Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10221/18.4T8LRS.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Em resultado da aplicação ao caso dos autos da decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 8/2022), consideram-se preenchidos os pressupostos da ilicitude e do nexo de causalidade de que depende a responsabilidade civil do intermediário financeiro.

II. Tendo sido alegado e provado que, se tivessem sido adequadamente esclarecidos e informados, os Autores não teriam subscrito o produto financeiro em causa, à luz dos princípios gerais da obrigação de indemnização consagrados nos artigos 562.º e 563.º do Código Civil, é admissível que pretenda que seja reconstituída a situação que existiria se não tivesse subscrito tal produto e tivesse antes subscrito um depósito a prazo; mas já não que pretenda que seja reconstituída a situação que existiria se, tendo subscrito tal produto, as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento.

III. O que implica, em primeiro lugar, que o valor do capital investido seja deduzido do valor atual das obrigações adquiridas; e, em segundo lugar, que o valor do capital investido seja deduzido do valor dos juros remuneratórios pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos a título de remuneração de um depósito a prazo.

Decisão Texto Integral:

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I – Relatório

Os Autores interpuseram ação declarativa de condenação contra o Réu, pedindo a condenação deste a pagar-lhes de capital e juros vencidos à data de interposição da ação € 57.000,00, juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento e ainda € 3.000,00, a título de danos não patrimoniais.

Para tal, alegaram, em síntese, o seguinte:

- eram clientes do então denominado BPN - em cujos direitos e obrigações o Réu sucedeu - sendo titulares de uma conta bancária na agência da ... onde faziam os seus movimentos e poupanças, e que o Gerente daquela agência, que conhecia o perfil conservador dos Autores e que sabia que estes sempre aplicavam o seu dinheiro em depósitos a prazo, disse-lhes que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN, com juros semestrais, e que poderiam levantar o capital e juros quando entendessem, mediante aviso da agência com três dias de antecedência;

- com a convicção de que assim era, os Autores, em Abril de 2006, investiram € 50.000,00 convencidos de que estavam a aplicar esse montante num produto com as características de um depósito a prazo e só posteriormente, quando o Banco deixou de lhes pagar juros, souberam ter investido em obrigações subordinadas SLN 2006, sobre as quais nenhuma documentação lhes foi entregue nem prestada qualquer informação;

- até Novembro de 2015, sempre o Banco lhes pagou os juros do capital, circunstância que lhes transmitiu segurança e nunca os alertou para que o investimento não era aquele que estavam convencidos que tinham efetuado.

- quando nessa data o banco deixou de lhes pagar juros passou a atribuir a responsabilidade pelo pagamento à SLN, sociedade cuja existência os Autores desconheciam, pensando até então que SLN era a denominação bancária do depósito em que haviam aplicado o seu dinheiro e desde então os funcionários do Réu da agência da ... aconselharam os Autores a esperar pela maturidade das obrigações;

- no entanto, na data de maturidade das obrigações, em Maio de 2016, o Réu não restituiu o montante investido aos Autores apesar de o Gerente do balcão lhes ter apresentado o Banco Réu como garante da aplicação, estando assim os Autores privados de usar o seu dinheiro, o que lhes causa dificuldades financeiras na gestão das suas vidas, e passaram a estar em permanente preocupação e ansiedade, tristes, sem alegria de viver, sem perspetivas de futuro, receando não recuperar o capital investido que eram as suas economias de uma vida.

O Réu contestou, começando por invocar a exceção de prescrição da responsabilidade de intermediário financeiro e impugnando a matéria alegada pelos Autores.

Concluiu pela improcedência da ação.

Os Autores responderam, sustentando a aplicação do prazo de prescrição ordinária previsto no artigo 309.º do Código Civil e não o prazo previsto no artigo 324.º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários, e para o caso de assim não se entender, invocaram a nulidade do contrato de intermediação financeira.

Tudo para concluir pela improcedência da matéria de exceção invocada pelo Réu.

Após julgamento, foi proferida sentença, que julgando improcedente a exceção da prescrição, concluiu do seguinte modo:

Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga:

- Improcedente a exceção de prescrição invocada pelo R.,

- Procedente parcialmente a ação, e, em consequência:

- Condena o R. a pagar aos AA. a quantia de € 50.000,00 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;

- Absolve o R. do pedido relativo a danos não patrimoniais, no montante de € 3.000,00.

O Réu interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação, o qual proferiu acórdão que decidiu julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, condena-se o réu a pagar ao autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença assim calculada: o valor investido de € 50.000, acrescido de juros remuneratórios vencidos entre dezembro de 2015 e 9.5.2016 bem como de juros de mora à taxa legal de 4% desde 9.5.2016; à soma assim obtida, há que abater o valor que as obrigações ainda representem bem como o valor dos juros remuneratórios que os autores receberam até novembro de 2015 e que excedam o valor dos juros que os autores teriam recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo no mesmo período.

O Réu interpôs recurso de revista excecional desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, discordando que tenha incumprido as suas obrigações de informação e que exista um nexo de causalidade entre o alegado incumprimento e os prejuízos alegados pelos Autores, tendo estes origem apenas na incapacidade da SNL solver as suas obrigações.

Os Autores responderam, pronunciando-se pela inadmissibilidade do recurso e, subsidiariamente, pela sua improcedência, além de interporem recurso de revista subordinado, relativamente à parte do acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação, discordando que se tenha descontado ao valor do capital investido, o valor dos juros remuneratórios que os Autores receberam até novembro de 2015 e que excedam o valor dos juros que o Autor teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo no mesmo período.

Pela Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, foi proferido acórdão que admitiu o recurso de revista excecional interposto pelo Réu.

Foi proferido despacho de suspensão da instância até ao julgamento do recurso para uniformização de jurisprudência, que corria termos sob o n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, tendo após o trânsito do acórdão proferido naquele recurso, sido proferido despacho a manter a instância suspensa, agora a aguardar a decisão que viesse a ser proferida no recurso de uniformização de jurisprudência com o n.º 2547/16.8T8LRA.C2.S1-A.

Tendo transitado em julgado o acórdão proferido no recurso de uniformização de jurisprudência com o n.º 2547/16.8T8LRA.C2.S1-A, foi declarada cessada a suspensão da instância.


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II – Do objeto dos recursos

Considerando as conclusões das alegações dos recursos e o conteúdo do acórdão recorrido, as questões a apreciar neste recurso são as seguintes:

- se o Réu não é responsável pelo prejuízo que os Autores tiveram com a subscrição de obrigações SNL 2006, no valor de € 50.000,00;

- se não deve ser descontado ao valor do capital investido, o valor dos juros remuneratórios que os Autores receberam até novembro de 2015 e que excedam o valor dos juros que o autor teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo no mesmo período.


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III – Os factos

Neste processo encontram-se provados os seguintes factos 1:

1 - Em 2006, os Autores eram clientes do BPN, da sua agência da ..., sendo titulares da conta de depósitos à ordem número ... ... ... .01.

2 - O BPN fundiu-se com o Banco BIC, ora Réu.

3 - Em 10 de Abril de 2006, o gerente do BPN da agência da ... contactou os Autores dizendo-lhes que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada com taxa de juros melhor que depósito a prazo.

4 - Os Autores depositavam confiança do gerente e nos funcionários do balcão do Banco na ....

5 - O gerente do BPN da agência da ... sabia que os Autores tinham um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro e que até essa data sempre o haviam aplicado em depósitos a prazo.

6 - O gerente da agência assegurou-lhes que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, vendendo-lhes o produto como se fosse equivalente a um depósito a prazo, com capital garantido pelo Réu, com taxa de juros melhor do que a de um depósito a prazo, com mobilização de capital quando os Autores entendessem, bastando avisar o Banco que este logo arranjaria interessados na recompra do produto.

7 - O gerente do BPN da agência da ... disse aos Autores que a SLN era a dona do Banco.

8 - Os Autores não foram informados de que estavam a comprar obrigações subordinadas da SLN.

9 - Nem o gerente da agência da ..., nem qualquer outro funcionário do BPN, leu ou explicou aos Autores o que eram obrigações, nem o que eram as obrigações subordinadas SLN 2006.

10 - Aos Autores não foi lido ou dado conhecimento de qualquer panfleto ou nota informativa sobre as aplicações em causa.

11 - Aos Autores não foi explicado ou entregue documento que contivesse cláusulas relativas ao produto, sobre a sua natureza, riscos e implicações da subscrição das obrigações em causa.

12 - O gerente do balcão sabia que os Autores não possuíam conhecimentos que lhes permitissem destrinçar os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

13 - O Autores marido assinou o boletim de subscrição que se encontra a fls. 19 vº dos autos.

14 - Esse boletim de subscrição foi preenchido pelo gerente do balcão da ....

15 - Os Autores aplicaram € 50.000,00 numa obrigação subordinada SLN 2006 a conselho do gerente do BPN da agência da ..., sem que soubessem em concreto o que era.

16 - Em 10 de Abril de 2006, os Autores tornaram-se titulares de uma obrigação subordinada SLN 2006 no valor nominal de € 50.000,00.

17 - O que motivou o investimento por parte dos Autores foi a circunstância de o gerente da agência lhes ter dito que o capital era garantido pelo BPN, com juros semestrais, e que poderiam levantar o capital quando entendessem, bastando dar essa indicação ao Banco.

18 - Se os Autores tivessem percebido que poderiam estar a dar ordem de compra de um produto não garantido pelo Banco Réu em que poderiam perder capital não o teriam comprado.

19 - Até Novembro de 2015, o Réu pagou semestralmente aos Autores juros relativos àquela aplicação.

20 - A obrigação subordinada SLN 2006 vencia juros à taxa anual efetiva líquida de 3,532% no primeiro semestre, e nos semestres seguintes vencia juros a taxa anual variável, correspondente à Euribor a 6 meses + 1,50%.

21 - A obrigação subordinada SLN 2006 atingiu a maturidade em Maio de 2016.

22 - Em Maio de 2016, o Réu não entregou aos Autores os € 50.000,00 por eles investidos.

23 - Os € 50.000,00 investidos pelos Autores ainda não lhes foram devolvidos.

24 - Os Autores estão impedidos de usar o seu dinheiro como bem entenderem.


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IV – O direito aplicável

1. Do recurso principal

Tal como a configurou o acórdão recorrido, e ambas as partes nisso não discordam, a intervenção do BPN na subscrição pela Autora das Obrigações SLN 2006 deve ser qualificada como uma atividade de intermediação financeira, sem prejuízo do facto de o Banco ser também uma instituição de crédito.

Atenta a data em que ocorreu essa subscrição (Abril de 2006) são aplicáveis a essa atividade as normas constantes do Código de Valores Mobiliários, na redação que se encontrava em vigor naquela data, nos termos das regras de aplicação da lei no tempo contantes do artigo 12.º do Código Civil, sendo essa a versão do Código de Valores Mobiliários que doravante será aqui mencionada.

Enquanto intermediário financeiro, o BPN tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN 2006, executando a ordem de subscrição que lhe foi transmitida pelos Autores dessas obrigações emitidas por uma terceira entidade - a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. -, nos termos dos artigos 289.º, n.º 1, 290.º, n.º 1, al. b), e 293.°, n.º 1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira.

Os intermediários financeiros têm por função promover a conciliação entre duas vontades de sentido oposto, mas convergente, fazendo com que as poupanças dos investidores sejam utilizadas na aquisição de produtos financeiros, conciliando a oferta e a procura de valores mobiliários no mercado. Sendo a intervenção dos intermediários financeiros relevante na formação da vontade dos investidores, a mesma deve obedecer a deveres que garantam a tomada de decisões de investimento informadas e previnam a ocorrência de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores.

Como se explica no AUJ n.º 8/2022 de 6 de dezembro de 2021 proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A 2, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Mobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Assim, enquanto intermediário financeiro, nos termos dos artigos 289.º, n.° 1, al. a), e 290.º, n.º 1, al. c), do Código de Valores Mobiliários, o BPN estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do Código de Valores Mobiliários. Entre esses deveres encontra-se o dever de prestar informações que comportem os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, sendo que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (artigo 312.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código de Valores Mobiliários).

O incumprimento ou cumprimento defeituoso desse dever pode ter consequências. Na verdade, o artigo 314.º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários, estabelece que os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, onde se integra o referido dever de informação.

Tendo em consideração as regras do ónus da prova constantes do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, e os pressupostos gerais da responsabilidade civil, a responsabilização de um intermediário financeiro pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso do referido dever de informação, exige do cliente investidor a prova do incumprimento desse dever (ilicitude), presumindo-se a culpa do intermediário (artigo 314.º, n.º 2, do Código de Valores Mobiliários), dos prejuízos sofridos com o investimento efetuado na sequência da intermediação em causa e da existência de um nexo de causalidade entre o ato de investimento ruinoso e o incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de informação por parte do intermediário.

Como consta do 1.º ponto do segmento uniformizador do referido AUJ:

No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

Com a presente ação a Autora pretende que o Réu os indemnize do capital perdido na subscrição das obrigações SLN 2006, intermediadas pelo BPN, com fundamento em que este não a informou devidamente dos riscos do investimento efetuado.

O acórdão recorrido considerou que se encontravam preenchidos os requisitos da responsabilidade do intermediário prevista no artigo 314.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, designadamente o incumprimento do dever de informação e o nexo de causalidade entre esse incumprimento e a perda do investimento efetuado pela Autora.

Quanto ao incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação de informar o cliente investidor das caraterísticas das obrigações SLN 2006 e do risco associado à subscrição desse produto financeiro provou-se o seguinte:

- Em 10 de Abril de 2006, o gerente do BPN da agência da ... contactou os Autores dizendo-lhes que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada com taxa de juros melhor que depósito a prazo.

- O gerente da agência assegurou-lhes que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, vendendo-lhes o produto como se fosse equivalente a um depósito a prazo, com capital garantido pelo Réu, com taxa de juros melhor do que a de um depósito a prazo, com mobilização de capital quando os Autores entendessem, bastando avisar o Banco que este logo arranjaria interessados na recompra do produto.

- O gerente do BPN da agência da ... disse aos Autores que a SLN era a dona do Banco.

- Os Autores não foram informados de que estavam a comprar obrigações subordinadas da SLN.

- Nem o gerente da agência da ..., nem qualquer outro funcionário do BPN, leu ou explicou aos Autores o que eram obrigações, nem o que eram as obrigações subordinadas SLN 2006.

- Aos Autores não foi lido ou dado conhecimento de qualquer panfleto ou nota informativa sobre as aplicações em causa.

- Aos Autores não foi explicado ou entregue documento que contivesse cláusulas relativas ao produto, sobre a sua natureza, riscos e implicações da subscrição das obrigações em causa.

Conforme consta da fundamentação do mesmo AUJ, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação.

Desde logo, o BPN, ao ter informado a Autora que a subscrição das obrigações SLN 2006 era uma aplicação semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido, prestou uma informação deficiente, uma vez que estamos perante duas realidades substancialmente diferentes, designadamente em termos de risco de perda e de facilidade de levantamento dos valores empregues.

Depois ao informar que a subscrição das obrigações SLN 2006 era um investimento com reembolso do capital garantido pelo próprio Banco, prestou uma informação incorreta que não traduzia as reais caraterísticas do produto financeiro em causa, designadamente quanto à dimensão do risco que envolvia a subscrição das referidas obrigações.

Além disso não foram prestadas aos Autores as informações necessárias a que estes se apercebessem do produto financeiro que subscreveram, tendo em consideração que o gerente do balcão do BPN sabia que os Autores não possuíam conhecimentos que lhes permitissem destrinçar os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

Conclui-se, pois, estar suficientemente demonstrada uma violação grosseira pelo BPN do dever de informação que sobre ele recaía, enquanto intermediário financeiro.

Além da demonstração da ilicitude do comportamento do antecessor do Réu, presumindo-se a sua culpa, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, para que se apure a responsabilidade desta pela perda do investimento efetuado pela Autora na subscrição das obrigações SLN 2006, é também necessário provar a existência de um nexo de causalidade adequada entre o cumprimento defeituoso do dever de informação e a perda dos valores investidos, ou seja, que a subscrição desse produto financeiro não teria ocorrido se o dever de informação tivesse sido escrupulosamente cumprido pelo BPN, na sua qualidade de intermediário financeiro.

Como consta dos pontos n.º 3 e 4 do segmento uniformizador do referido AUJ:

O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

Ora, na presente ação provou-se que aquilo motivou o investimento por parte dos Autores foi a circunstância de o gerente da agência lhes ter dito que o capital era garantido pelo BPN, com juros semestrais, e que poderiam levantar o capital quando entendessem, bastando dar essa indicação ao Banco, tendo-se ainda feito prova de que se os AA. tivessem percebido que poderiam estar a dar ordem de compra de um produto não garantido pelo BPN em que poderiam perder capital não o teriam comprado, pelo que se verifica um nexo de causalidade adequada entre o cumprimento defeituoso pelo BPN da obrigação de informar a Autora quando às reais caraterísticas das obrigações SLN 2006 e a perda do capital investido que resultou da decisão de subscrever aquelas obrigações.

Assim, estando verificados todos os requisitos da responsabilidade civil do Réu, na qualidade de sucessor do BPN, o recurso interposto pelo Réu deve ser julgado improcedente.

2. Do recurso subordinado

O acórdão recorrido condenou o Réu a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença assim calculada: o valor investido de € 50.000,00 acrescido de juros remuneratórios vencidos entre dezembro de 2015 e 9.5.2016 bem como de juros de mora à taxa legal de 4% desde 9.5.2016; à soma assim obtida, há que abater o valor que as obrigações ainda representem bem como o valor dos juros remuneratórios que os autores receberam até novembro de 2015 e que excedam o valor dos juros que os autores teriam recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo no mesmo período.

Os Autores discordam do abatimento acima referido, alegando que não se afigura razoável deduzir o valor dos juros remuneratórios que os Autores receberam até novembro de 2015 e que excedam o valor dos juros que o autor teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo no mesmo período, pois resulta da matéria de facto dada como provada, que foi dito aos Autores que a aplicação era em tudo igual a um depósito a prazo, mas com taxa de juros melhor que o depósito a prazo (...) importando atender aos juros que foram efetivamente contratados.

O acórdão recorrido fundamentou o critério do cálculo do valor da indemnização a atribuir aos Autores por adesão à fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.2018 3, onde se escreveu:

Dever-se-á ter em consideração o estatuído nos artigos 562, 566, 564, 798, todos do Código Civil.

Provou-se que o Autor investiu certas quantias em obrigações convencido que estava a subscrever um produto equivalente a depósitos a prazo.

O dano do autor deve resultar ou deve traduzir-se na diferença entre a situação que o autor ficou e a situação em que o autor estaria se o dever de informação tivesse sido cumprido.

Desde logo, o Autor tem direito ao valor investido (…) acrescido de juros moratórios à taxa legal contados a partir das datas em que os montantes investidos nas obrigações deveriam ter sido reembolsados (…).

Isto é o que sucede com qualquer depósito a prazo (o Banco devolve o capital mais os juros remuneratórios que se foram vencendo

O autor teve um dano direto derivado de ter aplicado aquelas quantias e de não as ter recuperado nas datas em que as mesmas lhe deveriam ter sido disponibilizadas.

No caso concreto o Autor viu o capital que investiu em 2004 ser remunerado (…) mas desconhecemos a que taxa.

Também é inequívoco que o autor é titular das obrigações que adquiriu sendo certo que as mesmas têm valor (apesar da insolvência da DD).

Desconhecemos o valor que as obrigações adquiridas pelo autor ainda podem representar.

Ora, na indemnização devida ao autor deve ser descontado não só o valor que as obrigações ainda representam, mas também o valor dos juros remuneratórios que recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo.

Os artigos. 562.º e 563.º do Código Civil consagram os princípios gerais relativos à obrigação de indemnização, determinando que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação e ainda que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

De acordo com a prova feita, se tivessem sido adequadamente esclarecidos e informados, os Autores não teriam subscrito o produto financeiro em causa.

É, pois, admissível que os Autores pretendam que seja reconstituída a situação que existiria se não tivessem subscrito tal produto e tivessem antes subscrito um depósito a prazo.

Mas já não será admissível que pretendam que seja reconstituída a situação que existiria se tivessem subscrito o dito produto e se as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento, não tendo, pois, direito a ficarem para si com o valor dos juros remuneratórios que foram sendo pagos 4.

Assim, a aplicação da regra do artigo 562.º do Código Civil, da qual resulta que a indemnização deve reconstituir a situação que existiria se não tivessem sido subscritas as Obrigações SLN, tem como consequência que o valor do capital investido (50.000,00 euros) seja deduzido do valor atual das obrigações adquiridas e do valor dos juros remuneratórios pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos a título de remuneração de um depósito a prazo, tal como determinou o acórdão recorrido.

Por esta razão deve também ser julgado improcedente o recurso subordinado, tal como o foi o recurso principal


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Decisão

Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos interpostos pelo Réu e pelos Autores, confirmando-se o acórdão recorrido.


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Custas de cada um dos recursos pelo respetivo Recorrente.

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Notifique.

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Lisboa, 7 de dezembro de 2023

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Ana Paula Lobo

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1. Por rigor substituiu-se na matéria de facto provada as referências feitas ao Banco Réu por atos ocorridos em datas anteriores à fusão com o BPN, por este Banco.

2. Publicado no Diário da República n.º 212/2002, Série I, de 13.11.2022.

3. No Processo 18331/16 (Rel. Sousa Lameira).

4. Neste sentido, além do acórdão citado no texto, vide os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça proferidos em 02.02.2023, nos Processos 438/19, 2992/18, 5050/17, 4081/17, 30290/16, 3196/16. E 2208/16, todos relatados por Nuno Pinto de Oliveira, e de 14.09.2023, no Processo 949/16, relatado por Maria da Graça Trigo.