Ré ou expropriava, total ou parcialmente, o prédio do A., pagando a justa indemnização, ou se assegurava, como devido, que não violava os direitos subjectivos do mesmo, aditou-se então, ainda, que os projectos de construção da auto-estrada, sem protecção ao longo do bordo da mesma, nem drenos do tabuleiro ao solo no tramo que sobrevoa o prédio do A., violam, por quanto vem de referir-se, o direito de propriedade deste.
Concluiu-se pedindo a condenação da Ré a instalar um sistema de protecção e a colocar tubos para a drenagem de águas pluviais, contínuos desde o topo do tabuleiro da auto-estrada até ao solo, acompanhando os pilares, e a pagar ao A. indemnização de quantitativo a liquidar em execução de sentença.
Admitido esse articulado, com correlativo aditamento à base instrutória, a Ré interpôs agravo dessa decisão, fundado na extemporaneidade da apresentação do mesmo.
Esse recurso foi admitido com subida deferida, e realizou-se nova perícia.
Após julgamento, com inspecção ao local, veio a ser proferida, em 26/6/2000 (2), sentença do Círculo Judicial de Viana do Castelo que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré dos pedidos contra ela deduzidos.
A Relação do Porto julgou improcedente o recurso de apelação que o A. interpôs dessa sentença (3): por certo por isso se não tendo referido a final ao agravo interposto pela apelada, dado o disposto na 2ª parte do nº. 1 do artº.710º CPC.
De novo vencido, o A. pede, agora, revista dessa decisão.

2. Não observando a síntese imposta pelo artº. 690º, nº. 1, CPC, formula, a rematar a alegação respectiva, 19 conclusões, de que, em termos úteis, se retém o que segue:
1ª - O tribunal "a quo", como forma de se furtar ao seu conhecimento, reputou de alteração da causa de pedir a qualificação dos factos provados no âmbito do instituto da servidão non aedificandi realizada pelo recorrente.
2ª - Não alegado pelo apelante nenhum facto novo, não existe nenhuma alteração da causa de pedir, tão só se tratando da qualificação jurídica dos factos provados e da sua subsunção nas normas que regulam o predito instituto.
3ª - Assim, o tribunal "a quo" recusou-se a conhecer de uma questão que estava ex officio obrigado a conhecer por se tratar de uma questão de direito, e não de facto, e violou, por isso, o disposto nos artºs. 664º e 668º, nº. 1, al.d), CPC, o que gera nulidade processual do acórdão recorrido, que deverá ser suprida por este Tribunal, que deverá conhecer directamente da alegada questão da existência de servidão non aedificandi, com todas as consequências legais.
4ª - Sem que esse entendimento, contrário ao unânime jurisprudencial e legal (cfr. Cunha Gonçalves, "Tratado" XII, 60 e Ac. STJ de 15/3/2001, CJ, IX, 1º, 174 ss), tenha fundamentação legal, o acórdão recorrido sufraga uma interpretação redutora da responsabilidade transferida para a recorrida, considerando que essa responsabilidade só poderia subsistir em sede subjectiva.
5ª e 6ª - Em consonância com o prescrito no artº. 483º, nº. 2, o artº. 1347º, nºs. 1 e 3, C.Civ., constitui caso especificado na lei e exemplo típico de responsabilidade objectiva ou pelo risco, independente de culpa.
7ª e 8ª - Para concluir que esse dispositivo não seria aplicável ao caso sub judice, o acórdão recorrido enceta errada e descabida interpretação das sobreditas normas aplicáveis, devendo esse caso ser apreciado, exactamente, à luz do preceito por último referido.
8ª e 9ª - Tal assim uma vez que a recorrida construiu no prédio de sua propriedade uma auto-estrada de que, como ficou provado, resultaram para o prédio do recorrente redução substancial da insolação, criação de ruído que atenta contra a tranquilidade do recorrente, e projecção de água sobre o seu prédio, que constituem causa directa de verdadeiros e efectivos danos, materializados, em suma, na considerável depreciação, de 50% do seu valor, que o prédio do recorrente sofreu e continua a sofrer.
10ª - Para concluir que inexiste direito que mereça ser indemnizado, o acórdão recorrido faz, contra toda a evidência, uma errada e desequilibrada avaliação de todos os efeitos que a auto-estrada projecta sobre o prédio do apelante, pelo que merece censura.
11ª - Sendo o sol um elemento indispensável à vida humana na sua mais ampla acepção, a sua privação constitui perturbação dessa mesma vida e de todas as realidades em que se concretiza; enquanto fonte de luz e calor, o sol é, por outro lado, fundamental para a boa conservação dos bens materiais propriedade dos sujeitos; exactamente durante o Inverno, estação em que o sol é mais necessário, o edifício do recorrente passou a estar privado dessa fonte de energia vital durante uma parte substancial do dia (a partir das 15 horas), passando a ser mais húmido; o que tudo constitui danos manifestos.
12ª - Por outro lado, o edifício fica exposto à acção dos ruídos provenientes da auto-estrada, de tal modo graves que perturbam a tranquilidade do A. e dos hóspedes que frequentam os seus estabelecimentos, cada dia do ano, cada hora do dia, cada segundo da hora, continuamente, para todo o sempre.
13ª - Como consequência directa da construção da auto-estrada a escassos 17 metros de distância e de todos os efeitos que tal construção sobre si projecta, o prédio do A. sofre uma depreciação de 50% do seu valor de troca, ou seja, no montante de 15.750.000$00.
14ª - Todos esses efeitos e cada um de per si configuram danos efectivos que o A. suporta no seu património e na sua pessoa e que não teria de suportar caso a construção do tabuleiro da auto-estrada tivesse sido edificado com uma margem de afastamento suficiente para evitar tais efeitos.
15ª e 16ª - A Constituição da República Portuguesa, no seu artº. 66º, nº. 1, eleva à categoria de direito fundamental o direito a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado - v. Gomes Canotilho, RLJ, 124º/7 ss, regulado nos termos do artº. 40º, nº. 4, da Lei de Bases do Ambiente, onde se fixa a dimensão verdadeiramente subjectiva desse direito.
17ª - O acórdão recorrido prossegue uma linha de orientação que desemboca na negação dos direitos subjectivos do recorrente, impondo-lhes sacrifício desproporcionado, e fazendo prevalecer em toda a linha os interesses da recorrida, num incompreensível sacrifício dos valores em benefício dos interesses, mesmo contra norma jurídica expressa que reconhece tais direitos.
18ª e 19ª - O direito do apelante a ser indemnizado resulta expressamente do disposto no artº. 66º CRP em conjugação com o artº. 40º, nº. 4, da Lei nº. 11/87, de 7/4, e, ainda, no âmbito da tutela do seu direito de propriedade, nos artºs. 1305º e 1347º C.Civ., de que, com o artº. 483º, nº. 2, o acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação.
Não houve, uma vez mais, contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

3. Convenientemente ordenada, a matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte (com, entre parênteses, indicação das correspondentes alíneas e quesitos):
(a) - O A. é proprietário dum edifício implantado no sopé de uma vertente de montanha, sobre um conjunto rochoso, constituído por dois pisos com 220 m2 cada um, sito no lugar do ..., freguesia de Coura, concelho de Paredes de Coura, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 423º (A).
(b) - No rés-do-chão desse edifício está instalado um estabelecimento de café, restaurante e snack-bar, e no 1º piso está instalado um albergue destinado ao turismo, composto por 6 quartos (B e C).
(c) - Esse edifício confronta a poente com um terreno que era propriedade da Junta de Freguesia de Paredes de Coura e que foi objecto de expropriação levada a efeito pela Ré (D).
(d) - A Ré é uma sociedade anónima, concessionária da construção e, futuramente, da exploração comercial da auto-estrada Braga-Valença, em fase de construção, e, nessa qualidade, desenvolveu todos os estudos preliminares e projectos de engenharia e arquitectura do traçado dessa auto-estrada (E).
(e) - Quanto ao troço da mesma que atravessa a freguesia de Paredes de Coura, a Ré definiu um traçado em viaduto sustentado por pilares (F).
(f) - A construção dos pilares de sustentação dos tabuleiros implicou um processo de expropriações nos casos em que foram edificados dentro de propriedades privadas (G).
(g) - Foi tal que ocorreu no terreno da Junta de Freguesia a poente do prédio do A. acima referido, uma vez que dois desses pilares de sustentação foram projectados para ser edificados no terreno que confronta com o alçado poente desse prédio (H).
(h) - A Ré iniciou as obras e escavações implantando pilares de apoio dos tabuleiros a uma distância de 17 metros entre a fachada do aludido prédio do A. e o limite dos pilares referidos (1º).
(i) - Para cada lado desses pilares, o tabuleiro avançou cerca de 3 metros (2º).
(j) - A distância que irá separar o telhado do prédio do A. do bordo do mencionado tabuleiro em construção será de 23 metros (3º).
(l) - O pé-direito da auto-estrada é cerca de 17 metros mais elevado que o do prédio do A. (4º).
(m) - No Inverno, a partir das 15 horas, o viaduto projecta sombra sobre a casa do A. (9º).
(n) - Há ruído, que perturba a tranquilidade do A, e dos hóspedes que frequentam o albergue acima referido (10º e 11º).
(o) - Com a conclusão dos tabuleiros da auto-estrada, verificou-se que as águas pluviais, que são recolhidas ao nível dos tabuleiros, são dirigidas e drenadas por tubos de escoamento colocados ao longo dos mesmos (21º).
(p) - Esses tubos de drenagem das águas pluviais não têm continuidade ao longo dos pilares e até ao solo, apenas trespassando a espessura do tabuleiro e aí terminando (22º).
(q) - Nos dias de chuva, os drenos escoam as águas acumuladas no tabuleiro e nos dias de vento forte do quadrante poente alguma da água evacuada pelos tubos cai sobre o prédio do A. (23º e 24º).
(r) - Em 9/4/97, o A. escreveu à Ré, e esta recebeu, a carta com o teor constante do documento a fls. 24 a 27 destes autos, a que nunca deu resposta (I e J).

4. Está-se perante acção de indemnização dos danos alegadamente causados pela edificação de um viaduto de auto-estrada na proximidade do prédio do A.
São, consoante contrato de concessão (Base LIII, nº. 1º, desse contrato, anexa ao DL 315/91, de 20/8; depois DL 294/97, de 24/10), da responsabilidade da concessionária todas as indemnizações eventualmente devidas, "nos termos da lei", em consequência de qualquer actividade dela decorrente.
De harmonia com o inciso em destaque - "nos termos da lei"-, essa responsabilidade pode, de facto, ter por base qualquer dos fundamentos e, deste modo, revestir qualquer das formas, que a lei, nomeadamente, o Código Civil, prevê.
Tratar-se-á, então, designadamente, de responsabilidade civil subjectiva, por factos ilícitos e culposos (artº. 483º, nº. 1, C.Civ.), pelo risco ou objectiva (idem, nº. 2), ou por intervenções lícitas (factos lícitos) (4).
Ponto, porém, vem a ser que se mostrem efectivamente provados os elementos, pressupostos, requisitos ou condições da responsabilidade civil reclamada - cfr. artº. 483º, nºs. 1 e 2, C.Civ., designadamente, danos indemnizáveis. Ora, e desde logo:
Exercido pela ora recorrida o seu ius aedificandi no que expropriou (para o Estado, concedente), não resulta da matéria de facto apurada que lhe seja, nesse âmbito, assacável facto ilícito e culposo algum, nomeadamente, a infracção de qualquer regra de construção.
Salta, aliás, à vista que as distâncias de 5 e 8 metros articuladas eram, afinal, de, respectivamente, 23 e 17 metros; e, nomeadamente, que aludido nos quesitos 5º e 13º o prejuízo estético referido nos items 16º e 45º da petição inicial, esses quesitos receberam resposta negativa; reduzindo-se a matéria de facto estabelecida pelas instâncias - e nem doutra há, em princípio, que cuidar neste Tribunal, conforme artº. 26º da Lei nº3/99, de 13/1 (LOFTJ) - à enunciada em 3., supra.

5. Considerados, por outro lado, os danos arguidos - ruído, vibrações e trepidações, desvalorização consequente à construção do viaduto, lucros cessantes por menor clientela, projecção de águas pluviais sobre o prédio do ora recorrente por deficiência do sistema de drenagem, e privação de luz solar, logo então avulta que, de 34 quesitos, só 3 receberam resposta simplesmente afirmativa.
Com efeito, consoante acórdão sobre a matéria de facto a fls. 229 ss, dois (2), invocado o artº. 646º, nº. 4, CPC, não receberam resposta, 21 obtiveram resposta negativa, e a 8 foi dada resposta restritiva.
Inaceitavelmente fundadas as respostas negativas aos quesitos 7º e 8º, em que se perguntava o valor do prédio do ora recorrente antes e depois das obras aludidas, na divergência substancial entre os valores referidos pelos peritos (5) e os alegados pelo ora recorrente (6). e em que "as respostas em desconformidade com o quesitado poderiam vir a ser anuladas por serem divergentes do sentido dos quesitos", a Relação, - que começara por referir o disposto no artº. 712º, nº. 1, al. a), CPC -, considerou justificar-se resposta restritiva a esses quesitos.
Admitindo, assim, ter havido desvalorização (7), obtemperou, no entanto, que "mesmo que as respostas a esses dois quesitos fossem alteradas (...), nem por isso a solução jurídica seria diferente da encontrada na sentença recorrida", em vista das razões adiante enunciadas no acórdão recorrido: no qual nomeadamente se considera ter o ora recorrente tido a má sorte de o traçado da auto-estrada passar perto do seu prédio, mas não conferir-lhe esse facto, sem mais, qualquer direito de indemnização, designadamente pela desvalorização comercial do mesmo (fls. 20, último par. - 21 do mesmo, a fls. 330/331 dos autos).
Contra, assim, o fantasiado na alegação do recorrente (8), a Relação não alterou de modo nenhum a decisão sobre a matéria de facto. Isto adiantado:

6. Não demonstrada responsabilidade subjectiva, em contrário, porém, do menos bem entendido no acórdão sob revista (suas fls. 22, a fls. 332 dos autos), para além dos depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas que refere, o artº. 1347º C.Civ., instituindo responsabilidade objectiva a coberto do artº. 483º, nº. 2 do mesmo, abarca genericamente quaisquer obras ou instalações susceptíveis de ter efeitos nocivos não permitidos por lei sobre o prédio vizinho: neles incluídos tanto os que directamente afectem o prédio, desvalorizando-o em maior ou menor escala, como os que possam atingir a saúde ou a tranquilidade das pessoas (9).
É ainda neste quadro que cabe considerar o direito subjectivo ao ambiente decorrente, na lição de Gomes Canotilho (10), do artº. 66º CRP e da Lei de Bases do Ambiente (aprovada pela Lei nº. 11/87, de 7/4), de que o recorrente invoca igualmente o artº. 40º, nºs. 4 e 5, o direito de propriedade do mesmo, outrossim reconhecido constitucionalmente, no artº. 62º CRP, como a Relação observa, como direito fundamental (11), e, como, por último, notado também no acórdão recorrido, o direito ao repouso, do mesmo modo direito fundamental dos cidadãos, como decorre do artº. 16º da Constituição e do artº. 24º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Mas, de ponderar, ainda, o disposto no artº. 335º C.Civ., nem tais direitos se mostram na realidade feridos por forma não consentida pelo sistema jurídico (12).

7. Dos danos articulados, pouco, na verdade, sobra, em termos de efectiva prova. A saber: tão só, como a Relação fez notar, o constante de 3., (m), (n), (o), (p), e (q), supra, e que se resume a isto:
- no Inverno, a partir das 15 horas, o viaduto projecta sombra sobre a casa do recorrente;
- há ruído, que perturba a tranquilidade do recorrente e dos hóspedes que frequentam o albergue com 6 quartos instalado no 1º andar daquela casa (sem que, no entanto, se mostre provada a alegada perda de clientela); e
- com a conclusão dos tabuleiros da auto-estrada, verificou-se que as águas pluviais, que são recolhidas ao nível dos tabuleiros, são dirigidas e drenadas por tubos de escoamento colocados ao longo dos mesmos que não têm continuidade ao longo dos pilares e até ao solo, apenas trespassando a espessura do tabuleiro e aí terminando; de tal modo que nos dias de chuva, os drenos escoam as águas acumuladas no tabuleiro e nos dias de vento forte do quadrante poente alguma da água evacuada pelos tubos cai sobre o prédio do recorrente.

8. A dar razão à sentença apelada quando considera que o A. empolou desvantagens para justificar danos indemnizáveis (fls. 253 vº), discorre, então, assim o acórdão recorrido:
Não existe, de per si, o direito de insolação. Salvo infracção das regras da edificação, o facto de um edifício deixar de receber luz e sol como antes da construção de determinada obra não confere, sem mais, ao proprietário direito a indemnização com esse fundamento.
Outrossim considerado o artº. 70º C.Civ., não vem, sequer, alegado que o ruído resultante da circulação de veículos exceda os limites previstos no Regulamento Geral sobre o Ruído (13), que regulamentou a Lei de Bases do Ambiente, já referida, ou que, independentemente disso, atinja níveis de insuportabilidade (14).
Os direitos fundamentais não constituem prerrogativas absolutas.
Obedecendo, embora, a determinados limites, são consentidas interferências ou restrições a esses direitos que, segundo o autor e obra que cita (15), devem satisfazer a três pontos essenciais: - serem justificados pelos objectivos de interesse público a alcançar: - serem proporcionais a esses objectivos; - não atingirem a substância do direito protegido.
Essas três condicionantes, considera o acórdão sob recurso, verificam-se no caso dos autos.
Eventual prejuízo ambiental e paisagístico induzido pela auto-estrada determinante de desvalorização do prédio do ora recorrente comporta-se, segundo se concluiu, nesses parâmetros.
Sem cabimento, por último, o artº. 1365º C.Civ., os quesitos 25º a 29º receberam respostas negativas.
Revela-se, por isso, inglória a insistência nesses factos, não provados.
E bem, em suma, não se vê como o discurso, que vem de referir-se, do acórdão recorrido possa efectivamente merecer justa censura.

9. Resta a questão, já só aventada na alegação, apresentada em 18/5/2000 (fls. 232), a que alude o artº. 657º CPC, da desvalorização do prédio do ora recorrente resultante de servidão administrativa: que, desde logo, e contra o que o mesmo mal pretende, de modo nenhum se vê que na verdade constitua questão de conhecimento oficioso. Com efeito:
O C.Exp.99, aprovado pelo DL 168/99, de 18/9, cujo artº. 3º revogou o DL 438/91, de 9/11, que aprovara o C.Exp.91, só entrou em vigor, consoante artº. 4º daquele primeiro referido DL, 60 dias após a sua publicação, ou seja, em 18/11/99.
Consentida pelo nº. 1 do artº. 8º C.Exp.91 a constituição de servidões administrativas, o seu nº. 2 foi julgado inconstitucional (16), como o fora já o nº. 2 do artº. 3º C.Exp. aprovado pelo DL 845/76, de 11/12.
Conforme nº. 2 do artº. 8º C.Exp.99, as servidões, resultantes ou não de expropriação, dão lugar a indemnização designadamente quando inviabilizem a utilização que vinha sendo dada ao bem (17): o que, como resulta do já exposto, se não mostra provado. Em todo o caso:
Norma com inequívoca natureza processual ou adjectiva, e, por isso, de aplicação imediata, o nº. 3 do predito artº. 8º C.Exp.99 determina, sem margem para tergiversação, que à determinação das indemnizações eventualmente devidas se aplica o disposto nesse Código (18).
É, pois, em processo nele regulado que essas indemnizações deverão ser fixadas e atribuídas: e já assim era de entender anteriormente.
Não se trata, porém, apenas, de erro na forma do processo. De facto, sendo do CPC as disposições citadas ao diante:
Como elucida Alberto dos Reis, "Anotado", V, 93, último par., não consentida pelo artº. 664º alteração da razão que a parte faz valer para justificar a providência pedida, concluíram bem as instâncias estar-se perante modificação da causa de pedir em altura em que a lei do processo, consoante nº. 2 do artº. 273º, já não a consente: e ocorrer mesmo, como observado na sentença apelada, convolação da acção que o nº. 6 desse mesmo artigo repudia.
Aliás não confundível com eventual - mas no caso, como vem de ver-se - inexistente erro de julgamento, de modo nenhum, enfim, ocorreu a nulidade da decisão - omissão de pronúncia prevenida na al. d) do nº. 1 do artº. 668º - arguida na apelação e em que ora desinspiradamente se insiste. Mais, por último, cabendo elucidar o recorrente, com referência à conclusão 3ª da alegação respectiva, de que, como expressamente determinado no artº. 726º, o nº. 1 do artº. 715º, não tem cabimento em recurso de revista.

10. Tempo vem a ser de, por fim, concluir, em vista do exposto, com a decisão seguinte:
Nega-se a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 25 de Setembro de 2003
Oliveira Barros
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
_______________
(1) Não houve a réplica repetidamente mencionada a fls. 19 do acórdão sob recurso, a fls. 329 dos autos, devendo entender-se essa referência reportada ao articulado superveniente a fls. 165 ss.
(2) Por coincidência: 3 anos após a propositura da acção.
(3) Menos bem repetidamente dita acórdão na alegação oferecida pelo apelante - cfr. arts. 156º, nºs. 2 e 3, e 659º CPC, e artº. 108º, al. c), LOFTJ - Lei nº. 3/99, de 13/1.
(4) V. Sinde Monteiro, "Estudos sobre a Responsabilidade Civil", 8 e 9 (citado em ARP de 10/7/95, CJ, XX, 4º, 175-1ª col., 6º par.).
(5) Cerca de 30 ou 31.000.000$00 antes e cerca de 50% desse valor - ou seja, 15.750.000$00 -, depois, segundo os peritos indicados pelo A. e pelo tribunal, em divergência com o da Ré, que considerou não existir desvalorização significativa.
(6) De, respectivamente, "pelo menos", 60.000.000$00 e "não superior a" 30.000.000$00.
(7) Fls. 17 do acórdão recorrido, a fls. 327 dos autos: "Com efeito, se um prédio valia cerca de 30.000.000$00, não pode manter-se esse mesmo valor se bem junto do prédio se constrói, posteriormente, um tabuleiro de uma auto-estrada".
(8) Fls. 3 dessa alegação, a fls. 346 dos autos.
(9) Vejam-se Pires de Lima e Antunes Varela, "C. Civ. Anotado", III, 2ª ed., 180 e 181, e o acórdão desta Secção de 15/3/2001, CJ, IX, 1º, 174 ss, citado pelo recorrente.
(10) Na RLJ 124º/9. Segundo, ainda, este constitucionalista, na ordem jurídico-constitucional portuguesa o "direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado" (CRP, artº. 66º/1) é um verdadeiro direito fundamental, formal e materialmente constitucional" - ibidem, 8.
(11) Cita Vieira de Andrade, "Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa", 211.
(12) V. - mutatis mutandis - Ac. STJ de 22/2/2000 na Rev. nº. 1084/99-6ª, com sumário na Edição Anual de 2000 dos Sumários de Acórdãos Cíveis organizada pelo Gabinete dos Juízes Assessores deste Tribunal, p. 63 (2ª col.-2º)-64.
(13) Aprovado pelo DL 251/87, de 24/6, alterado pelo DL 282/89, de 2/9, revisto pelo DL 292/2000, de 14/11, por sua vez alterado pelo DL 259/2002, de 23/11.
(14) Menciona a propósito ARC de 23/6/98, CJ, XXIII, 3º, 31 (- I e II). Referindo-se aos limites do tolerável, v. acórdão desta Secção de 17/1/2002, com sumário no nº. 57, desse mês, dos Sumários de Acórdãos deste Tribunal organizada pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, p. 37 (2ª col.)-38.
(15) Manfreed A. Dauses, "The Protection of Fundamental Rights in the Community Legal Order", 402.
(16) V. Ac. TC nº. 331/99, de 2/6/99, que tal declarou com força obrigatória geral, publicado no DR, I Série, nº. 162, de 14/7/99 e no BMJ 488/89.
(17) Referido na al. b) o caso de não estar a ser utilizado, a al. c) - invocada, sem mais, nem menos, na alegação referida, a fls. 242 dos autos - contempla a hipótese de anulação completa do seu valor económico. Só, pois, a al. a), referida no texto, poderia eventualmente vir a ponto na hipótese ocorrente. Permanecendo em aberto a questão da constitucionalidade desse normativo, como anota Luís Perestrelo de Oliveira, "C.Exp. Anotado" (2000), 46, sobra, sempre, quanto a seguir observado.
(18) Com as necessárias adaptações e salvo o disposto em legislação especial.