Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
71/11.4YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: JUIZ
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO
INSPECÇÃO JUDICIAL ORDINÁRIA
INSPECÇÃO JUDICIAL EXTRAORDINÁRIA
RESULTADO DE INSPECÇÃO ANTERIOR
PERIODICIDADE DA INSPECÇÃO
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário :

I - A exigência de fundamentação – arts. 268.º, n.º 3, da CRP, e 124.º a 126.º do CPA – relaciona-se com a legalidade, transparência e sindicabilidade das decisões; importa que o(s) destinatário(s) delas não tenha(m) dúvidas acerca do seu alcance e interpretação de acordo com o padrão do declaratário normal. A fundamentação deve evidenciar o processo lógico-dedutivo assente num iter argumentativo perfeitamente compreensível, reportando-se a factos e extraindo autorizadas ilações neles baseadas, não enfermando de contradições ou omissões que prejudiquem o direito de defesa.
II - Nos termos do n.º 1 do art. 125.º do CPA a fundamentação também existe quando consista em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituirão, nesse caso, parte integrante do respectivo acto – fundamentação por remissão.
III - Na situação em apreço, está em causa a deliberação do Plenário do CSM, de 05-04-2011, que, indeferindo a reclamação do recorrente, manteve a deliberação do Conselho Permanente, de 26-10-2010, que determinou a reunião numa única inspecção da inspecção ordinária e da inspecção extraordinária determinadas ao recorrente, incumbindo a Sra. Inspectora Judicial nomeada para proceder à inspecção extraordinária de apreciar também o serviço objecto da referida inspecção ordinária e de elaborar um único relatório que abranja o objecto de ambas.
IV - Como se alcança do texto da deliberação impugnada, existe fundamentação por remissão, legalmente permitida, tendo sido acolhida pelo CSM a proposta fundamentada de um seu Vogal que, com minúcia, aponta as razões por que as inspecções ordinária e extraordinária ao recorrente deveriam ser reunidas numa única inspecção.
V - Ademais, o recorrente pôde contraditar, como contraditou, o teor da deliberação, sinal inequívoco que a entendeu no seu alcance, e consequências, em função dos fundamentos em que assentou. Como o recorrente teve oportunidade de se pronunciar sobre a decisão do CSM, questionando os motivos invocados na referida acta, não existe o vício de falta de fundamentação.
VI - Decorre do art. 37.º, n.º 1, do EMJ, que nas classificações são sempre considerados os resultados das inspecções anteriores. Por outro lado, prescreve-se no art. 36.º, n.º 5, que «a classificação de serviço posterior desactualiza a referente a serviço anterior», porque na coerente interpretação da apreciação do mérito, seria ilógico que uma classificação do Magistrado por serviço prestado em período anterior, prevalecesse sobre outra (ordinária ou extraordinária), realizada ulteriormente. De facto, se a inspecção judicial aos Magistrados se limitasse a um mero controlo burocrático, estatístico, da actividade do Juiz, alheando-se do valor ou desvalor das decisões e do seu comportamento, enquanto exercente de um órgão de soberania, corria o risco de nada inspeccionar e não cumprir o fim pedagógico e formativo que se surpreende, desde logo, no n.º 2 do art. 1.º do RIJ.
VII - Um dos elementos de especial preponderância na classificação de serviço dos Juízes, sobretudo, daqueles que, pelo menos uma vez, foram inspeccionados, é a comparação do desempenho anterior com aquele que é objecto de nova avaliação; assim se poderá evidenciar, ou não, a evolução do desempenho porque é suposto que o tempo confere experiência e maturidade, do mesmo passo que permite ajuizar acerca da vertente humana tão relevante nos servidores da Justiça.
VIII - Assim, importa concluir que uma correcta avaliação do mérito do recorrente, em função das particularidades do caso, só se alcançaria mediante a reunião numa única inspecção da sua actuação, apreciando em conjunto o seu desempenho nos tribunais abrangidos nas inspecções ordinária e extraordinária de que foi alvo, no período de 24-09-2002 a 23-06-2008, no Tribunal do Comércio de … e no Tribunal de Trabalho de …, e a inspecção extraordinária ao seu desempenho neste último Tribunal, determinada na sessão do Conselho Permanente de 06-07-2010.
IX - As inspecções judiciais aos Magistrados Judiciais são um seu direito ligado, também à apreciação do mérito profissional que se interliga com a promoção na carreira, daí que o EMJ estabeleça, no art. 36.º, as regras que norteiam a sua periodicidade. Contudo, o artigo citado não erige o prazo de 4 anos em norma imperativa, cominando qualquer sanção caso as inspecções não se efectuem com aquela periodicidade.



Decisão Texto Integral:

Secção do Contencioso[1].

 


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

- Secção do Contencioso –


           AA, Juiz de Direito, com domicílio profissional no Tribunal do Trabalho de Portimão, interpôs, para este Supremo Tribunal de Justiça, recurso do Acórdão proferido em 05.04.2011 no processo de inspecção ordinária n.º307/2008, pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura, invocando o disposto nos artigos 168°, n.°1, 169°, nºs 1 e 2, b) 171° e 172°, nºs 1, 2 e 5 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30.7, com as alterações que lhe foram feitas, designadamente, pela Lei n° 143/99, de 31.8).

            Requerendo:

            “a) Seja anulado o Acórdão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 05.04.2011, proferido nos autos n°307/2008 de Inspecção Ordinária ao recorrente, que confirmou a deliberação de 26.10.2010 do Conselho Permanente do CSM, a qual ordenou fossem reunidas num único processo inspectivo a Inspecção Ordinária n° 307/2008 ao serviço do Recorrente no período de 24.09.02 a 23.06.08, no Tribunal do Comércio de Lisboa e no Tribunal do Trabalho de Lisboa, e a Inspecção Extraordinária ao desempenho do mesmo neste último (determinada na sessão do Conselho Permanente de 06.07.2010);

            b) Seja o CSM condenado na renovação da instância do processo de Inspecção Ordinária n°307/2008 ao serviço do recorrente no período de 24.09.02 a 23.07.08, no Tribunal do Comércio de Lisboa e no Tribunal do Trabalho de Lisboa, pronunciando-se sobre o Relatório/Proposta da Sr.ª Inspectora Judicial, deliberando o que tiver por conveniente quanto à referida proposta, e fazendo-o de imediato.

            Factualmente alegou:

1) — O Recorrente é Juiz de Direito e exerce presentemente funções no Tribunal do Trabalho de Portimão;

2) — Sob o processo n°307/2008 do C.S.M. (Inspecção Ordinária) foi autuada a actividade inspectiva ao serviço do Recorrente no Tribunal do Comércio de Lisboa e no Tribunal do Trabalho de Lisboa, no período de 24.09.02 a 23.07.08;

3) — E no dito processo, a Sr.ª Inspectora Judicial, após o trabalho inspectivo, elaborou Relatório datado de 27.10.2008, em que concluiu propondo a notação de “Bom” (doc. 1 restrito ao próprio Relatório, sem documentos);

4) — Em 27.01.2009, o Conselho Permanente do CSM deliberou “sobrestar este Processo de Inspecção Ordinária ao Ex.mo Juiz de Direito AA (Processo nº307/2008), até produzir efeitos a deliberação que venha a ser tomada no âmbito dos autos de Inspecção Ordinária n°70/2003, após o que, com junção de cópia da mesma, estas prosseguirão os seus termos”;

5) — A deliberação indicada em 4), supra, não foi notificada ao Recorrente durante 16 meses (havendo-o sido em 24.06.10, quando o mesmo requereu a consulta do processo);

6) — Em 23.03.2010, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura atribuiu ao recorrente, no âmbito da inspecção ordinária nº70/03, a nota classificativa que era condição de cuja verificação se fez depender o sobrestar do processo de Inspecção ordinária n°307/2008 (como se indica em 4);

7) — Em 06.07.2010, o Conselho Plenário do CSM deliberou Inspecção Extraordinária ao desempenho do recorrente no Tribunal do Trabalho de Lisboa, sem fixação de âmbito;

8) — Em 26.10.2010, o Conselho Permanente do CSM deliberou que fossem “reunidas numa única inspecção, incumbindo-se a Sra. Inspectora Judicial nomeada para proceder à Inspecção extraordinária, de apreciar também o serviço objecto da referida Inspecção Ordinária e de elaborar um único relatório, que abranja o objecto de ambas”;

9) — Em 10.01.11, o Recorrente deduziu da deliberação indicada em 8), reclamação para o Conselho Plenário do C.S.M., a qual foi desatendida por Acórdão deste de 05.04.11, que manteve a decisão reclamada.

Esta matéria de facto que, não foi impugnada pelo Conselho Superior da Magistratura (doravante CSM) recorrido, deve ser aditada, como consta no douto Parecer do Ex. Magistrado do Ministério Público (fls. 133 a 140), do seguinte:

- “(i) relativamente ao n° 6, que a nota classificativa atribuída, pela deliberação do CSM, de 23 de Março de 2010, foi de “Suficiente”, tendo sido negado provimento ao recurso dela interposto, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Maio de 2011 — certidão, a fls. 66/91;

- (ii) relativamente ao n°7, que a deliberação do CSM, de 6 de Julho de 2010, determinou a realização cumulativa de inspecções extraordinárias a cada um dos magistrados a quem foram instaurados processos disciplinares — entre eles, o ora recorrente —, na sequência do 2° relatório preliminar elaborado no âmbito do inquérito ao Tribunal de Trabalho de Lisboa;

 - (iii) relativamente ao n° 8, que a deliberação do Conselho Permanente do CSM, de 26 de Outubro de 2010, a determinar a reunião dos procedimentos inspectivos, teve por base proposta de um dos membros do Conselho, nos termos transcritos na parte inicial da deliberação aqui impugnada, a fls. 54/55,v.


***

Considera o Ex.mo Recorrente que a deliberação impugnada enferma dos vícios de falta de fundamentação, e lesão dos seus direitos, aduzindo, essencialmente:

 I. Quanto à falta de fundamentação:

  “Na decisão impugnada não se invoca qualquer facto que fundamente a decidida “reunião de inspecções” e muito menos a norma que motive a mesma. Deste modo, a deliberação impugnada, na sua insuficiência, desde logo por não definição do âmbito da inspecção extraordinária, não permite sequer perceber, como a lei exige, se se anularam os actos inspectivos já realizados, ou se pura e simplesmente se se decidiu, por uma 2ª vez, sobrestar decisão num procedimento revelador da propensão para não proferir decisões justas, por tempestivas. E muito menos nada nela permite concluir da sua fundamentação, em termos de colocar a apreciação do serviço realizado pelo recorrente no período de 24 de Setembro de 2002 a 23 de Julho de 2008, no Tribunal do Comércio de Lisboa e no Tribunal do Trabalho de Lisboa, na dependência de outra lide inspectiva (a extraordinária) que se inicia 8 anos após o começo do período em causa;

Tudo significando no acto recorrido a preterição do disposto nos arts. 124° e 125º do Código de Procedimento Administrativo e, por omissão, do art. 151º al. d), do EMJ da sua anulação (art. 135° do CPA)”.

II) - Quanto à lesão dos seus direitos:

“Nos termos do art. 5°-1 do RIJ de 2003, é um direito do recorrente que o seu trabalho seja objecto de inspecção cada período de 4 anos.

O que estava em concretização na inspecção ordinária n° 307/2008, no respeitante ao período de 24/9/02 a 23 7/08, já se vê que ainda aqui quando se trata de um período de quase 6 anos, em manifesto desrespeito à supracitada norma regulamentar que prevê 4 anos a que, como é óbvio, o CSM sujeita a sua acção.

Ora, ao deliberar sobrestar na decisão sobre a homologação ou alteração da nota proposta, ou mesmo sobre a realização de actos complementares sobre o trabalho do recorrente no dito período de quase 6 anos, o CSM afecta o direito subjectivo daquele à inspecção no período de cada 4 anos;

Transformando este período em 8 anos, e desta forma na medida em que é com base em classificações de serviço, atribuíveis em regra de quatro em quatro anos, que se faz a progressão na carreira, porque se suprime a inspecção (nota) do período de 2002 a 2006 prejudicando gravemente aquela.

 De tudo resultando que ao “congelar” ou “anular” a homologação da nota proposta, o CSM determina que o recorrente concorra com os seus colegas nos próximos movimentos judiciais com uma nota desactualizada e inferior àquela;

 Não decidindo, ao arrepio da sua obrigação legal nos termos do art. 151°, al. d) do E.M.J., o C.S.M. violou o disposto no referido preceito.”

O CSM respondeu – fls. 100 a 104 – pugnando pela manutenção da decisão, por não enfermar de qualquer dos vícios que lhe são assacados.

Essencialmente aduziu:

“A deliberação recorrida manteve a do Conselho Permanente, na qual se decidira, na sequência de exposição do Ex.mo Vogal deste Conselho Dr. BB, reunir numa única inspecção a apreciação do serviço do Ex.mo Juiz, já que havia uma proposta de classificação no Processo de Inspecção Ordinária nº 307/2008 e, entretanto, ao mesmo tempo que ocorreu a instauração de um processo disciplinar, foi ordenada a realização de uma inspecção extraordinária ao serviço do Ex.mo Juiz (bem como ao de outros magistrados judiciais) no Tribunal de Trabalho de Lisboa.

Ora, como se referiu no Acórdão recorrido, a inspecção ordinária respeita a um período que tem como limite final o dia 23 de Julho de 2008, enquanto, no que tange à extraordinária, não foram balizados períodos, aludindo-se apenas ao trabalho desenvolvido no Tribunal de Trabalho de Lisboa, sendo certo que o Ex.mo Juiz se manteve nesse Tribunal até ser colocado na Bolsa de Juízes do Distrito Judicial de Évora, no movimento ordinário de Julho de 2010 (cfr. DR, 2 Série, de 31.08.2010), sendo, pois, de concluir que a inspecção extraordinária, podendo confundir-se, em parte, com a inspecção ordinária, contemplará também um período significativo que não foi abrangido por esta.

Todo o enunciado circunstancialismo impunha a necessidade de harmonização das duas inspecções: a ordinária, que fora sobrestada em virtude de ainda não estar definitivamente fixada a classificação no Processo de Inspecção Ordinária nº70/2003, atinente a serviço anterior e no qual foi atribuída a classificação de “Suficiente” (foi, entretanto, já depois da deliberação aqui impugnada, proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24-05-2011, negando provimento ao recurso aí interposto), e a extraordinária, cuja realização foi determinada em 6 de Julho de 2010, visando vários juízes (entre os quais o Ex.mo Recorrente), por referência genérica ao serviço por eles prestado no Tribunal de Trabalho de Lisboa, por estarem em causa condutas que indiciavam a violação de prossecução do interesse público e de zelo (justificativas da instauração de processo disciplinar), sendo, em consequência, passíveis de influir no mérito do trabalho desenvolvido.

[…] Naturalmente, não deverá o mesmo serviço ser inspeccionado duas vezes e daí a necessidade de harmonização de inspecções sucessivas, sobretudo quando surge uma inspecção extraordinária que pode ser, por motivo ponderado, ordenada pelo CSM, em qualquer altura (art. 36°, n°2 do EMJ e 72, n°1, do Regulamento das Inspecções Judiciais), inclusive com a susceptibilidade de introduzir perturbações no piano de inspecções (art. 72, n°4 do RIJ).

Crê-se, assim, que o Acórdão recorrido está suficientemente fundamentado, resultando, dos elementos fácticos nele elencados e dos considerandos levados a cabo, explicitados os motivos da decisão tomada.

 Alega o Ex.mo Recorrente que, nos termos do art. 5°-1 do RIJ de 2003, lhe assiste o direito de que o seu trabalho seja objecto de inspecção cada período de 4 anos; que estava em causa um período de quase 6 anos, em manifesto desrespeito à supracitada norma regulamentar e que, ao deliberar sobrestar na decisão sobre a homologação ou alteração da nota proposta, ou mesmo sobre a realização de actos complementares sobre o trabalho do recorrente no dito período de quase 6 anos, o CSM afecta o referido direito e prejudica a sua progressão na carreira suprimindo a inspecção (nota) do período de 2002 a 2006.

Salvo o devido respeito, é necessário que se tenha em atenção que as inspecções ocorrem “em regra” com uma periodicidade de 4 anos (art. 36°, n°1, do EMJ), havendo que salvaguardar as ocorrências que possam interferir com essa previsão.

Importará, quanto ao caso concreto, dizer que não há supressão ou “congelação” de classificação, pois não se deixará de emitir um juízo valorativo sobre o trabalho desenvolvido pelo Ex.mo Juiz. Simplesmente, as circunstâncias que o processo documenta impuseram que se tomasse em consideração, em apreciação conjunta (num único relatório), além dos elementos que tinham sido recolhidos na inspecção ordinária, aqueles que sobrevierem da inspecção extraordinária.

 Para além de o CSM se ter pautado pelas regras que emanam de todo o sistema de inspecções, nem se vê que esteja demonstrado que a aludida ponderação global — cuja necessidade adveio de circunstâncias excepcionais, não atribuíveis ao CSM, como são aquelas que estiveram na origem da inspecção extraordinária, contemporânea de um processo disciplinar — seja mais prejudicial ao Ex.mo Recorrente do que a atribuição de duas notas isoladas, a primeira no âmbito da inspecção ordinária e a segunda emergente da inspecção extraordinária, sendo certo que, como se disse, a classificação por serviço posterior desactualiza a referente a serviço anterior (art. 36, n°5 do EMJ) […]”.

O Recorrente, nos termos do art. 176º do EMJ – Estatuto dos Magistrados Judiciais[2] - apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:

i) Ao manter a deliberação do Conselho Permanente do CSM, que não está fundamentada, o Acórdão do Plenário do CSM que se impugna também, sofre do mesmo vício de falta de fundamentação, que determina a sua anulação (arts. 125° e 135° do Código de Procedimento Administrativo, (CPA).

ii) o CSM estava legalmente obrigado a promover os ulteriores termos do Proc. n°307/2008, e com a deliberação de 26.10.10 do Conselho Permanente, confirmada no Acórdão impugnado, em contrariedade à lei anulou os actos praticados no âmbito daquele processo inspectivo, enquanto estes apenas poderão ser “aproveitados” na “única inspecção” que então se ordenou como meios de prova, e não como actos inspectivos, fundamento de anulação do acto (art. 135° CPA).

iii) E ao assim decidir, o CSM comprometeu o direito do Recorrente a, em tempo útil, desde logo em Maio de 2010, poder apresentar-se a concurso nos movimentos judiciais com a notação actualizada correspondente ao período de 6 anos (de 2002 a 2008), em detrimento do normativo que determina que as inspecções serão realizadas pelo menos de 4 em 4 anos (em violação de lei ao artigo 4° do Regulamento de Inspecções Judicias de 1999).

Termos em que se requer seja dado provimento ao Recurso.

O CSM – contra-alegou – fls. 124 a 131 – reafirmando a sua tese de que a Deliberação recorrida deve manter-se, por não conter os vícios que o Recorrente lhe assaca.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público juntou, em 17.1.2012, douto Parecer – fls. 133 a 140 – concluindo pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

Fundamentação:

Está em causa a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 5 de Abril de 2011, que, indeferindo a reclamação do Senhor Juiz Recorrente, manteve a deliberação do Conselho Permanente, de 26 Outubro de 2010, do seguinte teor:

“A Inspecção Ordinária n°307/2008 e a Inspecção Extraordinária determinada na sessão do Conselho Permanente de 6 de Julho de 2010, na parte respeitante ao Ex.mo Juiz Dr. AA, são reunidas numa única Inspecção, incumbindo-se a Sra. Inspectora Judicial nomeada para proceder à inspecção extraordinária de apreciar também o serviço objecto da referida inspecção ordinária e de elaborar um único relatório que abranja o objecto de ambas” – cfr. citada deliberação de fls. 54  a 60 verso.

Comecemos por analisar o indicado vício de falta de fundamentação.

 O dever de fundamentação tem assento constitucional no art.268º, nº3[3], e nos arts. 124º e 126º do CPA.

Dispõe o art. 125º do CPA:

 “1 – A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.

2 – Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

3 - […]”.

No “Código do Processo Administrativo Anotado”, de Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Pedro Siza Vieira e Vasco Pereira da Silva, pág. 195 pode ler-se:

“O nº2 do presente artigo resulta com nitidez que o objectivo essencial da fundamentação é esclarecer concretamente a motivação do acto.

Por isso se exige que ela seja clara, coerente e completa, fazendo-se equivaler à falta de fundamentação a adopção de fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes”.

A exigência de fundamentação – art. 268º, nº3, da Constituição da República e arts. 124º a 126º do CPA – relaciona-se com a legalidade, transparência e sindicabilidade das decisões; importa que o (s) destinatário (s) delas não tenha (m) dúvidas acerca do seu alcance e interpretação de acordo com o padrão do declaratário normal.

Essencial é que o recorrente possa refutar, no âmbito do contraditório, as imputações que lhe são feitas, entendendo-as e replicando.

 A fundamentação deve evidenciar o processo lógico-dedutivo assente num iter argumentativo perfeitamente compreensível, reportando-se a factos e extraindo autorizadas ilações neles baseadas, não enfermando de contradições ou omissões que prejudiquem o direito de defesa.

Nos termos do nº1 do art. 125º do CPA a fundamentação também existe quando consista em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, nesse caso, parte integrante do respectivo acto – fundamentação por remissão.

É então tempo de afirmar que a deliberação que determinou a reunião numa única inspecção teve suporte factual incontestável, como se alcança do Acórdão do Plenário do CSM – fls. 54 a 60 verso.

Importa analisar a Deliberação na vertente que releva:

 “Exposição apresentada pelo Ex.mo Vogal Dr. BB, referida na deliberação, foi a seguinte:

Foi realizada uma inspecção ordinária ao serviço prestado pelo juiz de direito Dr. AA, no 1ª Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa e no Tribunal de Trabalho de Lisboa, no período compreendido entre 24 de Setembro de 2002 e 23 de Julho de 2008, num total de 5 anos, 9 meses e 24 dias.

No relatório inspectivo, a senhora inspectora judicial propôs a classificação de “Bom” para tal desempenho Funcional.

Sem prejuízo das qualidades pessoais aí reconhecidas ao Sr. Juiz, neste relatório são tecidas duras críticas à tempestividade e a qualidade técnica do seu trabalho.

Quanto à primeira afirma-se, em essência, que são diversos e longos os atrasos em que incorreu, tanto na jurisdição comercial como na jurisdição laboral, não estando os mesmos justificados pelo volume processual que teve de afrontar.

Quanto à segunda, apesar de se reconhecer que o Sr. Juiz tem bons conhecimentos técnicos, afirma-se a respeito das suas decisões que são “ligeiras”, “roçam a ausência de fundamentação jurídica”, “se limitam à mera enunciação das normas”, “nem sempre rigorosas na terminologia usada”, concretizando-se algumas destas afirmações com exemplos concretos.

Também a forma como elaborou algumas bases instrutórias foi alvo de reparos, por usar expressões conclusivas  e não observar a repartição do ónus da prova.

A propósito da qualidade afirma-se ainda que “as decisões sobre a matéria de acto foram, por regra, sucintas, sem cabal observância do ónus jurídico do juiz de demonstrar a convicção do tribunal”.

A respeito do desempenho do Sr. Juiz no Tribunal de Comércio, refere-se no relatório respectivo que “a prestação funcional agora em apreço louvou-se no método anterior e as decisões proferidas continuaram no mesmo registo, falhas de fundamentação jurídica e perpassadas pelas usuais delongas na sua prolação”. Corroborando esta afirmação, refere-se no mesmo relatório que o Sr. Juiz aplicou normas, relativas à litigância de má fé, já revogadas, reparo que já lhe havia sido feito na anterior inspecção.

Nas conclusões deste relatório afirma-se o seguinte: “não posso deixar de valorar o imperfeito grau de adaptação ao serviço e a prestação técnico-jurídica demonstrada, aquém do desejável e ao seu alcance”.

Consta ainda:

“O senhor juiz apresentou resposta, ao abrigo do disposto no art. 18. °, nº6, do Regulamento das Inspecções Judiciais, nos termos constantes de fls. 231 a 240 destes autos, pugnando pela atribuição da classificação de “Bom com distinção”.

A Sra. Inspectora apresentou informação final, mantendo a sua proposta.

Na sessão do Conselho Permanente do CSM, realizada em 27.01.2009, “foi deliberado, concordando-se com a proposta do Exmo. Vogal Dr. CC, sobrestar este Processo de Inspecção Ordinária ao Exmo. Juiz de direito AA, até produzir efeitos a deliberação que venha a ser tomada no âmbito dos autos de Inspecção Ordinária n.°70/2003, após o que, com junção de cópia da mesma, estas prosseguirão os seus termos”..

Mediante acórdão proferido pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura no dia 23 de Março de 2010, no referido processo nº70/2003, na sequência de reclamação da deliberação do Conselho Permanente, foi atribuída ao Exmo. Juiz AA a classificação de “Suficiente”, conforme cópia do mesmo junta a fls. 288 a 304 destes autos.

O Sr. Juiz interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça. Mais requereu a suspensão da eficácia daquele, o que foi indeferido.

Assim, apesar de não ter transitado, o mencionado acórdão do Conselho Plenário produziu os seus efeitos.

A deliberação que determinou a suspensão da presente inspecção ordinária apenas foi notificada ao Dr. AA em 24.062010. como decorre de fls. 287.

Na sequência desta notificação, veio o mesmo dizer o seguinte:

            A deliberação indicada em 4 não foi notificada ao Recorrente durante 6 meses, havendo-o sido na data de ontem, em 24/06/10 quando o mesmo requereu a consulta do processo, omissão grosseira e de consequências gravosas para mesmo, por ter visto coarctado o elementar direito de recorrer em tempo útil da referida deliberação […].”

Como se alcança do extenso relatório que transcrevemos, existe fundamentação por remissão, legalmente permitida, tendo sido acolhida pelo CSM a proposta fundamentada de um seu Vogal que, com minúcia, aponta as razões por que as inspecções ordinária e extraordinária ao Ex.mo Recorrente deveriam, no caso do Recorrente, ser reunidas numa única inspecção.

Ademais, o recorrente pôde contraditar, como contraditou, o teor da deliberação, sinal inequívoco que a entendeu no seu alcance, e consequências, em função dos fundamentos em que assentou.

            A fundamentação das decisões administrativas, tal como a fundamentação das decisões judiciais cumpre, em geral, duas funções:

“Uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz (ao decisor) um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente outra, de ordem extraprocessual, que procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão.” - cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº304/88, de 14.12, in BMJ, 382-231:

Salvo melhor opinião, não perdendo de vista que a exigência da fundamentação – art. 268º, nº3, da C.R. e arts. 124º a 126º do CPA – se relaciona com a legalidade, transparência e sindicabilidade das decisões, importa que o destinatário (s) delas não tenha (m) dúvidas acerca do seu alcance e interpretação de acordo com o padrão do declaratário normal – art. 236º do Código Civil.

É inquestionável que o Recorrente pôde refutar, no âmbito do contraditório que se estabeleceu, a fundamentação para a deliberação do CSM de proceder “a reunião numa única inspecção”, sinal evidente que a entendeu, ripostando.

 Como o Recorrente teve oportunidade de se pronunciar sobre a decisão do CSM, questionando os motivos invocados na referida Acta, não existe o vício de falta de fundamentação.

Sustenta ainda o Recorrente – conclusão ii):

 “O CSM estava legalmente obrigado a promover os ulteriores termos do Processo n°307/2008, e com a deliberação de 26.10.10 do Conselho Permanente, confirmada no Acórdão impugnado, em contrariedade à lei anulou os actos praticados no âmbito daquele processo inspectivo, enquanto estes apenas poderão ser “aproveitados” na “única inspecção” que então se ordenou como meios de prova, e não como actos inspectivos, fundamento de anulação do acto (art. 135º CPA)”.

Por este procedimento, que censura, considera ter havido prejuízo da sua carreira por se ter apresentado a concurso nos movimentos judiciais sem a sua notação actualizada, correspondente ao período de 2002 a 2006, tendo sido violado o art. 5º do Regulamento das Inspecções Judiciais (RIJ) que estabelece que as inspecções serão realizadas, pelo menos, de quatro em quatro anos.

Salvo melhor opinião, não houve qualquer inutilização dos actos inspectivos como afirma o Recorrente.

 A inspecção ordinária – Proc. nº307/2008 – foi sobrestada por não ter sido definitivamente, ao tempo, decidida a classificação do Recorrente no processo  de inspecção ordinária nº 70/2003 onde viria a ser-lhe atribuída a classificação de “Suficiente”.

 A inspecção extraordinária, determinada em Sessão do Conselho Permanente de 6.7.2010, abrangia vários juízes, entre os quais o Senhor Juiz recorrente, e foi ordenada por estarem em causa “condutas que indiciavam a violação de prossecução do interesse público e de zelo (justificativas da instauração de processo disciplinar), sendo, em consequência, passíveis de influir no trabalho desenvolvido”, como afirma o Recorrido – fls. 127.

Decorre do art. 37º, nº1, do EMJ que nas classificações são sempre considerados os resultados das inspecções anteriores. Por outro lado, prescreve-se no art. 36º, nº5 que “a classificação de serviço posterior desactualiza a referente a serviço anterior”, porque na coerente interpretação da apreciação do mérito, seria ilógico que uma classificação do Magistrado por serviço prestado em período anterior, prevalecesse sobre outra (ordinária ou extraordinária), realizada ulteriormente.

No Proc. 70/2003, o Recorrente teve uma notação de Suficiente: mas, por em 6.6.2010 lhe ter sido, (e a outros Magistrados), instaurado processo disciplinar no contexto de inspecção extraordinária, para manter a coerência do sistema sobrestou-se na decisão a proferir naquele processo de inspecção ordinária de 2003, de modo a que, actualizadamente, a notação espelhasse o desempenho do Recorrente a avaliar na inspecção conjunta, abrangendo o Processo inspectivo nº307/2008.

Não houve, pois, anulação de quaisquer actos inspectivos. Sufragamos o douto Parecer do Ex.mo Magistrado do Ministério Público quando a fls. 138, afirma a propósito:

“No caso do processo de inspecção ordinária 307/2008, sendo certo que o CSM não procedeu à atribuição de uma classificação ao magistrado inspeccionado, após o decurso da ordenada suspensão, a deliberação aqui impugnada, com o devido respeito pelo entendimento contrário expresso pelo recorrente, não “anulou os actos praticados no âmbito daquele processo inspectivo”.

lntegrou-o em quadro procedimental mais amplo, passando a incorporar  ou a apensar o procedimento de inspecção extraordinária desencadeado à luz da deliberação do Plenário do CSM, de 6 de Julho de 2010.

Tal integração, além de pertinente e adequada, nos termos da fundamentação aduzida, ter-se-á como legalmente justificada, em vista a propiciar a prolação de decisão mais informada e mais justa, atentos os objectivos assinalados nos arts. 33°, 34°. n° 1 e 37°, n° 1 do EMJ.”. (destaque e sublinhado nossos)

As inspecções aos juízes visam apurar “a sua prestação…e o seu mérito” – art. 1º, nº1[4], do R.I.J.

Se a inspecção judicial aos Magistrados se limitasse a um mero controlo burocrático, estatístico, da actividade do Juiz, alheando-se do valor ou desvalor das decisões e do seu comportamento, enquanto exercente de um órgão de soberania, correria o risco de nada inspeccionar e não cumprir o fim pedagógico e formativo que se surpreende, desde logo, no nº2 do art. 1º do Regulamento das Inspecções (R.I.J.).

            As inspecções judiciais visam, além do mais, detectar procedimentos entorpecentes da fluida administração da justiça e actuações não compagináveis com a prestação de um serviço público que se pretende célere, eficaz e prestigiado aos olhos da comunidade – “Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do Povo.” – art. 202º, nº1, da Constituição da República.

Cabe aos Magistrados Inspectores propor medidas ao CSM, para a obviar à morosidade e também para “Facultar aos juízes todos os elementos para uma reflexão dos próprios quanto à correcção dos procedimentos anteriormente adoptados, tendo em vista o aperfeiçoamento e uniformização dos serviços judiciais, pondo-os ao corrente das práticas processuais e administrativas mais correctas, actualizadas ou convenientes à obtenção de uma mais célere administração da justiça”.

A defesa dos cidadãos e a confiança na Justiça e nos Tribunais não prescindem da apreciação do mérito dos Magistrados, da sua competência técnica e das suas qualidades humanas, em suma, dos seus atributos como cidadãos e profissionais idóneos para o exercício da função.

 Esse mérito, para ser adequadamente escrutinado, não pode omitir pronúncia integrada, completa, sobre o nível e qualidade do labor judicial.

O art. 33º do EMJ estatui:

“1. A classificação deve atender ao modo como os juízes de direito desempenham a função, ao volume, dificuldade e gestão de serviço a seu cargo, à capacidade de simplificação dos actos processuais, às condições de trabalho prestado, à sua preparação técnica, categoria intelectual, exercício de funções enquanto formador dos auditores de justiça, trabalhos jurídicos publicados e idoneidade.

2 – A classificação de Medíocre implica a suspensão do exercício de funções do magistrado e a instauração de inquérito por inaptidão para esse exercício”.

Um dos elementos de especial preponderância na classificação de serviço dos Juízes, sobretudo, daqueles que, pelo menos uma vez, foram inspeccionados, é a comparação do desempenho anterior com aquele que é objecto de nova avaliação; assim se poderá evidenciar, ou não, a evolução do desempenho porque é suposto que o tempo confere experiência e maturidade, do mesmo passo que permite ajuizar acerca da vertente humana tão relevante nos servidores da Justiça.

Como resulta do art. 15º, nº1 do R.I.J.[5]:

  “1 – Na classificação dos magistrados judiciais, além do relatório elaborado sobre a inspecção respectiva, são sempre considerados os resultados das inspecções anteriores, bem como inquéritos, sindicâncias ou processos disciplinares, relatórios, informações e quaisquer elementos complementares, referentes ao tempo (lugar a que a inspecção respeita e que estejam na posse do Conselho Superior da Magistratura.

2 – São ponderadas as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício de função, grau de experiência na judicatura compaginado com a classificação e complexidade do tribunal, acumulação de comarcas ou juízos, participação como vogal de tribunal colectivo e o exercício de outras funções legalmente previstas ou autorizadas”.

Assim dos preceitos citados, importa concluir que uma correcta avaliação do Mérito do Recorrente, em função das particularidades do caso, só se alcançaria, mediante a reunião numa única inspecção da sua actuação, apreciando em conjunto o seu desempenho nos tribunais abrangidos nas inspecções ordinárias e extraordinária de que foi alvo, no período de 24.09.02 a 23.06.08, no Tribunal do Comércio de Lisboa e no Tribunal do Trabalho de Lisboa, e a Inspecção Extraordinária ao seu desempenho neste último Tribunal, determinada na sessão do Conselho Permanente de 6.7.2010.

Não existe, pois, qualquer violação dos preceitos invocados pelo recorrente.

Finalmente, afirma o Recorrente que o procedimento do CSM lhe causou prejuízo pelo facto de ter sido violada a Lei – art. 6º do Regulamento das Inspecções Judiciais – do ponto em que as inspecções ordinárias devem decorrer de quatro em quatro anos e o Recorrente, ao não ser inspeccionado ao fim de quatro anos, apresentou-se a concursos sem a notação que poderia e devia ter, correndo o risco de ser colocado em desigualdade com os seus pares que se apresentaram com classificações actualizadas de serviço.

As inspecções judiciais aos Magistrados Judiciais são um seu direito ligado, também à apreciação do mérito profissional que se interliga com a promoção na carreira, daí que o EMJ estabeleça, no art. 36º, as regras que norteiam a periodicidade das inspecções, estando o regime geral, diríamos, estatuído no nº1 – “Os juízes de direito são classificados em inspecção ordinária, a primeira vez decorrido um ano sobre a sua permanência em lugares de primeiro acesso e, posteriormente, com uma periodicidade, em regra, de quatro anos”.

O artigo citado não erige aquele prazo de quatro anos em norma imperativa cominando qualquer sanção, caso as inspecções não se efectuem com aquela periodicidade.

O normativo estabelece, no seu nº1 que “as inspecções…devem efectuar-se com uma periodicidade, em regra, de quatro em quatro anos”.

Não é outro o sentido da norma constante do art. 36º, nº3, do EMJ quando estabelece:

  “Considera-se desactualizada a classificação atribuída há mais de quatro anos, salvo se a desactualização não for imputável ao magistrado ou este estiver abrangido pelo disposto no nº2 do artigo anterior.”.

De todo o modo, não aduziu o Recorrente qualquer facto do qual se conclua que a ultrapassagem daquela periodicidade inspectiva lhe tenha causado qualquer dano, mormente, respeitante à progressão na carreira, ou que se tivesse manifestado na preterição de colocação neste ou naqueloutro Tribunal.

De reter que, pese embora a sua mais recente qualificação – Suficiente – se reportar ao tempo de serviço prestado entre 16.9.1999 e 23.9.2002, pelas vicissitudes referidas e que não exprimem qualquer violação da Lei, a notação ocorreu em 23.3.2010, conforme Deliberação do CSM, não alterada pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 24.5.2011, a fls. 66 a 91 – transitada em julgado.

Decisão:

Nestes termos julga-se o recurso improcedente.

Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 3 Uc.

                            Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Março de 2012

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[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Oliveira Vasconcelos.
Conselheira Isabel Pais Martins.
Conselheiro Fernandes da Silva.
Conselheiro Paulo Sá.
Conselheiro Maia Costa.
Conselheira Maria dos Prazeres Beleza
Conselheiro Henriques Gaspar

[2] Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, actualizada pelos seguintes diplomas:
    - DL n.º 342/88, de 28 de Setembro
   - Lei n.º 2/1990, de 20 de Janeiro
   - Lei n.º 10/94, de 05 de Maio
   - Rectif. n.º 16/94, de 03 de Dezembro
   - Lei n.º 44/96, de 03 de Setembro
   - Lei n.º 81/98, de 03 de Dezembro
   - Lei n.º 143/99, de 31 de Agosto
   - Lei n.º 3-B/2000, de 04 de Abril
   - Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto
   - Lei n.º 26/2008, de 27 de Junho
   - Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto
   - Lei n.º 63/2008, de 18 de Novembro
   - Lei n.º 37/2009, de 20 de Julho.


[3]Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.” Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Anotada”, vol. II, 4ª Edição revista, na nota XVI, pág. 827 – escrevem: “O âmbito de protecção do direito à fundamentação e do correlativo dever de fundamentação por parte das entidades administrativas abrange em abstracto três modalidades básicas: (1) indicação dos fundamentos no próprio acto (fundamentação contextual); (2) informação dos fundamentos a pedido do interessado; (3) comunicação posterior à prática do acto, num prazo razoável, dos respectivos fundamentos. O sentido jurídico-constitucional do dever de fundamentação aponta inequivocamente para a contextualização da fundamentação; ela deve ser parte da decisão administrativa (e não elaborada a posteriori) e deve ser notificada juntamente com ela, independentemente de pedido do interessado. O direito à fundamentação e o correspondente dever de fundamentação são de âmbito geral, impondo-se mesmo nos casos em que a sua efectivação possa revestir algumas dificuldades práticas (actos orais, actos colegiais, actos praticados em massa, actos administrativos gerais). Tais dificuldades não podem justificar a ausência de fundamentação, mas apenas a “modulação” da sua efectivação”.
[4] “1- As inspecções do Conselho Superior da Magistratura destinam-se a facultar-lhe o perfeito conhecimento do estado, necessidades e deficiências dos serviços nos tribunais, a fim de o habilitar a tomar as providências que dele dependam ou a propor ao Ministro da Justiça as medidas que requeiram a intervenção do Governo, bem como o conhecimento sobre a prestação efectuada pelos juízes dos tribunais judiciais e o seu mérito.
2- Os serviços de inspecção não podem interferir com a independência dos juízes, nomeadamente pronunciando-se quanto ao mérito substancial das decisões judiciais, mas devem averiguar da necessidade de implementação de medidas que conduzam a uma melhoria dos serviços e facultar aos juízes todos os elementos para uma reflexão dos próprios quanto à correcção dos procedimentos anteriormente adoptados, tendo em vista o aperfeiçoamento e uniformização dos serviços judiciais, pondo-os ao corrente das práticas processuais e administrativas mais correctas, actualizadas ou convenientes à obtenção de uma mais célere administração da justiça”.
[5] Regulamento das Inspecções Judiciais -Deliberação n.º 55/2003, do Conselho Superior da Magistratura - DR-II, n.º 12, de 15.01.2003, pp. 666-670, com as alterações: Deliberação (extracto) n.º 1083/2007, D.R. n.º 116, II Série de 2007-06-19 - Deliberação (extracto) n.º 3180/2008, D.R. n.º 233, Série II de 2008-12-02