Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
956/14.6TBVRL-T.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ATAS
SANÇÃO PECUNIÁRIA
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
DESPESAS DE CONSERVAÇÃO DE PARTES COMUNS
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
O art. 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25-10, deve ser interpretado no sentido de que as dívidas aí previstas e que podem integrar o título executivo são as que têm origem nos encargos com a conservação e fruição das partes comuns e com os serviços de interesse comum (art. 1424.º, n.º 1, do CC), estando excluídas as penas pecuniárias aplicadas nos termos do art. 1434.º, n.º 1, do CC.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

A ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO SITO NA RUA ……, lugar da …….., ……., instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, com forma ordinária, contra MASSA INSOLVENTE DE SUNSEE IMOBILIÁRIA, LDA.

Apresentou como título executivo várias actas de assembleias de condóminos, pretendendo cobrar a quantia global de € 71.147,37, sendo a quantia de 44.472,19€, referente a quotizações de Agosto de 2014 a 30 de Março de 2019, a quantia de 2.612,06 €, referente a juros liquidados, a quantia de 23.542,12 €, referente a penalizações por accionamento e o restante referente a certidões (275,00 €) e honorários de advogado (246,00 €).

A executada apresentou embargos que vieram a ser rejeitados por intempestividade. Veio, já em requerimento autónomo remetido à execução, invocar várias excepções, entre elas a da falta de título executivo, tendo o exequente pugnado pela inadmissibilidade de tal arguição e pela sua improcedência.

Foi proferido despacho no qual se decidiu:

“Assim sendo, o exequente não dispõe de título executivo em relação a essas quantias para custear despesas de contencioso, motivo pelo qual não as pode exigir à executada deste modo, tendo que recorrer à apresentação da respectiva nota ao abrigo do disposto nos arts. 25º e segs., do Regulamento das Custas Processuais, o que leva à consequente extinção da execução nesta parte; determinando-se o prosseguimento da execução relativamente ao demais.

Foi interposto recurso de apelação desta decisão, tendo a Relação decidido:

Julga-se a presente apelação parcialmente procedente e em consequência declara-se a execução extinta também quanto à quantia de 23.542,12 € (vinte e três mil, quinhentos e quarenta e dois euros e doze cêntimos), a par das já excluídas despesas de contencioso, prosseguindo no mais tal como foi instaurada.

Inconformada, a exequente vem pedir revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. Inconforma-se o ora recorrente com o segmento decisório do douto Acórdão recorrido e que corresponde ao ponto sexto do respectivo sumário, onde se denega força executiva à previsão decorrente de plúrimas deliberações (exaradas em acta, e assim corporizadas) onde se aplicação de 50% do valor em dívida, em caso de sustentada inadimplência e concomitante accionamento judicial, que é obrigatório para a administração do condomínio, conforme deliberado.

II. Tal entendimento faz uma errada aplicação do Direito, e incorre nos vícios a que aludem os nºs 1 e 2 do art. 674º do CPC.

III. A questão em crise prende-se com a adequada interpretação do art. 6º nº 1 do DL 268/94

IV. Não aceita o recorrente como certa a interpretação sufragada pelo douto acórdão recorrido, segundo a qual se nega força executiva às (sucessivas) deliberações da assembleia de condóminos, que prescrevem a aplicação de uma penalização (sanção pecuniária), assim consignada em sucessivas actas, de harmonia com a matéria de facto dada por provada: «ao condómino que der causa à ação judicial será aplicada uma pena pecuniária no montante de 50% do valor da dívida».

V. O douto acórdão não põe em causa a validade substantiva da pena, mas não se enquadra no que seja o "montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio".

VI. Se tais penalizações se enquadram ou não no "âmbito executivo" previsto pelo artigo 6º, nº 1 do DL 268/94 , é coisa que não tem recebido - até ao momento- resposta unívoca dos tribunais superiores, existindo uma orientação (doutrinária e jurisprudencial) , mais abrangente, que responde afirmativamente cfr. PASSINHAS, Sandra "A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal", 2. edição, 2. reimpressão, AImedina, Coimbra, 2006, pág. 274-275; a título de exemplo, Tribunal da Rel. de Lisboa de 08-07-2008, processo 9276/2007-7; Acórdão da Rel. de Lisboa, de 30-04-2019, no processo 286/18.4T8SNT.L1-7; Acórdão da Rel. do Porto, de 20-06-2011, processo 1975/08.7TBPRD-B.Pl; Acórdão da Rel. do Porto, de 03-03-2008, processo 0850758; Acórdão do Tribunal da Rel. de Guimarães de 02-03-2017, no processo nº 2154/16.5T8VCT-A.G1; de 06-02-2020, no processo 261/18.9T8AVV-B.G1 - todos em http://www.dgsi.pt, à excepção do último, disponível em http://www.direitoemdia.pt, e outra, mais restritiva, que o nega (Cfr, a título de exemplo, Acórdão da Rel. de Lisboa de 11-12-2018, processo 112636/14.3T8OER-A.L1-6, de 07/11/2019 no processo 7503/16.3T8FNC-A.L1, disponíveis em http://www.dgsi.pt; da Rel. de Guimarães, de 05/30/2019, no processo 3256/18.9T8VNF.B. G1, disponível em http://blook.pt; da Rel. de Coimbra, de 21-10-2013, no processo 3513/12.8TBVIS.C1, disponível em http://www.joaoicoelho.pt). (…)

X. O douto acórdão recorrido incorre em violação de lei, ao sustentar que o art. 6º, nº 1 do DL 268/94 não atribui força executiva às deliberações que imponham penas aos condóminos relapsos.

XI. A douta decisão estriba-se em três ordens de argumentos (o elemento literal; a desnecessidade de cobrança rápida de tais montantes, já que não estão umbilicalmente ligados à satisfação de nenhuma necessidade imediata do condomínio; a necessidade de controlo jurisdicional apertado, apenas propiciado pela via declarativa, dada a frequente desadequação ou desproporcionalidade das penas aplicadas, ferindo limites legais, e estatuídas em título executivo elaborado por terceiro, e no interesse do mesmo), cuja valência se disputa.

XII. No que respeita ao elemento literal, cite-se Ferreira, J.O Cardona (in "Guia de recursos em Processo civil, actualizado à luz do CPC de 2013, 6ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, a pág. 66): "... uma interpretação exclusivamente literal é tudo menos correcta hermenêutica jurídica".

XIII. Não desmerecendo a letra, haverá que ter em conta, o disposto no art 9º, nº 1 do CC

XIV. Não se podem olvidar as preocupações de eficiência e de simplificação que o preâmbulo do DL 268/94 anunciam, como escopo da intervenção legislativa

XV. Revendo o referido diploma legal, percebe-se que as sucessivas disposições visam securizar e quase institucionalizar o condomínio, dotando-o obrigatoriamente de instrumentos (actas) onde se plasmam as deliberações dos condóminos (facilitando tanto a prova do que foi legalmente deliberado, como o oposto, para defesa dos próprios condóminos), obrigando a um repositório de documentos, a medidas obrigatórias de preservação da coisa (actualização obrigatória de seguro contra incêndios; fundo de reserva), meios céleres de cobrança, o reconhecimento da importância de uma administração sem hiatos, e obrigações informativas a quem lide com o condomínio (seja proprietário, ou não)

XVI. As alterações legislativas referidas sublinham a concepção do condomínio como um quase património autónomo, detentor de uma vida própria que se não confunde com a dos condóminos - um centro de imputação de um interesse colectivo que se não confunde com a soma dos interesses parcelares de cada condómino.

XVII. Tal regulação especial e complementar em relação ao que já existia de normado quanto à propriedade horizontal, evidenciando a existência de um interesse autónomo, colectivo e transcendente, mormente quanto à "dispensa" de accionamento declarativo - faz com que não se percebam verdadeiras razões para se disputar a inclusão de umas (contribuições condominiais), e de outras (penas) não, no âmbito executivo, já que se tratam, em ambos os casos, de obrigações pecuniárias, que tem por génese deliberação dos condóminos.

XVIII. Não colhe o argumento da excepcionalidade ou eventualidade das penas pecuniárias, face às (ordinárias) quotas de condomínio, já que excepcionais são também as quotizações extraordinárias para obras (muitas vezes necessárias, face à exiguidade dos fundos de reserva - cfr. o art. 4º, nº 2 do DL 268/94) - e ninguém duvida que as mesmas possam ser coercivamente cobradas, por recurso à acta da assembleia de condóminos que as tenha aprovado

XIX. Não se pode aceitar, outrossim que a correcta interpretação do art 1424, nº 1 do CC (chamado, frequentemente, à interpretação do disposto no art. 6º nº 1 do DL 268/94) integre no seu âmago apenas as usuais "despesas de fanixeiro" (água, energia, elevadores, limpeza), atempadamente orçamentadas, dado que um condomínio não é uma empresa, ou sociedade,

XX. Não sendo os montantes percepcionados pelo mesmo susceptíveis de divisão, à guisa de lucros,

XXI. Antes sendo sempre aplicados - previsivelmente orçamentados; eventualmente resultantes da cobrança de penalizações - nas despesas comuns.

XXII. É, pois, artificioso considerar que as quantias decorrentes de penalizações vão ter uma destinação que é em tudo adversa do cabimento dado às usuais quotas condominiais

XXIII. De resto, mesmo as quotas condominiais representam sempre um exercício previsional de execução incerta, sendo que alocação do montante exigido a cada condómino à parcela da despesas que, de harmonia com a repartição por permilagem (ou por outro critério) lhe caberia, jamais é perfeita - e ninguém colocará como hipótese válida que se, por exemplo, o consumo expectado de electricidade, nas partes comuns, era de mil euros, tendo-se no entanto quedado efectivamente pelos seiscentos euros, algum condómino se possa recusar a pagar o deliberado, na proporção; ou que a acta que tenha deliberado a respectiva quota condominial não seja título executivo bastante, no que respeita a tal diferencial.

XXIV. Sendo o condomínio uma realidade que reclama uma administração comum em função do capital investido, o mesmo não se acha apto a distinguir entre a causa de cada atribuição patrimonial para distinguir a sua utilização - não sendo, pois, de admitir tal diferenciação, quando se trata de proceder à respectiva cobrança coerciva.

XXV. Convirá, outrossim, não olvidar que, legalmente, se quis o condomínio estruturado através de dotações tendencialmente anuais, mediante exercícios previsionais (cfr artigo 1431º, nº 1 do CC) quanto a despesas com as partes comuns.

XXVI. Tais despesas - mostra-o o lastro ostensivo da realidade, sendo facto notório que não exige outra prova para além da experiência do homem comum - quedam-se, quanto à sua orçamentação e previsibilidade, usualmente por um princípio do mínimo, respeitando áquilo que é evidente e necessário a cada dia - será o caso da limpeza; dos contratos de manutenção de elevadores; do consumo de electricidade; do consumo de água, e excluindo (pois) as necessidades eventuais, v.g. com o accionamento de condóminos relapos - que indesmentivelmente se relaciona com o interesse comum (tanto mais que decorre de vontade colectivamente expressa)

XXVII. Nessa perspectiva, tanto a cobrança da penalização, como por exemplo de honorários de advogado (desde que determináveis face ao título) são despesas de interesse comum, inexistindo (de resto) qualquer poder discricionário do administrador, que tem de as cobrar ( cfr art 1435º, nº 1 do CC; arts. 483.º, 562.º e 563º do CC)

XXVIII. Restará dizer, na esteira do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1975/08.7TBPRD-B.P1, de 20-06-2011 que "a cláusula penal prevista no regulamento do condomínio, destina-se a ter uma função dissuasora do acto de atraso em pagamento de qualquer contribuição do condómino e também e ainda a de ressarcir o credor dos prejuízos decorrentes da mora."

XXIX. Se é verdade que o accionamento (em sede executiva) tem custos, que não são passíveis de orçamentação anual, certo é que os custos de "accionamentos autónomos (propondo acção executiva; propondo acção declarativa; propondo nova acção executiva para cobrança coactiva do decidido em sede declarativa, dado que a primitiva execução já pode estar extinta) facilmente "atira" o custo (só em taxa de justiça) para seis vezes mais do que a consideração de que a acta engloba qualquer montante pecuniário deliberado pela assembleia de condóminos - y compris, a penalização.

XXX. O legislador, ao estatuir a força executória para as actas que plasmem deliberações da assembleia de condóminos, quis especificadamente diminuir a pendência nos tribunais, na discussão daquilo que é, frequentemente, questão de pouca (ou nenhuma) contraversão, e facilmente demonstrável por documentos: se o condómino está ou não obrigado a pagar determinada quantia, e desde quando.

XXXI. Non enim est distinctio, e não se vê verdadeiramente o que justifique a diferença de tratamento, entre duas prescrições que prevêem, pela verificação de certo facto (nas contribuições condominiais, a propriedade de determinada fracção autónoma; nas penalizações, o facto de não ter procedido ao pagamento pontual de determinada quantia), a constituição em dívida por certa quantia, e o respectivo vencimento.

XXXII. Na verdade, o entendimento sufragado pelo douto acórdão recorrido, e tendo em conta o valor do somatório das taxas de justiça (escalonadas, no nosso ordenamento jurídico, não exactamente em razão da complexidade da casa, mas do valor da acção - solução que é, aliás, de duvidosa constitucionalidade) conduz à conclusão da inviabilidade de tantos sucessivos accionamentos judiciais, transmutando a vontade dos condóminos num momento de opereta em que que "proibido, mas faz-se" - compensando o delito, porque ninguém pode perseguir o infractor, por falta de meios.

XXXIII.  Esta atomização das vias judiciais, para além da perplexidade que suscita, ante realidades assimiláveis, representa uma interpretação adversa dos comandos constitucionais.

XXXIV. Como pode ler-se no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-02-2016 (proc. 176/06.3TNLSB.L2-1) "O conceito de processo equitativo é um princípio fundamental de qualquer sociedade democrática, profundamente imbricado com o Estado de Direito (rufe of law), não havendo fundamento para qualquer interpretação restritiva e que visa, acima de tudo, defendendo os interesses das partes e os próprios da administração da justiça, que os litigantes possam apresentar o seu caso ao tribunal de uma forma efectiva".

XXXV. Ter de propor três acções distintas para cobrar três ou quatro mil euros, fundando-se a génese da obrigação no mesmo conjunto de documentos, é obviamente uma empena que não encontra justificação nenhuma.

XXXVI. Impor à administração de condomínio que, em vez de uma única acção executiva, tenha de propor, a par, uma acção executiva, uma acção declarativa e, eventualmente, uma outra acção executiva, poderá parecer promissor, por parte do apetite do buraco sem fundo (e sem método) onde vão parar as várias, taxas, tachinhas e quejandos que vão marcando o quotidiano - parece inviável, do ponto de vista da realização efectiva da Justiça, na medida em que configura facilmente um esforço financeiro que não está ao alcance da generalidade das administrações de condomínio.

XXXVII. Nessa medida, a interpretação propugnada pelo douto acórdão recorrido estima, de facto, que é necessário contar em carteira (abstraindo dos encargos com agente de execução e mandatário judicial) com - pelo menos - 153,00 €, apenas para taxas de justiça, quando o entendimento diverso - e propugnado pelo ora recorrente - significaria o pagamento de apenas um sexto deste valor.

XXXVIII. Tal entendimento - na medida em que os condomínios não costumam ter direito a "bazucas" financeiras (desde já apresenta o escriba de serviço as mais sinceras desculpas por se servir da expressão; mas a mesma, como a náusea, instalou-se sorrateiramente), é flagrantemente violador do disposto no art. 20, nº 1 da CRP, na medida em que, na prática, implica a denegação do direito à acção, por razões económicas, pela ausência de vontade dos condóminos em, por deliberação suplementar, quererem suportar tais custos, pelo no seu (legítimo) entendimento, não estarem para pagar ainda mais para a perseguição ao caloteiro (veja-se o decidido no douto acórdão do da Relação do Porto, em 28-03-2001, no proc. 0130404, em que se estimou que a "capacidade contributiva" do condomínio se aferia mediante a capacidade contributiva dos condóminos).

XXXIX. As notícias dadas no douto acórdão recorrido sobre a necessidade de controlo jurisdicional acrescido, mediante a submissão obrigatória a apreciação declarativa da penalização são francamente exageradas.

XL. Se o carácter da menor ou maior necessidade da cobrança das penalizações se acha perfeitamente desmontado pelas considerações supra - numa realidade dinâmica, em que nunca se sabe quem irá deixar de pagar ou não, as penalizações servem para compor, ao longo dos exercícios, um "fundo de maneio" que permita suportar, a cada exercício subsequente, o necessário para a cobrança futura.

XLI. Contra isso, não se diga que se poderá sempre recorrer a orçamentação suplementar - porque o que o legislador quis foi, tendencialmente, uma assembleia (ordinária) por exercício (cfr art. 1431º, nº 1 do CC); porque convocar assembleias tem encargos, mormente com cartas registradas ( Cfr art. 1432º, nº 1 do CC); e porque é impossível supor que existirá quórum constitutivo ou deliberativo - sobretudo tendo em conta que o petroglifo "os ricos que paguem a crise" pode ter feito as delícias de uma geração de gente com pouco alinho capilar, mas não encontra ecos em quem, não sendo rico, tem de pagar a prestação da casa, se calhar a do carro, e não tem como contribuir para um enxame de taxas de justiça, que parecem reproduzir-se mais depressa do que o vinho nas bodas de Canaã.

XLII. A necessidade de tutela adicional é - data venia - uma falácia, na medida em que é obrigação tabelar do julgador apreciar a suficiência do título executivo, logo em momento liminar (cfr. art. 726 a) do CPC) - isto, em sede de processo ordinário, como é o caso.

XLIII. Munindo-nos dos doutos ensinamentos do douto Acórdão da Relação do Porto no processo 1975/08.7TBPRD-B.P1, dir-se-á (citando, com a devida vénia) que: "I. O nº 2 do artigo 1434º do CC, tem carácter imperativo e não supletivo, dado que ali se estipula que o montante das penas em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor, sendo que, o uso da expressão nunca, significa que esta meta tem carácter imperativo."

XLIV. Resulta daqui a necessidade de controlo jurisdicional efectivo, pelo que se a penalização fosse desmesurada e excessiva, ficaria reduzida, ex officio, ao máximo admissível.

XLV. A idêntica consideração se chega, tendo em conta a remissão contida no disposto no art. 825 nº 2 b) do CPC, quanto ao processo sumário

XLVI. Simplificando - desde que o julgador não se entregue aos braços de Morfeu, no momento liminar, em sede ordinária; e que o agente de execução se não comporte como um "Packman" acrítico, em sede sumária, tal questão nem sequer se põe.

XLVII. Seja qual seja a forma do processo, sempre terá o executado o direito à dedução da oposição por embargos - onde a desadequação (latu sensu) da penalização poderá ser suscitada (Cfr art. 856º do CPC; art. 728 e 731 do CPC).

XLVIII. Sendo os embargos um "incidente" declarativo inserido no âmbito da execução, e funcionando autenticamente como contestação, pergunta-se qual a diferença em relação à dedução de contestação em acção declarativa, no tema em apreço - e a diferença, é o pagamento de taxas de justiça "a mais" pelo ora recorrente.

XLIX. Inexistem, pois, razões fundadas para que qualquer quantia considerada como devida pelo condómino ao condomínio, desde que deliberada e plasmada em acta e aí se encontrem os elementos essenciais ao seu cálculo - como acontece no caso vertente, quanto à penalização, pois perceber que a penalização é igual ao capital em dívida a dividir por dois, é operação aritmética elementar ao alcance do homem comum e, por maioria de razão, do julgador - sejam arredadas da força executória atribuída pela disposição do art. 6º nº do DL 268/94, de 25 de Outubro.

L. É, enfim, ilógica a asserção contida no douto acórdão, segundo a qual se trata de título executivo "elaborado pelo terceiro, com interesse no mesmo e em assuntos punitivos".

LI. Sendo tal penalização um caso expressivo de "punitive damages" no ordenamento jurídico português, não é o único, dada a amplitude que se reconhece à definição da cláusula penal (cfr. o douto Acórdão da Relação de Lisboa de 11-12-2018, no processo 2004/08.6TVLSB.L2-7)

LII. Existe uma especificidade (ou especialidade) dos limites em caso de penalização condominial, que afasta a redução por razões de equidade, prevista no art. 812 do CC.

LIII. Com tal afastamento, quis o legislador (intencionalmente) afastar qualquer ponderação, satisfazendo-se com um juízo da propriedade dúplice: se se verificou o evento de que decorre a aplicação da sanção; se a mesma não excede os limites traduzidos na equação PN = (VP X0,15)X0,25 , em que PM = penalização máxima e VP = valor patrimonial (para efeitos fiscais) - cfr. o já citado acórdão da Relação do Porto de 20-06-2011, no processo 1975/08. 7TBPRD-B.P 1

LIV. Se assim é, menos tem razão o douto acórdão referido, quando refere a necessidade de tutela jurisdicional acrescida, propiciada pelo necessário accionamento declarativo, pois que a tutela se realiza ex officio e sem dependência de pedido, mediante o confronto com algoritmo específico, e que não deixa dúvidas - sem prejuízo da faculdade de oposição do executado, mediante embargos, que mais não são que um a contestação, enxertada no tronco executivo.

LV. Tem-se, ainda, por ilógico o argumento, na medida em que uma cláusula penal com símile função punitiva poderá ser inserida em reconhecimento de dívida autenticado (cfr. art. 701 nº 1 c) do CPC e art. 458 º do CC), não sendo, rigorosamente, a acta de condomínio um título executivo criado por terceiro, mas sim a expressão de uma vontade colectiva, à formação da qual foi chamado o devedor.

Termos em que deverá o presente recurso ser dado por procedente e, por essa via, ser revogado parcialmente o douto acórdão recorrido, dando provimento à tese de que a acta da assembleia de condóminos constitui título executivo quanto às penalizações (restaurando, portanto, in totum, a decisão da primeira instância).

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

Se a exequibilidade das actas das assembleias de condóminos, estabelecida no art. 6º, nº 1, do DL 268/94, de 25/10, abrange as deliberações que apliquem penas pecuniárias a condóminos por incumprimento das respectivas obrigações.

III.

No acórdão recorrido foram considerados estes documentos:

a) a acta da assembleia de condóminos realizada em 06/08/2010 (acta n.º 1, doc. 03, fls 120 do documento digital remetido) cujo ponto 2 da ordem de trabalhos é referente à entrega do edifício por parte do construtor, descrevendo que foi eleita a sociedade para exercer a administração do prédio e foi discutido o orçamento, ali se decidindo que o mesmo será dividido em duas partes, indicando o orçamento anual, terminando com a menção que todos os pontos da ordem de trabalhos foram discutidos e votados e com o exercício do ano, sendo seguida de um orçamento do exercício que contém, por fracção, as prestações mensais devidas.

b) a acta da assembleia de condóminos realizada em 31/01/2011- (acta n.º 3, doc. 04, fls 130 do documento digital remetido), na qual, por referência a cada fracção, são indicadas as dívidas relativas a cada fracção autónoma até 31-1-2011.

c) a acta da assembleia de condóminos realizada em 24/04/2015 (acta n.º 1, doc. 08, fls 157 do documento digital remetido), com deliberação sobre a “exoneração da empresa” a quem fora atribuída a administração do condomínio.

d) a acta da assembleia de condóminos realizada em 30/04/2015 (acta n.º 2, doc. 09, fls 157 do documento digital remetido); que deliberou a aceitação da proposta da nova administração do condomínio.

e) a acta da assembleia de condóminos realizada em 16/06/2017 (acta n.º 8, doc. 10, fls 162 do documento digital remetido) na qual foi eleita a nova administração do condomínio.

f) a acta da assembleia de condóminos realizada em 05/07/2017 (acta n.º 9, doc. 11, fls 166 do documento digital remetido), na qual se fez a apresentação e aprovação do orçamento do condomínio, com fixação da “quota mensal por cada fracção que já inclui o fundo de reserva, que deverá ser paga até ao dia 8 do mês a respeitar, apresentando-se com os seguintes valores, que ficam como anexo 1, 2 e 3…”, se liquidaram “os débitos de condóminos ao condomínio” e se procedeu à fixação de penas pecuniárias aos relapsos. Indicaram-se quais os condóminos com valores em dívida, remetendo para os anexos 4, 5 e 6, sendo que “estes valores em débito são referentes desde Maio de 2016 a Junho de 2017” e deliberou-se que o acordo com a ENOR deveria ser pago em 30 dias e distribuído por entrada. A acta foi completada com anexos rubricados, onde constam os montantes devidos por cada fracção autónoma.

g) a acta da assembleia de condóminos realizada em 21/09/2017 (acta n.º 10 – doc. 12, fls 187 do remetido documento digital); a qual aprovou o orçamento do condomínio e os débitos de condóminos ao condomínio, remetendo para anexo, com os valores de Maio de 2016 a Junho de 2017 e sanções pecuniárias para os condóminos inadimplentes.

h) a acta da assembleia de condóminos realizada em 19/09/2018 (acta n.º 11 – (doc. 13, fls 211 do documento digital remetido) na qual se aprovaram as contas do condomínio de 2017/2018 e a «reposição do desvio do orçamento no valor de € 1627, através de uma quota extra a todas as fracções, por entrada, durante o mês de Outubro de 2018, conforme anexo onze, doze, treze, catorze e quinze», com descrição dos valores em atraso por cada fracção. “Foi ainda aprovado por unanimidade a reposição do desvio do orçamento no valor de 1.627,20 €, através de uma quota extra a todas as fracções, por entrada, nomes de Outubro de 2018, conforme anexo 11, 12, 13, 14 e 15”, sendo que ainda se lê na mesma “Foi aprovado por unanimidade dos presentes o orçamento que a seguir se apresenta e que fixa anexo a esta acta, com o nº 16, rubricado por todos os presentes. O orçamento terá vigência a partir do mês de Julho de dois mil e dezoito e termino em Junho do ano de dois mil e dezanove, correspondendo a uma quota mensal por fracção que já inclui o fundo de reserva, que deverá ser paga até ao dia oito do mês a que respeitar, apresentando-se com os seguintes valores, que ficam como anexo número dezassete a esta acta e rubricada por todos os presentes.” Aprovaram-se ainda penas pecuniárias aos condóminos que não pagarem os avisos em débito. Mais ali se disse que “os condóminos com valores em débito são os seguintes, conforme anexo numero 10 a 25 rubricado por todos os presentes… “No ponto sexto os condóminos aprovaram por maioria de presentes a emissão de uma quota extra a todas as fracções durante o mês de Novembro de 2018 para pagamento à anterior empresa de jardinagem, conforme anexo nº 30 e rubricado por todos os condóminos.” Foi junto anexo com a lista, por fracção, com indicação do nome do devedor, dos valores em atrasado até 30-6-2018, com explicitação da origem das diversas parcelas.

IV.

Nos termos do art. 10º, nº 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.

O título executivo é, assim, condição necessária da acção executiva, por esta só poder ser intentada com base num título, ou seja, em documento que contenha os factos jurídicos constitutivos da obrigação exequenda e que confira um grau de certeza suficiente para consentir a aplicação de medidas coercivas no património do executado.

É ainda condição suficiente da acção executiva, na medida em que dispensa a demonstração prévia da existência do direito do exequente.

Como decorre dos nºs 5 e 6 do referido artigo, o título executivo determina o fim da execução (pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de um facto) e, bem assim, os limites desta, não podendo o credor ir além do que é conferido pelo título.

O art. 703º, nº 1, do CPC indica taxativamente os títulos que podem servir de fundamento à execução.

Entre eles, contam-se os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – al. d).

Uma dessas disposições é a do art. 6º, nº 1, do DL 268/94, de 25/10, que dispõe:

A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constituem título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.

No acórdão recorrido foram resolvidas diversas questões que a interpretação desta norma tem suscitado, a respeito dos requisitos que a acta da assembleia de condóminos deve satisfazer para valer como título executivo; questões em relação às quais existe enorme controvérsia na jurisprudência das Relações.

Assim, no que concerne aos elementos objectivos que a acta deve conter, afirma-se que é largamente aceite que as deliberações das assembleias que decidem o valor das quotas periódicas que devem ser pagas pelos condóminos para suportar as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum, bem como os encargos com inovações devidamente deliberadas, aludidas nos nº 1 dos artigo 1424º e 1426º do Código Civil, com fixação da sua data de vencimento, preenchem os requisitos exigíveis por esta norma (prescindindo de ata que liquide o que for já devido).

Já sobre se é ou não suficiente a simples descrição e liquidação dos montantes em dívida, sustenta-se que a diversidade de entendimentos quanto a este aspeto formal dificulta o acesso ao direito por parte dos condomínios, pelo que nos parece sensato conceder força executiva às atas das quais resulte, de forma clara e indubitável, quer a constituição da obrigação, quer o seu reconhecimento, com indicação suficiente dos seus elementos identificativos essenciais, que permita ao executado perceber o que se encontra em execução. (…)

Necessário é, no entanto, que da ata resulte claro quem deve e o que é devido, ao menos em termos tais que contenha os elementos para a sua direta e objetiva determinação e liquidação. O que além do mais implica, como se diz no acórdão citado pelo recorrido, que “a ata da reunião da assembleia de condóminos configura um título executivo válido quando seja possível determinar de «forma clara e por simples aritmética» o «valor exato da dívida de cada condómino”, a que acrescentamos a sua causa.

Por outro lado, sobre a questão de saber se será exigível a indicação na acta do nome do devedor, entendeu-se que não há que fazer uma leitura estrita do artigo 53º do Código de Processo Civil no sentido de exigir que conste o concreto nome do condómino titular da fração autónoma na própria ata, podendo este ser identificado por tal titularidade, caso o título seja completado pelas competente certidões da Conservatória do Registo Predial, desde que, evidentemente no próprio requerimento para a execução o exequente indique e esclareça tais elementos, por se dever fazer uma interpretação sistemática nessa norma, atendendo ao artigo 54º desse diploma, que prevê caso semelhante. Estamos perante obrigações propter rem, cujo sujeito se define pela titularidade do direito real, bastando, pois, a indicação desse direito e a junção do título de onde se afigure a sua aquisição para se poder determinar o devedor.

A posição assumida pela Relação sobre as referidas questões, ponderada e bem fundamentada, não mereceu qualquer impugnação das partes.

Bem fundada também, mas com acolhimento diferente das partes, é, a nosso ver, a posição que a Relação tomou sobre a questão que vem colocada neste recurso:

Se a exequibilidade das actas das assembleias de condóminos, estabelecida no art. 6º, nº 1, do DL 268/94, abrange as deliberações que apliquem penas pecuniárias a condóminos por incumprimento das respectivas obrigações, como é admitido no art. 1434º, nº 1, do CC.

A este respeito, afirmou-se no acórdão recorrido:

Entendemos que as razões que levam a uma leitura ampla, menos exigente, do artigo 6.°, do Decreto-Lei n.º 268/94, não se estendem já a estas sanções penais; sendo certo que permitir a sua exigibilidade imediata incentiva os condóminos ao cumprimento de todas as suas obrigações perante o condomínio e facilita a tarefa de receber tais quantias, a menor segurança que advém da imediata concessão de força executiva a deliberações ou declarações de terceiros, mais a mais em matéria sancionatória, não se justifica quando não estão em causa as obrigações de cariz central ao normal funcionamento de um condomínio como são as despesas previstas nos artigos 1324º e 1426º do Código Civil: os montantes sancionatórios não são obrigações que justifiquem particular rapidez no seu recebimento, pela importância que (não) têm para o credor, por não visarem satisfazer despesas, sucedendo que o credor pela ausência de executoriedade da ata, não fica impedido de as receber, embora tenha que recorrer a processo que dê segurança à sua pretensão.

(Tanto mais que a prática nos diz que o seu apuramento passa tantas vezes pela verificação da sua legalidade, porquanto frequentemente são fixadas para devedores concretos e não de forma abstrata, com valores completamente desproporcionados, em múltiplos das quantias em dívida e inadmissíveis fora do quadro legal que as permite. Ora, justifica-se para estas um controlo ainda mais acrescido, que no âmbito do processo executivo se mostra menos adequado e que é premente neste tipo de título executivo, elaborado pelo terceiro, com interesse no mesmo e em assuntos punitivos).

Rebatendo esta fundamentação, sustenta a recorrente, em síntese, que:

- Para efeitos de exequibilidade, não há razão para distinguir as contribuições condominiais das penas pecuniárias, pois ambas constituem obrigações pecuniárias que têm génese nas deliberações dos condóminos e têm por fundamento o mesmo conjunto de documentos. As penalizações não têm também uma destinação diversa da dada às usuais quotas condominiais, sendo igualmente aplicadas à satisfação de despesas comuns.

- Por outro lado, a penalização tem uma função dissuasora do atraso no pagamento de qualquer contribuição e de ressarcimento da mora.

- Negar a exequibilidade viola o art. 20º, nº 1, da CRP, por não ser exigível que os condóminos suportem ainda mais custos para a cobrança de dívidas dos condóminos.

- A invocada necessidade de controlo jurisdicional acrescido (em acção declarativa) carece de fundamento porque a penalização pode ser reduzida oficiosamente ao máximo admissível e sempre o executado poderá invocar a desadequação em embargos.

Vejamos.

Como se referiu no despacho liminar, proferido pelo ora relator, a questão colocada neste recurso é particularmente controversa na jurisprudência das Relações.

Com efeito, na jurisprudência mais recente, se nuns acórdãos se entende que essa pena pode integrar o título executivo:

- Relação de Lisboa de 07.04.2016 (P. 2816/12);

- Relação do Porto de 17.05.2016 (P. 2059/14);

- Relação de Guimarães de 02.03.2017 (P. 2154/16);

- Relação de Guimarães de 30.11.2017 (P. 2159/16)

- Relação de Lisboa de 30.04.2019 (P. 286/18);

- Relação de Guimarães de 06.02.2020 (P. 261/18),

Noutros, em número praticamente idêntico, sustenta-se que tal penalização não é exequível:

- Relação de Lisboa de 02.06.2016 (P. 16871/11);

- Relação de Coimbra de 07.02.2017 (P. 454/15);

- Relação do Porto de 07.05.2018 (P. 9990/17);

- Relação de Lisboa de 11.12.2018 (P. 2636/14);

- Relação de Lisboa de 22.01.2019 (P. 3450/13);

- Relação de Guimarães de 30.05.2019 (P. 3256/18),

estando todos estes acórdãos acessíveis em www.dgsi.pt.

Existe, aliás, também divergência na doutrina a esse respeito (no primeiro sentido, cfr. Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 266; Abílio Neto, Manual da Propriedade Horizontal, 4ª ed., 576. No segundo, Rui Pinto, Novos Estudos de Processo Civil, 192; Rui Pinto Duarte, Código Civil Anotado (coord. de Ana Prata), Vol. II, 261 e Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 3ª ed., 146 e 147.

Não foi encontrada jurisprudência do Supremo sobre a aludida questão.

A posição da recorrente reflecte o essencial das razões que, em regra, são invocadas pela tese que defende a exequibilidade das deliberações que aplicam penas pecuniárias.

Diz-se, com efeito, que, "tendo tal pena a sua génese na mora do condómino em satisfazer a quota-parte nas despesas comuns, justifica-se que o seu cumprimento coercivo observe o procedimento processual aplicável a essas despesas, pois que se trata também de conferir maior eficácia à administração do condomínio (…) dissuadindo comportamentos faltosos e prevenindo dificuldades de gestão do condomínio".

Seria incoerente entender-se ser exigível para a cobrança da penalização a instauração prévia de acção declarativa, diferentemente do que sucede com a cobrança das contribuições e despesas do condomínio. "Um tal entendimento seria contraditório com a proclamada intenção de tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal".

Deve, pois – acrescenta-se –, atribuir-se à expressão "contribuições devidas ao condomínio" um sentido amplo que, para além das despesas previstas no art. 1424º, nº 1, do CC, englobe também as penas pecuniárias fixadas nos termos do art. 1434º do mesmo diploma, evitando-se, assim, "uma injustificada atomização dos meios processuais para exigir do condómino relapso o cumprimento de obrigações nuclearmente interligadas"[2].

Sendo inegável a vantagem que adviria da exequibilidade da aludida pena pecuniária para a gestão do condomínio, por facilitar a sua cobrança e, assim, mais eficazmente dissuadir os incumprimentos dos condóminos, não nos parece, porém, que, perante o quadro legal aplicável, essa razão e as demais que acima se enunciaram sejam determinantes e sobrelevem os fundamentos que, a nosso ver e com o devido respeito, justificam a solução contrária.

A questão coloca, essencialmente, um problema de interpretação da norma aplicável, tarefa que, não devendo cingir-se à letra da lei – mas partindo dela e tendo-a como limite (tendo nela um mínimo de correspondência verbal) – deve reconstituir o pensamento legislativo (art. 9º, nº 1, do CC), com recurso aos demais elementos ou factores hermenêuticos, sobressaindo, no caso, o racional e o sistemático.

Discutindo-se a existência/extensão de um título executivo, importa começar por, no âmbito do último elemento de interpretação referido, enquadrar a norma interpretanda no complexo normativo aplicável.

Como se referiu, o art. 703º. Nº 1, do CPC contém uma enumeração categoricamente taxativa[3] dos títulos executivos: à execução apenas podem servir de base os títulos aí indicados, como é o caso dos documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – al. d).

Assim, considerando esse carácter taxativo, a constituição pelo legislador de novos títulos executivos é verdadeiramente excepcional, não comportando a respectiva norma aplicação analógica; apenas admite interpretação extensiva (art. 11º do CC).

De todo o modo, como se verá de seguida, não parece que, no caso e tendo em atenção a interpretação que se preconiza, exista uma lacuna que devesse ser preenchida por analogia ou, sequer, que o texto da norma interpretanda fique aquém do que se pretendeu dizer (do seu espírito), por forma a justificar a extensão do seu âmbito.

Conforme dispõe o art. 6º, nº 1, do DL 268/94, acima reproduzido, sob a epígrafe Dívidas por encargos de condomínio, constitui título executivo a acta da assembleia de condóminos que tiver deliberado sobre:

- O montante das contribuições devidas ao condomínio;

- Quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns;

- O pagamento de serviços de interesse comum.

É notório que a norma não contempla expressamente as deliberações que apliquem penas pecuniárias a condóminos incumpridores[4].

Pode, é certo, considerar-se que, no seu significado comum, essas penas não deixam de ser "contribuições devidas ao condomínio", pois constituem receita deste. Mas não é esse, seguramente, o sentido da expressão utilizada na norma, como é revelado, desde logo, de forma clara, pela própria epígrafe do artigo – Dívidas por encargos de condomínio. Ora, a pena pecuniária não constitui uma dívida por encargos de condomínio.

A nosso ver, é estabelecida uma nítida correspondência entre essas dívidas e as que são previstas no art. 1424º, nº 1, do CC, que consagra a responsabilidade dos condóminos pelas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e pelo pagamento de serviços de interesse comum.

O conceito de encargo de condomínio, utilizado no citado art. 6º, nº 1, tem, assim, um sentido preciso, que corresponde, literal e substancialmente, ao que consta da norma do art. 1424º, nº 1.

É o incumprimento destes encargos pelos condóminos que legitima a deliberação da assembleia que o reconheça, gerando, deste modo, o título executivo. Este não abrange, por isso, as penas pecuniárias que podem ser aplicadas, nos termos do art. 1434º, nº 1 (segunda parte), do CC.

Por outro lado, agora quanto à razão de ser da norma e ao fim visado por esta, como se referiu já, foi preocupação do legislador procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros[5].

Exemplo dessas soluções é a eficácia executiva reconhecida às deliberações da assembleia previstas no citado art. 6º, nº 1, evitando-se, assim, o recurso à acção declarativa e possibilitando uma mais rápida cobrança das prestações devidas pelos condóminos. Cobrança mais rápida que é imperiosa no caso das dívidas por encargos de condomínio, por estarem em causa prestações que são absolutamente indispensáveis ao normal funcionamento e gestão do condomínio.

O mesmo não se passa, porém, com as penas pecuniárias, destinadas a compelir e pressionar os condóminos a cumprir e que, por isso, não visam imediatamente a satisfação de despesas, constituindo antes uma receita eventual do condomínio.

Assim, não tendo directamente por objecto a satisfação de despesas ou encargos que são essenciais ao normal funcionamento do condomínio, não existem razões que justifiquem ou imponham uma particular celeridade na sua cobrança.

Importa ainda referir que, apesar do travão estabelecido com o limite quantitativo estabelecido no art. 1434º, nº 2, o certo é que, como se observa no acórdão recorrido, a discussão se coloca com frequência em torno da legalidade dos montantes das penas, muitas vezes fixados em valores desproporcionados (a que não será estranha uma certa "vontade punitiva de moralizar os incumprimentos"), a justificar um controlo acrescido, foram do âmbito do processo executivo.

Deve, por conseguinte, interpretar-se a norma do art. 6º, nº 1, do DL 268/94 no sentido de que as dívidas aí previstas e que podem integrar o título executivo são as que têm origem nos encargos com a conservação e fruição das partes comuns e com os serviços de interesse comum (art. 1424º, nº 1 do CC), estando excluídas as penas pecuniárias aplicadas nos termos do art. 1434º, nº 1, do CC.

É este, parece-nos, o sentido que a letra norma mais claramente comporta e que corresponde ao pensamento legislativo.

Resta uma referência à afirmação da recorrente de que a interpretação aqui acolhida representa uma interpretação adversa dos comandos constitucionais, "sendo tal entendimento flagrantemente violador do disposto no art. 20º, nº 1, da CRP, na medida em que, na prática, implica a denegação do direito à acção, por razões económicas, pela ausência de vontade dos condóminos em, por deliberação suplementar, quererem suportar tais custos, por, no seu (legítimo) entendimento, não estarem para pagar ainda mais para a perseguição ao caloteiro".

Como parece evidente, as razões invocadas nada têm a ver com o princípio consagrado no art. 20º, nº 1, da CRP e, designadamente, com o de que o direito de acesso à justiça não pode ser denegado por razões económicas. Estará mais em causa a falta de vontade dos condóminos em suportar mais custos.

De todo o modo, está salvaguardada na legislação ordinária qualquer eventual limitação de acesso à justiça que decorra de insuficiência económica do interessado.

Por outro lado, não está também em causa o direito a um processo de execução, a que a recorrente poderá sempre aceder, desde que munida de título que o permita, sendo certo que o legislador dispõe de ampla margem na modelação deste processo e, bem assim, na fixação dos títulos que lhe podem servir de fundamento.

Improcede, pois, esta questão.

Em conclusão:

O art. 6º, nº 1, do DL 268/94, de 25/10, deve ser interpretado no sentido de que as dívidas aí previstas e que podem integrar o título executivo são as que têm origem nos encargos com a conservação e fruição das partes comuns e com os serviços de interesse comum (art. 1424º, nº 1 do CC), estando excluídas as penas pecuniárias aplicadas nos termos do art. 1434º, nº 1, do CC.

V.

Em face do exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2021.

F. Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

Tem voto de conformidade dos Exmos Adjuntos (art. 15ºA aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Proc. nº 956/14.6TBVRL-T.G1.S1
F. Pinto de Almeida (R. 382)
Cons. José Rainho; Cons.ª Graça Amaral
[2] Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 06.02.2020, acima citado.
[3] Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 75.
[4] Sendo certo que, como sublinha Abrantes Geraldes, a exequibilidade aqui prevista "está delimitada pelas obrigações expressamente referidas na lei" – Títulos executivos, em Themis, Ano IV, nº 7, 66.
[5] Preambulo do DL 268/94.