Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3175/07.4TBVCT-B.G1-A.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
CONVOLAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS NO TEMPO - RECLAMAÇÃO - RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 193.º, N.º3, 615.º, 625.º, N.º1, 629.º, N.ºS 1 E 2, 641.º, 643.º, N.º4, 671.º, N.º1 E N.º3.
LEI Nº 41/2013: - ARTIGOS 5.º, N.º1, 7.º, N.º1.
Sumário :
I - É de considerar como se de uma reclamação para a conferência se tratasse o requerimento de “reclamação para a conferência com intervenção do Tribunal pleno”, dirigido ao Sr. Dr. Juiz Desembargador Presidente, mas apresentando no STJ.

II - Não é nulo por falta de fundamentação de direito um despacho que, sem citar expressamente os preceitos legais em que se baseia, diz expressamente que não admite o recurso de revista porque "o valor processual da causa (€ 9.000,00) está contido na alçada da Relação.

III - Não estando em causa o obstáculo da dupla conformidade de decisões, a admissibilidade do recurso de revista, interposto de um acórdão da Relação proferido após a entrada em vigor do NCPC (2013), afere-se pelos seus preceitos, sendo irrelevante a data de propositura da acção (n.º 1 do art. 7.º da Lei nº 41/2013).

IV - Não cabe recurso de revista de um acórdão da Relação que, por sua vez, indeferiu uma reclamação apresentada contra um despacho de não admissão do recurso de apelação (n.º 1 do art. 671.º do NCPC (2013)).

Decisão Texto Integral:
1. A fls. 42 foi proferida a seguinte decisão:



«1. AA e mulher, BB, vêm reclamar do despacho de 22 de Outubro de 2014, com certidão a fls. 37, mediante o qual não foi admitido o recurso de revista interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Julho do mesmo ano, com certidão a fls. 35, com o fundamento de que “o valor processual da causa (€ 9.000,00) está contido na alçada da Relação”.

O acórdão de 10 de Julho confirmara o despacho do relator que “desatendeu a reclamação que apresentaram contra o despacho da 1ª instância que não admitiu o recurso que oportunamente interpuseram” de uma sentença proferida em 28 de Novembro de 2013, numa acção proposta em 2007, por não ter sido apresentada a alegação juntamente com o requerimento de interposição de recurso, nos termos previstos nos artigos 641º, nº 2, b) do actual Código de Processo Civil, correspondente ao artigo 685º-C, nº2, b) do anterior Código, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, sendo este o regime aplicável por força dos artigos 7º e 8º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.


2. Os fundamentos da reclamação deduzida são os seguintes:

– O despacho de fls. 37 é nulo, por falta de fundamentação de direito e por não ter apreciado questões que deveria ter decidido;

– O recurso é admissível independentemente do valor da causa, como resulta do disposto nos artigos 926º, nº 2 e 136º, nº 2, do Código de Processo Civil;

– e é ainda admissível de acordo com o disposto na al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, por estar em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31 de Março de 2009 (proc. 12-B/1997.G1) e com a decisão do Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Fevereiro de 2014 (proc. nº 341/07.6TVPRT-E.P1),

– porque “nos termos do nº 1, do artigo 675, do CPC anterior, ou, vale o mesmo, do 625, nº 1, do nCPC, havendo (na mesma ordem jurídica) duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar”,

– e nos termos“do nº 2 do artigo 5º, do preâmbulo da Lei 41/2013”, de onde decorre “analogicamente e no mesmo sentido”, e

“do nº 3 do mesmo citado artigo 5º”.


3. Os reclamantes invocam “inconstitucionalidade grave (…) por violação, entre outros, dos princípios do livre acesso ao direito, à justiça e à jurisdição e, ainda, da tutela efectiva de direitos consagrados

– Nos artºs 2 e 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem,

– Nos artºs 6, 13, 17 e 18, todos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e

– Na Constituição da República Portuguesa, nos artºs 2, 18, nº 2, 20º, nºs 1, 2 e 5 e 268º, nº 4.”


Concluem que “a decisão reclamada (…) ofendeu, assim, o disposto nos artigos 136º, nº 2 nCPC, os artigos 3º e, ainda, a contrario sensu, os artigos 4º e o nº 1 do artigo 7º, todos do preâmbulo da Lei 41/2013 e, ainda, as al. s b) c) e e), todas do nº 1 do artigo 668º do CPC anterior e ou do artigo 615, do CPC”, devendo ser deferida a reclamação e admitida a revista.

Não houve resposta do reclamado.


4. A reclamação é manifestamente infundada.

Não se verifica nenhuma das nulidades arguidas. Trata-se de um despacho proferido sobre o requerimento de interposição do recurso de revista; é-lhe aplicável o disposto nos artigos 641º e 615º do Código vigente, nos termos previstos no nº 1 do artigo 5º da Lei nº 41/2013. Considerando que a revista não é admissível, o despacho nada mais teria que decidir, para além da questão da admissibilidade de recurso; o que significa, desde já, que não deixou de apreciar nenhuma questão de que devesse ter conhecido.

Para além disso, o despacho indica expressamente a razão de direito pela qual o recurso não é admissível: “o valor processual da causa (€ 9.000,00) está contido na alçada da Relação”. Fundamentar juridicamente uma decisão não implica citar expressamente os preceitos legais que a suportam; no caso, não há qualquer dúvida sobre a razão de direito que conduziu ao despacho de não admissão do recurso.

Quanto à referência às alíneas c) e e) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil anterior, que se entende como feitas às correspondentes alíneas do artigo 615º do actual, não se depreende da reclamação qual é o sentido da respectiva invocação.


5. O recurso de revista não é efectivamente admissível, pelas seguintes razões:

– Trata-se de um recurso interposto de uma decisão de não admissão de recurso, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que indeferiu a reclamação apresentada contra o despacho do relator, que não admitira a apelação. Não cabe, assim, no n º 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil vigente, aplicável por força do disposto no nº 1 do artigo 7º da Lei nº 41/2013: o acórdão de que foi interposto o recurso foi proferido depois da entrada em vigor da mesma lei, não tendo qualquer relevo que a acção tenha sido proposta antes de 1 de Janeiro de 2008, porque não está em causa o obstáculo à admissibilidade de revista previsto no nº 3 do artigo 671º (dupla conforme). Aliás, se coubesse, então o valor da causa impedi-la-ia, por não ser superior à alçada da Relação (embora seja manifestamente superior à alçada da 1ª instância) e por não ocorrer nenhum dos casos de admissibilidade de recurso de revista independentemente do valor da causa (artigo 629º, nºs 1 e 2);

– Não se verifica a contradição que os reclamantes invocam, para sustentar a aplicabilidade do disposto na al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil (invocação que naturalmente implica reconhecer que a recorribilidade se afere pelo novo Código, pois se trata de regra sem equivalente no Código anterior): o despacho do Presidente da Relação do Porto, de 18 de Fevereiro de 2014, considerou aplicável o regime do Código de Processo Civil anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007 porque a sentença de cujo recurso então se tratava foi proferida em 10 de Julho de 2013, ou seja, antes da entrada em vigor do Código de 2013. Os reclamantes referem ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31 de Março de 2009, que em caso algum poderia relevar por ser anterior à entrada em vigor da Lei nº 41/2013;

– Os reclamantes invocam ainda o disposto nos artigos 926º, nº 2 e 136º, nº 2, do Código de Processo Civil, e nos nºs 2 e 3 do artigo 5º da Lei nº 41/2013. Mas destes preceitos nada resulta que releve para a questão da admissibilidade da revista, sendo certo que a Lei nº 41/2013 regula expressamente o ponto que agora interessa, determinando que o novo regime se aplica aos recursos interpostos de decisões proferidas após a sua entrada em vigor, nos termos já referidos;

– Não tem cabimento invocar o disposto no nº 1 do artigo 625º do Código de Processo Civil (artigo 675º do Código anterior), aplicável quando falhou a barreira da excepção de caso julgado e foram proferidas “decisões contraditórias sobre a mesma pretensão”, o que não é manifestamente o caso.


6. Os reclamantes invocam ainda “inconstitucionalidade grave (…) por violação, entre outros, dos princípios do livre acesso ao direito, à justiça e à jurisdição e, ainda, da tutela efectiva de direitos consagrados”, nos termos atrás transcritos.

No entanto, não substanciam a afirmação; o que implica que, não se encontrando qualquer motivo de inconstitucionalidade na não admissão do recurso de revista, nada mais há que apreciar.


7. Assim, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 643º do Código de Processo Civil, indefere-se a reclamação, mantendo-se o despacho reclamado.

Custas pelos reclamantes.

Lisboa, 28 de Novembro de 2014»



2. AA e BB vêm “reclamar para a Conferência, com Intervenção do Tribunal Pleno”, dirigindo o requerimento ao “Exmo. Sr. Dr. Juiz Desembargador Presidente”, apesar de apresentado no Supremo Tribunal de Justiça e de ter essa indicação.

Ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 193º do Código de Processo Civil, entende-se que se trata de uma reclamação para a conferência do despacho de fls. 42, proferido nos termos do nº 4 do artigo 643º do Código de Processo Civil; e que será julgada pela conferência respectiva, conforme resulta do mesmo nº 4 do artigo 643º, uma vez que não se prevê no mesmo Código de Processo Civil a intervenção do Tribunal Pleno para julgar reclamações de despachos deste tipo.



3. No requerimento apresentado não traz fundamentos novos, relativamente à reclamação apreciada pelo despacho de fls. 42.



Assim, nada havendo a acrescentar, confirma-se o indeferimento da reclamação ali apreciada, nos termos e pelos fundamentos dela constantes.


Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 ucs.


Lisboa, 19 de fevereiro de 2015


Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego