Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A033
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ESCRITURA PÚBLICA
EXEQUIBILIDADE
Nº do Documento: SJ2008021200331
Data do Acordão: 02/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Torna-se necessário à exequibilidade de uma escritura pública a prova de que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou a prova de que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1 – Relatório


AA deduziu embargos à execução que lhe moveu a Caixa de Crédito Agrícola Mútua do Ribatejo Norte, C.R.L., alegando, em suma, que a escritura dada à execução não constitui título executivo, não tendo a exequente cumprido o ónus de prova no que tange ao montante mutuado e ao destino a que o mesmo estava sujeito, ou seja, ao previsto na lei sobre o crédito agrícola mútuo.
A embargada contestou, pugnando pela improcedência da pretensão do executado.
De seguida, o Mº Juiz da comarca de Torres Novas, julgando-se habilitado a decidir de meritis, acabou por julgar os embargos improcedentes.
Com esta decisão não se conformou o embargante que apelou, sem êxito, para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Continuando inconformado, pede ora revista a coberto da seguinte síntese conclusiva:
- O acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação da lei, designadamente dos arts. 637° nº 1 do CC e 50° e 814° al. a) do CPC na medida em que a exequibilidade do documento que subjaz a este processo depende também de a quantia emprestada o ter sido nos termos do contrato celebrado, isto é, para aplicação exclusiva aos fins previstos na lei vigente sobre crédito agrícola mútuo.
- A exequibilidade dos documentos exigiria a prova de que a quantia foi disponibilizada e creditada em conformidade com o clausulado na aludida escritura. E, essa prova não está feita.
- Verifica-se a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, uma vez que não decidiu as questões colocadas nas conclusões 1ª, 2ª 3ª e 4ª das alegações de recurso de apelação.

Respondeu a recorrida em defesa do aresto impugnado.

2 – As instâncias deram como provados os seguintes factos:

– Por escritura lavrada no Cartório Notarial de Torres Novas, em 10 de Abril de 2000, a executada DD, constituiu a favor da exequente, hipoteca até ao limite de 20.000.000$00 (99.759,58 €) para garantia de empréstimos que lhe viessem a ser concedidos pela exequente até ao indicado montante.
- Por essa escritura, a hipoteca recaiu sobre a fracção autónoma designada pela letra V, correspondente ao 3° andar esquerdo, ao cimo da escada, arrecadação no sótão, a da esquerda, das que estão à retaguarda, do cima da escada, do prédio urbano, sito na R. ..., Lote 1, da freguesia e concelho do Entroncamento, descrito na respectiva Conservatória, sob o nº 903-V., e foi devidamente registada, em 02/01/02.
- Pela mesma escritura e até ao montante de 20.000.000$00 os executados BB, a mulher CC e AA, constituíram-se fiadores e principais pagadores da executada DD, pelos montantes que a esta viessem a ser mutuados, obrigando-se solidariamente com ela pela liquidação dos valores que viessem a ser exigíveis.
- Pela aludida escritura ficou ainda estipulado que os empréstimos a conceder venceriam o juro em cada caso estipulado pela exequente, o qual seria agravado em caso de mora, com 4%, a esse título e do de cláusula penal.
- A hipoteca abrangeria ainda as despesas judiciais e extrajudiciais que a Caixa viesse a suportar em relação à execução da dita hipoteca.
- Em 09/03/00, a executada DD solicitou e foi-lhe concedido um empréstimo de 20.000.000$00 (99.759,58 €), o qual lhe foi disponibilizado e creditado na conta de Depósito à Ordem nº 400 00000, na data de 11 de Abril de 2000.
- Por esse contrato ficou estipulado que o empréstimo seria liquidado em cento e vinte prestações mensais e sucessivas, com início em 11/05/00, vencendo o mesmo empréstimo juros à taxa de 10,628% ao ano, a qual seria agravada com 4% em caso de mora, a título de cláusula penal.
- Ainda no referido contrato, ficou convencionado que os executados suportariam as despesas judiciais e extrajudiciais, caso os executados não cumprissem atempadamente a obrigação contratual.
- Chegado o vencimento de 11/05/00, os executados, apesar de interpelados para tal, não liquidaram a prestação então vencida.

3 – Quid iuris?
Da leitura das conclusões com que o recorrente fechou a sua minuta resulta que o mesmo põe a nossa consideração apenas duas questões, a saber:
1ª – Se o título dado à execução é ou não inexequível;
2ª Se o aresto impugnado está ferido de nulidades por omissão de pronúncia.
Logicamente, a nossa apreciação começará pela questão adjectiva.
Desde a apresentação da contestação que o recorrente defendeu que competia à exequente-embargada a prova de que o montante mutuado tinha sido destinado a fins agrícolas.
O Mº Juiz da 1ª instância respondeu a tal questão, dizendo que “a necessidade de assegurar tal aplicação não foi constituída para proteger os interesses dos devedores/beneficiários do crédito, mas do próprio Estado”.
Esta justificação motivou queixa na apelação interposta para a Relação de Coimbra com fundamento em omissão de pronúncia consubstanciada nas primeiras quatro conclusões daquele recurso.
Mas tal arguição – nulidade por omissão de pronúncia – acabou por ser rejeitada no acórdão impugnado na medida em que considerou que o tribunal de 1ª instância tinha, de facto, emitido pronúncia sobre tal matéria e de molde a rejeitar a tese de inexequibilidade proposta pelo embargante.
Ainda no tocante a nulidades, o ora recorrente fez saber à Relação uma outra omissão de pronúncia por parte do tribunal o quo respeitante à abertura do crédito, mas foi-lhe notado que, na verdade, o tribunal recorrido não emitiu pronúncia sobre tal assunto, mas que não tinha que o fazer uma vez que o ora recorrente se limitou a fazer uma mera alegação sem ter tirado da mesma as devidas conclusões.
Apesar disso e relativamente a esta questão concreta, o Tribunal da Relação não deixou de proclamar a sem razão do recorrente, dizendo que “são as prestações vencidas e não pagas pela executada DD e pelas quais o ora apelante a afiançou que a aqui apelada veio executar, razão por que o ora apelante, enquanto fiador (no caso, com exclusão até do benefício da excussão prévia, como decorre do contrato de abertura de crédito e fiança), sempre terá de responder, nos termos dos arts. 627º e 634º do C. Civil, pelo seu pagamento”.
Pois bem.
Apesar disto, o recorrente não se inibiu de apelidar o acórdão impugnado de nulo a coberto de omissão de pronúncia (1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC).
Está claro que a razão não lhe assiste, pois a Relação pronunciou-se sobre os pontos contemplados nas conclusões acima referidas.
Posto isto, é altura de nos debruçarmos sobre a questão de fundo, a qual recebeu resposta convergente das instâncias e no sentido da exequibilidade do título.
O art. 46º nº 1, al. b) do CPC preceitua que “à execução podem servir de base os documentos exarados ou autenticados pelo notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.
À primeira vista poderia parecer que toda e qualquer escritura pode valer como título executivo, mas logo o art. 50º do mesmo diploma legal afasta tal hipótese ao considerar que “os documentos exarados ou autenticados por notário em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi concluída na sequência da previsão das partes”.
A partir daqui ficamos a saber que se torna necessário à exequibilidade de uma escritura pública a prova de que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou a prova de que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes (cfr. José Lebre de Freitas, in A Acção Executiva à Luz do Código Revisto – 2ª edição -, pág. 48 e 49, Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução – 7ª edição -, pág. 32, J.P. Remédio Marques, in Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, pág. 68 e 69, Lopes do Rêgo, in Comentário ao Código de Processo Civil – 1999 – pág. 72).
Ora, ao contrário do que defendeu o recorrente ao longo de todo o processo, a exequente provou a realização da prestação a que se obrigou, pois está documentalmente provado nos autos que o empréstimo de 20.000.000$00 (€ 99.759,58) objecto do contrato de abertura de crédito titulado pela aludida escritura, foi disponibilizado e creditado na conta de depósito à ordem nº 40097526703 da co-executada DD, em 11 de Abril de 2000, como é lapidarmente sublinhado no aresto impugnado. Por isto e só por isto, forço é concluir pela exequibilidade do título dado à execução.
Tanto basta para que improceda definitivamente a argumentação do embargante-recorrente.

4 – Decisão
Nega-se a revista e condena-se o recorrente no pagamento das respectivas custas.

Lisboa, aos 12 de Fevereiro de 2008

Urbano Dias (relator)
Paulo Sá
Mário Cruz